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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Sumário: 7.1 Conceito: 7.1.1 Posicionamento; 7.1.2 Distinção entre direitos e garantias fundamentais; 7.1.3. Natureza dos direitos e garantias fundamentais7.2 Características7.3 Eficácia e aplicabilidade: 7.3.1 Eficácia vertical e eficácia horizontal dos direitos fundamentais; 7.3.2 Eficácia irradiante dos direitos e garantias fundamentais; 7.3.3 Teoria dos quatro status de George Jellinek7.4 Geração, gestação, gênese ou dimensão de direitos fundamentais7.5 Rol não taxativo7.6 Colidência e relatividade dos direitos e garantias individuais e coletivos7.7 Abrangência dos direitos fundamentais7.8 Direitos fundamentais básicos: 7.8.1 Vida; 7.8.2 Liberdade; 7.8.3 Igualdade; 7.8.4 Segurança; 7.8.5 Propriedade7.9 Exercícios de fixação.

7.1 CONCEITO

Os direitos fundamentais são os direitos considerados indispensáveis à manutenção da dignidade da pessoa humana,1 necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual.

Os direitos fundamentais são, antes de tudo, limitações impostas pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado Federal, sendo um desdobramento do Estado Democrático de Direito (art. 1.º, parágrafo único).

7.1.1 Posicionamento

O termo “direitos e garantias fundamentais” está previsto no título II da CR e engloba:

a)   direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.º);

b)   direitos sociais (arts. 6.º a 11);

c)   direitos à nacionalidade (arts. 12 e 13);

d)   direitos políticos (arts. 14 a 16);

e)   partidos políticos (art. 17).

7.1.2 Distinção entre direitos e garantias fundamentais

Como se pode notar, o título II da Constituição traz tanto direitos quanto garantias, por isso, para melhor entendimento, é necessário traçar distinção entre os termos, sendo direitos fundamentais bens e benefícios previstos na Constituição e garantias fundamentais ferramentas insculpidas para resguardar e possibilitar o exercício dos direitos.

Os direitos fundamentais existem para que a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CR) possa ser exercida em sua plenitude.2 Caso não haja normas que assegurem e tutelem esses direitos, a ofensa atingirá a própria dignidade.

Ao longo da Constituição podemos constatar uma série de bens e direitos, v.g.:

a)   o direito de crença (art. 5.º, VI) é resguardado pela garantia da proteção aos cultos e suas liturgias (art. 5.º, VI);

b)   o direito à liberdade de expressão (art. 5.º, IX) é resguardado pela vedação à censura (art. 5.º, IX);

c)   o direito à liberdade de locomoção (art. 5.º, XV) é garantido pelo princípio do devido processo legal (art. 5.º, LIV);

d)   o direito à ampla defesa (art. 5.º, LV) está assegurado pela garantia do contraditório (art. 5.º, LV), e assim por diante.

Ocorre que, por vezes, as garantias simples não são suficientes para resguardar o direito, e a ofensa ao direito ignora a garantia que paira sobre ele. Nessas hipóteses, é necessário utilizar garantias mais incisivas, que provocam necessariamente intervenção de alguma autoridade. A estas garantias dá-se o nome de remédios constitucionais.

Nestes termos, se, por exemplo, o direito à locomoção (art. 5.º, XV) for violado em total desprezo à garantia do devido processo legal (art. 5.º, LV), é necessário manejar o habeas corpus (art. 5.º, LXVIII), uma garantia que provocará o órgão judicial para restituir o direito à liberdade de locomoção (art. 5.º, XV) à pessoa.

Assim, podemos afirmar que, além das garantias fundamentais gerais previstas na Constituição, como a vedação à censura, o devido processo legal, o contraditório, a publicidade dos atos processuais, o respeito à integridade física do preso e assim por diante, existem também as garantias fundamentais instrumentais (ou específicas), que provocam intervenção de autoridades para resguardar e assegurar os direitos fundamentais. Essas garantias podem ser judiciais ou administrativas, a depender da natureza da atuação do ente que intervém. Será garantia fundamental instrumental administrativa (remédio constitucional administrativo) quando a autoridade intervém na qualidade de agente administrativo (art. 5.º, XXXIV, a e b), e será garantia fundamental instrumental judicial (remédio constitucional judicial) quando a autoridade atuar como agente judiciário (art. 5.º, LXVIII ao LXXIII).

7.1.3. Natureza dos direitos e garantias fundamentais

Uadi Lammego Bulos3 explica que quatro correntes nasceram para explicar a natureza dos direitos e garantias fundamentais:

a)   Natureza juspositivista (Hans Kelsen e Herbert Hart) – originam-se de normas constitucionais positivas, pois foram colocados na constituição por obra do poder constituinte. A positivação tem natureza constitutiva.

b)   Natureza jusnaturalista (Ronald Dworkin, John Rawls, Jurgen Habermas e Agnes Heller) – nasceram do Direito Natural, porque preexistem à obra do Poder Constituinte. A positivação tem natureza declaratória. Esta vertente foi encampada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujo art. 2.º ensina: “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”.

c)   Natureza idealista (Wilhelm Dilthey e Heinrich Rickert) – defluem do universo abstrato das ideias acolhidas ao longo do tempo.

d)   Natureza realista (Norberto Bobbio) – Resultam de lutas políticas e sociais.

7.2 CARACTERÍSTICAS

Os direitos fundamentais são dotados de características próprias, dentre as quais podemos citar como principais:

a)   extrapatrimonialidade, uma vez que não são direitos mensuráveis economicamente;

b)   universalidade, pois são aplicados a todos, indistintamente;

c)   inalienabilidade, na medida em que são direitos inegociáveis e intransferíveis, não podendo vender, doar ou ceder os referidos direitos a qualquer título;

d)   imprescritibilidade, posto que não se extinguem pelo desuso, inércia;

e)   irrenunciabilidade: é possível deixar de exercer estes direitos, mas renunciálos, nunca. Um lutador de boxe, por exemplo, abre mão, por tempo determinado, à sua integridade física; porém, a qualquer momento, pode parar de lutar e fazer valer o direito que lhe é inerente;

f)   vinculantes – os poderes públicos devem observar as normas supremas da Constituição, notadamente seus direitos fundamentais;

g)   interdependência – o gozo das liberdades públicas não exclui o exercício de outros direitos, pelo contrário, o usufruto de um direito fundamental pressupõe o gozo simultâneo de outros ou mesmo de todos os direitos fundamentais;

h)   indivisibilidade – todos os direitos fundamentais são merecedores de igual tratamento; não tem como se pensar em igualdade sem falar de liberdade e assim por diante;

i)   historicidade: significa que os direitos fundamentais são históricos, surgiram emblematicamente com a revolução burguesa e evoluíram no correr dos tempos.

Alguns doutrinadores sustentam, como mais uma caraterística, a relatividade dos direitos fundamentais sob o argumento de que não existe direito fundamental absoluto.

Esse foi o entendimento que o STF firmou no MS 23.452 (Rel. Celso de Mello, DJ. 12.05.2000), em que afirma que, com base no princípio da convivência entre liberdades, nenhuma prerrogativa pode ser exercida de modo danoso à ordem pública e aos direitos e garantias fundamentais, os quais sofrem limitações de ordem ético-jurídica.

É certo que podem existir restrições a direitos fundamentais, mas isso somente ocorrerá por disposição expressamente constitucional (restrição imediata), e.g., art. 5.º, XI e XII, ou por meio de lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição mediata),4 v.g., art. 5.º, LVIII.

Realmente, a grande maioria de direitos fundamentais admite exceção, como a vida que sucumbe à legítima defesa ou a pena de morte em caso de guerra. A aplicação desta mesma pena de morte (fuzilamento) seria uma hipótese de tortura em razão do sofrimento físico e psíquico que causa.

Reforça ainda mais essa teoria a ideia de que na decretação do estado de sítio com fundamento em guerra ou agressão armada toda e qualquer garantia constitucional pode sofrer restrição, desde que expressamente conste no decreto presidencial.5

7.3 EFICÁCIA E APLICABILIDADE

Ao contrário do que o art. 5.º, § 1.º, da CR possa fazer parecer, não são todos os direitos fundamentais que possuem aplicação imediata.

Nas palavras de José Afonso da Silva,6 “as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, como requer o art. 5.º, § 1.º. No entanto, as normas que definem direitos econômicos e sociais prevendo lei integradora são de eficácia limitada de princípios programáticos e aplicabilidade mediata, p. ex., art. 5.º, XXIV”.

7.3.1 Eficácia vertical e eficácia horizontal dos direitos fundamentais

É bom que se distinga eficácia vertical e eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

A eficácia vertical é o motivo inicial para criação dos direitos fundamentais e visam a impor obrigações (positivas ou negativas) ao Estado. Nestes termos, os direitos fundamentais produzem efeitos na relação indivíduo-Estado.

Já a eficácia horizontal (ou eficácia externa, privada, em relação a terceiros ou particular), desenvolvida na década de 50 na Alemanha (drittwirkung), está correlacionada ao respeito que os cidadãos devem possuir com as demais pessoas da sociedade.

Na relação particular-particular devem ser observados direitos fundamentais como vida, intimidade, vida privada, honra, liberdade de locomoção, pensamento, religião e assim por diante.

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais já é reconhecida pela Corte Suprema, que deixou assente que “as violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados”.7

A eficácia diagonal, por sua vez, se aplica à relação empregado-empregador que, apesar de ser uma relação privada, não é, propriamente uma relação entre iguais, uma vez que na maioria das vezes deve existir subordinação para configurar a relação de emprego. Surge daí, portanto, a eficácia diagonal, que diz respeito à forma como o trabalhador deve, no seio da empresa, em sua relação de trabalho, ter respeitados os seus direitos fundamentais.

Já notou que o capítulo I do Título II da Constituição trata de direitos e deveres individuais e coletivos, mas só se positivaram direitos? Isso porque o dever está exatamente no respeito aos direitos fundamentais dos demais seres humanos.

Dois princípios dividem direitos fundamentais e devem ser observados nas relações particulares:8

a)   Princípio da eficácia direta (ou imediata) – Existem direitos fundamentais que podem ser aplicados diretamente às relações privadas, sem necessidade de edição de lei para sua concretização, e.g., art. 5.º, X;

b)   Princípio da eficácia indireta (ou mediata) – Alguns direitos fundamentais são aplicados indiretamente na relação entre particulares. Podem possuir força proibitiva – proibindo edição de leis que impeçam a atuação do Judiciário na punição às suas violações, v.g., art. 5.º, III – ou positiva, vez que possibilitam que o legislador estipule quais direitos devam ser aplicados às relações privadas, v.g., art. 5.º, XIII.

7.3.2 Eficácia irradiante dos direitos e garantias fundamentais

Os direitos e garantias fundamentais irradiam seus mandamentos a todos os setores funcionais e territoriais do Estado.

São abrangidos pelos direitos fundamentais os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que não podem atuar, editar leis ou julgar contrariamente aos preceitos essenciais à manutenção da dignidade da pessoa humana.

7.3.3 Teoria dos quatro status de George Jellinek9

A teoria que passaremos a analisar está umbilicalmente ligada à eficácia vertical dos direitos fundamentais,10 pois foi teoria desenvolvida no século XIX para analisar as formas como o cidadão se porta diante do Estado, tendo como roteiro os direitos fundamentais.

Segundo esta teoria, o indivíduo possui quatro status perante o Estado:

a)   Status passivo (ou subjectionis) – O indivíduo pode encontrar-se em posição de subordinação diante dos poderes públicos, caracterizando-se como detentor de deveres com o Estado, que possui competência para vincular o indivíduo, por meio de mandamentos e proibições;

b)   Status negativo – Em outros momentos e situações, é imperioso que o Estado não intervenha no poder de autodeterminação do indivíduo, tornando o cidadão livre de ingerências dos poderes públicos, gozando de liberdade de atuação;

c)   Status positivo (ou civilitatis) – Quando o indivíduo pode exigir do Estado prestações positivas, fazendo com que os poderes públicos atuem positivamente em seu favor, mediante a oferta de bens e serviços;

d)   Status ativo – Neste caso, o indivíduo goza de competências para influir sobre a formação da vontade estatal, correspondendo essa posição ao exercício dos direitos políticos, manifestados principalmente por meio do voto.

7.4 GERAÇÃO, GESTAÇÃO, GÊNESE OU DIMENSÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Tradicionalmente, os direitos fundamentais são divididos em três dimensões. Cada dimensão foi construída e conquistada em determinado momento histórico; por isso, por vezes recebe o termo “geração”. Porém, este termo pode induzir ao entendimento de que uma geração sucede a outra, o que não é verídico. Na verdade, cada dimensão (ou geração) acresce a outra, formando o conjunto de direitos fundamentais que atualmente concebemos.

Por questões didáticas, dividiremos as dimensões em seis, apesar de concordar com a doutrina tricotômica tradicional, em que cada uma das dimensões está traduzida nos ideais da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade). A partir da quarta geração, verificamos antigos direitos adaptados às novas exigências.11 Até mesmo a doutrina não chega a um acordo do que seriam a quarta, a quinta e a sexta gestação de direitos fundamentais.

A primeira dimensão de direitos fundamentais foi construída em 1789 com a revolução francesa e buscava impor limites à atuação do Estado e à criação de um Estado liberal; por isso, ficou conhecida como direito à prestação negativa (non facere) do Estado. São alguns exemplos os direitos à liberdade, à vida, à inviolabilidade de domicílio, correspondência, telefônica, à propriedade e assim por diante.

Podemos citar como antecedentes históricos formais a Magna Carta Libertatum (1215), Petition of Right (1628), Habeas corpus Amendment Act (1679), Bill of Rights (1688), Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776) até a Revolução Francesa, que culminou na Constituição daquele país, impondo restrições ao Estado de modo a concretizar o nascimento da primeira dimensão citada.

A segunda dimensão de direitos fundamentais foi fruto da revolução industrial europeia, a partir do século XX.

Em razão das péssimas condições de trabalho, eclodiram movimentos como o cartista na Inglaterra e a Comuna na França (1848).

O início do século XX ficou marcado pela Primeira Guerra Mundial e pela luta em prol dos direitos sociais.

Nessa quadra da história, surgiram as constituições sociais, como a Constituição Mexicana de 1917, e a de maior repercussão, a Constituição da República de Weimar, Alemanha, de 1919, em que se buscava mais auxílio do Estado, incorporando direitos sociais, trabalhistas, culturais e econômicos. Por isso, são conhecidos como direito à prestação positiva (facere), dentre os quais se destacam os direitos sociais como saúde, trabalho, alimentação, educação, salário mínimo e aposentadoria, dentre outros.

Esses direitos representam a esperança da justiça social e de uma vida mais digna do ser humano na sociedade em que participa, aliada na ideia de uma justiça distributiva e no reconhecimento de direitos dos hipossuficientes, em busca de uma igualdade material. Contudo, esses direitos recebem a crítica de possuírem baixa densidade normativa e, por isso, são muito dependentes do Estado em sua função legislativa e administrativa.

A terceira dimensão de direitos fundamentais foi criada em razão da necessidade de tutela dos direitos de toda a sociedade, por isso são os chamados direitos metaindividuais ou transindividuais (direitos difusos e coletivos strictu sensu), como o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado,12 à solidariedade, ao desenvolvimento, à fraternidade e assim por diante.

A quarta dimensão de direitos fundamentais13 surge na doutrina de Norberto Bobbio,14 como o direito à engenharia genética (patrimônio genético de cada indivíduo), do qual se extraem direitos como congelamento de embrião, pesquisas com células-tronco, inseminação artificial, barriga de aluguel etc.

A quinta dimensão de direitos fundamentais15 aponta para uma nova preocupação no direito, que são as questões inerentes ao universo virtual. Assim, a quinta dimensão é apontada como o direito cibernético, o que engloba tutela de software, direito autoral pela internet, proteção dos crimes virtuais e assim por diante.

A sexta dimensão de direitos fundamentais já está sendo construída e, para alguns, seria o direito de buscar a felicidade.

Em que pese ser uma tese válida, não concordamos em elencar a busca da felicidade como uma sexta geração. Esse direito já havia sido disposto por Thomas Jefferson na declaração de independência dos Estados Unidos de 04.07.1776. Isso significa que ela já existia entre nós, antes mesmo da primeira geração.16

Dimensão

Direito

Primeira

Direito à prestação negativa (direitos civis, políticos e individuais)

Segunda

Direito à prestação positiva (direitos sociais, culturais e econômicos)

Terceira

Direitos metaindividuais ou transindividuais (ex.: direitos do consumidor, ao meio ambiente, fraternidade)

Quarta13

Engenharia genética (Norberto Bobbio) ou globalização (Paulo Bonavides)

Quinta

Direito cibernético (Norberto Bobbio)

Sexta

Direito de procurar a felicidade

7.5 ROL NÃO TAXATIVO

A extensa relação prevista nos 78 incisos do art. 5.º não é taxativa. O próprio art. 5.º, § 2.º, avisa que este rol é exemplificativo.

Os direitos constantes no referido rol não excluem outros direitos de caráter constitucional decorrente do regime e dos princípios adotados pela Constituição, desde que expressamente previstos, mesmo que de forma difusa.

7.6 COLIDÊNCIA E RELATIVIDADE DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Os direitos fundamentais não podem ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo para possibilitar a prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro estado democrático de direito.

Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela CR, portanto, como já explanado, não são ilimitados, uma vez que encontram limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).

Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação a outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada um, sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto fundamental como sua finalidade precípua.

Deve-se distinguir as colisões entre os direitos fundamentais em:

I – Restrição dos direitos fundamentais – que se divide em restrição “por lei” (quando há restrição explícita em lei) ou “com base na lei” (quando realizada pelos intérpretes do texto constitucional, diante da inexistência de previsão constitucional expressa).

A reserva “por lei” pode ser simples (reduz-se a facultar a intervenção legislativa, p. ex., art. 5º, VI, XV, da CR) ou qualificada (em que existe uma missão maior para a lei, como no art. 5º, XII e xIII).

II – Colisão dos direitos fundamentais – quando há um conflito real com outro direito, idêntico ou não.

Nesse caso, ainda existe a possibilidade de existir uma colisão em sentido impróprio, na qual o exercício de um determinado direito fundamental entra em colisão com outros bens constitucionalmente protegidos, como saúde pública, patrimônio cultural, defesa nacional, família.

7.7 ABRANGÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Apesar de a redação do art. 5.º, caput, se referir somente aos brasileiros e estrangeiros residentes, os direitos fundamentais são dirigidos a todas as pessoas que estejam no território nacional, sejam brasileiros, estrangeiros, residentes ou não.

Pessoas jurídicas também gozam da proteção constitucional no que couber, como, por exemplo, art. 5.º, IX, XII, XVII, XXII, e assim por diante. Explica-se: nem todos os direitos fundamentais se encaixam às pessoas jurídicas, como direito à honra subjetiva, locomoção e reunião, mas outros direitos lhes são perfeitamente aplicados, tais como o direito à propriedade, honra objetiva, segurança. Por isso, diz-se que as pessoas jurídicas são abarcadas pelos direitos fundamentais no que couber.

7.8 DIREITOS FUNDAMENTAIS BÁSICOS

Apesar de existirem 78 incisos, é certo que só existem cinco direitos básicos.

O art. 5.º, caput, dispõe que os direitos inerentes à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade serão exercidos nos moldes insculpidos pelos incisos do mesmo artigo.

Se notarmos, todos os incisos são variações dos cinco direitos, como, por exemplo, o direito à liberdade, que possui incisos regulando a liberdade de pensamento (IV, V); liberdade de religião, convicção filosófica e política (VI, VII, VIII); liberdade de expressão (IX); liberdade de profissão (XIII); liberdade de locomoção (XV); liberdade de reunião (XVI); liberdade de associação (XVII ao XXI), e assim por diante.

7.8.1 Vida

A vida é um verdadeiro pressuposto dos demais direitos fundamentais, uma vez que praticamente todos os direitos fundamentais dependem de vida para poderem ser exercidos. Por isso, apesar de não existir hierarquia normativa (pois todos os direitos estão no mesmo diploma – Constituição), axiologicamente é comum pessoas colocarem a vida como o principal direito fundamental.

O início da vida é um dos temas mais controversos entre as comunidades científica, filosófica e religiosa.

Para discorrer sobre o tema, traremos as principais teorias sobre o início da vida humana:

a)   teoria concepcionista – A fecundação do óvulo pelo espermatozoide já é o suficiente para determinar o início da vida. O art. 4, 1, do Pacto de San José da Costa Rica (Decreto 678/1992), prevê a tutela dos direitos desde a concepção. O art. 2.º do CC/2002 caminhou no mesmo sentido, assim como o Código Civil argentino (art. 70), suíço (art. 31), francês (art. 2), venezuelano (art. 17), dentre outros;

b)   teoria da nidação – Após a fecundação, o óvulo fecundado (ovo) inicia um deslocamento lento das trompas (local da fecundação) para o útero. Chegando ao útero, ele precisa se fixar para a gravidez poder evoluir. Esse processo de fixação chama-se nidação e ocorre entre 4 e 15 dias após a fecundação.17

Nesse passo, como o embrião não pode se desenvolver fora do útero, o início da vida estaria ligado à efetiva nidação;

c)   teoria do sistema nervoso central18 – Para essa teoria, o sistema nervoso, essencial ao cidadão, seria determinante para fixar o início da vida. Para o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, “vida, no sentido de existência em desenvolvimento de um indivíduo humano, começa, de acordo com reconhecidas descobertas biológico-fisiológicas, no décimo quarto dia depois da concepção19 (destacamos). A partir deste momento, “as células, antes multipotentes, começam a se diferenciar e a se converter em oligopotentes, dando causa à formação da placa neural e de outros tecidos”,20 e o feto passa a ter capacidade neurológica de sentir dor e prazer;21

d)   teoria da pessoa humana tout court – Esta expressão francesa, que significa “sem nada mais a acrescentar”, importa no entendimento de que a transição da “pessoa humana em potencial” para a pessoa humana com capacidade de existir fora do útero materno, isto é, “pessoa humana efetiva”, ocorre entre a 24.ª e a 26.ª semana de gestação.

A Suprema Corte norte-americana e o Comitê Nacional de Ética francês se utilizam deste critério;

e)   teoria natalista – A pessoa somente existe a partir do seu nascimento com vida, ou seja, somente com a primeira inalação do ar atmosférico temos vida. Para essa posição, o nascituro não é pessoa.22

Há doutrina que sustenta ser esta a teoria adotada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro.23 Porém, ao proibir o aborto, podemos ser levados a crer que o Supremo é afeito à teoria concepcionista.

A autorização para que seja usada a chamada “pílula do dia seguinte” poderia nos levar à teoria da nidação. A intenção é que este remédio seja usado antes que a fecundação ocorra, dificultando o encontro do espermatozoide com o óvulo. Contudo, se a fecundação já tiver ocorrido, a pílula irá provocar uma descamação do útero, impedindo a implantação do ovo fecundado (nidação). Caso já tenha ocorrido a nidação, a pílula não tem efeito algum.

7.8.1.1 Aborto

Maria Helena Diniz24 divide o aborto em seis subclassificações:

a)   terapêutico – ocorre quando não houver outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário) ou para evitar que a gravidez gere enfermidade grave para ela.

O art. 128, I, do Código Penal autoriza o aborto na primeira hipótese, porém a segunda não possui excludente de tipicidade, sendo sua prática considerada fato típico;

b)   sentimental – quando a gravidez é decorrente de estupro. Este caso também possui norma penal permissiva (art. 128, II, do CP), sendo considerado fato atípico se o aborto for precedido de consentimento da gestante ou de seu representante legal, se incapaz;

c)   econômico – quando os pais não possuem condições financeiras de prover a subsistência do filho;

d)   eugênico – quando o nascituro tem doenças ou anomalias físicas ou mentais;

e)   estético – quando a mãe não deseja sofrer os efeitos da gravidez em seu corpo;

f)   honoris causa – realizado quando a gestante quiser ocultar a gravidez da sociedade, como no caso de adultério ou de menor que tem medo da reação dos pais.

As quatro últimas hipóteses são vedadas pelo nosso ordenamento jurídico, sendo que o aborto eugênico gerou, e ainda gera, inflamadas discussões, tendo seu ápice na ADPF 54, em que se discutiu a possibilidade de aborto de feto anencéfalo.

Antes de seguir, é bom deixar claro que aborto eugênico não é sinônimo de anencefalia.

Eugenia é o estudo de condições mais propícias à reprodução e “melhora” da raça humana,25 sendo o aborto eugênico realizado quando o feto não está de acordo com os padrões formais sociais. Nesse sentido, todo tipo de “inadequação física” do feto geraria aborto, como, por exemplo, lábio leporino, ausência de um membro, hidrocefalia, microcefalia e anencefalia.26

Na ADPF 54 o STF analisou somente a anencefalia, que é uma espécie de má-formação congênita que atinge cerca de 1 em cada 1000 bebês. A palavra anencefalia significa “sem cérebro”, porém o bebê anencéfalo possui o cérebro-tronco. Todavia, não possui hemisférios cerebrais e o córtex. Quando um bebê anencéfalo sobrevive após o parto, terá apenas algumas horas ou alguns dias de vida.27

Há posições doutrinárias inflamadas a favor e contra o aborto, todas com excelentes teses. Os nossos Tribunais, especificamente o STJ e o STF, têm oscilado em um e outro sentido.

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que não há previsão legal expressa que autorize o aborto neste caso, não cabendo ao magistrado acrescentar mais uma hipótese onde a lei não o faz.28

No mesmo Tribunal, essa questão já foi entendida diversamente, no sentido de que esse aborto deve ser considerado fato atípico, pois se existe diagnóstico médico definitivo atestando a inviabilidade da vida após o período gestacional, a indução antecipada do parto não configura aborto, vez que a morte do feto é inevitável.29

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, concluiu nos dias 11 e 12 de abril de 2012 a famosa Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF e, após audiência pública30 e acalorados debates, decidiu, de forma não unânime, que a interrupção da gestação de feto anencéfalo é fato atípico.31

A demanda proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde – CNTS foi polêmica desde o início. Nestes autos, o Ministro Marco Aurélio Mello havia proferido monocraticamente liminar autorizando o aborto.32 Contudo, a liminar foi revogada ao submeter a medida precária ao plenário da Corte.33 Posteriormente, em um dos julgamentos mais importantes de 2012 o Pretório Excelso decidiu pela atipicidade.

Dada a relevância do tema, cabe trazer o principal argumento e o voto de cada magistrado:

Min. Marco Aurélio
(Atipicidade)

1. Descreveu que anencéfalo não teria vida em potencial, de sorte que não se poderia cogitar de aborto eugênico, o qual pressuporia a vida extrauterina de seres que discrepassem de padrões moralmente eleitos.

2. O tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

3. A tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalo não se coadunaria com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantiriam o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde.

4. Assentou que o feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, seria juridicamente morto, de maneira que não deteria proteção jurídica, principalmente a jurídico-penal.

Min. Rosa Weber
(Atipicidade)

1. O exercício de direitos do nascituro estaria condicionado a seu nascimento com vida, quando adquiriria personalidade civil.

2. Não se trataria de interpretação do art. 128 do CP (que definiria as excludentes de ilicitude), mas dos arts. 124 e 126, no tocante ao fato de a anencefalia estar ou não incluída no conteúdo do tipo aborto. Assim, a discussão fundar-se-ia a respeito do conteúdo do tipo, e não sobre eventual existência de excludente.

Min. Luiz Fux
(Excludente de ilicitude)

1. Bem jurídico em eminência seria exatamente a saúde física e mental da mulher, confrontada em face da desproporcionalidade da criminalização do aborto.

2. Essa ponderação de preceitos denominar-se-ia “estado de necessidade justificante”, consectariamente o art. 128 do CP deveria receber releitura moral.

Min. Cármen Lúcia

1. Direito à vida e à liberdade, dignidade da vida e direito à saúde.

2. A interrupção da gravidez não seria criminalizável.

Min. Ayres Britto
(Atipicidade)

1. – Inexistiria o crime de aborto, visto que seu objeto seria natimorto cerebral, ser padecente de inviabilidade vital. Assim, “aborto” de anencéfalo seria coloquialismo, e não uso correto da linguagem jurídica, considerada a atipicidade da conduta. Concluiu, a partir da base plural de significados exposta, que o fato seria atípico.

Min. Gilmar Mendes
(O aborto de anencéfalo transitaria entre o estado de necessidade e a inexigibilidade de conduta diversa. )

1. Praticamente metade dos países membros da ONU reconheceriam a possibilidade de interrupção da gravidez no caso de anencefalia do feto. Sublinhou que, nessa listagem, encontrar-se-iam Estados com população de forte base religiosa.

2. O aborto seria típico, visto que o feto anencéfalo poderia nascer com vida, ainda que breve. Ademais, entendeu inadequado tratar o fato como atípico, porquanto parte da sociedade defenderia a vida e a dignidade desses fetos.

3. A gestação de feto anencefálico representaria maior risco para a saúde da mãe do que uma gravidez comum, do ponto de vista físico, embora não atingida a gravidade requerida no art. 128, I, do CP.

4. Aborto de anencéfalo estaria compreendido entre as duas causas excludentes de ilicitude previstas no CP, mas seria inimaginável para o legislador de 1940, pelas limitações tecnológicas existentes, incluir a hipótese no texto legal.

Min. Celso de Mello
(Atipicidade)

1. Reputou atípica a conduta, visto que, se nascessem, seriam natimortos cerebrais, ou seja, não haveria vida a ser tutelada pela norma penal.

Min. Ricardo Lewandowski
(Crime)

1. O CP isenta de pena duas hipóteses taxativamente definidas: no chamado “aborto necessário” e no denominado “aborto sentimental” (art. 128, I e II, do CP).

Assim, seria penalmente imputável o abortamento induzido de feto mal formado.

2. A isenção de pena relacionada ao aborto nesses casos seria discutível do ponto de vista ético, jurídico e científico, diante dos distintos aspectos que a deficiência poderia apresentar.

Por outro lado, abriria as portas para a interrupção da gestação em inúmeros outros casos.

Min. Cezar Peluso
(Crime)

1. A morte encefálica seria distinta da anencefalia, a qual integraria, ainda que brevemente, processo contínuo e progressivo da vida.

2. A morte encefálica seria situação de prognóstico, de irreversibilidade em que não haveria sequer respiração espontânea, o que não seria a situação do anencéfalo.

3. Não se pode invocar direitos para, egoisticamente, eliminar a vida de outrem.

7.8.1.2 Pesquisa com células-tronco embrionárias

Outra questão polêmica que chegou à Corte máxima brasileira foi a possibilidade de realização de pesquisas com células-tronco embrionárias.

A ADI 3.510/DF, de 31.05.2005, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, buscava a declaração de inconstitucionalidade do art. 5.º e parágrafos da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), colocando sobre a mesa do STF a discussão em torno da permissão legal para utilização de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias.34

Este processo, diga-se de passagem, foi considerado um divisor de águas no processo democrático participativo de decisões judiciais, pois, diante da complexidade do tema, o Ministro Relator Carlos Ayres Britto convocou a primeira audiência pública,35 entendendo que, “além de subsidiar os Ministros deste Supremo Tribunal Federal, também possibilitará uma maior participação da sociedade civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o que certamente legitimará ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário desta nossa colenda Corte”,36 demonstrando, assim, grande preocupação com o processo dialógico-democrático.

No julgamento, a ação foi julgada improcedente para declarar constitucional o art. 5.º e parágrafos da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), autorizando a pesquisa com células-tronco embrionárias.37

7.8.1.3 Eutanásia, distanásia e ortotanásia

Outro tema importante é sobre a possibilidade de interrupção da vida de alguém enfermo. A chamada eutanásia é comumente confundida com outros dois institutos:

a)   Eutanásia – Morte provocada por outrem por piedade, compaixão. Pode ocorrer, por exemplo, quando o paciente tem uma doença incurável que lhe causa muito sofrimento; assim, o médico lhe aplica algum medicamento para abreviar seu sofrimento e retirar-lhe a vida.

No Brasil, a eutanásia é fato típico (homicídio). Porém, dependendo do caso concreto, pode ser considerado homicídio privilegiado, tendo direito à diminuição de pena (art. 121, § 1.º, do CP);

b)   Distanásia (dis + thanasia, morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento) – É o emprego de todos os meios terapêuticos possíveis, inclusive os extraordinários, no doente agonizante, já incapaz de resistir, e no curso natural do fim de sua vida. Tais meios são empregados na expectativa duvidosa de prolongar-lhe a existência, sem a mínima certeza de sua eficácia, nem da reversibilidade do quadro;38

c)   Ortotanásia (do grego, orthós: normal, correta, e thánatos: morte) – O médico acompanha o processo natural de morte, sem prolongamento artificial. A omissão voluntária ocorre quando os meios extraordinários para prolongar a vida de alguém, embora eficazes, atingem apenas transitoriamente o objetivo buscado, de forma que a situação do paciente logo retorna à condição anterior.

O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução 1.805/2006, aprovou a prática da ortotanásia, in expressis: “Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal” (ementa).

Liminar que suspendia essa resolução, proferida nos autos da Ação Civil Pública 2007.34.00.014809-3, em trâmite no TRF – 1.ª Região, foi revogada e a ação julgada improcedente. Desta forma, após anos sem efetividade, a partir de 09.12.2010 essa resolução pôde voltar a ser aplicada.

7.8.2 Liberdade

São diversas as vertentes da liberdade previstas no art. 5.º:

a)   Liberdade de ação e omissão – “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF, art. 5.º, II).

O princípio da legalidade genérica previsto nesse inciso consagra o princípio da autonomia privada em que o Estado não pode interferir na vida do ser humano a não ser nos aspectos essenciais para estabelecer a pacificação social, como normas contratuais, penais etc. Esse princípio foi um dos fundamentos que levaram o STF a admitir a união homoafetiva, posto que não há lei proibindo a relação entre pessoas do mesmo sexo (nem poderia), não cabendo ao Judiciário fazê-lo.

b)   Liberdade de pensamento – “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.” Nessa hipótese, caso haja abuso nesta manifestação, será “assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (CF, art. 5.º, IV e V).

É bom notar que existem hipóteses em que é possível a manutenção do anonimato, como o programa de proteção a testemunhas (Lei 9.807/1999), que permite preservação da identidade, imagem e dados pessoais da testemunha (art. 7.º).

c)   Liberdade de convicção religiosa, filosófica e política – A liberdade religiosa está assegurada pelos incisos VI, VII e VIII do art. 5.º da CF: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”, “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” e “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.

A liberdade de religião torna o Estado brasileiro laico (leigo ou não confessional), o que é designado como princípio do laicismo ou laicidade. De acordo com esse princípio, não é possível pessoas serem segregadas (perder emprego, impossibilitadas de entrar em estabelecimentos etc.) em razão de sua religião. Certo é que pessoas podem se recusar a cumprir obrigação não só pela suas convicções políticas e filosóficas, mas também por sua crença religiosa (o que chamamos de escusa de consciência). Mesmo havendo previsão legal, é possível deixar de cumprir a obrigação, desde que a pessoa cumpra prestação alternativa. Caso não cumpra nem obrigação legal, nem prestação alternativa, poderá ter restrição de direitos, tais como os políticos (art. 15, IV, da CR).

É possível existir ensino religioso em escola pública, no entanto, em razão do laicismo, a matrícula será facultativa (art. 210, § 1.º, da CR) e a metodologia não confessional, sendo vedado ensinar religião específica.

d)   Liberdade de expressão, científica e de imprensa – “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (CR, art. 5.º, IX);

Importa observar que a ampla liberdade artística deve respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 221, IV). Nesse passo, as emissoras de rádio e televisão devem adaptar suas programações ao público predominante no momento de sua execução. Por isso, é perfeitamente possível o Judiciário controlar o conteúdo das programações das empresas sonoras e de sons e imagens.

e)   Liberdade de profissão – “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (CR, art. 5.º, XIII);

Apesar de esta previsão ser considerada norma de eficácia contida, podendo sofrer restrição, o STF decidiu que nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionados ao cumprimento de requisitos legais para o seu exercício. A regra é a liberdade, por isso, somente quando a atividade profissional exigir conhecimento técnico, que gere risco à coletividade, pode ser restrita por legislação que preveja requisitos especiais. Nesse sentido, o STF entendeu não ser obrigatória a inscrição compulsória de músicos no conselho de fiscalização profissional,39 e não ter sido recepcionado o art. 4.º, V, do Decreto-Lei 972/1969, que exigia diploma para o exercício da profissão de jornalista.40

Porém, ao desprover o Recurso Extraordinário 603.583, declarou constitucional os arts. 8.º, IV e § 1.º, e 44, II, da Lei 8.906/1994, que versam sobre o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), in litteris: “A obrigação estatal seria a de não opor embaraços irrazoáveis ou desproporcionais ao exercício de determinada profissão, e que existiria o direito de se obterem as habilitações previstas em lei para a prática do ofício, observadas condições equitativas e qualificações técnicas previstas também na legislação. Sublinhou-se que essa garantia constitucional não se esgotaria na perspectiva do indivíduo, mas teria relevância social (CF, art. 1.º, IV). (...) Quando, por outro lado, o risco suportado pela atividade profissional fosse coletivo, hipótese em que incluída a advocacia, caberia ao Estado limitar o acesso à profissão e o respectivo exercício (CF, art. 5.º, XIII). Nesse sentido, o exame de suficiência discutido seria compatível com o juízo de proporcionalidade e não alcançaria o núcleo essencial da liberdade de ofício. No concernente à adequação do exame à finalidade prevista na Constituição – assegurar que as atividades de risco sejam desempenhadas por pessoas com conhecimento técnico suficiente, de modo a evitar danos à coletividade – aduziu-se que a aprovação do candidato seria elemento a qualificá-lo para o exercício profissional”.41

f)   Liberdade de informação – “É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (CR, art. 5.º, XIV);

g)   Liberdade de locomoção – “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (CR, art. 5.º, XV);

A cobrança de pedágio é uma exceção constitucional a esta regra. Segundo o art. 150, V, da CR, “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”. Confira-se, ainda, a Lei Federal 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, especialmente no ponto que autoriza a cobrança de tributos pelo uso da infraestrutura urbana municipal (art. 23, III).

h)   Liberdade de reunião – “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (CR, art. 5.º, XVI);

Na análise da ADPF 187, o STF declarou constitucional a chamada “marcha da maconha”, entendendo ser direito à liberdade de pensamento e reunião, porém fixou parâmetros: “1) que se trate de reunião pacífica, sem armas, previamente noticiada às autoridades públicas quanto à data, ao horário, ao local e ao objetivo, e sem incitação à violência; 2) que não exista incitação, incentivo ou estímulo ao consumo de entorpecentes na sua realização; 3) que não ocorra o consumo de entorpecentes na ocasião da manifestação ou evento público; e 4) que não haja a participação ativa de crianças e adolescentes na sua realização”;42

Em 2013, eclodiram no Brasil diversas manifestações, nas quais assistíamos grupos democráticos exercendo seu poder legítimo e grupos de vândalos que, misturados aos manifestantes, seguiam destruindo patrimônio público e privado.

Em razão disso, foram adotadas diversas medidas administrativas e normativas, restringindo o direito de manifestação, como a Lei 6.528/2013 do Rio de Janeiro que, sob o pretexto de regulamentar o art. 23 da Constituição daquele Estado, estabelece diversas condições ao exercício da manifestação.

A restrição ao direito de reunião já havia sido analisada pelo STF em 2007, no julgamento da ADI n. 1.969-4/DF, na qual foi declarado inconstitucional o Decreto do DF 22.098/1999, que 1estabelecia limitações à liberdade de reunião e de manifestação pública, proibindo-se a utilização de carros de som e de outros equipamentos de veiculação de ideias na Praça dos Três Poderes, dentre outros locais43.

Esse julgado, inclusive, foi utilizado como parâmetro de reclamação para cassar decisão do TJ/MG que teria supostamente desafiado aquela decisão ao impedir que o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais – SIND-UTE realizasse manifestações em vias e logradouros públicos em qualquer parte do território estadual.44

Andou bem o Min. Luiz Fux, ao lembrar de um instituto norte-americano chamado doutrina dos fóruns públicos (public-forum doctrine), segundo a qual “uma sociedade livre deve criar uma plêiade de espaços nos quais se assegure, àqueles indivíduos que desejam se expressar, o direito de ter acesso aos lugares necessários para permitir a difusão da sua opinião entre as pessoas, notadamente aquelas áreas onde muitas delas se encontram (SUNSTEIN, Cass. Republic. com 2.0. New Jersey: Princeton University Press, 2007. p. 22-23).”45

i)    Liberdade de associação – “É plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”; “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”; “as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado”; “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”; e “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente” (CR, art. 5.º, XVII ao XXI).

7.8.3 Igualdade

O constituinte demonstrou preocupação particular com a igualdade. Este direito fundamental está espalhado por todo o corpo constitucional, sendo encontrado, e.g., no preâmbulo, arts. 3.º, IV, 5.º, caput, I, 7.º, XXX, e assim por diante.

Ocorre que, como disposto no capítulo pertinente a normas constitucionais e para a completa compreensão, a igualdade deve ser dividida em duas espécies:

a)   Igualdade formal – É prevista friamente no texto normativo, sem analisar as particularidades do ser humano. Esta espécie não se preocupa com as características individuais da pessoa, tal qual estabelecida no art. 5º, caput e I, da CR;

b)   Igualdade material, real ou substancial – Teoria criada por Aristóteles46 em 325 a.C., na qual pessoas diferentes devem receber diferentes tratamentos.

Esta espécie de igualdade respeita as características individuais do ser humano. Com isso, busca-se dar tratamento desigual a determinadas pessoas, a fim de que elas tenham as mesmas oportunidades e satisfações de direitos.

Normalmente, a igualdade material está em previsões normativas expressas, como as estabelecidas na Constituição nos arts. 7.º, XVIII, 37, VIII, 40, § 1.º, III, 43, 143, § 2.º, e assim por diante.

Todavia, nada impede que, diante de uma determinada situação, seja estabelecida esta igualdade, desde que respeitada a proporcionalidade. Nestes termos, diferenciação em provas físicas nos concursos públicos para homens e mulheres se justifica, mas não faz sentido limitação de número de dentes (o que ocorreu, por exemplo, em alguns concursos de gari em determinados Estados) ou de altura para alguns cargos na Administração Pública.

Como afirmado, para que esta igualdade seja utilizada, deve existir algum pressuposto lógico racional que justifique a pseudodesigualdade.

A Súmula 683 do STF dispõe que “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.

O STF utilizou a igualdade material para decidir alguns processos envolvendo quotas (reserva de vagas).

Primeiro o STF analisou a ADPF 186/DF, na qual o Partido Democratas impugnava atos realizados pela Universidade de Brasília – UnB e outras instituições, os quais instituíram sistema de reserva de 20% de vagas no processo de seleção para ingresso de estudantes, com base em critério étnico-racial.

O STF julgou improcedente a ação, pois entendeu constitucional reserva de vagas em universidades públicas por critério étnico-racial sob os seguintes fundamentos:47

a) Para efetivar a igualdade material, o Estado poderia lançar mão de políticas de cunho universalista — a abranger número indeterminado de indivíduos — mediante ações de natureza estrutural; ou de ações afirmativas48 — a atingir grupos sociais determinados — por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares.

b) Essas políticas não poderiam ser examinadas apenas sob o enfoque de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente, ao revés, deveriam ser analisadas à luz do arcabouço principiológico. A atual forma de seleção, em sociedades tradicionalmente marcadas por desigualdades interpessoais profundas, acabaria por consolidar ou acirrar distorções existentes.

c) A histórica discriminação de negros e pardos, que teria gerado, ao longo do tempo, a perpetuação de consciência de inferioridade e de conformidade com a falta de perspectiva, tanto sobre os segregados como para os que contribuiriam para sua exclusão.

d) O papel integrador da universidade. Esse ambiente seria ideal para a desmistificação dos preconceitos sociais e para a construção de consciência coletiva plural e culturalmente heterogênea.

e) Natureza transitória dos programas de ação afirmativa. Na medida em que essas distorções históricas fossem corrigidas, não haveria razão para a subsistência dos programas de ingresso nas universidades públicas.

f) A Constituição partiria da igualdade estática para o processo dinâmico da igualação.

g) O acesso à educação seria meio necessário e indispensável para a fruição de desenvolvimento social e econômico. A história universal não registraria, na era contemporânea, nenhum exemplo de nação que tivesse se erguido, de condição periférica à de potência econômica e política, digna de respeito, na cena internacional, quando mantenedora, no plano doméstico, de política de exclusão.

Também foi analisada pelo Supremo Tribunal a medida provisória 213/2004, convertida na Lei 11.096/05, que instituiu o “programa universidade para todos – Prouni”. Esse programa concederá bolsas de estudos em universidades privadas a alunos que cursaram o ensino médio completo em escolas públicas ou em particulares, como bolsistas integrais, cuja renda familiar é de pequena monta,49 com cotas para negros, pardos, indígenas e àqueles com necessidades especiais.

Na oportunidade o STF entendeu Constitucional o referido programa, uma vez que um dos cânones pétreos da educação seria garantir a igualdade de acesso a ela, o que seria viabilizado pelo Prouni. Ademais, esse programa seria exemplo eloquente de fomento público de atividades particulares relevantes, tanto mais que está de acordo com o ideário da nação, que prometeria essa sociedade justa e solidária, com a erradicação das desigualdades.50

Além do cunho social e liberal do direito à igualdade material, há ainda o cunho democrático, de que extraímos as ações afirmativas, que são políticas ou programas públicos ou privados que objetivam conceder algum tipo de benefício a minorias ou grupos sociais que se encontrem em condições desvantajosas em determinado contexto social.

Existem diversas teorias que emprestam fundamentos às ações afirmativas, dentre as quais vale ressaltar51:

a)   Fundamentação filosófica (Jules Coleman e Michel Rosenfeld) – estas ações constituem reparação ou ressarcimento dos danos causados pelas discriminações ocorridas no passado. “As ações afirmativas são adequadas para reconduzir as perspectivas de cada um ao ponto onde elas provavelmente estariam caso não houvesse a discriminação”.52

2)   Teoria da Justiça distributiva (Richard Wasserstrom e Mary Segers) – essas ações são formas de redistribuição dos ônus e bônus entre os membros da sociedade, para viabilizar o acesso de minorias ou grupos sociais a determinadas posições no futuro. “A intenção seria criar uma nova realidade social”.53 Essa posição é a adotada pelo Judiciário norte-americano.

3)   Fundamentação jurídica – estão lastreadas em alguma norma prevista na Constituição da República, tais como: arts. 3.º, I, III, IV; 4.º, VIII; 5.º, XLII; 7.º, XX e XXXI; 23, II e X; 24, XIV; 37, VIII; 170, VII; 203, IV e V; 208, III, e 227, § 1.º, II. Além das previsões contidas em leis.

Independentemente da teoria que se adote, fato é que as ações afirmativas devem sempre ser pontuais e temporárias.

7.8.4 Segurança

Guilherme Peña de Moraes54 resume bem ao afirmar que os direitos individuais cujo objeto imediato é a segurança correspondem ao:

Direito à segurança

art. 5.º, caput

Segurança das relações jurídicas

art. 5.º, XXXV, XXXVI, LXXVIII

Segurança do domicílio

art. 5.º, XI

Segurança das comunicações pessoais

art. 5.º, XII, initio

Segurança em matéria penal

art. 5.º, XXXVII a LXVII

Segurança em matéria tributária

art. 150, I a VI

Destes, alguns merecem atenção especial.

7.8.4.1 Segurança das relações jurídicas (art. 5.º, XXXV, XXXVI, LXXVIII)

O País somente se desenvolve por meio de relações jurídicas. Por óbvio, essas relações foram feitas para ser respeitadas, mas nem sempre isso ocorre, por isso é necessário que o Estado conceda segurança a essas relações amparando pessoas que tiveram seus direitos violados por terceiros. Não é por outra razão que o art. 5.º, XXXV, da CR estabelece que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário. Este é o famoso princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou acesso ao Poder Judiciário.

Porém, não se pode confundir prestação jurisdicional com tutela jurisdicional. O princípio do acesso ao Poder Judiciário impõe a prestação jurisdicional, que é o pedido de providência ao Judiciário.55 A prestação jurisdicional é dada tanto ao autor quanto ao réu. Mesmo quando julgado improcedente sem análise do mérito, o processo é submetido à autoridade estatal, que analisa a situação posta. Contudo, a tutela jurisdicional é diferente, é a satisfação do direito para uma das partes: a procedência para o autor/impetrante ou improcedência para o réu/impetrado.

Porém, de nada adianta admitir ações judiciais se essa prestação não for célere, efetiva e adequada. Por isso, a EC 45/2004 incluiu, no art. 5.º, o inciso LXXVIII, que concede a todos, no âmbito judicial ou administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação.

A EC 45/2004, conhecida como reforma do Poder Judiciário, foi editada com o intuito de desafogar esse Poder e garantir mais celeridade na tramitação processual.

A Constituição elenca três exceções ao princípio do acesso ao Poder Judiciário:

a)   Algumas autoridades, como Presidente da República, Procurador-Geral da República, Advogado-Geral da União, Ministro do STF, membro do CNJ e do CNMP, serão julgadas no Senado Federal por crime de responsabilidade (art. 52, I e II e parágrafo único, da CR); assim, mesmo que queiram se socorrer ao Judiciário, não poderão. Esta previsão não ofende o princípio do juiz natural, que determina que ninguém será processado senão pela autoridade competente.

b)   Já os arts. 42, § 1.º, e 142, § 2.º, da CRFB estabelecem a inviabilidade da propositura do habeas corpus nas infrações disciplinares militares (Polícia Militar, Corpo de Bombeiro Militar, Marinha, Exército e Aeronáutica). Ao impedir o remédio heroico, o constituinte deixou claro que não deve o Poder Judiciário interferir no mérito militar no tocante a indisciplinas. Entretanto, se houver ilegalidades, é possível que o Judiciário aprecie os direitos lesados.

c)   O art. 217, § 1.º, apresenta-nos a Justiça Desportiva determinando que somente após o esgotamento das instâncias desportivas é possível análise do Poder Judiciário de questões referentes à infração disciplinar nas competições. Como complemento, o § 2.º do mesmo artigo relativiza e afirma que a Justiça Desportiva terá o prazo máximo de 60 dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. Escoado esse prazo, é possível obter prestação jurisdicional independentemente do esgotamento.

Ainda estabelecendo a segurança das relações jurídicas, há previsão do princípio do juiz natural (art. 5.º, XXXVII e LIII), segundo o qual “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Já o art. 5º, XXXVI, impede que lei viole direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada.

Direito adquirido é aquele que já possui todos os requisitos cumpridos para seu exercício. Assim como os demais direitos, este princípio não é absoluto, sendo possível relativizar o direito adquirido diante de tributo, regime jurídico ou nova Constituição.

Já a coisa julgada (decisão judicial que não cabe mais recurso) também pode ser relativizada pela lei penal benéfica, ação rescisória, querela nulitatis, ação de investigação de paternidade (podendo desconstituir a paternidade com base em exame de DNA) e assim por diante.

7.8.4.2 Segurança de domicílio (art. 5.º, XI)

O art. 5.º, XI, da Constituição estabelece que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

O conceito do termo “casa” já foi diversas vezes alterado. Atualmente, casa é qualquer compartimento privado, não aberto ao público, onde a pessoa exerça sua profissão ou utilize como moradia. Nesse sentido, domicílio, residência, habitação, clínica médica, escritórios (de advocacia e contabilidade, e.g.), trailer, quarto de hotel ocupado podem ser considerados casa.56 Quanto a estes últimos, as camareiras possuem permissão tácita para ingressar em aposento de hotel, em razão do costume. Só estarão proibidas de entrar se houver manifestação expressa do ocupante.

Merece menção o julgamento do Inquérito 2.424, no qual o Supremo entendeu que não ocorre a inviolabilidade do escritório de advocacia quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão.57

Um tema que sempre surge em sala de aula é o conceito de “dia” previsto no art. 5.º, XI, da CR. Para conceder uma visão geral da discussão vale trazer palavras do renomado Alexandre de Moraes, citando diversos autores: “Para José Afonso da Silva, dia é o período das 6:00 horas da manhã às 18:00 (critério cronológico), ou seja, ‘sol alto, isto é, das seis às dezoito’, esclarecendo Alcino Pinto Falcão que durante o dia a tutela constitucional é menos ampla, visto que lei ordinária pode ampliar os casos de entrada na casa durante aquele período, que se contrapõe ao período da noite. Para Celso de Mello, deve ser levado em conta o critério físico-astronômico, como o intervalo de tempo situado entre a aurora e o crepúsculo”.58 Ao nosso entender, o critério cronológico é mais objetivo, concedendo maior segurança às relações processuais.

7.8.4.3 Segurança das comunicações pessoais (art. 5.º, XII, initio)

O art. 5.º, XII, estabelece que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Sem sombra de dúvidas, este dispositivo trata do direito à privacidade e avisa que é necessário ordem judicial apenas para violar a comunicação telefônica, sendo mister a investigação criminal. As outras três (correspondência, telegráficas, dados) são igualmente invioláveis, mas podem ser relativizadas independentemente de decisão judicial, por determinação de outras autoridades.

A título de exemplo, podemos citar a possibilidade de as comissões parlamentares de inquérito, Banco Central e Receita Federal determinarem a quebra de sigilo bancário independentemente de autorização judicial (LC 105/2001, art. 1.º, § 3.º).59 Observe que o Tribunal de Contas e o Ministério Público não podem quebrar sigilo de dados.

As autoridades que possuem esta atribuição, para quebrarem o sigilo de dados, precisam fundamentar, e os eventuais excessos são passíveis de indenização a serem analisados pelo Judiciário.

Já no que diz respeito às conversas realizadas por meio telefônico (comunicação telefônica), é gênero, do qual se extraem duas espécies: interceptação telefônica, em que o interlocutor que está grampeado não sabe; e a escuta telefônica, na qual o interlocutor que está com o telefone grampeado sabe da oitiva.

Nas duas hipóteses é necessário ordem judicial, mesmo na escuta, pois os interlocutores que conversam com a pessoa “grampeada” não têm conhecimento do grampo e também possuem direito as suas intimidades.

Já a gravação ambiental, como, por exemplo, a gravação realizada por alunos em sala de aula, somente poderá ser utilizada como prova se a pessoa que manifesta seu pensamento tem conhecimento da gravação ou se a pessoa expressa suas convicções para o grande público.

Existe ainda a hipótese da gravação clandestina, quando uma das pessoas que está conversando não sabe que está sendo gravada. Esta somente poderá ser utilizada em situações excepcionais, como legítima defesa ou estado de necessidade (excludente de ilicitude), ou, ainda, utilizada a proporcionalidade em favor do réu.

De acordo com a Lei 9.296/1996 (Lei de Interceptação Telefônica, art. 2.º), admite-se a interceptação da comunicação telefônica quando esta for o único meio de prova para fins criminais, cuja pena seja de reclusão. Não cabe interceptação telefônica para crimes punidos com detenção ou multa.

Uma posição de que não comungamos, mas referendada pelo STF, é a possibilidade de transcrição somente dos trechos da conversa realizada pelas partes envolvidas, sem necessidade de escrever todas as conversas.60 A nosso ver, fragmentos de conversas podem deturpar completamente o fato real e induzir magistrado a erro, fazendo-o, por exemplo, admitir denúncia em face de inocentes.

Outro entendimento do Pretório Excelso que deveria ser revisto é a possibilidade de interceptação telefônica por tempo indeterminado, desde que renovados quinzenalmente, valendo-se de nova fundamentação.61 Entendemos que essa prática não se coaduna com a sistemática do Estado Democrático de Direito. Se, mesmo no estado de defesa (estado de exceção), a restrição ao sigilo das comunicações telefônicas só é permitida por 30 dias – prorrogáveis por igual período (art. 136, § 1.º, I, c, c/c o art. 136, § 2.º, da CR) –, não deveria ser possível que, na legalidade ordinária, houvesse restrições ao direito à intimidade por anos.

7.8.4.4 Segurança em matéria penal (art. 5.º, XXXVII a LXVII)

Neste tema, o instituto que merece apreço é a extradição, previsto no art. 5.º, LI e LII, da CR.

Extradição é o ato de enviar a pessoa para outro país, o qual é competente para julgamento ou punição. Manoel Coelho Rodrigues explica que a extradição consiste em “ato de vontade soberana de um Estado que entrega à justiça repressiva de outro Estado um indivíduo, por este perseguido e reclamado, como acusado ou já condenado por determinado fato sujeito à aplicação da lei penal”.62

Ao contrário da expulsão e deportação, que podem ser decretadas de ofício, a extradição depende de requerimento.

Assim, o país que requer a extradição, por estar no polo ativo do pedido extradicional, pratica a extradição ativa. Já o país a quem se solicita a extradição pratica a extradição passiva.

O brasileiro nato somente poderá ser extraditado na modalidade ativa. Já o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado tanto na modalidade ativa como passiva. Contudo, o Brasil somente poderá efetivar a extradição de brasileiro naturalizado por crime comum se no momento do crime a pessoa não havia adquirido a nacionalidade brasileira. Quanto ao tráfico de entorpecentes, o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado a qualquer tempo.

Já o estrangeiro, cumpridos os requisitos, poderá ser extraditado, salvo por crime político ou de opinião.

O art. 5.º, LII, da Constituição da República, nesta esteira, reza que “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. Para o STF, o fundamento dessa limitação é humanitário, e por isso entende-se que “na problemática dos refugiados, o interesse daquele que busca refúgio ou asilo como ser humano deve prevalecer sobre eventuais conflitos de interesse entre Estados”.63

Muitas dúvidas pairam sobre a extensão do termo “crime político”, porém o próprio Pretório Excelso reconhece que não existe um conceito rígido e absoluto de crime político. Celso de Albuquerque Mello é preciso ao afirmar que é “mais fácil dizer o que não é crime político do que definir este. (...) a discussão do que venha a ser crime político é tão ampla que se pode dizer que só será crime político o que o STF desejar (...). A conceituação de um crime como político é, por sua vez, um ato político em si mesmo, com toda a relatividade da política”.64

Em seu livro, Gilmar Ferreira Mendes explica que “o procedimento adotado pela legislação brasileira quanto ao processo de extradição é o da chamada contenciosidade limitada (sistema belga), que não contempla a discussão sobre o mérito da acusação”.65 Este sistema de contenciosidade limitada, instituído no Brasil pela Lei 2.416, de 1911, impõe dizer que não cabe ao país discutir o mérito do crime (culpa ou inocência), e sim analisar se haverá ou não possibilidade de extradição.

Então, o primeiro ponto é saber se o Brasil não adentra no mérito da culpabilidade do extraditando. Outro ponto é analisar a real função do Supremo Tribunal no processo de extradição, isto é, o Judiciário determina a extradição ou somente analisa a legalidade da extradição, sendo de competência do Presidente da República determiná-la?

Ao analisar o caso do italiano Cesare Battisti, o STF entendeu que sua decisão seria simplesmente declaratória, em que se examina apenas a legitimidade, aferindo os requisitos de possibilidade de extradição diante da ordem jurídica nacional. A efetivação da extradição seria competência do Poder Executivo, já que este possui poder para celebrar relações com estados estrangeiros (art. 84, VII, da CR).

O Supremo anotou que o processo extradicional é composto de três fases: “No tocante à primeira delas, eminentemente político-administrativa, enfatizou que a natureza discricionária do poder governamental de decidir sobre extradição estaria diretamente vinculada à estrutura da relação obrigacional entre os Estados requerente e requerido. Nesta fase, caberia ao Poder Executivo decidir, em termos de política internacional e, ante suas obrigações – convencionais ou de reciprocidade –, sobre o prosseguimento do pleito de extradição. Assinalou que, por outro lado, a fase seguinte seria predominantemente jurisdicional e processada perante o Supremo. No ponto, salientou que esta Corte não adentraria o mérito da condenação penal infligida ao extraditando, não revolveria provas que ensejaram a condenação e tampouco reapreciaria aspectos procedimentais que pudessem implicar a nulidade do processo penal no âmbito do Estado estrangeiro requerente. Assim, a este Tribunal competiria somente o controle da legalidade do processo em tela e, com o julgamento, estaria encerrada a fase jurisdicional. Ficaria a cargo do Poder Executivo a mera responsabilidade pela entrega do extraditando ao Governo requerente, nos termos do art. 86 da Lei 6.815/80 (‘Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional’). Registrou que esses controles de constitucionalidade e de legalidade também deveriam ser traduzidos como garantia de respeito incondicional à ordem constitucional e como proteção jurisdicional dos direitos fundamentais do extraditando”.66

É bom grifar o trecho “discricionariedade do poder governamental de decidir sobre extradição estaria diretamente vinculada à estrutura da relação obrigacional entre os Estados requerente e requerido”, pois, ao contrário do que pode parecer, não significa dizer que a extradição é ato discricionário. Ao revés, é vinculado aos termos do tratado de extradição, ao acordo bilateral. Contudo, existem três graus de vinculação:67 a) atos vinculados por regras; b) atos vinculados por conceitos jurídicos indeterminados; e c) atos vinculados diretamente por princípios.

Nestes termos, mesmo sendo vinculado, é possível (nos casos “b” e “c”) existir certa margem de interpretação do ato, como ocorreu na extradição daquele cidadão italiano.68

7.8.5 Propriedade

Podemos sistematizar o tratamento da propriedade pelo art. 5.º da CF da seguinte forma:

Propriedade

Art. 5.º, XXII ao XXXI, da CR

Função social

Art. 5.º, XXII

Intervenção do Estado – desapropriação

Art. 5.º, XXIV

Intervenção do Estado – requisição administrativa

Art. 5.º, XXV

Bem de família

Art. 5.º, XXVI

Propriedade imaterial – direito autoral

Art. 5.º, XXVII, XXVIII, a e b

Propriedade industrial

Art. 5º, XXIX

Propriedade hereditária

Art. 5° XXX e XXXI

Seguindo o quadro apresentado, o direito à propriedade, traço marcante nas sociedades capitalistas, inicia na Constituição brasileira no art. 5.º, XXII, que prevê a garantia do direito de propriedade, devendo este atender à sua função social.

Duas formas de intervenção do Estado na propriedade foram constitucionalizadas. A requisição administrativa, por meio da previsão do art. 5.º, XXV (“no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”), e a desapropriação, como reserva o art. 5.º, XXIV, in verbis: “A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”.

Nestes moldes, a Constituição concede três exceções à regra da indenização justa, prévia e em dinheiro:

a)   Desapropriação urbana – “É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais” (art. 182, § 4.º, III);

b)   Desapropriação rural – “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei” (art. 184);

c)   Desapropriação-confisco ou expropriação – “As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei” (art. 243).

Ademais, o art. 5.º, XXVI, previu uma hipótese de bem de família, in litteris: “A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”.

Um tema que não foi esquecido foi a propriedade imaterial, que se divide em:

a) Direito autoral – “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar” (art. 5.º, XXVII).

O art. 41 da Lei 9.610/1998 regulamenta este inciso constitucional, estabelecendo que “os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1.º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil”.

Esta regra é aplicável inclusive às obras póstumas (publicadas após a morte do autor).

No mais, são assegurados, nos termos da Lei: I – a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; II – o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas (art. 5.º, XXVIII, a e b);

b) Propriedade industrial – “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País” (art. 5.º, XXIX).

Por fim, a propriedade hereditária não poderia ser esquecida, estando prevista em dois incisos do art. 5.°: “XXX – é garantido o direito de herança; XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus”.

7.9 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO

1.  (Magistratura/SC – 2013) De acordo com a redação do art. 5.º da Constituição Federal, assinale a alternativa correta:

A)   Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à dignidade da pessoa humana e à propriedade.

B)   É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

C)   Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, dependendo apenas de autorização da autoridade competente.

D)   A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.

E)   A lei considerará crime inafiançável e imprescritível a prática da tortura, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, se omitirem.

2.  (Defensor Público/AM – Instituto Cidades/2011) A respeito dos direitos fundamentais, marque a opção correta:

A)   O Supremo Tribunal Federal não admite a tese da aplicação horizontal dos direitos fundamentais, sob o fundamento de que os direitos fundamentais são, essencialmente, um escudo contra o poder do Estado.

B)   Os direitos fundamentais de segunda geração decorrem dos horrores suportados pela humanidade durante as duas grandes guerras mundiais, despertando um sentimento internacional de solidariedade e fraternidade.

C)   Sempre que a interceptação telefônica não for precedida de autorização judicial será considerada prova ilícita.

D)   O princípio constitucional da presunção de inocência não retirou do ordenamento jurídico a validade das prisões cautelares, portanto, é possível que alguém permaneça preso sem que haja decisão condenatória transitada em julgado.

E)   Segundo entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, as pessoas jurídicas não são titulares de direitos fundamentais, pois estes decorrem da dignidade da pessoa humana.

3.  (Magistratura PE – FCC/2011) Sobre os direitos e garantias fundamentais na Constituição brasileira de 1988 é correto afirmar:

A)   É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

B)   No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior pelo uso e eventual dano.

C)   A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva.

D)   O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com ou sem representação no Congresso Nacional.

E)   São gratuitos, para os brasileiros, o registro civil de nascimento e a certidão de óbito.

4.  (Procurador/BACEN – CESPE/2013) A respeito dos direitos e garantias fundamentais, assinale a opção correta:

A)   De acordo com a jurisprudência do STF, os direitos sociais previstos na CF não se estendem aos servidores contratados em caráter temporário.

B)   A sentença judicial que determina ao brasileiro naturalizado a perda da nacionalidade, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional, tem natureza declaratória e efeitos ex tunc.

C)   O direito de petição, assegurado às pessoas naturais, nacionais ou estrangeiras residentes no país, não se estende às pessoas jurídicas.

D)   A CF atribui ao Poder Judiciário autorização exclusiva para dissolver compulsoriamente associações.

E)   A interceptação telefônica, considerada, na doutrina pátria, sinônimo de quebra do sigilo telefônico, configura matéria sujeita à reserva jurisdicional.

5.  (MP/GO – 2010) Assinale a alternativa correta:

A)   A aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem conteúdo extensivo, não se vinculando apenas às normas dos artigos 5.° ao 17 do texto constitucional, ampliando-se, com base na concepção materialmente aberta dos direitos fundamentais, para fora do catálogo dos dispositivos constitucionais.

B)   A maximização da eficácia dos direitos fundamentais prestacionais legitima os órgãos estatais à concretização destes, não se prestando os limites da reserva do possível, bem como da colisão com outros direitos fundamentais como óbices à graduação da aplicação destes direitos.

C)   A existência de limites materiais expressamente previstos na Constituição como “cláusulas pétreas” ou “garantias de eternidade” impedem o reconhecimento de limites materiais implícitos ou limites materiais imanentes à reforma constitucional, não se podendo falar em ação erosiva do Poder Constituinte Reformador.

D)   A relevância econômica dos objetos dos direitos sociais prestacionais faz com que a discussão, previsão e aplicação de recursos públicos, atribuições estas originárias dos órgãos políticos, não legitimem o Poder Judiciário, diante da inércia ou deficiência de atuação dos legitimados ordinários, à concretização dos direitos, sob pena de desrespeito à separação dos Poderes.

6.  (Magistratura do Trabalho – TRT – 21.ª Região – 2010) Os direitos fundamentais representam importante capítulo do Direito contemporâneo, com presença crescente nas argumentações jurídicas desenvolvidas pelos juízes e tribunais de nosso país. Sobre a teoria dos direitos fundamentais, assinale a alternativa incorreta:

A)   Os direitos fundamentais denominados de primeira geração traduzem postulados de abstenção do Estado, cujo catálogo privilegia aspectos da vida pessoal de cada indivíduo, como a liberdade de culto e de reunião.

B)   Os direitos sociais, como o direito à greve, são denominados direitos fundamentais de segunda geração, por sua conexão com a justiça social.

C)   Apesar de não haver norma expressa na ordem jurídica brasileira, reconhece-se universalmente a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

D)   As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado (fenômeno conhecido como eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

E)   Diante de um caso concreto, resolve-se a colisão de direitos fundamentais a partir de um juízo de ponderação, harmonizando-se, especialmente pelo princípio da proporcionalidade, os direitos fundamentais em conflito.

7.  (26.º Procurador da república – MPF 2012) Assinale a alternativa incorreta:

A)   Somente quando expressamente autorizado pela Constituição o legislador pode restringir ou regular algum direito fundamental.

B)   No âmbito das relações especiais de sujeição, há um tratamento diferenciado com respeito ao gozo dos direitos fundamentais.

C)   De acordo com a jurisprudência do STF, a liberdade de expressão ocupa uma posição especial no sistema constitucional brasileiro, o que lhe atribui peso abstrato elevado em hipótese de colisão com outros direitos fundamentais ou interesses sociais.

D)   Viola o princípio da igualdade material qualquer prática empresarial, governamental ou semigovernamental, de natureza administrativa ou legislativa que, embora concebida de forma neutra, gere em consequência de sua aplicação, efeitos desproporcionais sobre certas categorias de pessoas.

GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.

 

___________

1Segundo Uadi Lammego Bullos, existem alguns direitos e garantias que NãO decorrem da dignidade da pessoa humana, sendo exceções a essa regra, p. ex., o art. 5.º, XXI, XXV, XXVIII, XXIX (Direito Constitucional cit., p. 288).

2Em que pese a jurisprudência da época da ditadura fazer alusão à dignidade da pessoa humana (RE 52.700, de 1963, e HC 45.232, de 1968), é certo que não se pode falar em pleno exercício desse instituto naquela época, pois a liberdade de expressão, locomoção, devido processo legal, dentre outros, eram tolhidos do cidadão.

3BULOS, Uadi Lammego. Op. cit., p. 288.

4MENDES, Gilmar Ferreira. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional cit., 2010, p. 381.

5TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2012, p. 1.194.

6SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo cit., p. 180.

7RE 201.819, rel. p/o Ac. Min. Gilmar Mendes, DJ 27.10.2006.

8BULOS, Uadi Lammêgo. Direito constitucional ao alcance de todos cit., p. 298.

9JELLINEK, George. Sistema dei diritti pubblici subiettivi. Trad. Vitagliano Orlando. Milão: Giuffrè, 1912. p. 244.

10SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 153.

11BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 310.

12“Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput)” (STF, RE 134.297, rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.09.1995).

13O conteúdo da quarta dimensão é controverso doutrinariamente, dentre os quais, destacamos: Uadi Lammego Bulos (Direito dos Povos, de que se extraem informática, software, biociência, engenharia genética); Paulo Bonavides (globalização do neoliberalismo – globalizar os direitos fundamentais, fase derradeira de institucionalização do estado social, p. ex. informação, democracia direta e o pluralismo. A 1ª, 2ª e 3ª dimensões compõem a estrutura de uma pirâmide cujo o ápice é a democracia. (Op. cit., p. 571 e 572)); Ricardo Lorenzetti (direito à diversidade) e Alberto Nogueira (graduação a imposição tributária). Contudo, nos filiamos à doutrina de Bobbio, exposta acima.

14BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 6.

15Seguimos a orientação firmada por Augusto Zimmermann (Curso de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 408); contudo, também há divergência: Bonavides e Uadi Lammego Bullos o definem como direito à Paz, corolário do art. 4º, VII, da CR (solução pacifica dos conflitos), inclusive o STF já se referiu ao direito à paz na ADI 3.540-1 (rel. Celso de Mello); já José Adércio Leite Sampaio entende ser o direito ao cuidado, à compaixão e ao amor por todas as formas de vida, pois concebem o indivíduo como parte do cosmos e carente de sentimentos de amor e cuidado.

16BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional cit., p. 571

17Há divergências de quando ocorre a nidação. Alguns dizem que ocorre de sete a dez dias após a fecun-dação, mas a teoria mais segura é essa que foi a apresentada.

18Expusemos neste tópico a posição do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, apesar de existirem especialistas que afirmam que o sistema nervoso central se forma após o quarto mês de vida intrauterina, tais como MARTÍNEZ, Stella Maris. Manipulação genética e direito penal. São Paulo: IBCCrim, 1998. p. 86 e 87, in verbis: “Neste momento, a partir do quarto mês de vida intrauterina é que aparecem os rudimentos do que será o córtex cerebral, pelo que somente com a apresentação da chamada linha primitiva ou sulco neural estaríamos frente a um ser vivo. Esta tese reconhece no biólogo Jacques Monod seu principal defensor”.

19BARROSO, Luís Roberto. Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas com célulastronco: dois temas acerca da vida e da dignidade na Constituição. In: NOVELINO, Marcelo Camargo (Org.). Leituras complementares de direito constitucional: direitos fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 104.

20Idem, ibidem.

21Idem, p. 92.

22PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 1, p. 217.

23AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito Civil. Introdução e teoria geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 126.

24DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 32.

25FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 6. ed. rev. atual. Curitiba: Positivo, 2005.

26Esta forma de aborto era utilizada no execrável regime nazista, que buscava a qualquer custo a “raça ariana”.

27Disponível em: <http://www.anencephalie-info.org/p/index.php>.

28STJ, 5.ª T., HC 32.159, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 17.02.2004.

29STJ, 5.ª T., HC 56.572, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 25.04.2006.

30“2. Encontrando-se saneado o processo, devem ocorrer audiências públicas para ouvir entidades e técnicos não só quanto à matéria de fundo, mas também no tocante a conhecimentos específicos a extravasarem os limites do próprio Direito...” (Decisão monocrática em liminar – ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio Mello, DJU 14.08.2008).

31ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e 12.04.2012.

32“... A um só tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. O determinismo biológico faz com que a mulher seja a portadora de uma nova vida, sobressaindo o sentimento maternal. São nove meses de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, predominando o amor. A alteração física, estética, é suplantada pela alegria de ter em seu interior a sublime gestação. As percepções se aguçam, elevando a sensibilidade. Este o quadro de uma gestação normal, que direciona a desfecho feliz, ao nascimento da criança. Pois bem, a natureza, entrementes reserva surpresas, às vezes desagradáveis. Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia a dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar. No caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intrauterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razoável em foco. Daí o acolhimento do pleito formulado para, diante da relevância do pedido e do risco de manter-se com plena eficácia o ambiente de desencontros em pronunciamentos judiciais até aqui notados, ter-se não só o sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado, como também o reconhecimento do direito constitucional da gestante de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto. É como decido na espécie. 3. Ao Plenário para o crivo pertinente” (STF, ADPF 54 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio Mello, DJ 02.08.2004).

33“ADPF. Adequação. Interrupção da gravidez. Feto anencéfalo. Política Judiciária. Macroprocesso. Tanto quanto possível, há de ser dada sequência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental – como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade –, considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a arguição de descumprimento de preceito fundamental. ADPF. Liminar. Anencefalia. Interrupção da gravidez. Glosa penal. Processos em curso. Suspensão. Pendente de julgamento a arguição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal. ADPF. Liminar. Anencefalia. Interrupção da gravidez. Glosa penal. Afastamento. Mitigação. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em arguição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham a participar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia” (STF, ADPF 54 QO/DF, rel. Min. Marco Aurélio Mello, DJ 31.08.2007).

34A lei determina que só poderão ser utilizadas as células de embriões humanos “inviáveis” ou congelados há três anos ou mais, sendo necessário o consentimento dos genitores.

35Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal com a redação concedida pela Emenda Regimental 29/2009: “Art. 21. São atribuições do Relator: XVII – convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral ou de interesse público relevante”; e art. 9.º, § 1.º, Lei 9.868/1999: “Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria”.

36ADI 3.510/DF, rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJU 30.03.2007.

37ADI 3.510/DF, rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 28 e 29.05.2008.

38Disponível em: <http://www.consultormedico.com/consultar-doencas/outras/eutanasia-ortotanasia-e-distanasia.html>.

39“Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade. Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional. A atividade de músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão” (RE 414.426, rel. Min. Ellen Gracie, j. 1.º.08.2011, Plenário, DJE 10.10.2011). No mesmo sentido: RE 509.409, rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j. 31.08.2011, DJE 08.09.2011.

40Dispõe o DL 972/1969: “Art. 4.º O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que se fará mediante a apresentação de: (...) V – diploma de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido registrado no Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este credenciada, para as funções relacionadas de a a g no artigo 6.º”. E o STF assim decidiu: “No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais. O art. 5.º, IV, IX, XIV, e o art. 220 não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedada pelo art. 5.º, IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação. Jurisprudência do STF: Representação 930, rel. p/o Ac. Min. Rodrigues Alckmin, DJ 02.09.1977” (RE 511.961, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17.06.2009, Plenário, DJE 13.11.2009).

41RE 603.583, rel. Min. Marco Aurélio, j. 26.10.2011, Plenário, Informativo 646.

42“Por entender que o exercício dos direitos fundamentais de reunião e de livre manifestação do pensamento devem ser garantidos a todas as pessoas, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação de descumprimento de preceito fundamental para dar, ao art. 287 do CP, com efeito vinculante, interpretação conforme a Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos. (...) Destacou-se estar em jogo a proteção às liberdades individuais de reunião e de manifestação do pensamento. (...) Verificou-se que a marcha impugnada mostraria a interco-nexão entre as liberdades constitucionais de reunião – direito-meio – e de manifestação do pensamento – direito-fim – e o direito de petição, todos eles dignos de amparo do Estado, cujas autoridades deveriam protegê-los e revelar tolerância por aqueles que, no exercício do direito à livre expressão de suas ideias e opiniões, transmitirem mensagem de abolicionismo penal quanto à vigente incriminação do uso de drogas ilícitas. Dessa forma, esclareceu-se que seria nociva e perigosa a pretensão estatal de reprimir a liberdade de expressão, fundamento da ordem democrática, haja vista que não poderia dispor de poder algum sobre a palavra, as ideias e os modos de sua manifestação. Afirmou-se que, conquanto a livre expressão do pensamento não se revista de caráter absoluto, destinar-se-ia a proteger qualquer pessoa cujas opiniões pudessem conflitar com as concepções prevalecentes, em determinado momento histórico, no meio social. Reputou-se que a mera proposta de descriminalização de determinado ilícito penal não se confundiria com ato de incitação à prática do crime, nem com o de apologia de fato criminoso. Concluiu-se que a defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas ou de proposta abolicionista a outro tipo penal, não significaria ilícito penal, mas, ao contrário, representaria o exercício legítimo do direito à livre manifestação do pensamento, propiciada pelo exercício do direito de reunião” (ADPF 187, rel. Min. Celso de Mello, j. 15.06.2011, Plenário, Informativo 631).

43ADI. 1969-4/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 31.08.2007.

44Ex positis, concedo a liminar, cassando a decisão reclamada, nos termos do art. 21, V, do RISTF, por-quanto consideradas legítimas as manifestações populares realizadas sem vandalismo, preservado o poder de polícia estatal na repressão de eventuais abusos” (Rcl 15.887/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 19.06.2013).

45Rcl 15.887/MG, Rel. Min. Luiz Fux, J. 19.06.2013.

46“Se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais; mas isso é origem de disputas e queixas (como e quando iguais têm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais). Ademais, isso se torna evidente pelo fato de que as distribuições devem ser feitas ‘de acordo com o mérito de cada um’, pois todos concordam que o que é justo com relação à distribuição também o deve ser com o mérito em um certo sentido...” (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco cit., p. 108-109).

47Fundamentos retirados da ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25 e 26.04.2012.

48Segundo palavras do próprio STF, entenda-se por ações afirmativas as “medidas especiais e concretas para assegurar o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos, com o fito de garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais” (grifo do autor). ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25 e 26.04.2012.

49Entenda-se como “pequena monta” os estudantes com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio para bolsas integrais e até três salários mínimos para as parciais.

50Trecho do voto do Min. Luiz Fux na ADI 3330/DF, rel. Min. Ayres Britto, j. 03.05.2012.

51Teorias apresentada por Guilherme Peña de Moraes, Curso de Direito Constitucional cit. p. 540/2.

52ROSENFELD, Michel. Affirmative action and Justice: a philosophical and constitutional inquiry. New Haven: Yale University Press, 1991, p. 288.

53WASSERSTROM, Richard. Philosophy and social issues: five studies. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1980, p. 54.

54MORAES, Guilherme Peña. Curso de direito constitucional cit., 2010, p. 546-547.

55Existem súmulas que evitam práticas restritivas ao acesso ao Judiciário: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário” (Súmula Vinculante 28.) “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa” (Súmula 667 do STF).

56“Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5.º, XI, da CF, o conceito normativo de ‘casa’ revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4.º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5.º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito (invito domino), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF)” (RHC 90.376, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 03.04.2007, DJ 18.05.2007).

57“Escuta ambiental e exploração de local. Captação de sinais óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período noturno, para instalação de equipamento. Medidas autorizadas por decisão judicial. Invasão de domicílio. Não caracterização. (...) Inteligência do art. 5.º, X e XI, da CF; art. 150, § 4.º, III, do CP; e art. 7.º, II, da Lei 8.906/1994. (...) Não opera a inviolabilidade do escritório de advocacia, quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime, sobretudo concebido e consuma-do no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão” (Inq 2.424, rel. Min. Cezar Peluso, j. 26.11.2008, Plenário, DJE 26.03.2010).

58MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 50.

59“A LC 105, de 10.01.2001, não conferiu ao TCU poderes para determinar a quebra do sigilo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao Poder Judiciário (art. 3.º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4.º), bem como às comissões parlamentares de inquérito, após prévia aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas Comissões Parlamentares de Inquérito (§§ 1.º e 2.º do art. 4.º). Embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enumeradas no art. 71, II, da CF, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensiva, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida privada, art. 5.º, X, da CF, no qual está inserida a garantia ao sigilo bancário (...)” (MS 22.801, rel. Min. Menezes Direito, j. 17.12.2007, Plenário, DJE 14.03.2008).

60“(…) Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Transcrição da totalidade das gravações. Desnecessidade. Gravações diárias e ininterruptas de diversos terminais durante período de 7 (sete) meses. Conteúdo sonoro armazenado em 2 (dois) DVDs e 1 (hum) HD, com mais de quinhentos mil arquivos. Impossibilidade material e inutilidade prática de reprodução gráfica. Suficiência da transcrição literal e integral das gravações em que se apoiou a denúncia. Acesso garantido às defesas também mediante meio magnético, com reabertura de prazo. Cerceamento de defesa não ocorrente. Preliminar repelida (…)” (Inq. 2.424, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 26.03.2010).

61“Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas. Admissibili-dade. Fatos complexos e graves. Necessidade de investigação diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5.º, caput, da Lei n. 9.296/1996. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação diferenciada e contínua. 6. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas pelo Ministro Relator, também durante o recesso forense. Admissibilidade. Competência subsistente do Relator” (Inq. 2.424, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 26.03.2010).

62RODRIGUES, Manuel Coelho. A extradição no direito brasileiro e na legislação comparada. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1930. t. I, p. 3.

63M. SYRAN, Claudena. The International Refugee Regime: The Historical and Contemporary Context of International Responses to Asylum Problems. In: LOESCHER, Gil. Refugges and the Asylum Dilemma in the West. Pennsylvania: The Pennsylvania State Univesity Press, 1992. p. 15.

64Extradição. Algumas observações. In: TIBURCIO, Carmen; BARROSO, Luís Roberto (Org.). O direito inter-nacional contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 222-223.

65MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 727.

66Ext. 1.085 Pet. avulsa/República Italiana, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/o Ac. Min. Luiz Fux, j. 08.06.2011.

67“Não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade” (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 208).

68Sobre o tema, importante ler a transcrição realizada no Informativo 633 do STF.