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VAMOS, VAMOS!15

APÓS O SR. E A SRA. DARLING terem saído de casa, por um momento as luzinhas que ficavam ao lado das camas das três crianças continuaram bem acesas. Eram luzinhas muito simpáticas, e é impossível não lamentar que não tenham conseguido ficar acordadas para ver Peter; mas a luzinha de Wendy piscou e deu um bocejo tão grande que as outras duas bocejaram também e, antes que fechassem as bocas, todas as três estavam apagadas.

Havia outra luz ali agora, mil vezes mais forte que as luzinhas e, no tempo que eu levei para dizer essa frase, ela já entrara em todas as gavetas do quarto das crianças, vasculhara o armário e virara todos os bolsos do avesso, procurando pela sombra de Peter. Não era uma luz, na verdade; ela emitia sua luz ao se mover tão rápido quanto um raio, mas, quando parava um segundo, você via que era uma fada. Não era muito maior do que a sua mão, mas ainda estava crescendo. Era uma menina chamada Sininho, com uma linda roupinha feita do esqueleto de uma folha cortada bem curtinha e reta, e que lhe caía muito bem, embora ela tendesse levemente ao embonpoint.16

Um segundo depois da entrada da fada, a janela abriu com toda a força graças a um sopro das estrelinhas e Peter caiu dentro do quarto. Ele carregara Sininho durante parte do trajeto e suas mãos ainda estavam sujas de poeira de fada.

– Sininho – chamou ele baixinho, após se certificar de que as crianças estavam dormindo. – Si, cadê você?

Ela se encontrava dentro de uma jarra de água naquele momento, e estava gostando muito dali; nunca havia estado dentro de uma jarra antes.

– Ah, saia logo dessa jarra e me conte, você sabe onde eles colocaram a minha sombra?

A resposta foi o mais lindo tilintar, parecido com o dos sinos de ouro. Tal é a língua das fadas. Vocês, crianças comuns, não conseguem ouvir. Mas, se conseguissem, iam saber que já ouviram antes.

Sininho disse que a sombra estava na caixona. Ela estava falando da cômoda, e Peter pulou em suas gavetas, espalhando tudo o que havia lá dentro pelo chão com ambas as mãos, como um rei atirando moedas para a multidão. Num segundo ele recuperou a sombra e ficou tão contente que esqueceu que fechara Sininho numa das gavetas.

Acho que Peter nem chegou a pensar no assunto, mas, se pensou, achou que ele e sua sombra iam se juntar como duas gotas de água simplesmente por estarem perto um do outro. Quando isso não aconteceu, ele ficou horrorizado. Tentou grudar a sombra com o sabonete que tinha no banheiro, mas isso também não deu certo. Peter sentiu um calafrio, sentou no chão e começou a chorar.

Seus soluços acordaram Wendy, e ela sentou na cama. Não ficou assustada ao ver um estranho chorando no chão do quarto; sentiu apenas um agradável interesse por ele.

– Ei, menino – disse educadamente –, por que você está chorando?

Peter também sabia ser bastante cortês, pois havia aprendido boas maneiras nas cerimônias das fadas. Ele se levantou e fez uma linda mesura para Wendy. Ela gostou muito e fez uma linda mesura para ele da cama.

– Qual é o seu nome? – perguntou Peter.

– Wendy Moira Ângela Darling – respondeu Wendy, com alguma satisfação. – E o seu?

– Peter Pan.

Wendy já tinha certeza de que aquele só podia ser Peter, mas mesmo assim achou o nome comparativamente pequeno.

– Só isso?

– Só – respondeu Peter, um pouco irritado.

Pela primeira vez, achou que fosse um nome meio pequeno, mesmo.

– Desculpe – disse Wendy Moira Ângela.

– Não tem problema – soluçou Peter.

Ela perguntou onde ele morava.

– Segunda à direita17 – disse Peter –, e depois direto até amanhã de manhã.

– Que endereço engraçado!

Peter ficou chateado. Pela primeira vez, achou que talvez fosse um endereço engraçado, mesmo.

– Não é, não – disse ele.

– O que eu quis dizer foi o seguinte: é assim que eles escrevem nas cartas? – disse Wendy num tom bastante simpático, lembrando que era a anfitriã.

Peter não gostou de ela ter mencionado cartas.

– Não recebo nenhuma carta – disse ele com desprezo.

– Mas sua mãe recebe, não é?

– Não tenho mãe – disse Peter.

Ele não apenas não tinha mãe, como não tinha a menor vontade de ter uma. Achava que todo mundo dava uma importância exagerada para as mães. Wendy, no entanto, imediatamente achou que estava diante de uma tragédia.

– Ah, Peter, não é à toa que você estava chorando! – disse ela, pulando da cama e correndo para perto dele.

– Eu não estava chorando por causa de mãe nenhuma! – disse Peter, indignado. – Estava chorando porque não consigo fazer minha sombra grudar de volta. Além do mais, eu não estava chorando.

– Ela saiu?

– Saiu.

Então Wendy viu a sombra no chão, tão amarfanhada, e ficou com muita pena de Peter.

– Que horror! – disse ela.

Mas não conseguiu deixar de sorrir quando viu que ele havia tentado grudá-la com sabonete. Típico de um menino!

Por sorte, Wendy imediatamente soube o que fazer.

– Você vai ter que costurar a sombra – disse ela, com um certo ar de superioridade.

– O que é costurar? – perguntou Peter.

– Você é tão ignorante.

– Não sou, não.

Mas Wendy estava exultante com aquela ignorância.

– Vou costurar a sombra para você, rapazinho – disse ela, embora Peter fosse da sua altura; e pegou sua caixinha de costura e remendou a sombra ao pé de Peter. – Acho que vai doer um pouco – avisou.

– Ah, eu não vou chorar – disse Peter, que já estava acreditando que nunca havia chorado na vida.

Ele cerrou os dentes e não chorou; e logo sua sombra estava se comportando direitinho, embora ainda estivesse um pouco amassada.

– Talvez eu devesse ter passado a sombra à ferro – disse Wendy, pensativa.

Mas Peter, bem como os meninos fazem, era indiferente à aparência, e estava agora pulando de um lado para o outro na maior felicidade. Infelizmente, ele já esquecera que devia sua alegria a Wendy. Achava que ele mesmo tinha grudado a sombra.

– Como sou esperto! – vangloriou-se, num verdadeiro êxtase. – Ah, como é grande a minha esperteza!

É humilhante ter que confessar que essa arrogância de Peter era uma de suas qualidades mais fascinantes. Para falar com total franqueza, nunca existiu um menino mais arrogante nesse mundo.

Mas, naquele primeiro momento, Wendy ficou chocada com isso.

– Seu metido! – exclamou ela. – É claro que eu não fiz nada! – completou, com muito sarcasmo.

– Você ajudou um pouco – disse Peter, despreocupado, continuando a dançar.

– Um pouco! – retrucou Wendy com altivez. – Já que não sirvo para nada, então posso me retirar – e deu um pulo muito elegante até a cama, cobrindo a cabeça com as cobertas.

Para tentar convencê-la a tirar a cabeça dali, Peter fingiu que estava indo embora e, quando isso deu errado, sentou na pontinha da cama e cutucou-a de leve com o pé.

– Wendy – disse ele –, não se retire. Não consigo deixar de contar vantagens quando estou feliz, Wendy.

Ainda assim, ela continuou debaixo das cobertas, embora estivesse ouvindo com muita atenção.

– Wendy – continuou Peter, num tom de voz ao qual nenhuma mulher jamais foi capaz de resistir –, Wendy, uma menina vale mais do que vinte meninos.

Bem, o fato é que Wendy era uma mulher em cada centímetro de seu ser, embora esses centímetros não fossem muitos, e ela deu uma espiada para fora das cobertas.

– Você acha mesmo, Peter?

– Acho.

– Pois eu acho você um amor – declarou Wendy. – Vou me levantar de novo.

E ela sentou ao lado dele na pontinha da cama. Também disse que lhe daria um beijo se ele quisesse, mas Peter não sabia o que isso queria dizer e estendeu a mão, ansioso.

– Não é possível que você não saiba o que é um beijo! – disse Wendy, escandalizada.

– Vou saber quando você me der um! – respondeu Peter, irritado.

Sem querer magoá-lo, Wendy lhe deu um dedal.18

– E agora, que tal eu lhe dar um beijo? – perguntou Peter.

Wendy respondeu, um pouco envergonhada:

– Por favor.

Ela foi até meio oferecida, aproximando a bochecha de Peter. Mas ele apenas arrancou um dos botões da roupa, feito de bolota de carvalho, e colocou na mão dela. Assim, Wendy retornou devagar o rosto para a posição em que estava antes, e disse simpaticamente que usaria o beijo no pescoço, preso a um cordão. Foi uma sorte ela ter usado mesmo esse cordão, pois mais tarde ele iria salvar sua vida.

Quando as pessoas são apresentadas, o costume é que uma pergunte à outra qual é a idade dela. Por isso Wendy, que sempre gostava de fazer tudo da maneira correta, perguntou a Peter quantos anos ele tinha. Ele não gostou muito de ouvir essa pergunta; foi como chegar à escola e saber que a prova vai ser sobre gramática, sendo que você estudou história.

– Não sei – respondeu Peter, sem jeito. – Mas eu sou bem novinho.

Na verdade, ele não tinha ideia. Só suspeitava. Mas disse, num impulso:

– Wendy, eu fugi de casa no dia em que nasci.

Wendy ficou bastante surpresa, mas também interessada; e indicou, da maneira tão charmosa que as moças mais bem-educadas usam – tocando sua camisola –, que Peter podia se sentar mais perto dela.

– Foi porque eu escutei meu pai e minha mãe falando sobre o que eu ia ser quando virasse adulto – explicou Peter baixinho.

Ele ficou bastante agitado.

– Não quero nunca ser adulto! – disse, com raiva. – Quero sempre ser criança e me divertir. Por isso, fugi para o Kensington Gardens19 e vivi muito tempo com as fadas.

Wendy olhou-o com intensa admiração e Peter achou que era porque ele tinha fugido, mas, na verdade, era porque ele conhecia fadas. Wendy vivera uma vida tão caseira que, para ela, conhecer fadas parecia uma coisa maravilhosa. Ela desatou a fazer perguntas sobre as fadas, para surpresa de Peter, que as achava muito chatas, sempre o atrapalhando. Às vezes, até tinha que dar umas palmadas nelas. No entanto, gostava de fadas em geral, e contou a Wendy como foi o começo delas.

– Sabe, Wendy, quando o primeiro bebê riu pela primeira vez, o riso dele quebrou em milhares de pedaços e todos eles saíram pulando, e esse foi o começo das fadas.

Não era uma história muito interessante, mas, como Wendy não saía muito de casa, ela gostou.

– Por isso – continuou Peter, simpático –, devia existir uma fada para cada menino e para cada menina.

– Devia existir? Mas não existe?

– Não. As crianças sabem de tanta coisa hoje em dia que logo param de acreditar nas fadas. E toda vez que uma criança diz “Eu não acredito em fadas”, uma fada cai morta em algum lugar.

Bom, Peter achou que agora eles já tinham falado demais nas fadas, e ele percebeu que Sininho estava muito quieta.

– Não sei onde ela se meteu – disse, se levantando e chamando por Sininho.

Wendy sentiu um arrepio de excitação.

– Peter! – exclamou ela, agarrando-o. – Quer dizer que tem uma fada aqui dentro deste quarto?20

– Ela estava aqui faz pouco tempo – disse Peter com certa impaciência. – Você não está ouvindo a Sininho falar, está?

Os dois ficaram escutando.

– Só estou ouvindo um barulhinho como o de um sino – disse Wendy.

– É a Sininho, essa é a língua das fadas. Acho que estou ouvindo também.

O som vinha da cômoda, e Peter fez uma cara alegre. Ninguém conseguia ficar tão alegre quanto Peter, e sua risada fazia um barulho lindo, parecido com o de um riacho correndo. Ele ainda tinha sua primeira risada.

– Wendy – sussurrou Peter, achando graça –, acho que a tranquei numa das gavetas da cômoda!

Ele abriu a gaveta para que a pobre Sininho saísse, e ela voou pelo quarto todo, gritando de fúria.

– Você não devia dizer essas coisas – retrucou Peter. – É claro que eu sinto muito, mas como podia saber que você estava na gaveta?

Wendy nem estava escutando o que ele dizia.

– Ah, Peter! – exclamou ela. – Se ela pudesse ficar parada, para eu ver como ela é!

– Elas quase nunca ficam paradas – disse Peter.

Mas, por um segundo, Wendy viu a encantadora fadinha pousar no relógio cuco.

– É linda! – exclamou Wendy, embora Sininho ainda estivesse fazendo uma careta de raiva.

– Sininho – disse Peter cordialmente –, essa moça aqui está dizendo que queria que você fosse a fada dela.

Sininho deu uma resposta insolente.

– O que ela falou, Peter?

Ele teve que traduzir.

– Ela não é muito educada. Disse que você é uma menina muito feia, e que ela é minha fada.

Peter tentou argumentar.

– Você sabe que não pode ser minha fada, Si, pois eu sou menino e você é menina.

Ao que Sininho respondeu dizendo:

– Seu imbecil! – e desapareceu para dentro do banheiro.

– É uma fada bastante ordinária – explicou Peter, tentando dar uma desculpa por Sininho. – Ela conserta panelas e chaleiras.

Eles agora estavam sentados juntos na poltrona, e Wendy continuou interrogando Peter.

– Se você não mora mais no Kensington Gardens…

– Às vezes, ainda moro.

– Mas onde você mora a maior parte do tempo agora?

– Com os meninos perdidos.

– Quem são eles?

– São as crianças que caem dos carrinhos quando as babás estão distraídas. Se ninguém vai buscar essas crianças em sete dias, elas são mandadas para um lugar bem longe, a Terra do Nunca, para ajudarem nas despesas. Eu sou o capitão.

– Deve ser tão legal!

– É – disse o esperto Peter –, mas a gente se sente muito sozinho. Sabe, não temos nenhuma menina para nos fazer companhia.

– Nenhum deles é menina?

– Ah, não. Você sabe, as meninas são inteligentes demais para caírem dos carrinhos.

Isso deixou Wendy muito lisonjeada.

– Acho um amor o jeito como você fala das meninas. O João ali nos despreza.

A reação de Peter foi se levantar e chutar João para fora da cama, com coberta e tudo; num chute só. Wendy achou que aquilo era um certo abuso para um primeiro encontro, e falou num tom enérgico que ele não era capitão da sua casa. No entanto, João continuou a dormir tão sossegado no chão que ela deixou que ele continuasse ali.

– E eu sei que você quis ser bonzinho – disse Wendy, perdoando. – Por isso, pode me dar um beijo.

Por um instante, ela havia esquecido que Peter não sabia o que era beijo.

– Achei mesmo que você ia querer de volta – disse ele com rancor, lhe oferecendo o dedal de volta.

– Ai, nossa – disse Wendy, que não queria magoá-lo. – Não quis dizer um beijo. Quis dizer um dedal.

– O que é isso?

– É assim – ela deu um beijo nele.

– Que engraçado! – disse Peter, muito sério. – E, agora, eu também lhe dou um dedal?

– Se você quiser – disse Wendy, mantendo a cabeça ereta dessa vez.

Peter lhe deu um “dedal” e, quase no mesmo segundo, ela soltou um grito.

– O que foi, Wendy?

– Parece que alguém puxou o meu cabelo.

– Deve ter sido a Sininho. Nunca vi essa fada se comportar tão mal.

E Sininho estava mesmo voando de um lado para o outro e falando coisas feias.

– Ela disse que vai fazer isso com você toda vez que eu lhe der um dedal, Wendy.

– Mas por quê?

– Por que, Sininho?

De novo, Sininho respondeu:

– Seu imbecil!

Peter não entendeu nada, mas Wendy, sim. E ela ficou só um pouquinho desapontada quando ele admitiu que havia se aproximado da janela do quarto das crianças não para vê-la, mas para ouvir as histórias.

– Sabe, não conheço história nenhuma. Nenhum Menino Perdido conhece história nenhuma.

– Que coisa mais horrível! – disse Wendy.

– Você sabe por que as andorinhas fazem ninho nos beirais dos telhados das casas? É para ouvir as histórias. Ah, Wendy, sua mãe estava lhe contando uma história tão linda!

– Que história era?

– Sobre um príncipe que não conseguia encontrar a moça que usou o sapatinho de cristal.

– Peter! – disse Wendy, animada. – Essa era a Cinderela, e ele a encontrou, e os dois viveram felizes para sempre.

Peter ficou tão feliz que se levantou do chão, onde os dois estavam sentados, e correu até a janela.

– Aonde você vai? – exclamou ela, preocupada.

– Contar para os outros meninos.

– Não vá embora, Peter – pediu Wendy. – Eu sei tantas histórias!

Essas foram suas palavras exatas, por isso é impossível negar que foi ela quem o tentou primeiro.

Peter voltou, e agora havia uma cobiça em seus olhos que deveria ter assustado Wendy, mas ela não se espantou.

– Ah, as histórias que eu poderia contar para os meninos! – exclamou ela.

Peter a agarrou e começou a arrastá-la até a janela.

– Ei, me solte! – exigiu Wendy.

– Wendy, venha comigo e conte as histórias para os outros meninos.

É claro que ela adorou o convite, mas disse:

– Ah, mas eu não posso. Pense na mamãe! Além do mais, não sei voar.

– Eu ensino.

– Ah, que delícia poder voar!

– Eu ensino você a pular no lombo do vento e a gente vai embora.

– Ai! – exclamou Wendy, extasiada.

– Wendy, Wendy, em vez de ficar deitada nessa cama boba, você pode vir voar comigo e dizer coisas engraçadas para as estrelas.

– Ai!

– E Wendy, lá tem sereias.

– Sereias! Com cauda?

– Caudas enormes.

– Ah, como seria legal ver uma sereia! – exclamou ela.

Peter estava ficando cada vez mais esperto.

– Wendy, a gente ia lhe respeitar tanto… – disse ele.

Ela estava se remexendo toda de agonia. Era como se estivesse tentando ficar presa ao chão do quarto. Mas Peter não teve dó dela.

– Wendy – disse o safado –, você ia poder ajeitar nossas cobertas à noite.

– Ai!

– Ninguém nunca ajeitou nossas cobertas.

– Ai! – disse Wendy, estendendo os braços para ele.

– E você ia poder costurar nossas roupas e fazer bolsos nelas. Nós não temos bolso.

Como Wendy poderia resistir?

– É mesmo muito fascinante! – exclamou ela. – Peter, você ensina o João e o Miguel a voarem também?

– Se você quiser – disse Peter com indiferença.

Wendy correu para João e Miguel e os sacudiu.

– Acordem! O Peter Pan está aqui, e ele vai ensinar a gente a voar!

João esfregou os olhos.

– Então vou levantar – disse, e é claro que já estava de pé. – Pronto! Já acordei!

Miguel também já estava acordado, e mais aceso do que seis lâmpadas e um farol. Mas Peter subitamente fez um gesto exigindo silêncio. Os rostos de todos ficaram com aquela expressão astuciosa que as crianças fazem quando estão tentando escutar algum barulho vindo do mundo dos adultos. Estava um silêncio de igreja. Então, tudo certo. Não, esperem! Tudo errado. Naná, que vinha latindo desesperadamente a noite toda, estava quieta agora. Fora o silêncio dela que eles haviam escutado.

– Apague a luz! Vamos nos esconder! Rápido! – disse João, assumindo o papel de líder pela única vez ao longo de toda a aventura.

Portanto, quando Lisa entrou segurando Naná, o quarto das crianças estava com o mesmo aspecto de sempre, muito escuro; e qualquer um juraria que dava para ouvir as três criaturas danadas que dormiam ali respirando como anjinhos enquanto dormiam. Eles estavam fazendo aquilo, ardilosamente, escondidos atrás da cortina da janela.

Lisa estava de mau humor, pois estava preparando o doce de Natal21 na cozinha, e havia sido obrigada a parar e ir até ali, com uma uva-passa grudada na bochecha, por causa das suspeitas absurdas de Naná. Ela achou que a melhor maneira de conseguir um pouco de sossego era levar Naná até o quarto das crianças por um instante, mas sem largá-la, é claro.

– Pronto, sua boba desconfiada – disse Lisa, gostando de ver Naná em desgraça. – Eles não estão em perigo nenhum, estão? Os três anjinhos estão dormindo a sono solto na cama. Ouça só a respiração tranquila deles.

Nesse momento Miguel, encorajado por seu sucesso, respirou tão alto que eles quase foram detectados. Naná conhecia aquele tipo de respiração e tentou se livrar das garras de Lisa.

Mas Lisa não era muito inteligente.

– Chega, Naná – disse ela, severamente, tirando a cadela do quarto. – Estou avisando que, se você latir de novo, vou direto atrás dos patrões e trago os dois para casa da festa. Ah, aí o patrão vai dar umas boas palmadas em você.

Ela amarrou a pobre cadelinha de novo, mas você acha que Naná parou de latir? Trazer os patrões para casa da festa! Ora, era justamente o que ela queria. Você acha que Naná se importava de levar umas palmadas se suas crianças estivessem a salvo? Infelizmente, Lisa voltou para os seus doces e Naná, vendo que ninguém viria ajudá-la, puxou e puxou a corrente até quebrá-la. No segundo seguinte ela estava entrando a toda na sala de jantar da casa 27, jogando as patas da frente para o alto, que era sua maneira mais expressiva de comunicar algo. O sr. e a sra. Darling imediatamente entenderam que algo terrível estava acontecendo com seus filhos e, sem se despedir da anfitriã, saíram correndo para a rua.

Mas agora já fazia dez minutos desde aquele momento em que três patifes ficaram respirando atrás da cortina; e Peter Pan pode fazer bastante coisa em dez minutos.

Voltemos ao quarto das crianças.

– Está tudo bem – anunciou João, saindo de seu esconderijo. – Peter, você sabe mesmo voar?

Em vez de se incomodar em responder, Peter voou pelo quarto, arrancando a prateleira sobre a lareira ao fazer isso.

– Que legal! – disseram João e Miguel.

– Que lindo! – exclamou Wendy.

– Sim, eu sou lindo, ah, como sou lindo! – disse Peter, esquecendo de novo suas boas maneiras.

Parecia deliciosamente fácil, e eles tentaram primeiro voar do chão e depois das camas, mas sempre iam para baixo em vez de para cima.

– Como você faz? – perguntou João, massageando o joelho.

Era um menino bastante prático.

– Você tem que pensar em coisas boas e lindas – explicou Peter –, e elas suspendem você no ar.

Ele mostrou de novo.

– Você faz tão rápido – disse João. – Não dá para fazer bem devagar uma vez?

Peter fez devagar e fez rápido.

– Já entendi, Wendy! – exclamou João.

Mas ele logo viu que não tinha entendido nada. Nenhum dos três conseguia voar nem um centímetro, embora até Miguel soubesse ler palavras de duas sílabas, enquanto Peter não sabia a diferença entre o A e o Z.

É claro que Peter estava brincando com eles, pois ninguém consegue voar a não ser que tenha um pouco de poeira de fada soprada sobre si. Felizmente, como nós já mencionamos, uma das mãos de Peter estava toda suja de poeira de fada, e ele soprou um pouco em cada um dos três, obtendo resultados fantásticos.

– Agora, sacudam os ombros desse jeito – disse ele –, e vamos embora.

Eles estavam cada um em sua cama, e o valente Miguel foi quem se soltou primeiro. Ele não teve bem a intenção de se soltar, mas se soltou, e foi imediatamente lançado para o outro lado do quarto.

– Eu voou! – gritou ele, ainda no ar.

João se soltou e encontrou com Wendy perto do banheiro.

– Ah, que delícia!

– Ah, que legal!

– Olhe para mim!

– Olhe para mim!

– Olhe para mim!

A maneira de voar deles não era nem de longe tão elegante quanto a de Peter – os três não conseguiam deixar de chutar um pouco o ar. Mas suas cabeças estavam encostando no teto, e quase nada é mais delicioso do que isso. Peter deu a mão a Wendy a princípio, mas teve que soltar, de tão indignada que Sininho ficou.

Eles foram para cima e para baixo, e rodaram de um lado para o outro. A palavra de Wendy para descrever aquilo foi “celestial”.

– Ei! – exclamou João. – Que tal a gente ir lá para fora?

É claro que era isso que Peter queria que eles fizessem.

Miguel estava a postos; ele queria ver quanto tempo ia levar para voarem um bilhão de quilômetros. Mas Wendy hesitou.

– Sereias! – disse Peter de novo.

– Ai!

– E também piratas.

– Piratas! – exclamou João, pegando seu chapéu mais bonito, a cartola que usava para ir à missa. – Vamos logo!

Foi exatamente nesse momento que o sr. e a sra. Darling saíram correndo da casa 27 com Naná. Eles correram até o meio da rua para olhar para a janela do quarto das crianças. E sim, ela ainda estava fechada, mas o quarto estava todo aceso. E a visão mais espantosa de todas foi a sombra por trás da cortina de três figurinhas de pijama girando em círculos, não no chão, mas no ar.

Três figurinhas não, quatro!

Trêmulos, eles abriram a porta da rua. O sr. Darling queria correr lá para cima, mas, com um gesto, a sra. Darling indicou que ele devia ir devagar. Ela tentou até fazer seu coração ir devagar.

Será que eles vão chegar ao quarto das crianças a tempo? Se chegarem vai ser muito bom para eles, e nós todos vamos dar um suspiro de alívio, mas não vai ter história. Por outro lado, se eles não chegarem a tempo, eu prometo solenemente que vai dar tudo certo no fim.

Eles teriam chegado ao quarto a tempo se não fosse pelas estrelinhas que os estavam observando. As estrelas abriram a janela de novo, e a menor delas gritou:

– Cuidado, Peter!

E Peter soube que não havia nem um segundo a perder.

– Vamos! – ordenou ele.

E lançou-se na noite, seguido por João, Miguel e Wendy.

O sr. Darling, a sra. Darling e Naná chegaram tarde demais ao quarto das crianças. Os pássaros haviam escapado.22