Sumário: 10.1. Introdução – 10.2. Conduta: 10.2.1. Teoria clássica, naturalística, mecanicista ou causal; 10.2.2. Teoria final ou finalista; 10.2.3. Teoria cibernética; 10.2.4. Teoria social; 10.2.5. Teoria jurídico-penal; 10.2.6. Apontamentos gerais sobre a conduta; 10.2.7. Formas de conduta; 10.2.8. Teorias acerca da omissão; 10.2.9. Caracteres da conduta; 10.2.10. Exclusão da conduta – 10.3. Resultado: 10.3.1. Conceito; 10.3.2. Denominação; 10.3.3. Espécies – 10.4. Relação de causalidade ou nexo causal: 10.4.1. Denominação; 10.4.2. Dispositivo legal; 10.4.3. Conceito; 10.4.4. Âmbito de aplicação; 10.4.5. Teorias; 10.4.6. Concausas; 10.4.7. Relevância da omissão; 10.4.8. A questão da dupla causalidade; 10.4.9. Teoria da imputação objetiva – 10.5. Tipicidade: 10.5.1. Conceito; 10.5.2. Evolução doutrinária; 10.5.3. Teoria dos elementos negativos do tipo; 10.5.4. Teoria da tipicidade conglobante; 10.5.5. Adequação típica: conceito e espécies – 10.6. Questões.
Fato típico é o fato humano1 que se enquadra com perfeição aos elementos descritos pelo tipo penal. A conduta de subtrair dolosamente, para si, coisa alheia móvel, caracteriza o crime de furto, uma vez que se amolda ao modelo delineado pelo art. 155, caput, do Código Penal.
Em sentido contrário, fato atípico é a conduta que não encontra correspondência em nenhum tipo penal. Por exemplo, a ação do pai consistente em manter relação sexual consentida com sua filha maior de idade e plenamente capaz é atípica, pois o incesto, ainda que imoral, não é crime.
São quatro os elementos do fato típico: conduta, resultado naturalístico, relação de causalidade (nexo causal) e tipicidade.
Tais elementos estarão presentes, simultaneamente, nos crimes materiais consumados.
Com efeito, se o crime material é aquele em que o tipo penal aloja em seu interior uma conduta e um resultado naturalístico (modificação do mundo exterior, provocada pelo comportamento do agente), exigindo a produção deste último para a consumação, os quatro elementos estarão presentes quando consumado o delito.
De fato, a conduta produz o resultado naturalístico, ligados entre si pela relação de causalidade. E, finalmente, para ter relevância penal deve operar-se o juízo de tipicidade, isto é, subsunção entre a ação ou omissão do agente e o modelo previsto no tipo penal.
Em caso de tentativa, suprimem-se o resultado naturalístico (não produzido por circunstâncias alheias à vontade do agente) e o nexo causal, limitando-se o fato típico aos elementos conduta e tipicidade.
Nos crimes formais e de mera conduta, os componentes do fato típico também são a conduta e a tipicidade. Vale recordar que nos crimes de mera conduta jamais haverá resultado naturalístico, razão pela qual se subtrai a relação de causalidade, enquanto nos crimes formais o resultado naturalístico pode até ocorrer, mas não é necessário para a consumação.
Passemos à análise de cada um dos elementos do fato típico.
Na delimitação do conceito de conduta reside uma das maiores discussões do Direito Penal.
Não é exagerado afirmar que a forma como atualmente se encontra desenvolvida a teoria geral do crime se deve à evolução do conceito doutrinário de conduta.
Várias teorias buscam defini-la, e a adoção de cada uma delas importa em modificações estruturais na forma de encarar o Direito Penal. Vejamos as mais importantes.
Conduta é o comportamento humano voluntário que produz modificação no mundo exterior.
Essa teoria foi idealizada no século XIX por Liszt, Beling e Radbruch e foi recepcionada no Brasil por diversos penalistas de destaque, tais como Aníbal Bruno, Costa e Silva, E. Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Manoel Pedro Pimentel e Nélson Hungria.
Submete o Direito Penal às regras inerentes às ciências naturais, orientadas pelas leis da causalidade. A vontade humana engloba duas partes diversas: uma externa, objetiva, correspondente ao processo causal, isto é, ao movimento corpóreo do ser humano, e outra interna, subjetiva, relacionada ao conteúdo final da ação.
Em breve síntese, a vontade é a causa da conduta, e a conduta é a causa do resultado. Não há vontade no tocante à produção do resultado. O elemento volitivo, interno, acarreta em um movimento corporal do agente, o qual, objetivamente, produz o resultado.
A caracterização da conduta criminosa depende somente da circunstância de o agente produzir fisicamente um resultado previsto em lei como infração penal, independentemente de dolo ou culpa.
Para a configuração da conduta basta apenas uma fotografia do resultado.
Imagine-se o seguinte exemplo: “A” trafega cautelosamente com seu carro em via pública, a 40 km/h. O limite da pista é de 60 km/h, e o veículo reúne perfeitas condições de uso. De repente, uma criança se solta dos braços da mãe, passa por trás de um ônibus que estava estacionado em local permitido e impedia a visibilidade de “A”, e, inesperadamente, lança-se na direção do automóvel, chocando-se contra ele. A criança morre. O agente não tinha dolo nem culpa.
Qual é a fotografia do evento?
Resposta: “A” na direção do seu veículo automotor, uma criança morta à sua frente e o para-choque do carro amassado.
Para a teoria clássica, “A” teria praticado uma conduta penalmente relevante. Com efeito, a sua ação (dirigir o automóvel) ensejou um resultado no mundo exterior (morte da criança). Trata-se de mera relação de causa e efeito. Daí o nome: teoria causal ou mecanicista.
Presentes, assim, conduta e resultado naturalístico, bem como o nexo causal, eis que a criança morreu em consequência do suposto atropelamento. Além disso, há tipicidade, pois a conduta de “matar alguém” encontra correspondência no art. 121 do Código Penal.
Configurado, portanto, o fato típico do crime de homicídio.
Em decorrência, questiona-se: “A teoria clássica consagra a responsabilidade penal objetiva”?
A resposta é negativa.
Mas o examinador vai insistir: “Mas como fica o elemento subjetivo (dolo ou culpa)”?
E respondemos. Na teoria clássica, dolo e culpa se alojam no interior da culpabilidade, momento em que se procede à análise do querer interno do agente. Por essa razão, já dissemos ao abordar o conceito analítico de crime que, para os adeptos da teoria clássica, crime é necessariamente o fato típico e ilícito, praticado por agente culpável, sob pena de restar caracterizada a responsabilidade penal objetiva.
No exemplo citado, não haveria crime por ausência de culpabilidade. O fato seria típico e ilícito (pois não se encontra presente nenhuma causa de exclusão da ilicitude), mas não existiria a culpabilidade pela falta de um dos seus elementos (dolo ou culpa).
O principal defeito dessa teoria é separar a conduta praticada no mundo exterior (movimento corporal objetivo) da relação psíquica do agente (conteúdo volitivo), deixando de analisar a sua vontade.
Fica claro, portanto, que a teoria clássica não distingue a conduta dolosa da conduta culposa, pois ambas são analisadas objetivamente, uma vez que não se faz nenhuma indagação sobre a relação psíquica do agente para com o resultado.
Da mesma forma, não explica de modo idôneo os crimes omissivos próprios, nem os formais, nem os de mera conduta. Ainda, não convence no que diz respeito aos crimes tentados, pois em todos eles não há resultado naturalístico apto a possibilitar a fotografia do delito.
Bastante consagrada em décadas passadas, essa teoria foi ao longo do tempo cada vez mais abandonada, encontrando atualmente poucos seguidores.
Foi criada por Hans Welzel, jusfilósofo e penalista alemão, no início da década de 30 do século passado. Posteriormente, teve grande acolhida no Brasil, compartilhando de seus ideais ilustres penalistas, como Heleno Cláudio Fragoso, René Ariel Dotti, Damásio E. de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete e Miguel Reale Júnior.
Tem como ponto de partida a concepção do homem como ser livre e responsável pelos seus atos. Consequentemente, as regras do Direito não podem ordenar ou proibir meros processos causais, mas apenas atos dirigidos finalisticamente, ou então a omissão de tais atos.2
Para essa teoria, conduta é o comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a um fim. Daí o seu nome finalista, levando em conta a finalidade do agente. Não desprezou todos os postulados da teoria clássica. Ao contrário, preservou-os, a eles acrescentando a nota da finalidade.
Uma conduta pode ser contrária ou conforme ao Direito, dependendo do elemento subjetivo do agente. Destarte, dolo e culpa, que na teoria clássica residiam na culpabilidade, foram deslocados para o interior da conduta, e, portanto, para o fato típico. Formou-se, assim, uma culpabilidade vazia, desprovida do dolo e da culpa.
Desta forma, o partidário do finalismo penal pode adotar um conceito analítico de crime tripartido ou bipartido, conforme repute a culpabilidade como elemento do crime ou pressuposto de aplicação da pena.
Welzel sustentava que a causalidade exterior é cega, pois não analisa o querer interno do agente. Por seu turno, a finalidade, por ser guiada, é vidente.
No exemplo adotado em relação à teoria clássica, a resposta seria diversa no tocante à teoria finalista.
Com efeito, o comportamento de “A” não poderia ser considerado conduta penalmente relevante em face da ausência de dolo ou culpa. Não haveria crime, desde já, pela inexistência do fato típico “matar alguém”.
O Código Penal em vigor, com a Reforma da Parte Geral pela Lei 7.209/1984, parece ter manifestado preferência pelo finalismo penal. Uma forte evidência se encontra no art. 20, caput: “O erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.
Ora, se a ausência de dolo acarreta na exclusão do fato típico (ainda que somente na forma dolosa), é porque o dolo está na conduta do agente, que deixa de ser dolosa para ser culposa.
A teoria finalista foi bastante criticada no tocante aos crimes culposos, pois não se sustentava a finalidade da ação concernente ao resultado naturalístico involuntário.
Alega-se, todavia, que no crime culposo também há vontade dirigida a um fim. Mas esse fim será conforme ou não ao Direito, de maneira que a reprovação nos crimes culposos não incide na finalidade do agente, mas nos meios por ele escolhidos para atingir a finalidade desejada, indicativos da imprudência, da negligência ou da imperícia.
Entretanto, parece que nem mesmo Welzel conseguiu adequar com precisão a teoria finalista aos crimes culposos. Na última etapa de seus estudos, vislumbrou, ainda que superficialmente, substituir a teoria finalista por uma outra teoria, denominada cibernética.
Essa teoria, também conhecida como “ação biociberneticamente antecipada”3, leva em conta o controle da vontade, presente tanto nos crimes dolosos como nos crimes culposos.
Como já mencionado, busca compatibilizar o finalismo penal com os crimes culposos. Na explicação de Everardo da Cunha Luna:
Welzel informa que, ao tomar do campo da filosofia de Nicolai Hartmann, pela primeira vez e em 1935, o termo finalidade, outra expressão não existia que se adequasse ao seu pensamento sobre a ação humana. Ao surgir, porém, em 1948, com Norbert Wiener, o termo cibernética, seria melhor talvez preferilo ao termo finalidade, para designar a ação como fato dirigido e orientado pela vontade. Como, porém, o termo cibernética tem uma significação precisa no campo da matemática, deve ser mantido o uso linguístico jurídico-penal finalidade, sabendo-se, desde já, que ocasiona mal-entendidos ao ser interpretado de uma maneira estreita e literal. Se não fora o inconveniente indicado, a ação cibernética compreenderia, com clareza, o dolo e a culpa, abrangendo, em ambos, o que existe de juridicamente relevante, ou seja, a direção.4
Destarte, pelo fato de ter sido consagrada no âmbito jurídico, e mostrar-se mais pertinente ao estudo do Direito Penal, manteve-se a denominação finalismo penal.
Para essa teoria, os ideais clássico e finalista são insuficientes para disciplinar a conduta, porque desconsiderariam uma nota essencial do comportamento humano: o seu aspecto social.
Nesse contexto, Johannes Wessels, na tentativa de equacionar esse problema, criou a teoria social da ação.
Hans-Heinrich Jescheck, partidário dessa teoria, define a conduta como o comportamento humano com transcendência social.5
Por comportamento deve entender-se a resposta do homem a exigências situacionais, mediante a concretização da possibilidade de reação que lhe é autorizada pela sua liberdade. Assim, socialmente relevante seria a conduta capaz de afetar o relacionamento do agente com o meio social em que se insere.
Essa teoria não exclui os conceitos causal e final de ação. Deles se vale, acrescentando-lhes o caráter da relevância social.
Para os seus defensores, a vantagem da teoria consiste no fato de o elemento sociológico cumprir a missão de permitir ao Poder Judiciário a supressão do vácuo criado pelo tempo entre a realidade jurídica e a realidade social.
Um fato não pode ser tipificado pela lei como infração penal e, simultaneamente, ser tolerado pela sociedade, caso em que estaria ausente um elemento implícito do tipo penal, presente em todo modelo descritivo legal, consistente na repercussão social da conduta.
Por corolário, para que o agente pratique uma infração penal é necessário que, além de realizar todos os elementos previstos no tipo penal, tenha também a intenção de produzir um resultado socialmente relevante.
A principal crítica que se faz a essa teoria repousa na extensão do conceito de transcendência ou relevância social, que se presta a tudo, inclusive a fenômenos acidentais e da natureza. A morte de uma pessoa provocada por uma enchente, por exemplo, possui relevância social, na medida em que enseja o nascimento, modificação e extinção de direitos e obrigações.
Com efeito, ao mesmo tempo em que não se pode negar relevância social ao delito, também se deve recordar que tal qualidade é inerente a todos os fatos jurídicos, e não apenas aos pertencentes ao Direito Penal.
É a teoria sustentada por Francisco de Assis Toledo para superar os entraves travados entre as vertentes clássica, finalista e social. Em suas palavras, essa definição almeja conciliar os pontos positivos extraídos de cada uma delas. Nesse sentido:
Ação é o comportamento humano, dominado ou dominável pela vontade, dirigido para a lesão ou para a exposição a perigo de um bem jurídico, ou, ainda, para a causação de uma previsível lesão a um bem jurídico.6
Deve ser lembrado que a palavra “ação” é empregada por Assis Toledo em sentido amplo, como sinônimo de conduta, englobando, assim, a ação propriamente dita e a omissão.
Essa teoria coloca em destaque, segundo seu autor:
a) o comportamento humano, englobando a ação e a omissão;
b) a vontade, exclusiva do ser humano;
c) o “poder de outro-modo” (poder agir de outro modo), que permite ao homem o domínio da vontade;
d) o aspecto causal-teleológico do comportamento; e
e) a lesão ou perigo a um bem jurídico.
Adotamos uma posição finalista, indiscutivelmente a mais aceita em provas e concursos públicos.
Desse modo, conduta é a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a um fim, consistente em produzir um resultado tipificado em lei como crime ou contravenção penal.
Não há crime sem conduta, pois o Direito Penal, ao contrário do sugerido por Vicenzo Manzini, não aceita os crimes de mera suspeita, isto é, aqueles em que o agente não é punido por sua conduta, e sim pela suspeita despertada pelo seu modo de agir.
Nesse contexto, a contravenção penal prevista no art. 25 do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais (“Ter alguém em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima”) é inconstitucional. Constitui-se em resquício do “direito penal do autor”, pois o agente é punido em virtude da sua condição pessoal, independentemente da prática de um fato concreto capaz de lesar ou expor a perigo de lesão um bem jurídico penalmente tutelado. Na ótica do Supremo Tribunal Federal:
O art. 25 da Lei de Contravenções Penais – LCP (Decreto-lei 3.688/41: “Art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima: Pena – prisão simples, de dois meses a um ano, e multa de duzentos mil réis a dois contos de réis”) não é compatível com a Constituição de 1988, por violar os princípios da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III) e da isonomia (CF, art. 5.º, caput e I). Essa a conclusão do Plenário, que deu provimento a recursos extraordinários, julgados em conjunto, e absolveu os recorrentes, nos termos do art. 386, III, do CPP. Discutia-se a temática relativa à recepção do mencionado art. 25 da LCP pelo novo ordenamento constitucional. No caso, os recorrentes foram condenados pela posse injustificada de instrumento de emprego usual na prática de furto, tendo em conta condenação anterior pelo aludido crime (CP, art. 155, § 4.º). (...) No mérito, destacou-se que o princípio da ofensividade deveria orientar a aplicação da lei penal, de modo a permitir a aferição do grau de potencial ou efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma. Observou-se que, não obstante a contravenção impugnada ser de mera conduta, exigiria, para a sua configuração, que o agente tivesse sido condenado anteriormente por furto ou roubo; ou que estivesse em liberdade vigiada; ou que fosse conhecido como vadio ou mendigo. Assim, salientou-se que o legislador teria se antecipado a possíveis e prováveis resultados lesivos, o que caracterizaria a presente contravenção como uma infração de perigo abstrato. Frisou-se que a LCP fora concebida durante o regime ditatorial e, por isso, o anacronismo do tipo contravencional. Asseverou-se que a condição especial “ser conhecido como vadio ou mendigo”, atribuível ao sujeito ativo, criminalizaria, em verdade, qualidade pessoal e econômica do agente, e não fatos objetivos que causassem relevante lesão a bens jurídicos importantes ao meio social. Consignou-se, no ponto, a inadmissão, pelo sistema penal brasileiro, do direito penal do autor em detrimento do direito penal do fato. No que diz respeito à consideração da vida pregressa do agente como elementar do tipo, afirmou-se o não cabimento da presunção de que determinados sujeitos teriam maior potencialidade de cometer novas infrações penais. Por fim, registrou-se que, sob o enfoque do princípio da proporcionalidade, a norma em questão não se mostraria adequada e necessária, bem como afrontaria o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito.7
Quando pratica uma infração penal, o ser humano viola o preceito proibitivo (crimes comissivos) ou preceptivo (crimes omissivos) contido na lei penal, a qual pode ser proibitiva ou preceptiva.
Leis penais proibitivas são as que proíbem determinados comportamentos e correspondem aos crimes comissivos. Quando o tipo penal descreve uma ação, a lei penal contém um preceito proibitivo. No art. 121 do Código Penal, o preceito proibitivo é “não matar”.
Por seu turno, leis penais preceptivas são as que impõem a realização de uma ação, isto é, reclamam um comportamento positivo. Quando o tipo penal descreve uma omissão, a lei penal contém um preceito preceptivo, e o seu descumprimento se verifica com a omissão de um comportamento devido por lei. No art. 135 do CP, o mandamento é “prestar assistência”.
A conduta pode se exteriorizar por ação ou por omissão.
A ação consiste em um movimento corporal exterior. Reclama do ser humano uma postura positiva, um fazer. Relaciona-se com a maioria dos delitos, por meio de uma norma proibitiva.
Por outro lado, não se trata a omissão de um mero comportamento estático. É, sim, a conduta de não fazer aquilo que podia e devia ser feito em termos jurídicos, e se refere às normas preceptivas.
A omissão pode ser vislumbrada tanto quando o agente nada faz, bem como quando faz algo diferente daquilo que lhe impunha o dever jurídico de agir. Exemplo: pratica o crime de omissão de socorro, definido pelo art. 135 do Código Penal, o agente que permanece inerte diante da pessoa necessitada, assim como aquele que se afasta do local sem prestar-lhe assistência.
A teoria naturalística sustenta ser a omissão um fenômeno causal que pode ser constatado no mundo fático, pois, em vez de ser considerada uma inatividade, caracteriza-se como verdadeira espécie de ação. Portanto, quem se omite efetivamente faz alguma coisa.
Já para a teoria normativa, a omissão é um indiferente penal, pois o nada não produz efeitos jurídicos. Destarte, o omitente não responde pelo resultado, pois não o provocou.
Essa teoria, contudo, aceita a responsabilização do omitente pela produção do resultado, desde que seja a ele atribuído, por uma norma, o dever jurídico de agir. Essa é a razão de sua denominação (normativa = norma). A omissão é, assim, não fazer o que a lei determinava que se fizesse. Foi acolhida pelo Código Penal.
Em verdade, nos crimes omissivos próprios ou puros a norma impõe o dever de agir no próprio tipo penal (preceito preceptivo).
Já nos crimes omissivos impróprios, espúrios ou comissivos por omissão, o tipo penal descreve uma ação (preceito proibitivo), mas a omissão do agente, que descumpre o dever jurídico de agir, definido pelo art. 13, § 2.º, do Código Penal, acarreta a sua responsabilidade penal pela produção do resultado naturalístico.
A conduta se reveste das seguintes características:
1) O ser humano, e apenas ele, pode praticar condutas penalmente relevantes. Os acontecimentos naturais e os atos dos seres irracionais, produzidos sem a interferência do homem, não interessam ao Direito Penal. É possível, também, para quem se filia a essa posição a prática de condutas por pessoas jurídicas, relativamente aos crimes ambientais.
2) Somente a conduta voluntária interessa ao Direito Penal. O crime é ato exclusivo do homem, pois a vontade, qualquer que seja a teoria adotada, é elemento constitutivo da conduta. O Direito Penal se alicerça na evitabilidade, razão pela qual só são pertinentes as condutas que poderiam ser evitadas.
3) Apenas os atos lançados ao mundo exterior ingressam no conceito de conduta. O simples querer interno do agente (cogitação) é desprezado pelo Direito Penal, pois ainda não há sequer perigo de lesão ao bem jurídico protegido pela norma. Enquanto a vontade não for libertada do claustro psíquico, não produz efeitos jurídicos.8
4) A conduta é composta de dois elementos: um ato de vontade, dirigido a um fim, e a manifestação da vontade no mundo exterior, por meio de uma ação ou omissão dominada ou dominável pela vontade. Esse é o elemento mecânico que concretiza no mundo fático o querer interno do agente.
Apontam-se as seguintes hipóteses como de exclusão da conduta:
1) Caso fortuito e força maior: são os acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, que fogem do domínio da vontade do ser humano. E, se não há vontade, não há dolo nem culpa. Consequentemente, como dolo e culpa integram a conduta, não se configura esse elemento do fato típico.
Em que pese a ampla divergência doutrinária, pode-se entender o caso fortuito como o acontecimento imprevisível e inevitável provocado pelo homem (ex.: greve de ônibus), e por força maior o evento, com iguais predicados, mas decorrente da natureza (ex.: inundação provocada por uma tempestade).
2) Atos ou movimentos reflexos: consistem em reação motora ou secretora em consequência de uma excitação dos sentidos. O movimento corpóreo não se deve ao elemento volitivo, mas sim ao fisiológico. Ausente a vontade, estará ausente também a conduta.
É o caso do ortopedista que bate o martelinho contra o joelho do paciente. Se, em razão do reflexo, seu chute atingir o médico, não se poderá falar em lesões corporais ou na contravenção de vias de fato. Não houve vontade penalmente relevante, mas resposta fisiológica à provocação médica.
Os atos reflexos, entretanto, não se confundem com as ações em curto circuito, derivadas dos atos impulsivos fundamentados em emoções ou paixões violentas. Nesses casos há o elemento volitivo que estimula a conduta criminosa. Exemplo: “A” passa na direção de “B” e dele zomba, motivando-o a, repentinamente, desferir socos no provocador. Há vontade e, por corolário, conduta penalmente relevante.
Os movimentos reflexos devem ser diferenciados, ainda, dos atos habituais, mecânicos ou automáticos, que consistem na reiteração de um comportamento. É o caso de conduzir veículo automotor com apenas uma das mãos ao volante. Caso o agente atropele e mate alguém, responderá pelo crime tipificado pelo art. 302 da Lei 9.503/1997 – Código de Trânsito Brasileiro, pois tal hábito era dominável pela vontade.
3) Coação física irresistível: também chamada de vis absoluta, ocorre quando o coagido não tem liberdade para agir. Não lhe resta nenhuma outra opção, a não ser praticar um ato em conformidade com a vontade do coator.
Imagine a situação em que um homem muito forte obriga fisicamente outra pessoa, bastante franzina, a apertar o gatilho de um revólver municiado na direção de seu desafeto. Em suma, pressiona o dedo do coagido contra o gatilho. A vítima é atingida e morre.
O coagido serviu como instrumento do crime. Não agiu de forma voluntária, excluindo-se sua conduta. Nesse caso, não se pode falar, em hipótese alguma, em concurso de agentes, por falta do elemento subjetivo (convergência de vontades) exigível para tanto.
Por outro lado, na coação moral irresistível, ou vis compulsiva, o coagido pode escolher o caminho a ser seguido: obedecer ou não a ordem do coator. Como a sua vontade existe, porém de forma viciada, exclui-se a culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa.
Em suma, enquanto a coação física irresistível exclui a conduta e, portanto, o fato típico, a coação moral irresistível funciona como causa excludente da culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa.
4) Sonambulismo e hipnose: também não há conduta, por falta de vontade nos comportamentos praticados em completo estado de inconsciência.
Anote-se que a embriaguez, voluntária ou culposa, embora completa, não exclui a conduta. Subsiste a imputabilidade e, consequentemente, a culpabilidade (CP, art. 28, II).
Resultado é a consequência provocada pela conduta do agente.
Nada obstante algumas poucas divergências, as palavras “resultado” e “evento” podem ser utilizadas como sinônimas. Anote-se, porém, existir no Brasil a preferência por “resultado”.
Essa distinção terminológica é irrelevante. Importa considerar somente o que ambas significam.9
Em Direito Penal, o resultado pode ser jurídico ou naturalístico.
Resultado jurídico, ou normativo, é a lesão ou exposição a perigo de lesão do bem jurídico protegido pela lei penal. É, simplesmente, a violação da lei penal, mediante a agressão do valor ou interesse por ela tutelado.
Resultado naturalístico, ou material, é a modificação do mundo exterior provocada pela conduta do agente.
É comum a seguinte indagação: Existe crime sem resultado?
E a resposta, mais uma vez, é: Depende.
Não há crime sem resultado jurídico, pois todo delito agride bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal. Recorde-se do conceito material de crime, segundo o qual não há crime quando a ação ou omissão humana não lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.
Entretanto, é possível um crime sem resultado naturalístico.
O resultado naturalístico estará presente somente nos crimes materiais consumados. Se tentado o crime, ainda que material, não haverá resultado naturalístico.
Nos crimes formais, ainda que possível sua ocorrência, é dispensável o resultado naturalístico.
E, finalmente, nos crimes de mera conduta ou de simples atividade jamais se produzirá tal espécie de resultado.
Em síntese, todo crime tem resultado jurídico, embora não se possa apresentar igual afirmativa em relação ao resultado naturalístico.
Emprega-se, comumente, a expressão “nexo causal” para referir-se à ligação entre a conduta e o resultado.
O art. 13 do Código Penal, todavia, preferiu falar em “relação de causalidade”. Essa, portanto, é a denominação legal.
Estabelece o art. 13 do Código Penal:
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
§ 1.º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
§ 2.º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Relação de causalidade é o vínculo formado entre a conduta praticada por seu autor e o resultado por ele produzido.
É por meio dela que se conclui se o resultado foi ou não provocado pela conduta, autorizando, se presente a tipicidade, a configuração do fato típico.
Prevalece na doutrina brasileira o entendimento de que a expressão “o resultado”, constante no início do art. 13, caput, do Código Penal, alcança somente o resultado naturalístico, isto é, a modificação externa provocada pela conduta praticada por alguém.
Destarte, o estudo da relação de causalidade tem pertinência apenas aos crimes materiais. Nesses delitos, o tipo penal descreve uma conduta e um resultado naturalístico, exigindo a produção desse último para a consumação. É aí que entra em cena o nexo causal, para ligar a conduta do agente ao resultado material.
Nos crimes de atividade, o resultado naturalístico pode ocorrer (formais) ou não (de mera conduta). De qualquer forma, é dispensável, pois se consumam com a simples prática da conduta ilícita.
Destacam-se três teorias na busca de definir a relação de causalidade:
1.ª teoria: Equivalência dos antecedentes: também chamada de teoria da equivalência das condições, teoria da condição simples, teoria da condição generalizadora, ou, finalmente, teoria da conditio sine qua non, foi criada por Glaser,10 e posteriormente desenvolvida por Von Buri e Stuart Mill, em 1873.
Para essa teoria, causa é todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido, quando ocorreu e como ocorreu.
2.ª teoria: Teoria da causalidade adequada: também chamada de teoria da condição qualificada, ou teoria individualizadora, originou-se dos estudos de Von Kries, um fisiólogo, e não jurista.
Causa, nesse contexto, é o antecedente, não só necessário, mas adequado à produção do resultado. Destarte, para que se possa atribuir um resultado à determinada pessoa, é necessário que ela, além de praticar um antecedente indispensável, realize uma atividade adequada à sua concretização.
Considera-se a conduta adequada quando é idônea a gerar o efeito. A idoneidade baseia-se na regularidade estatística. Donde se conclui que a conduta adequada (humana e concreta) funda-se no id quod plerumque accidit, excluindo os acontecimentos extraordinários, fortuitos, excepcionais, anormais. Não são levadas em conta todas as circunstâncias necessárias, mas somente aquelas que, além de indispensáveis, sejam idôneas à produção do resultado.11
Portanto, a causa adequada é aferida de acordo com o juízo do homem médio e com a experiência comum. Não basta contribuir de qualquer modo para o resultado: a contribuição deve ser eficaz.
3.ª teoria: Teoria da imputação objetiva: será estudada em tópico separado.
Acolheu-se, como regra, a teoria da equivalência dos antecedentes. É o que se extrai do art. 13, caput, in fine: “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.
Causa, pois, é todo o comportamento humano, comissivo ou omissivo, que de qualquer modo concorreu para a produção do resultado naturalístico. Pouco importa o grau de contribuição. Basta que tenha contribuído para o resultado material, na forma e quando ocorreu.
Não há diferença entre causa, condição (fator que autoriza à causa a produção de seu efeito) ou ocasião (circunstância acidental que estimula favoravelmente a produção da causa).
E, para se constatar se algum acontecimento insere-se ou não no conceito de causa, emprega-se o “processo hipotético de eliminação”, desenvolvido em 1894 pelo sueco Thyrén. Suprime-se mentalmente determinado fato que compõe o histórico do crime: se desaparecer o resultado naturalístico, é porque era também sua causa; todavia, se com a sua eliminação permanecer íntegro o resultado material, não se pode falar que aquele acontecimento atuou como sua causa.
Confira-se o famoso exemplo de Damásio E. de Jesus:
Suponha-se que “A” tenha matado “B”. A conduta típica do homicídio possui uma série de fatos, alguns antecedentes, dentre os quais podemos sugerir os seguintes: 1.º) a produção do revólver pela indústria; 2.º) aquisição da arma pelo comerciante; 3.º) compra do revólver pelo agente; 4.º) refeição tomada pelo homicida; 5.º) emboscada; 6.º) disparo de projéteis na vítima; 7.º) resultado morte. Dentro dessa cadeia de fatos, excluindo-se os fatos sob nos números 1.º a 3.º, 5.º e 6.º, o resultado não teria ocorrido. Logo, são considerados causa. Excluindo-se o fato sob o número 4.º (refeição), ainda assim o evento teria acontecido. Logo, a refeição tomada pelo sujeito não é considerada causa.12
Contra essa teoria foram endereçadas algumas críticas. A principal delas consistiria na circunstância de ser uma teoria cega, porque possibilitaria a regressão ao infinito (regressus ad infinitum).
Como causa é todo acontecimento que de qualquer modo contribui para o resultado, poderia operar-se o retorno ao início dos tempos. “A” matou “B”. Consequentemente, poderiam ser seus pais responsabilizados, pois sem a concepção do filho a vítima não teria morrido. E assim sucessivamente, até o primeiro dos seus antepassados.
Essa crítica, contudo, é despropositada. Para que um acontecimento ingresse na relação de causalidade, não basta a mera dependência física. Exige-se ainda a causalidade psíquica (imputatio delicti), é dizer, reclama-se a presença do dolo ou da culpa por parte do agente em relação ao resultado. De fato, a falta do dolo ou da culpa afasta a conduta, a qual, por seu turno, obsta a configuração do nexo causal.
A título ilustrativo, a venda lícita de uma arma de fogo, por si só, não ingressa no nexo causal de um homicídio com ela praticado. Entretanto, se o vendedor sabia da intenção do comprador e, desejando a morte do ofendido, facilitou de qualquer modo a alienação do produto, sua conduta será considerada causa do crime posteriormente cometido.
Excepcionalmente, o Código Penal adota, no § 1.º do art. 13, a teoria da causalidade adequada.
Em síntese, o art. 13 do Código Penal acolheu como regra a teoria da equivalência dos antecedentes (caput, in fine) e, excepcionalmente, a teoria da causalidade adequada (§ 1.º), o que nos remete ao estudo das concausas.
Concausa é a convergência de uma causa externa à vontade do autor da conduta, influindo na produção do resultado naturalístico por ele desejado e posicionando-se paralelamente ao seu comportamento, comissivo ou omissivo.
Causa dependente é a que emana da conduta do agente, dela se origina, razão pela qual se insere no curso normal do desenvolvimento causal. Existe dependência entre os acontecimentos, pois sem o anterior não ocorreria o posterior. Desse modo, não exclui a relação de causalidade. Exemplo: “A” tem a intenção de matar “B”. Após espancá-lo, coloca uma corda em seu pescoço, amarrando-a ao seu carro. Em seguida dirige o automóvel, arrastando a vítima ao longo da estrada, circunstância que provoca a sua morte. As condutas consistentes em agredir, amarrar e arrastar a vítima são interdependentes para a produção do resultado final.
Causa independente, por outro lado, é a que foge da linha normal de desdobramento da conduta. Seu aparecimento é inesperado e imprevisível. É independente porque tem a capacidade de produzir, por si só, o resultado.13 Pode ser de natureza absoluta ou relativa, dependendo de sua origem.
São aquelas que não se originam da conduta do agente, isto é, são absolutamente desvinculadas da sua ação ou omissão ilícita. E, por serem independentes, produzem por si sós o resultado naturalístico. Constituem a chamada “causalidade antecipadora”,14 pois rompem o nexo causal.
Dividem-se em preexistentes (ou estado anterior), concomitantes e supervenientes.
É aquela que existe anteriormente à prática da conduta. O resultado naturalístico teria ocorrido da mesma forma, mesmo sem o comportamento ilícito do agente. Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo contra “B”, atingindo-o em regiões vitais. O exame necroscópico, todavia, conclui ter sido a morte provocada pelo envenenamento anterior efetuado por “C”.
É a que incide simultaneamente à prática da conduta. Surge no mesmo instante em que o agente realiza seu comportamento criminoso. Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo contra “B” no momento em que o teto da casa deste último desaba sobre sua cabeça.
É a que se concretiza posteriormente à conduta praticada pelo agente. Exemplo: “A” subministra dose letal de veneno a “B”, mas, antes que se produzisse o efeito almejado, surge “C”, antigo desafeto de “B”, que nele efetua inúmeros disparos de arma de fogo por todo o corpo, matando-o.
Em todas as modalidades (preexistentes, concomitantes e supervenientes), o resultado naturalístico ocorre independentemente da conduta do agente. As causas surgem de forma autônoma, isto é, não se ligam ao comportamento criminoso do agente. E, por serem independentes, produzem por si sós o resultado material.15
Por corolário, devem ser imputados ao agente somente os atos praticados, e não o resultado naturalístico, em face da quebra da relação de causalidade. De fato, suprimindo mentalmente sua conduta, ainda assim o resultado teria ocorrido como ocorreu. Respeita-se a teoria da equivalência dos antecedentes ou conditio sine qua non, adotada pelo art. 13, caput, in fine, do Código Penal. Nos exemplos mencionados, o agente responde somente por tentativa de homicídio, e não por homicídio consumado.
Originam-se da própria conduta efetuada pelo agente. Daí serem relativas, pois não existiriam sem a atuação criminosa.
Como, entretanto, tais causas são independentes, têm idoneidade para produzir, por si sós, o resultado, já que não se situam no normal trâmite do desenvolvimento causal.
Classificam-se em preexistentes (ou estado anterior), concomitantes e supervenientes.
Existe previamente à prática da conduta do agente. Antes de seu agir ela já estava presente. Exemplo: “A”, com ânimo homicida, efetua disparos de arma de fogo contra “B”, atingindo-a de raspão. Os ferimentos, contudo, são agravados pela diabete da vítima, que vem a falecer.
É a que ocorre simultaneamente à prática da conduta. Exemplo: “A” aponta uma arma de fogo contra “B”, o qual, assustado, corre em direção a movimentada via pública. No momento em que é alvejado pelos disparos, é atropelado por um caminhão, morrendo.
Em obediência à teoria da equivalência dos antecedentes ou conditio sine qua non, adotada pelo art. 13, caput, in fine, do Código Penal, nas duas hipóteses o agente responde pelo resultado naturalístico.
Com efeito, suprimindo-se mentalmente a sua conduta, o resultado material, que nos exemplos acima seria a morte da vítima, não teria ocorrido quando e como ocorreu.
Em face da regra prevista no art. 13, § 1.º, do Código Penal, as causas supervenientes relativamente independentes podem ser divididas em dois grupos: (1) as que produzem por si sós o resultado; e (2) as que não produzem por si sós o resultado.
Incide a teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua non, adotada como regra geral no tocante à relação de causalidade (CP, art. 13, caput, in fine).
O agente responde pelo resultado naturalístico, pois, suprimindo-se mentalmente a sua conduta, o resultado não teria ocorrido como e quando ocorreu. Exemplo: “A”, com a intenção de matar, efetua disparos de arma de fogo contra “B”. Por má pontaria, atinge-o em uma das pernas, não oferecendo risco de vida. Contudo, “B” é conduzido a um hospital e, por imperícia médica, vem a morrer.
Nesse caso, “B” não teria morrido, ainda que por imperícia médica, sem a conduta inicial de “A”. De fato, somente pode falecer por falta de qualidade do profissional da medicina aquele que foi submetido ao seu exame, no exemplo, justamente pela conduta homicida que redundou no encaminhamento da vítima ao hospital.
A imperícia médica, por si só, não é capaz de matar qualquer pessoa, mas somente aquela que necessita de cuidados médicos. Nesse sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
O fato de a vítima ter falecido no hospital em decorrência das lesões sofridas, ainda que se alegue eventual omissão no atendimento médico, encontra-se inserido no desdobramento físico do ato de atentar contra a vida da vítima, não caracterizando constrangimento ilegal a responsabilização criminal por homicídio consumado, em respeito à teoria da equivalência dos antecedentes causais adotada no Código Penal e diante da comprovação do animus necandi do agente.16
É a situação tratada pelo § 1.º do art. 13 do Código Penal: “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou” (grifamos).
Nesse dispositivo foi acolhida a teoria da causalidade adequada. Logo, causa não é mais o acontecimento que de qualquer modo concorre para o resultado.
Muito pelo contrário, passa a ser causa apenas a conduta idônea – com base em um juízo estatístico e nas regras de experiência (id quod plerumque accidit) –, a provocar a produção do resultado naturalístico. Não basta qualquer contribuição. Exige-se uma contribuição adequada.
Os exemplos famosos são: (1) pessoa atingida por disparos de arma de fogo que, internada em um hospital, falece não em razão dos ferimentos, mas sim queimada por um incêndio que destrói toda a área dos enfermos; e (2) ferido que morre durante o trajeto para o hospital, em face de acidente de tráfego que atinge a ambulância que o transportava.
Em ambos os casos, a incidência da teoria da equivalência dos antecedentes acarretaria a imputação do resultado naturalístico ao responsável pelos ferimentos, pois, eliminando-se em abstrato sua conduta, certamente a morte não teria ocorrido quando e como ocorreu.
Todavia, repita-se, não foi em vão a redação do § 1.º do art. 13 do Código Penal pelo legislador. Essa regra foi ali expressamente colocada por força da preferência, nesse caso, pela teoria da causalidade adequada.
A expressão “por si só” revela a autonomia da causa superveniente que, embora relativa, não se encontra no mesmo curso do desenvolvimento causal da conduta praticada pelo autor. Em outras palavras, depois do rompimento da relação de causalidade, a concausa manifesta a sua verdadeira eficácia, produzindo o resultado por sua própria força, ou seja, invoca para si a tarefa de concretizar o resultado naturalístico.
Nos exemplos acima mencionados, conclui-se que qualquer pessoa que estivesse na área da enfermaria do hospital, ou no interior da ambulância, poderia morrer em razão do acontecimento inesperado e imprevisível, e não somente a ferida pela conduta praticada pelo agente.
Portanto, a simples concorrência (de qualquer modo) não é suficiente para a imputação do resultado material, produzido, anote-se, por uma causa idônea e adequada, por si só, para fazê-lo.
O art. 13, § 1.º, cuidou exclusivamente das causas supervenientes relativamente independentes que produzem por si sós o resultado. Não falou das preexistentes nem das concomitantes, o que é alvo de crítica por parte da doutrina especializada. A propósito, aduz Paulo José da Costa Júnior:
Não vemos motivo para que se levante uma barreira tão rígida entre causas que apresentam estrutura idêntica e eficiência equivalente. Consequentemente, teria sido preferível que a nova lei penal houvesse contemplado, no § 1.º do art. 13, a par da superveniência, a preexistência ou a intercorrência de causa relativamente independente.
É com base em uma aplicação analógica que se pode coerentemente fazer semelhante extensão. Desde que o dispositivo em foco se destina a favorecer a posição do agente, tratando-se de uma analogia in bonam partem, é ela admissível em direito penal.17
O gráfico abaixo bem sintetiza tudo o que foi dito:
A omissão penalmente relevante encontra-se disciplinada pelo art. 13, § 2.º, do Código Penal: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.
O dispositivo é aplicável somente aos crimes omissivos impróprios, espúrios ou comissivos por omissão, isto é, aqueles em que o tipo penal descreve uma ação, mas a inércia do agente, que podia e devia agir para impedir o resultado naturalístico, conduz à sua produção. São crimes materiais, como é o caso do homicídio, cometido em regra por ação, mas passível também de ser praticado por inação, desde que o agente ostente o poder e o dever de agir.
De fato, os crimes omissivos próprios ou puros não alojam em seu bojo um resultado naturalístico. A omissão é descrita pelo próprio tipo penal, e o crime se consuma com a simples inércia do agente. Não são, assim, compatíveis com a figura da tentativa. É o que se dá na omissão de socorro (CP, art. 135): ou o sujeito presta assistência ao necessitado, e não há crime; ou omite-se, consumando automaticamente o delito.
Esse é o significado da expressão “penalmente relevante”: a omissão que não é típica, por não estar descrita pelo tipo penal, somente se torna penalmente relevante quando presente o dever de agir.
Nos crimes omissivos impróprios, a omissão pode, com o dever de agir, ser penalmente relevante. Por outro lado, nos crimes omissivos próprios, a omissão sempre é penalmente relevante, pois se encontra descrita pelo tipo penal, tal como nos arts. 135 e 269 do Código Penal.
O art. 13, § 2.º, do Código Penal, no tocante à natureza jurídica da omissão, acolheu a teoria normativa, pela qual a omissão é um nada, e “do nada, nada surge”. Não é punível de forma independente, ou seja, não se pune alguém pelo simples fato de ter se omitido. Só tem importância jurídico-penal quando presente o dever de agir. Daí a preferência pela teoria normativa. A omissão somente interessa ao Direito Penal quando, diante da inércia do agente, o ordenamento jurídico lhe impunha uma ação, um fazer.
Há dois critérios acerca da fixação do dever de agir: legal e judicial.
Para o critério legal, é a lei que deve arrolar, taxativamente, as hipóteses do dever de agir. Cuida-se de critério mais seguro, por afastar incertezas e impedir variantes indesejadas que poderiam surgir na interpretação da situação submetida à análise do Poder Judiciário.
Por ele optou o legislador pátrio, ao indicar nas alíneas “a”, “b” e “c” do § 2.º do art. 13 do Código Penal as pessoas a quem incumbe o dever de agir. Além disso, esse ônus precisa ser especificamente dirigido a pessoa ou pessoas determinadas, e não genericamente a todos os indivíduos. Na linha do entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
Nos termos do art. 13, § 2.º, do Código Penal, a omissão é penalmente relevante quando o agente devia e podia agir para evitar o resultado, o que não é a hipótese dos autos. A obrigação genérica atribuída a todos os cidadãos de preservar o meio ambiente para as gerações futuras, consoante o art. 225 da Constituição Federal, não se amolda ao dever imposto por lei de cuidar, proteger e/ou vigiar, exigido na hipótese de crime omissivo impróprio.18
Por sua vez, o critério judicial permite ao magistrado, no caso concreto, decidir pela presença ou não do dever de agir. É defendido por Alberto Silva Franco e Rui Stoco, para quem:
É evidente que a inserção do dever ético resultante da solidariedade social, como fonte geradora do dever de atuar ao lado da lei, do contrato e da ingerência, torna cada vez mais amplo o tipo comissivo por omissão, aumentando a área de manobra do juiz, na definição de quem deva ocupar a posição de garante do bem jurídico tutelado. [...]
Diante da alternativa ou enumerar, em artigo de lei, as fontes geradoras do dever de atuar, ou compor, figuras típicas de omissão imprópria, não há dúvida de que a opção que melhor atende ao direito de liberdade do cidadão é a segunda.19
O art. 13, § 2.º, do Código Penal é cristalino: não é suficiente o dever de agir. Exige-se mais: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.
Quem tem o dever de agir não pratica, automaticamente, uma conduta penalmente reprovável. É necessário que tenha se omitido quando devia e podia agir de forma a impedir o resultado. Por essa razão, a possibilidade de agir tem sido considerada elemento ou pressuposto do conceito de omissão, que surge como a não realização de conduta possível e esperada.20
Poder de agir é a possibilidade real e efetiva de alguém, na situação concreta e em conformidade com o padrão do homem médio, evitar o resultado penalmente relevante. Exemplo: Um bombeiro tem o dever de impedir o afogamento de uma criança em uma praia. Não pode agir, contudo, se acidentalmente quebra suas duas pernas ao pisar em um buraco cavado por crianças quando corria em direção à infante que afundava.
Estão disciplinadas pelas alíneas “a” a “c” do § 2.º do art. 13 do Código Penal,21 pelo qual o dever de agir incumbe a quem:
a) Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância
Trata-se do dever legal, relativo às pessoas que, por lei, têm a obrigação de impedir o resultado. É o que se dá com os pais em relação aos filhos, bem como com os policiais no tocante aos indivíduos em geral.
O Código Penal utilizou a palavra “lei” em sentido amplo, valendo-se da teoria das fontes. Engloba os deveres impostos pela ordem jurídica considerada em sua totalidade. Nas palavras de Luiz Luisi:
Neste dispositivo o nosso legislador se referiu não apenas à lei, mas especificou os deveres de cuidado, proteção, e de vigilância, e adotando essa redação não se limitou à chamada teoria formal, mas acolheu a teoria das fontes.
Trata-se de deveres que são impostos pela ordem jurídica lato sensu. Não são apenas obrigações decorrentes de lei em sentido estrito, mas de qualquer disposição que tenha eficácia de forma a poder constituir um vínculo jurídico. É o caso dos decretos, dos regulamentos, das portarias, e mesmo das sentenças judiciais e provimentos judiciários em geral, e até de ordem legítima de autoridade hierarquicamente superior. Podem tais deveres, outrossim, derivar de norma penal, como de norma extrapenal, tanto de direito público como de direito privado.22
b) De outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado
A expressão “de outra forma” significa qualquer obrigação de impedir o resultado que não seja decorrente da lei, versada pela alínea “a”.
É o que se convencionou chamar de “garante” ou “dever de garantidor da não produção do resultado naturalístico”.
Antes da Reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei 7.209/1984, apontava-se em sede doutrinária a relação contratual como fonte do dever de agir. Alargou-se, posteriormente à modificação legislativa, o conceito de “garantidor”, visando abranger, além dos negócios jurídicos em geral, as relações advindas da vida cotidiana, independentemente de vinculação jurídica entre os envolvidos. Cuida-se de conceito a ser extensivamente compreendido.
Nesse sentido, incumbe o dever de agir tanto ao professor de natação contratado para ensinar uma pessoa a nadar (negócio jurídico) como ao nadador experiente que convida um amigo iniciante a atravessar um canal de águas correntes e geladas (situação concreta da vida). Nos dois casos, se o principiante enfrentar problemas, o garantidor, se possível fazê-lo, deverá impedir o resultado, sob pena de tê-lo a si imputado.
Com igual entendimento, sustenta Francisco de Assis Toledo:
O Código, todavia, não definiu o “modo” ou os casos em que o obrigado assume a posição de “garante”. Nem se deve restringir esta hipótese às obrigações de índole puramente contratual de sorte a permitir-se o transplante, para a área penal, de infindáveis discussões sobre questões prejudiciais em torno da validade ou da eficácia do contrato gerador da obrigação. [...] a posição de garante surge para todo aquele que, por ato voluntário, promessas, veiculação publicitária ou mesmo contratualmente, capta a confiança dos possíveis afetados por resultados perigosos, assumindo, com estes, a título oneroso ou não, a responsabilidade de intervir, quando necessário, para impedir o resultado lesivo.23
A responsabilidade do garantidor subsiste enquanto ele estiver no local em que tem a obrigação de impedir o resultado. Durante o tempo em que lá permanecer estará vinculado ao dever de agir, porque dele ainda não se desvencilhou.24 Exemplo: a enfermeira contratada para cuidar da pessoa idosa e doente, mesmo com encerramento da sua jornada de trabalho, é obrigada a cuidar da sua paciente enquanto não tiver deixado o local de trabalho, transmitindo legitimamente a outra pessoa o nobre encargo.
c) Com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado
Cuida-se da ingerência ou situação precedente.
Em suma, aquele que, com o seu comportamento anterior, criou uma situação de perigo, tem o dever de agir para impedir o resultado lesivo ao bem jurídico. Exemplo: O marinheiro que lança ao mar um tripulante do navio tem o dever de salvá-lo da morte. Se não o fizer, responde pelo homicídio.
A dupla causalidade é de difícil ocorrência prática, o que não impede a sua formulação no plano teórico.
Cuida-se da situação em que duas ou mais condutas, independentes entre si e praticadas por pessoas diversas, que não se encontram subjetivamente ligadas, produzem simultaneamente o resultado naturalístico por elas desejado. Exemplo: “A” ministra veneno na comida de “B”, enquanto almoçavam em um restaurante. Ao mesmo tempo, “C”, que também estava sentado à mesa, coloca veneno na comida de “B”. “A” e “C” não têm ciência do propósito criminoso alheio. As doses subministradas produzem, por si sós, efeito imediato, matando “B”.
Questiona-se: Qual crime deve ser imputado aos agentes?
Poder-se-ia alegar que, suprimindo mentalmente a conduta de “A”, mesmo assim “B” teria morrido. Da mesma forma, eliminada hipoteticamente a ação de “C”, subsistiria a morte da vítima.
Seria então correto falar que nem “A” nem “C” mataram “B”? Se sim, quem matou?
Inclina-se a doutrina pela punição de ambos os autores por homicídio consumado. No Brasil, o crime seria inclusive qualificado pelo emprego de meio insidioso (veneno). A resposta seria diversa se o veneno ministrado por algum deles tivesse, ainda que por pouco tempo, apressado a morte, porque a conduta do outro poderia ser suprimida que ainda assim ocorreria o resultado naturalístico.25
Em 1927, Karl Larenz introduz no Direito o conceito de imputação, na obra intitulada A teoria da imputação de Hegel e o conceito de imputação objetiva, com a finalidade de distinguir as consequências de atos que podem ser atribuídos ao acaso e atos que são obras do ser humano.
Richard Honig, em 1930, no livro Causalidade e imputação objetiva, traz para o Direito Penal as ideias de Larenz, buscando delinear um critério seguro para a atribuição de um resultado ilícito a alguém.
Finalmente, Claus Roxin, em 1970, no ensaio Reflexões sobre a problemática da imputação no direito penal, desenvolve a moderna teoria da imputação objetiva.
Em uma perspectiva clássica, o tipo penal apresentava apenas aspectos objetivos, representados na relação de causalidade. Considerava-se realizado o tipo toda vez que alguém causava o resultado nele previsto, de acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes.
A causalidade gerava, assim, o problema do regressus ad infinitum, cuja restrição só podia ser efetuada no âmbito da ilicitude, ou, na maior parte das vezes, da culpabilidade, que englobava o dolo e a culpa.
Para resolver esse problema, o sistema finalista conferiu ao tipo penal também uma feição subjetiva, com a inclusão na conduta do dolo e da culpa. Exemplo: Se “A”, fabricante de armas de fogo, produz aquela que posteriormente foi adquirida por “B” para matar “C”, não poderá ser penalmente responsabilizado. Para a teoria clássica, por ausência de culpabilidade; para a teoria finalista, porque o fato é atípico (uma vez ausente o dolo ou a culpa).
Para os adeptos da teoria da imputação objetiva, contudo, o sistema finalista, ao limitar o tipo objetivo à relação de causalidade, de acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes, não resolve todos os problemas inerentes à imputação. Vejamos o exemplo apresentado por Claus Roxin:
Imaginemos que “A” venda heroína a “B”. Os dois sabem que a injeção de certa quantidade de tóxico gera perigo de vida, mas assumem o risco de que a morte ocorra; “A” o faz, porque o que lhe interessa é principalmente o dinheiro, e “B”, por considerar sua vida já estragada e só suportável sob estado de entorpecimento. Deve “A” ser punido por homicídio cometido com dolo eventual, na hipótese de “B” realmente injetar em si o tóxico e, em decorrência disso, morrer? A causalidade de “A” para a morte de “B”, bem como seu dolo eventual, encontram-se fora de dúvida. Se considerarmos a causalidade suficiente para a realização do tipo objetivo, teremos que concluir pela punição.26
Assim, para resolver o caso narrado, entre outros sem solução possível pelo sistema finalista, a teoria da imputação objetiva insere duas novas elementares27 no tipo objetivo, que deixa de ser só causalidade.
|
Finalismo |
Imputação Objetiva |
Tipo objetivo |
Relação de causalidade |
1. Causalidade 2. Criação de um risco proibido: – existência do risco; – risco proibido. 3. Realização do risco no resultado |
Tipo subjetivo |
Dolo ou culpa |
Dolo ou culpa |
Logo, com a adoção da teoria da imputação objetiva, a relação de causalidade somente estaria caracterizada quando ultrapassadas três etapas:
Ao contrário do que seu nome parece em princípio indicar, não se confunde com a responsabilidade penal objetiva. Sua função é completamente diversa: limitar a responsabilidade penal, pois a atribuição de um resultado a uma pessoa não é determinado pela relação de causalidade, mas é necessário outro nexo, de modo que esteja presente a realização de um risco proibido pela norma.28
Seria mais apropriado, portanto, falar em teoria da não imputação objetiva, pois a sua missão precípua é evitar a atribuição indevida e objetiva de um resultado típico a alguém.
Essa teoria é aplicável exclusivamente aos crimes materiais, nos quais pode ser produzido um resultado naturalístico cuja imputação deve ser cautelosamente atribuída ao agente. Não tem cabimento nos crimes formais e de mera conduta, já que neles inexiste resultado naturalístico ligado à conduta. Portanto, sequer é necessária a utilização da teoria da equivalência dos antecedentes.
Para Luís Greco, a imputação objetiva enuncia o conjunto de pressupostos genéricos que fazem da causação uma causação objetivamente típica; e estes pressupostos são a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização deste risco no resultado.29
Assim, de acordo com a teoria, não basta a relação de causalidade para imputação do resultado, devendo estar presentes:
1) A criação ou o aumento de um risco
Em face da sua função de proteção de bens jurídicos, o Direito Penal deveria limitar-se a proibir ações perigosas, que coloquem em risco esses mesmos bens.
No entanto, o que é risco?
Podem ser consideradas como “risco” aquelas ações que, por meio de uma prognose póstuma objetiva, geram uma possibilidade de lesão ao bem jurídico.
Prognose, pois se refere à situação do agente no momento da ação; póstuma, porque será feita pelo magistrado depois da prática do fato; e objetiva, pois parte do conhecimento de um homem prudente (homo medius) na mesma hipótese analisada.
Como no exemplo clássico, em que um sobrinho manda um tio em uma viagem de avião, com a intenção de que o avião caia e o tio morra, não haveria responsabilidade do sobrinho se a sua intenção se concretizasse, pois viajar de avião não gera real possibilidade de dano. No entanto, a situação será diferente se o sobrinho tiver conhecimento de que haverá um ataque terrorista naquele determinado voo.
Em síntese, será perigosa a ação que, aos olhos de um observador objetivo dotado dos conhecimentos especiais do autor, situado no momento da prática da ação, gere real possibilidade de dano para um determinado bem.30
Por outro lado, afirma-se não haver ação perigosa quando:
a) o risco for juridicamente irrelevante (a ação não gera uma possibilidade real de dano); ou
b) quando há diminuição do risco, avaliado antes da ação pelo agente (como no exemplo de Roxin: quem convence o ladrão a furtar não 1.000, mas somente 100 marcos alemães, não é punível por participação no furto, pois sua conduta não elevou, mas diminuiu o risco de lesão).31
2) O risco criado deve ser proibido pelo Direito
Nem toda ação perigosa é proibida pelo Direito. Deve-se fazer uma ponderação entre a necessidade de proteção de determinado bem jurídico e o interesse geral de liberdade.
Exemplificativamente, embora dirigir um veículo automotor possa eventualmente causar acidentes, permite-se tal conduta. Da mesma forma, são regulamentados alguns esportes, como o automobilismo e o boxe, que podem causar lesões aos seus praticantes.
Veja-se que, pela teoria finalista, na lesão provocada em uma luta de boxe haveria uma causa de justificação (exclusão da ilicitude), enquanto para a imputação objetiva o fato é atípico, por se tratar de um risco permitido. Como esclarece Günther Jakobs:
Um comportamento que gera um risco permitido é considerado socialmente normal, não porque no caso concreto esteja tolerado em virtude do contexto em que se encontra, mas porque nessa configuração é aceito de modo natural. Portanto, os comportamentos que criam riscos permitidos não são comportamentos que devam ser justificados, mas que não realizam tipo algum.32
Dentro do conceito de risco permitido se insere o princípio da confiança. De acordo com esse princípio, não pratica conduta típica quem, agindo de acordo com as regras legais, envolve-se em situação em que terceiro, descumprindo com o seu dever de cuidado, permite a produção do resultado.
Por exemplo, se estamos dirigindo e vemos, à distância, um cidadão aguardando um momento oportuno para cruzar a rua, confiamos que ele não vai tentar a travessia na frente do veículo em movimento. Da mesma forma, se entregamos nosso automóvel para o conserto dos freios, que apresentam deficiência, ao sair da oficina acreditamos que o defeito esteja sanado. Assim, o risco de certos comportamentos não depende somente de nós, mas também dos outros cidadãos.33
Destarte, há confiança de que a conduta de terceiros, realizada na sequência, bem como a conduta anterior, será conforme ao Direito, de forma que, se essa expectativa não se realizar, será atípica a conduta daquele que age corretamente.
Há algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça adotando a teoria da imputação objetiva:
[...] De acordo com a Teoria Geral da Imputação Objetiva o resultado não pode ser imputado ao agente quando decorrer da prática de um risco permitido ou de uma ação que visa a diminuir um risco não permitido; o risco permitido não realize o resultado concreto; e o resultado se encontre fora da esfera de proteção da norma. O risco permitido deve ser verificado dentro das regras do ordenamento social, para o qual existe uma carga de tolerância genérica. É o risco inerente ao convívio social e, portanto, tolerável. Hipótese em que o agente agiu em desconformidade com as regras de trânsito (criou um risco não permitido), causando resultado jurídico abrangido pelo fim de proteção da norma de cuidado – morte da vítima, atraindo a incidência da imputabilidade objetiva.34
[...] Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa. Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta.35
A doutrina aponta ainda como causas de exclusão do risco proibido:
a) o comportamento exclusivo da vítima, que se coloca em perigo (autocolocação da vítima em situação de perigo);
b) as contribuições socialmente neutras (como no exemplo de Jakobs, em que o padeiro vende o pão ao autor, consciente de que este o usará para envenenar alguém);
c) os comportamentos socialmente adequados (princípio da adequação social); e
d) a proibição de regresso.
Pela proibição de regresso, não haveria criação de um risco proibido nos casos em que a ação não dolosa de alguém precedesse a ação dolosa de um terceiro. Assim, aquele que esquece a sua arma, que vem a ser encontrada por outrem posteriormente e utilizada para a prática de um crime de homicídio, não seria responsabilizado.
Quanto aos últimos dois aspectos – comportamentos socialmente adequados e proibição de regresso –, não há consenso doutrinário acerca de serem causas de exclusão do risco, de forma que qualquer afirmação nesse sentido deve ser feita com redobrada cautela.36
3) O risco foi realizado no resultado
A norma de proibição visa evitar que um certo bem jurídico seja afetado de uma determinada maneira. Assim, só haverá realização do risco se a proibição da conduta for justificada para evitar a lesão de determinado bem jurídico por meio de determinado curso causal, os quais venham efetivamente a ocorrer.37
É o fim de proteção da norma a que aludem os doutrinadores modernos.
Com o mesmo fundamento, aponta-se ainda a hipótese do aumento do risco pelo comportamento proibido, em comparação com o comportamento hipotético correto.
Tanto na realização do risco como no seu aumento, há exclusão da imputação:
a) na lesão ou curso causal sem relação com o risco proibido;
b) nos danos tardios, relacionados à lesão anterior causada ao bem jurídico (ex.: a vítima de lesões corporais, alguns anos depois, perde o equilíbrio em razão da lesão nunca completamente curada e cai, sofrendo várias fraturas);
c) nos danos causados a outrem, resultantes de choque causado pelo fato criminoso praticado (ex.: mãe cardíaca falece ao saber do assassinato do filho);
d) nas ações perigosas de salvamento (ex.: “A” ateia fogo na casa de “B” na ausência deste, mas “B” reentra para salvar sua coleção de CDs de playstation 2 não piratas, falecendo); e
e) no comportamento indevido posterior de um terceiro (ex.: vítima de lesões que, necessitando de uma cirurgia, vem a falecer em razão de erro médico grosseiro).38
As ideias até aqui expostas podem ser resumidas pelo seguinte quadro:
Requisito |
Exclusão |
Existência do risco |
Risco juridicamente irrelevante; e |
Risco proibido |
Risco permitido (princípio da confiança); |
Risco realizado no resultado |
Lesão ou curso causal sem relação com o risco proibido; |
Apresentadas as linhas mestras da teoria da imputação objetiva, mister se faz analisar as variantes de seus maiores defensores na atualidade: Claus Roxin e Günther Jakobs.
Claus Roxin visa, com o desenvolvimento da teoria, determinar um critério de imputação capaz de concretizar a finalidade da norma penal.39
Para ele, um resultado só deve ser imputado como sua obra e preenche o tipo objetivo unicamente quando: (1) o comportamento do autor cria um risco não permitido para o objeto da ação; (2) o risco se realiza no resultado concreto; e (3) este resultado se encontra dentro do alcance do tipo.40
Günther Jakobs acrescenta ao conceito de imputação o elemento da imputação objetiva do comportamento. Nessa linha de raciocínio:
1) Os seres humanos encontram-se em um mundo social na condição de portadores de um papel, isto é, como pessoas que devem administrar um determinado segmento do acontecer social conforme um determinado padrão. 2) Entre autor, vítima e terceiros, segundo os papéis que desempenhem, deve determinar-se a quem compete, por si só, ou, junto com outros, o acontecer relevante, é dizer, quem por ter violado seu papel, administrando-o de modo deficiente, responde jurídico-penalmente – ou, se foi a vítima quem violou seu papel, deve assumir o dano por si mesma. Se todos se comportam conforme o papel só fica a possibilidade de explicar o ocorrido como fatalidade ou acidente. 3) Isto vale tanto para os fatos dolosos como para os fatos culposos; só que no âmbito dos fatos dolosos frequentemente a violação do papel é tão evidente que não necessita maior explicação – a qual é menos habitual nos fatos culposos.41
O penalista alemão entende pela ausência de imputação em quatro hipóteses: (1) risco permitido, (2) princípio da confiança, (3) proibição do regresso e (4) competência ou capacidade da vítima.
Sustenta a permanência da causalidade natural na aferição da responsabilidade criminal, funcionando a imputação como critério de restrição do nexo causal.
Conclui-se que a proposta dos defensores da teoria da imputação objetiva é a inclusão de novas elementares no tipo objetivo, criando-se o conceito de causalidade normativa, em oposição à causalidade natural presente na teoria finalista. Consequentemente, algumas vozes sustentam a íntima relação, no campo da causalidade, da teoria da imputação objetiva com as regras da física quântica. Não basta a mera relação de causa e efeito (causalidade física) entre conduta e resultado naturalístico. Fala-se, por essa razão, em “direito penal quântico”.42
A inclusão de tais elementos visa resolver, no âmbito do fato típico, certos casos que para as demais teorias seriam solucionados em outros aspectos, como a ilicitude e a culpabilidade.
Rogério Greco faz uma compilação de conclusões acerca da teoria em análise, que podem ser aproveitadas no presente estudo:
a) a imputação objetiva é uma análise que antecede à imputação subjetiva;
b) a imputação objetiva pode dizer respeito ao resultado ou ao comportamento do agente;
c) a expressão mais apropriada seria teoria da não imputação, uma vez que a teoria visa, com as suas vertentes, evitar a imputação objetiva (do resultado ou do comportamento) do tipo penal a alguém;
d) a teoria da imputação foi criada, inicialmente, para se contrapor aos dogmas da teoria da equivalência, erigindo uma relação de causalidade jurídica ou normativa, ao lado daquela outra de natureza material;
e) uma vez concluída pela não imputação objetiva, afasta-se o fato típico.43
A tipicidade, elemento do fato típico, divide-se em formal e material.
Tipicidade formal é o juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o modelo descrito pelo tipo penal (“adequação ao catálogo”).44
É a operação pela qual se analisa se o fato praticado pelo agente encontra correspondência em uma conduta prevista em lei como crime ou contravenção penal. A conduta de matar alguém tem amparo no art. 121 do Código Penal. Há, portanto, tipicidade entre tal conduta e a lei penal.
De seu turno, tipicidade material (ou substancial) é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado em razão da prática da conduta legalmente descrita.
A tipicidade material relaciona-se intimamente com o princípio da ofensividade (ou lesividade) do Direito Penal, pois nem todas as condutas que se encaixam nos modelos abstratos e sintéticos de crimes (tipicidade formal) acarretam dano ou perigo ao bem jurídico. É o que se dá, a título ilustrativo, nas hipóteses de incidência do princípio da insignificância, nas quais, nada obstante a tipicidade formal, não se verifica a tipicidade material.
A presença simultânea da tipicidade formal e da tipicidade material caracteriza a tipicidade penal.
A definição atual da tipicidade deriva das ideias do alemão Ernst von Beling, datadas de 1906.
Abandonou-se o corpus delicti, denominado em alemão de Tatbestand, o qual subsistia desde o Direito Romano com origem processual para abarcar todas as características e elementos do delito, abrangendo a materialidade do fato delituoso, a ilicitude e a culpabilidade, para se criar a concepção objetiva do tipo penal, operando-se a distinção entre a tipicidade e a ilicitude.
Na Alemanha, atualmente ainda se fala em Tatbestand (hipótese de fato), termo traduzido para o italiano como fattispecie e para o português como “tipo”. Antes de 1906, contudo, não era destinado à palavra qualquer conteúdo sistemático semelhante ao atual.
Antes de Beling, pois, o crime se dividia em dois blocos: ilicitude, de ordem objetiva, e culpabilidade, de natureza subjetiva. Não se falava em tipicidade.
Posteriormente à criação de Beling, o delito passou a possuir três partes: tipicidade e ilicitude, ambas objetivas, e culpabilidade, de ordem subjetiva. Assim, o tipo englobava apenas os aspectos exteriores da conduta, dispensando os elementos internos do agente. Beling definiu a tipicidade como mero processo de adequação do fato concreto ao tipo penal.
Iniciava-se, assim, a fase da independência do tipo, desvinculando-se completamente a tipicidade da ilicitude, com função meramente descritiva, sem nenhum conteúdo valorativo.
Essa teoria, intimamente relacionada com a teoria mecanicista, clássica, naturalista ou causal da conduta, perdeu espaço com o surgimento da teoria finalista da conduta e com o descobrimento dos elementos subjetivos do tipo.
Em 1915, Max Ernst Mayer, retomando os estudos de Beling, publica seu Tratado de Direito Penal, e nele revela seu objetivo de aprimorar a teoria da tipicidade, conferindo a ela a função de indício da ilicitude.
A tipicidade autoriza a presunção relativa de ilicitude, a qual cede diante de prova em sentido contrário, com a comprovação da ocorrência de alguma causa excludente.
Nascia a fase da tipicidade como indício da ilicitude.
Além disso, Mayer contribuiu também com o Direito Penal com a introdução de elementos normativos no tipo penal, contrariando a proposta de Beling, que não admitia na tipicidade qualquer elemento relativo à ilicitude ou à culpabilidade.
É, desde então, a teoria mais aceita no Direito Penal.
Consagra-se um sistema tripartido, dependendo a análise do crime de três fases distintas e sucessivas: tipicidade, ilicitude e culpabilidade.45
Em 1931, porém, Edmund Mezger apresenta novos conceitos, iniciando a fase da tipicidade como essência da ilicitude (teoria da ratio essendi ou da identidade).
O tipo penal é transformado em tipo de injusto, ou seja, o tipo passa a ser conceituado como a ilicitude tipificada. Destarte, tipo e ilicitude fundiram-se de modo indissociável, embora seus conceitos não se confundam.
Essa teoria foi alvo de inúmeras críticas, eis que veda a correta separação entre os juízos da tipicidade e da ilicitude.
Como estabelece o art. 386, inc. VI, do Código de Processo Penal, com a redação conferida pela Lei 11.690/2008: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (…) VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1.º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência”.
A parte final do dispositivo legal – “ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência” – encontra-se em sintonia com a teoria da tipicidade como indício da ilicitude. De fato, a tipicidade do fato funciona como presunção da ilicitude, uma vez que a absolvição reclama “fundada dúvida” acerca da causa excludente da ilicitude.
Cuida-se, na verdade, de manifestação do princípio in dubio pro reo (a dúvida favorece o réu, pois o ônus da prova da imputação é da acusação), há muito consagrado nos ordenamentos jurídicos dos povos civilizados.
Preconizada pelo alemão Hellmuth von Weber, propõe o tipo total de injusto, por meio do qual os pressupostos das causas de exclusão da ilicitude compõem o tipo penal como seus elementos negativos.
Tipicidade e ilicitude integram o tipo penal (tipo total). Consequentemente, se presente a tipicidade, automaticamente também estará delineada a ilicitude. Ao reverso, ausente a ilicitude, o fato será atípico.
Não há distinção entre os juízos da tipicidade e da ilicitude. Crime, assim, não é o fato típico e ilícito, mas sim um tipo total de injusto, em uma única análise. Opera-se um sistema bipartido, com duas fases para aferição do crime: tipo total (tipicidade + ilicitude) e culpabilidade. Portanto, identificada a tipicidade, resultará identificada a ilicitude. Por outro lado, afastada a tipicidade, restará também afastada a ilicitude.
Se fosse adotada a referida teoria, o art. 121, caput, do Código Penal ficaria assim redigido: “Matar alguém, salvo em legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito ou estrito cumprimento de dever legal”.
Não foi acolhida pelo nosso sistema penal, que distinguiu explicitamente os tipos incriminadores (Parte Especial do Código Penal e legislação especial) dos tipos permissivos ou causas de exclusão da ilicitude (em regra na Parte Geral do Código Penal, mais precisamente em seu art. 23).
Criada pelo penalista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, essa teoria sustenta que todo fato típico se reveste de antinormatividade, pois, muito embora o agente atue em consonância com o que está descrito no tipo incriminador, na verdade contraria a norma, entendida como o conteúdo do tipo legal.
O nome “conglobante” deriva da necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral, conglobado, e não apenas ao Direito Penal. Não basta a violação da lei penal. Exige-se a ofensa a todo o ordenamento jurídico. Em suma, para a aferição da tipicidade reclama-se a presença da antinormatividade.
Assim, ou o fato praticado pelo agente, contrário à lei penal, desrespeita todo o ordenamento normativo, e há tipicidade, ou, ainda que em desconformidade com a lei penal, esteja em consonância com a ordem normativa, e ausente estará a tipicidade.
Para essa teoria, a tipicidade penal resulta da junção da tipicidade legal com a tipicidade conglobante: tipicidade penal = tipicidade legal + tipicidade conglobante.
Tipicidade legal (adequação à fórmula legal do tipo) é a individualização que a lei faz da conduta, mediante o conjunto dos elementos objetivos e normativos de que se vale o tipo penal.
Já a tipicidade conglobante (antinormatividade) é a comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se afere separando o alcance da norma proibitiva conglobada com as demais normas do sistema jurídico.
Finalmente, a tipicidade penal (adequação penal + antinormatividade) é a fusão da tipicidade legal com a tipicidade conglobante.
Não basta, pois, a mera tipicidade legal, isto é, a contrariedade do fato à lei penal. É necessário mais. A conduta do agente, contrária à lei penal, deve violar todo o sistema normativo. Em suma, deve ser antinormativa.
Vale a pena citar a explicação de Zaffaroni e de Pierangeli, bastante elucidativa acerca do assunto:
Suponhamos que somos juízes e que é levada a nosso conhecimento a conduta de uma pessoa que, na qualidade de oficial de justiça, recebeu uma ordem, emanada por juiz competente, de penhora e sequestro de um quadro, de propriedade de um devedor a quem se executa em processo regular, por seu legítimo credor, para a cobrança de um crédito vencido, e que, em cumprimento desta ordem judicial e das funções que por lei lhe competem, solicita o auxílio da força pública, e, com todas as formalidades requeridas, efetivamente sequestra a obra, colocando-a à disposição do Juízo. O mais elementar senso comum indica que esta conduta não pode ter qualquer relevância penal, que de modo algum pode ser delito, mas por quê?
Receberemos a resposta de que essa conduta enquadra-se nas previsões do art. 23, III, do CP: “Não há crime quando o agente pratica o fato... em estrito cumprimento de dever legal...”. É indiscutível que ela aí se enquadra, mas que caráter do delito desaparece quando um sujeito age em cumprimento de um dever?
Para boa parte da doutrina, o oficial de justiça teria atuado ao amparo de uma causa de justificação, isto é, que faltaria a antijuridicidade da conduta, mas que ela seria típica.
Para nós, esta resposta é inadmissível, porque tipicidade implica antinormatividade (contrariedade à norma) e não podemos admitir que na ordem normativa uma norma ordena o que a outra proíbe. Uma ordem normativa, na qual uma norma possa ordenar o que a outra pode proibir, deixa de ser ordem e de ser normativa e torna-se uma “desordem” arbitrária. As normas jurídicas não “vivem” isoladas, mas num entrelaçamento em que umas limitam as outras, e não podem ignorar-se mutuamente.46
Adequação típica é o procedimento pelo qual se enquadra uma conduta individual e concreta na descrição genérica e abstrata da lei penal.
É o meio pelo qual se constata se existe ou não tipicidade entre a conduta praticada na vida real e o modelo definido pela lei penal.
A adequação típica pode se apresentar sob duas espécies: subordinação imediata e subordinação mediata.
Na adequação típica de subordinação imediata, a conduta humana se enquadra diretamente na lei penal incriminadora, sem necessidade de interposição de qualquer outro dispositivo legal. A ação ou omissão se transforma em fato típico com o “encaixe” adequado de todos os elementos do fato externo no modelo contido no preceito primário da lei incriminadora.
A conduta de subtrair coisa alheia móvel para si, mediante emprego de violência contra a pessoa, encontra correspondência direta no art. 157, caput, do Código Penal. Verifica-se, na hipótese, adequação típica de subordinação imediata.
Por sua vez, na adequação típica de subordinação mediata, ampliada ou por extensão, a conduta humana não se enquadra prontamente na lei penal incriminadora, reclamando-se, para complementar a tipicidade, a interposição de um dispositivo contido na Parte Geral do Código Penal. É o que se dá na tentativa, na participação e nos crimes omissivos impróprios.
Na tentativa, opera-se uma ampliação temporal da figura típica, pois, com a utilização da regra prevista no art. 14, II, do Código Penal, o alcance do tipo penal não se limita ao momento da consumação do crime, mas também aos períodos que o antecedem. Antecipa-se a tutela penal para abarcar os atos executórios prévios à consumação.
Na participação, há uma ampliação espacial e pessoal do tipo penal, que, em consequência do disposto pelo art. 29, caput, do Código Penal, passa a alcançar não só o sujeito que praticou os atos executórios do crime, como também outros sujeitos que estão ao seu lado, isto é, aqueles que de qualquer modo concorreram para a prática do delito, sem contudo executá-lo.47
Finalmente, nos crimes omissivos impróprios, espúrios ou comissivos por omissão, ocorre uma ampliação da conduta criminosa, a qual, com o emprego do art. 13, § 2.º, do Código Penal, passa a englobar também a omissão daquele que indevidamente não cumpriu o seu dever jurídico de agir.
Esses dispositivos legais – arts. 13, § 2.º, 14, II, e 29, caput, do Código Penal – são denominados de normas integrativas, de extensão ou complementares da tipicidade.
1. (83.º Promotor de Justiça MP/SP): São elementos do fato típico:
(A) conduta, relação de causalidade, antijuridicidade e tipicidade.
(B) conduta, resultado, relação de causalidade e culpabilidade.
(C) conduta, resultado, relação de causalidade e tipicidade.
(D) conduta, resultado, antijuridicidade e culpabilidade.
(E) conduta, resultado, nexo de causalidade e antijuridicidade.
2. (83.º Promotor de Justiça MP/SP): Pode-se afirmar que para a teoria
(A) finalista da ação, crime é um fato típico, antijurídico e culpável, consistindo a culpabilidade no elo subjetivo que liga a ação ao resultado.
(B) causalista ou naturalista da ação, a conduta não é tida como um simples comportamento humano nem como um puro fator da causalidade, mas sim como um comportamento que deve ser apreciado como ilícito ou reprovável.
(C) teoria finalista da ação, a conduta é um comportamento humano simplesmente causal.
(D) social, a ação é a conduta socialmente relevante, que não é questionada pelos requisitos do Direito, mas sim pelas leis da natureza.
(E) causalista ou naturalista da ação, a conduta é um comportamento humano voluntário no mundo exterior, consistindo em fazer ou não fazer.
3. (Defensoria Pública/MA – FCC/2009) No trajeto do transporte de dois presos para o foro criminal por agentes penitenciários, um deles saca de um instrumento perfurante e desfere diversos golpes contra o outro preso. Os agentes da lei presenciaram a ação desde o início e permaneceram inertes. Na conduta dos agentes
(A) há amparo pela excludente de ilicitude do exercício regular do direito, deixando de agir por exposição do risco às próprias vidas.
(B) a omissão é penalmente irrelevante porque a causalidade é fática.
(C) não há punição porque o Estado criou o risco da ocorrência do resultado.
(D) a omissão é penalmente relevante porque a causalidade é normativa.
(E) a omissão é penalmente relevante porque a causalidade é fática-normativa.
4. (22.º Procurador da República – MPF): Crime é conduta típica, antijurídica e culpável. A partir desta definição estratiforme do delito, lembra-se o princípio nullum crimen sine conducta. Entretanto:
I – a conduta compreende o fato humano voluntário e o involuntário;
II – a conduta envolve a ação e a omissão, mas esta só tem relevância quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado;
III – a conduta atípica tem relevância no Direito Penal;
IV – a conduta humana é relevante para se verificar a ocorrência do delito, pois tem validade absoluta a parêmia latina societas delinquere non potest.
Analisando as assertivas acima, pode-se afirmar que:
(A) estão corretas as de números I e II;
(B) estão corretas as de números II e III;
(C) estão corretas as de números III e IV;
(D) todas estão corretas.
5. (Magistratura Rondônia – PUC/PR/2011) A prática do crime e seu resultado lesivo exigem a relação de causalidade, tema de grande relevância para a questão da imputabilidade penal. Dado o enunciado, marque a única alternativa CORRETA.
(A) O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa, sendo esta considerada como a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
(B) A superveniência de causa relativamente independente não exclui a imputação quando esta, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
(C) A omissão é penalmente irrelevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado.
(D) A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; no entanto, os fatos anteriormente praticados são desconsiderados pela legislação penal.
(E) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.
6. (MAGISTRATURA/PB – CESPE/2011) A respeito da relação de causalidade, assinale a opção correta.
(A) Considere que Márcia, com intenção homicida, apunhale as costas de Sueli, a qual, conduzida imediatamente ao hospital, faleça em consequência de infecção hospitalar, durante o tratamento dos ferimentos provocados com o punhal. Nesse caso, Márcia responderá por tentativa de homicídio.
(B) O nexo causal consiste em mera constatação acerca da existência de relação entre conduta e resultado, tendendo a sua verificação apenas às leis da física, mais especificamente, da causa e do efeito, razão pela qual a sua aferição independe de qualquer apreciação jurídica, como a verificação da existência de dolo ou culpa por parte do agente.
(C) Suponha que Jean, pretendendo matar seu desafeto Rui, tenha-lhe desferido dois tiros, que, apesar de atingirem a vítima, não tenham sido a causa da morte de Rui, que faleceu em decorrência do fato de ter ingerido veneno, de forma voluntária, dez minutos antes dos disparos. Nesse caso, Jean não responderá por nenhuma conduta típica.
(D) Considere que a residência de Sara, idosa com setenta e cinco anos de idade, seja invadida por um assaltante, e Sara, assustada, sofra um ataque cardíaco e morra em seguida. Nesse caso, considerando-se o fato de a vítima ser idosa e o de que o agente tivesse conhecimento dessa condição, o ataque cardíaco será uma causa concomitante e relativamente independente à ação do agente, devendo este responder por tentativa de homicídio.
(E) Suponha que Mara, com intenção homicida, desfira dois tiros em Fábio e que, por má pontaria, acerte apenas o braço da vítima, a qual, conduzida ao hospital, faleça em consequência de um desabamento. Nesse caso, Mara deverá responder por homicídio doloso consumado.
7. (87.º MP/SP – 2010) Assinale a alternativa incorreta:
(A) segundo o princípio da especialidade, a norma específica derroga a norma geral, ainda que aquela contenha consequências penais mais gravosas.
(B) segundo o princípio da consunção, na hipótese de crime progressivo, as normas que definem crimes mais graves absorvem as de menor gravidade.
(C) o resultado da ação não pode ser atribuído ao agente na hipótese da existência de causa absolutamente independente, salvo se esta for preexistente.
(D) nos crimes comissivos por omissão, o agente, que possui o especial dever de agir, abstém-se dessa atuação.
(E) nos crimes de perigo abstrato, o perigo é objeto de presunção juris et de jure.
8. (Defensor Público/DPE-RR – CESPE/2013) No que diz respeito à relação de causalidade, à superveniência de causa independente e à relevância da omissão no direito penal, assinale a opção correta.
(A) A teoria adotada pelo CP tem como inconveniente a possibilidade de se levar ad infinitum a pesquisa da causa, abrangendo todos os agentes das causas anteriores, sendo limitada pelo dolo ou culpa da conduta e do vínculo objetivo do agente com a ação.
(B) A exclusão do nexo de causalidade ocorre nas concausas absolutamente independentes quando estas forem supervenientes, mas não ocorre quando estas forem preexistentes ou concomitantes.
(C) A relevância causal da omissão diz respeito tão somente aos crimes omissivos próprios, em face da relação causal objetiva preconizada pelo CP.
(D) De acordo com preceito expresso no CP, a relação de causalidade limita-se aos crimes materiais.
(E) O CP adota a teoria da causalidade jurídica, uma vez que a causalidade relevante para o direito penal é aquela que pode ser prevista pelo agente, ou seja, que se encontra na esfera da previsibilidade, podendo ser mentalmente antecipada.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.
Acesse o portal de material complementar do GEN – o GEN-io – para ter acesso a diversas questões de concurso público sobre este assunto: <http://gen-io.grupogen.com.br>.
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1 Ou também o fato praticado por pessoa jurídica, em relação aos crimes ambientais definidos pela Lei 9.605/1998, para quem admite essa possibilidade. Reportamo-nos, porém, ao “fato humano” por corresponder a pessoa física como sujeito ativo da quase totalidade das infrações penais.
2 “O ser humano é o ser que atua. Não está ‘fixado’, isto é, continua sendo para si mesmo um compromisso – é também, em outras palavras, o ‘ser que toma postura’. Os atos de tomada de postura em direção externa chamamos de ações e, precisamente na medida em que continua sendo um compromisso para si mesmo, toma postura diante de si mesmo e ‘converte-se em algo’. O ser humano é previsor. Necessita do que está distante, do que não está presente no espaço e tempo, vive – ao contrário do animal – no futuro e não no presente. Esta determinação faz parte das circunstâncias de uma existência na qual se atua, e o que no ser humano é consciência humana, em sentido próprio, deve ser entendido sob esta perspectiva.” JAKOBS, Günther. Fundamentos de direito penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: RT, 2003. p. 53-54.
3 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 407.
4 LUNA, Everardo da Cunha. Capítulos de direito penal – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 108.
5 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. Trad. espanhola Miguel Olmedo Cardenete. 5. ed. Granada: Comares, 2002. p. 239.
6 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. 13. tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 109.
7 RE 583.523/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 03.10.2013, noticiado no Informativo 722.
8 Surge nesse ponto o “direito à perversão”: as pessoas, ao menos em seus pensamentos, podem ser más, perversas, idealizando mentalmente diversos ilícitos penais, sem que haja qualquer tipo de represália da parte do Estado.
9 Para um estudo aprofundado: PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes de mera conduta. 3. ed. São Paulo: RT, 1975. p. 24-26.
10 É comum olvidar-se de Glaser, mencionando Von Buri e Stuart Mill como os idealizadores dessa teoria.
11 COSTA JR., Paulo José. Nexo causal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 88.
12 JESUS, Damásio. E. de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 248.
13 Toda causa independente é capaz de produzir por si só o resultado. A diferença entre a qualidade de absoluta ou relativa refere-se exclusivamente à origem da causa.
14 BAUMANN, Jürgen. Derecho penal: conceptos fundamentales y sistema. Trad. espanhola Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1973. p. 126.
15 BATTAGLINI, Giulio. A interrupção do nexo causal. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2003. p. 102-104.
16 HC 42.559/PE, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5.ª Turma, j. 04.04.2006.
17 COSTA JR., Paulo José. Nexo causal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 108-109.
18 REsp 897.426/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 5.ª Turma, j. 27.03.2008.
19 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial: parte geral. 7. ed. São Paulo: RT, 2001. v. 1, p. 228.
20 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Conduta punível. São Paulo: José Bushatsky, 1961. p. 54-55.
21 O art. 2º da Lei 9.605/1998 prevê, na esfera dos crimes ambientais, uma outra hipótese de dever de agir: “Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la”.
22 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 2003. p. 143.
23 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. 13. tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 117-118.
24 No mesmo sentido: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 150.
25 Cf. BAUMANN, Jürgen. Derecho penal: conceptos fundamentales y sistema. Trad. espanhola de Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1973. p. 127.
26 ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 103.
27 A análise das duas elementares traduz-se no que a doutrina denomina de causalidade normativa, em oposição à causalidade natural.
28 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2002. p. 70.
29 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 5-9.
30 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 25-27.
31 ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 109-110.
32 JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. São Paulo: RT, 2000. p. 38.
33 JESUS, Damásio E. de Jesus. A imputação objetiva. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 46-47.
34 REsp 822517/DF, rel. Min. Gilson Dipp, 5.ª Turma, j. 12.06.2007.
35 HC 46.525/MT, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5.ª Turma, j. 21.03.2006.
36 Jakobs, por exemplo, critica a adequação social, por ser muito ampla, não permitindo a concretização do risco permitido: JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. São Paulo: RT, 2000. p. 117-118. Contra a aplicação da proibição de regresso como excludente: GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 75-77.
37 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 95.
38 Os exemplos são de GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 109-125.
39 Vide a discussão sobre o funcionalismo, tratada quando do estudo sobre a evolução doutrinária do Direito Penal.
40 ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 104. Ainda o autor, em igual sentido: Em consequência, o primeiro empenho da imputação no tipo objetivo é indicar quais as circunstâncias que fazem de uma causação (como limite extremo da possível imputação) uma ação típica, ou seja, p. ex., de uma causação de morte uma ação homicida relevante [...]. Na doutrina científica cada vez mais se impõe a concepção de que a imputação do tipo objetivo se produz conforme dois princípios sucessivamente estruturados: a) um resultado causado por um agente somente se pode imputar ao tipo objetivo se a conduta do autor houver criado um perigo para o bem jurídico não coberto por um risco permitido e esse perigo tenha se realizado no resultado concreto; [...] b) se o resultado se apresenta como realização de um perigo criado pelo autor; pela regra geral é imputado, de modo que se cumpre o tipo objetivo (Derecho penal. Parte geral. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. Trad. espanhola de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remensal. Madrid: Civitas, 2006. t. I, p. 363-364).
41 JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. São Paulo: RT, 2000. p. 22.
42 Para um estudo aprofundado do assunto: GONDIM, Reno Feitosa. Epistemologia Quântica & Direito Penal. Fundamentos para uma Teoria da Imputação Objetiva do Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2005.
43 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 10 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 246.
44 BELING, Ernst von. Esquema de derecho penal. La doctrina del delito-tipo. Trad. de Sebástian Soler. Buenos Aires: Depalma, 1944. p. 59.
45 Isso não impede, entretanto, a definição analítica do crime como fato típico e ilícito. A teoria de Mayer remonta ao início do século XX, e naquele contexto deve ser analisada. O conceito bipartido de delito, como vimos, surgiu no Brasil após a Reforma da Parte Geral do Código Penal, efetuada pela Lei 7.209/1984.
46 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. v. 1, p. 395.
47 REsp 944.676/RS, rel. Min. Laurita Vaz, 5.ª Turma, j. 21.06.2011, noticiado no Informativo 478.