Sumário: 17.1. Dispositivo legal – 17.2. Conceito – 17.3. Denominação – 17.4. Elementos – 17.5. Natureza jurídica – 17.6. Teorias sobre a punibilidade da tentativa – 17.7. Teoria adotada pelo Código Penal: 17.7.1. Critério para diminuição da pena – 17.8. Tentativa e crimes de competência dos Juizados Especiais Criminais – 17.9. Tentativa e diminuição da pena no Código Penal Militar – 17.10. Espécies de tentativa: 17.10.1. Tentativa branca ou incruenta; 17.10.2. Tentativa cruenta ou vermelha; 17.10.3. Tentativa perfeita, acabada ou crime falho; 17.10.4. Tentativa imperfeita, inacabada ou tentativa propriamente dita – 17.11. Tentativa e crimes de ímpeto – 17.12. Tentativa e dolo eventual – 17.13. Inadmissibilidade da tentativa – 17.14. Crimes punidos somente na forma tentada – 17.15. Questões.
Proclama o art. 14, II, do Código Penal:
Art. 14. Diz-se o crime:
(...)
II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços).
Como bem define o art. 14, II, do Código Penal, tentativa é o início de execução de um crime que somente não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Destarte, o ato de tentativa é, necessariamente, um ato de execução. Exige-se tenha o sujeito praticado atos executórios, daí não sobrevindo a consumação por forças estranhas ao seu propósito, o que acarreta em tipicidade não finalizada, sem conclusão.
A tentativa é também conhecida por outros rótulos: conatus, crime imperfeito, ou, na preferência de Zaffaroni, crime incompleto,1 em oposição ao crime consumado, reconhecido como completo ou perfeito.
Três elementos compõem a estrutura da tentativa: (1) início da execução do crime; (2) ausência de consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente; e (3) dolo de consumação.
O dolo da tentativa é igual ao dolo da consumação. O Código Penal foi peremptório nesse sentido, ao dizer que o crime somente não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente: tinha a intenção de alcançar a consumação, mas por circunstâncias alheias à sua vontade não conseguiu atingir seu objetivo.
A resolução do indivíduo é idêntica no crime consumado e no crime tentado. Este último, em verdade, é perfeito na esfera subjetiva do agente, embora imperfeito no campo objetivo, relacionado ao resultado que deveria ser produzido com a conduta criminosa.
O art. 14, II, do Código Penal não goza de autonomia, pois não existe a tentativa por si só, isoladamente. Sua aplicação reclama a realização de um tipo incriminador, previsto na Parte Especial do Código Penal ou pela legislação penal especial.
O Código Penal e a legislação extravagante não preveem, para cada crime, a figura da tentativa, nada obstante a maioria deles seja com ela compatível. Exemplificativamente, a tentativa de furto simples não encontra correspondência imediata no art. 155 do Código Penal. Utiliza-se a definição do crime consumado em conjunto com a regra prevista no art. 14, II. A tentativa de furto, nesses termos, é a combinação de “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” com “iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”.
Portanto, furto tentado é: art. 155, caput, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal.
A adequação típica de um crime tentado é de subordinação mediata, ampliada ou por extensão, já que a conduta humana não se enquadra prontamente na lei penal incriminadora, reclamando-se, para complementar a tipicidade, a interposição do dispositivo contido no art. 14, II, do Código Penal. Logo, a norma definidora da tentativa é uma norma de extensão ou de ampliação da conduta.
Opera-se uma ampliação temporal da figura típica, pois com a utilização da regra prevista no art. 14, II, do Código Penal, o alcance do tipo penal não se limita apenas ao momento da consumação do crime, mas também a períodos anteriores. Antecipa-se a tutela penal para abarcar os atos executórios prévios à consumação.
Dentre as diversas teorias que buscam fundamentar a punibilidade da tentativa, quatro se destacam:
1.ª) Teoria subjetiva, voluntarística ou monista: ocupa-se exclusivamente da vontade criminosa, que pode se revelar tanto na fase dos atos preparatórios como também durante a execução. O sujeito é punido por sua intenção, pois o que importa é o desvalor da ação, sendo irrelevante o desvalor do resultado.
2.ª) Teoria sintomática: idealizada pela Escola Positiva de Ferri, Lombroso e Garofalo, sustenta a punição em razão da periculosidade subjetiva, isto é, do perigo revelado pelo agente. Possibilita a punição de atos preparatórios, pois a mera manifestação de periculosidade já pode ser enquadrada como tentativa, em consonância com a finalidade preventiva da pena.2
3.ª) Teoria objetiva, realística ou dualista: a tentativa é punida em face do perigo proporcionado ao bem jurídico tutelado pela lei penal. Sopesam-se o desvalor da ação e o desvalor do resultado: a tentativa deve receber punição inferior à do crime consumado, pois o bem jurídico não foi atingido integralmente.
4.ª) Teoria da impressão ou objetivo-subjetiva: representa um limite à teoria subjetiva, evitando o alcance desordenado dos atos preparatórios. A punibilidade da tentativa só é admissível quando a atuação da vontade ilícita do agente seja adequada para comover a confiança na vigência do ordenamento normativo e o sentimento de segurança jurídica dos que tenham conhecimento da conduta criminosa.3
A punibilidade da tentativa é disciplinada pelo art. 14, parágrafo único. E, nesse campo, o Código Penal acolheu como regra a teoria objetiva, realística ou dualista, ao determinar que a pena da tentativa deve ser correspondente à pena do crime consumado, diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços).
Como o desvalor do resultado é menor quando comparado ao do crime consumado, o conatus deve suportar uma punição mais branda.
Excepcionalmente, entretanto, é aceita a teoria subjetiva, voluntarística ou monista, consagrada pela expressão “salvo disposição em contrário”.
Há casos, restritos, em que o crime consumado e o crime tentado comportam igual punição: são os delitos de atentado ou de empreendimento. Podem ser citados, como exemplos: (1) evasão mediante violência contra a pessoa (CP, art. 352), em que o preso ou indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa, recebe igual punição quando se evade ou tenta evadir-se do estabelecimento em que se encontra privado de sua liberdade; e (2) Lei 4.737/1965 – Código Eleitoral, art. 309, no qual se sujeita a igual pena o eleitor que vota ou tenta votar mais de uma vez, ou em lugar de outrem.
A tentativa constitui-se em causa obrigatória de diminuição da pena.
Incide na terceira fase de aplicação da pena privativa de liberdade, e sempre a reduz. A liberdade do magistrado repousa unicamente no quantum da diminuição, balizando-se entre os limites legais, de 1 (um) a 2/3 (dois terços). Deve reduzi-la, podendo somente escolher o montante da diminuição.
E, para navegar entre tais parâmetros, o critério decisivo é a maior ou menor proximidade da consumação, é dizer, a distância percorrida do iter criminis. Para o Supremo Tribunal Federal: “... a definição do percentual da redução da pena observará apenas o iter criminis percorrido, ou seja, tanto maior será a diminuição quanto mais distante ficar o agente da consumação, bem como tanto menor será a diminuição quanto mais se aproximar o agente da consumação do delito”.4 Exemplo: em uma tentativa de homicídio, na qual a vítima foi atingida por diversos disparos de arma de fogo, resultando em sua internação por vários dias em hospital, a redução da pena deve operar-se no patamar mínimo. Ao contrário, se os tiros sequer a atingiram, afigura-se razoável a diminuição da pena no máximo legal.
Não interfere na diminuição da pena a maior ou menor gravidade do crime, bem como os meios empregados para sua execução, ou ainda as condições pessoais do agente, tais como antecedentes criminais e a circunstância de ser primário ou reincidente.
Em caso de crime tentado, para analisar se o seu responsável deve ou não ser processado e julgado no Juizado Especial Criminal, isto é, para verificar o enquadramento ou não no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, a causa de diminuição de pena deve ser aplicada em sua fração mínima sobre a pena máxima cominada. Se o resultado daí advindo for superior a dois anos, o Juizado não é o competente para o julgamento da causa.5
O Código Castrense orienta-se também, no tocante à punibilidade da tentativa, pela teoria objetiva.
Admite, todavia, uma exceção ao critério da obrigatória diminuição da pena do crime tentado, ao dispor em seu art. 30, parágrafo único: “Pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime, diminuída de um a dois terços, podendo o juiz, no caso de excepcional gravidade, aplicar a pena do crime consumado” (grifamos).
A tentativa comporta a seguinte divisão: branca (ou incruenta), vermelha (ou cruenta); perfeita (ou acabada ou crime falho) e imperfeita (ou inacabada).
Nesta espécie de tentativa, o objeto material não é atingido pela conduta criminosa. Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo contra “B”, sem acertá-lo.
Recebe essa denominação ao relacionar-se com a tentativa de homicídio em que não se produzem ferimentos na vítima, não acarretando no derramamento de sangue.
Nesta espécie de tentativa, o objeto material é alcançado pela atuação do agente. Exemplo: “A”, com intenção de matar, atira em “B”, provocando-lhe ferimentos. Porém, a vítima é socorrida prontamente e sobrevive.
Na tentativa perfeita, o agente esgota todos os meios executórios que estavam à sua disposição, e mesmo assim não sobrevém a consumação por circunstâncias alheias à sua vontade. Pode ser cruenta ou incruenta. Exemplo: “A” dispara contra “B” todos os seis cartuchos do tambor do seu revólver, com a intenção de matá-lo. A vítima, gravemente ferida, é socorrida por policiais, e sobrevive.
Na tentativa imperfeita, o agente inicia a execução sem, contudo, utilizar todos os meios que tinha ao seu alcance, e o crime não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade. Exemplo: “A”, com o propósito de matar “B”, sai à sua procura, portando um revólver municiado com 6 (seis) cartuchos intactos. Ao encontrá-lo, efetua três disparos, atingindo-o. Quando, contudo, iria efetuar outros disparos, é surpreendido pela Polícia Militar e foge. A vítima é socorrida pelos milicianos e sobrevive.
Crimes de ímpeto são os cometidos sem premeditação, como decorrência de reação emocional repentina.
Há argumentos no sentido de que o ímpeto do agente afasta a viabilidade de análise do iter criminis, pois a sua atuação repentina impossibilita o fracionamento dos atos executórios. O acesso excessivo de emoção ou paixão não seria compatível com o propósito de praticar determinado crime.
Veja-se o exemplo do homem que, ao chegar a sua casa, encontra sua esposa mantendo relações sexuais com terceira pessoa. Revoltado, saca sua arma de fogo e efetua disparos contra a adúltera, não a acertando, embora desejasse matá-la. Para aqueles que não aceitam o conatus nos crimes de ímpeto, seria impossível estabelecer, no plano concreto, se o traído não matou sua mulher por erro na pontaria ou pelo fato de não desejar alvejá-la efetivamente. Nélson Hungria, com sua peculiar competência, repele essa posição:
Não se deve levar para a doutrina do dolo e da tentativa o que apenas representa a solução de uma dificuldade prática no terreno da prova. A tentativa tanto existe nos crimes de ímpeto, quanto nos crimes refletidos. É tudo uma questão de prova, posto que a indagação do animus não pode deixar de ser feita ab externo, diante das circunstâncias objetivas. A maior dificuldade de tal prova nos crimes de ímpeto nada tem a ver com a possibilidade conceitual da tentativa.6
E, um pouco adiante, arremata o festejado mestre:
Se se verifica, em face das circunstâncias, que, nada obstante a instantaneidade da resolução, o agente, empregando os meios que empregou, ou por sua atitude, teve a consciência de que, com a sua ação, podia atingir o evento típico do crime, não há outra solução, na hipótese de não superveniência de tal evento, senão a de imputar-lhe o fato a título de tentativa.7
Orienta-se a doutrina pelo cabimento da tentativa nos crimes cometidos com dolo eventual, equiparado pelo art. 18, I, do Código Penal, no tocante ao seu tratamento, ao dolo direto.
A dificuldade de prova do início da execução de um crime que não se consuma por circunstâncias alheias ao consentimento do agente é questão de natureza processual, em nada interferindo na tipicidade do fato.
Invoquemos uma vez mais as lições de Nélson Hungria:
Se o agente aquiesce no advento do resultado específico do crime, previsto como possível, é claro que este entra na órbita de sua volição: logo, se, por circunstâncias fortuitas, tal resultado não ocorre, é inegável que o agente deve responder por tentativa. É verdade que, na prática, será difícil identificar-se a tentativa no caso de dolo eventual, notadamente quando resulta totalmente improfícua (tentativa branca). Mas, repita-se: a dificuldade de prova não pode influir na conceituação da tentativa.8
Todavia, existem posições pela inadmissibilidade da tentativa nos crimes praticados com dolo eventual, com fundamento na redação do art. 14, II, do Código Penal: se o legislador definiu o crime tentado como aquele em que, “iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”, limitou o instituto ao dolo direto, para o qual adotou a teoria da vontade (art. 18, I, 1.ª parte), excluindo-a do alcance do dolo eventual, em que se acolheu a teoria do consentimento ou do assentimento (art. 18, I, in fine).9
Em geral, os crimes dolosos são compatíveis com a tentativa, pouco importando sejam materiais, formais ou de mera conduta.
De fato, a admissibilidade ou não da tentativa tem a ver com o caráter plurissubsistente do delito, isto é, com a composição da conduta em diversos atos executórios, podendo, consequentemente, ser fracionada.
Crimes formais e de mera conduta comportam o conatus, desde que sejam plurissubsistentes.
Na seara dos crimes formais, tomemos como exemplo uma extorsão mediante sequestro (CP, art. 159), na qual o agente aponta uma arma de fogo para a vítima, dizendo para ela se render porque seria privada de sua liberdade para futura troca por vantagem econômica indevida junto aos seus familiares. A vítima, contudo, consegue fugir e é perseguida. Aciona a Polícia, que aborda o criminoso e efetua sua prisão em flagrante, antes da privação da liberdade da pessoa visada. Trata-se de tentativa de extorsão mediante sequestro, exemplo clássico de crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado.
Em relação aos crimes de mera conduta ou de simples atividade, ilustremos com o ato obsceno (CP, art. 233): um casal, em praça pública, anuncia que realizará, dentro de instantes, um show de sexo explícito. Quando começam a se despir, são presos em flagrante por policiais que ali se encontravam. As condutas se enquadram como tentativas de crimes de ato obsceno.
Conclui-se, assim, que a possibilidade de tentativa se relaciona com a ausência de aperfeiçoamento de todos os elementos do tipo penal, e não com a falta de superveniência do resultado naturalístico, obrigatório apenas para a consumação dos crimes materiais.
A regra, portanto, é a compatibilidade dos crimes com o conatus.
Algumas espécies de infrações penais, todavia, não admitem a tentativa. Vejamos quais são:
1) Crimes culposos: nestes crimes o resultado naturalístico é involuntário, contrário à intenção do agente. Por corolário, seria no mínimo contraditório admitir-se, em um crime não desejado pelo seu autor, o início da execução de um delito que somente não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade. Essa regra se excepciona no que diz respeito à culpa imprópria, compatível com a tentativa, pois nela há a intenção de se produzir o resultado. Cuida-se, em verdade, de dolo, punido por razões de política criminal a título de culpa, em face de ser a conduta realizada pelo agente com amparo em erro inescusável quanto à ilicitude do fato.
2) Crimes preterdolosos: nestes crimes o resultado agravador é culposo, não desejado pelo agente. Por esse motivo, não se compactuam com a tentativa. Exemplo: só se configura o crime de lesão corporal seguida de morte quando se produz o resultado agravador, pois, caso contrário, o agente responde unicamente pelas lesões corporais dolosamente praticadas.
3) Crimes unissubsistentes: são aqueles em que a conduta é exteriorizada mediante um único ato, suficiente para alcançar a consumação. Não é possível a divisão do iter criminis, razão pela qual é incabível a tentativa. Exemplo: desacato (CP, art. 331) cometido verbalmente: proferida a palavra apta a menosprezar a função pública exercida por determinada pessoa, consumado estará o crime.
4) Crimes omissivos próprios ou puros: ingressam no grupo dos crimes unissubsistentes. Em uma omissão de socorro (CP, art. 135), o sujeito tem duas opções: ou presta assistência ao necessitado, e não há crime, ou deixa de prestá-la, e o crime estará consumado. Os crimes omissivos impróprios, espúrios ou comissivos por omissão, de seu turno, admitem a tentativa.
5) Crimes de perigo abstrato: também se enquadram no bloco dos crimes unissubsistentes. No porte ilegal de arma de fogo, ou o agente porta a arma de fogo em situação irregular, e o crime estará consumado, ou não o faz, e o fato será atípico. Os crimes de perigo concreto, por sua vez, comportam a tentativa.
6) Contravenções penais: não há tentativa por expressa previsão legal. Estabelece o art. 4.º do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais: “Não é punível a tentativa de contravenção”.
7) Crimes condicionados: são aqueles cuja punibilidade está sujeita à produção de um resultado legalmente exigido, tal qual a participação em suicídio (CP, art. 122), em que só há punição se resultar morte ou lesão corporal de natureza grave.
8) Crimes subordinados a condição objetiva de punibilidade: tal como ocorre em relação aos falimentares (Lei 11.101/2005 – Lei de Falências, art. 180), pois se o próprio delito completo não é punível se não houver aquela condição, muito menos o será a sua tentativa.10
9) Crimes de atentado ou de empreendimento: não há tentativa, uma vez que a figura tentada recebe igual pena destinada ao crime consumado. É o que se dá, por exemplo, no delito tipificado pelo art. 352 do Código Penal (“evadir-se ou tentar evadir-se”).
10) Crimes com tipo penal composto de condutas amplamente abrangentes: em relação a estes crimes, no caso concreto é impossível dissociar a tentativa da consumação. Veja-se o exemplo do crime de parcelamento ou desmembramento irregular do solo para fins urbanos, tipificado pelo art. 50, I, da Lei 6.766/1979: “Dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios” (grifamos). A expressão “de qualquer modo”, na prática, inviabiliza a tentativa, pois qualquer que seja a conduta adotada pelo agente, implicará na consumação.
11) Crimes habituais: são aqueles compostos pela reiteração de atos que demonstram um estilo de vida do agente. Cada ato, isoladamente considerado, representa um indiferente penal. É o caso do curandeirismo (CP, art. 284, I), em que o ato de prescrever, uma única vez, qualquer substância é conduta atípica, pois a lei reclama a habitualidade. Mirabete faz uma adequada ressalva, suscitando divergência: há tentativa do crime previsto no art. 282 do Código Penal na conduta do sujeito que, sem ser médico, instala um consultório e é detido quando de sua primeira “consulta”.11 Não se devem confundir crimes habituais, entretanto, com crimes permanentes, nos quais a tentativa é perfeitamente cabível. Exemplo: tentativa de sequestro (CP, art. 148), na qual o autor tenta, de modo forçado, prender uma pessoa no quarto de uma casa, mas esta reage e foge.
12) Crimes-obstáculo: são os que retratam atos preparatórios tipificados de forma autônoma pelo legislador, a exemplo do crime de substância destinada à falsificação (CP, art. 277). De fato, não há sentido em punir a preparação de um crime – que normalmente não é punível – como delito autônomo prevendo-se para este também a figura do conatus. Haveria incompatibilidade lógica de punir a tentativa de preparação de um crime que somente é objeto de punição porque, excepcionalmente, o legislador construiu um tipo penal específico. Exemplificativamente, ter em depósito substância destinada à falsificação de um produto medicinal, não fosse a figura típica do art. 277, representaria conduta penalmente irrelevante, não podendo ser considerada ato executório do crime previsto no art. 273, pois trata-se de mera fase preparatória. Como se sabe, o intérprete não pode ampliar a exceção criada pelo legislador.
A regra vigente no sistema penal brasileiro é a punição dos crimes nas modalidades consumada e tentada. Mas em algumas situações não se admite o conatus – seja pela natureza da infração penal, seja em obediência a determinado mandamento legal –, razão pela qual apenas é possível a imposição de sanção penal para a forma consumada do delito ou da contravenção penal. É o que se verifica, a título ilustrativo, nos crimes culposos (salvo na culpa imprópria) e nos crimes unissubsistentes.
Entretanto, em hipóteses raríssimas somente é cabível a punição de determinados delitos na forma tentada, pois nesse sentido orientou-se a previsão legislativa quando da elaboração do tipo penal. Exemplos disso encontram-se nos arts. 9.º e 11 da Lei 7.170/1983 – Crimes contra a Segurança Nacional:
Art. 9.º Tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país.
Pena – reclusão, de 4 a 20 anos.
Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até um terço; se resulta morte aumenta-se até a metade.
Art. 11. Tentar desmembrar parte do território nacional para constituir país independente.
Pena – reclusão, de 4 a 12 anos.
1. (PROCURADOR DO MP JUNTO AO TCE/SP – FCC/2011) Nos crimes plurissubsistentes, havendo iter criminis com sucessivas condutas durante a sua execução, é
(A) inadmissível a tentativa.
(B) admissível apenas a tentativa perfeita.
(C) cabível a tentativa tão somente nas formas culposas.
(D) admissível tanto a tentativa perfeita, como a imperfeita.
(E) cabível apenas a tentativa imperfeita.
2. (5.º Promotor de Justiça – MP/AP) Diante da exposição abaixo e com amparo na doutrina, pode ser proposto como verdadeiro:
(A) No crime falho ou tentativa perfeita o processo de execução é parcialmente realizado pelo agente e o resultado se verifica integralmente.
(B) Quando o processo executório é interrompido por circunstâncias alheias à vontade do agente, denomina-se tentativa imperfeita ou tentativa propriamente dita.
(C) Nos crimes culposos não se requer a falta de cuidado objetivo.
(D) Ocorre tentativa branca quando o objeto material sofre dano total.
3. (24.º Promotor de Justiça – MPF/MPDFT) Assinale a opção incorreta.
(A) A desistência voluntária e o arrependimento eficaz dependem, sempre, da vontade do agente.
(B) No arrependimento eficaz, após o agente esgotar os meios de que dispunha para a prática do crime, pratica nova atividade, evitando que o resultado ocorra.
(C) Na tentativa imperfeita, a consumação não ocorre, apesar de o agente ter praticado todos os atos necessários à produção do evento.
(D) Para a caracterização do crime impossível, é imprescindível que o meio utilizado seja absolutamente ineficaz para a obtenção do resultado.
4. (43.º Promotor de Justiça – MP/MG) Não obstante os esforços doutrinários, ainda não surgiu na dogmática penal teoria capaz de estabelecer segura delimitação entre atos preparatórios e início de execução. A jurisprudência também é vacilante, como comprovam os diferentes acórdãos que enfrentam o problema. Analise o julgado abaixo e indique a teoria na qual ele se fundamentou.
“O simples fato de o apelante ter aberto o portão, ingressado no quintal e colocado o corpo para dentro da janela da moradia não pode significar começo de execução de um crime de furto, cujo núcleo do tipo é ‘subtrair’. É preciso ‘um começo típico de execução, para que haja delito tentado’” (JUTACrim 99/151).
(A) Teoria da hostilidade ao bem jurídico.
(B) Teoria da univocidade.
(C) Teoria objetivo-formal.
(D) Teoria objetivo-material.
(E) Teoria subjetiva.
5. (83.º Promotor de Justiça – MP/SP) Crime falho é
(A) aquele no qual alguém, insidiosamente, provoca uma situação que leva o agente à prática do crime, mas, antes, toma as devidas providências para que o mesmo não se consume.
(B) aquele no qual o agente acredita que está praticando um crime, que não existe, pois o fato não é típico.
(C) o mesmo que tentativa perfeita, na qual o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, embora este pratique todos os atos necessários para a consumação do crime.
(D) o mesmo que tentativa inadequada ou inidônea, na qual o crime não pode ser consumado por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto.
(E) aquele no qual a polícia efetua a detenção do agente no momento da prática delitiva, pois avisada pela vítima que sabia previamente que o crime iria acontecer.
6. (IV – Defensoria Pública/MT – FCC/2009) O agente iniciou a execução de um delito, cuja consumação não ocorreu pela:
I. Ineficácia relativa do meio empregado.
II. Impropriedade absoluta do objeto.
III. Reação da vítima.
IV. Ineficácia absoluta do meio empregado.
V. Impropriedade relativa do objeto.
Haverá tentativa punível na(s) hipótese(s) indicada(s) SOMENTE em
(A) III.
(B) I e V.
(D) I, II e IV.
(E) I, III e V.
7. (Delegado de Polícia/SP – 2008) De acordo com a doutrina, ocorre a tentativa imperfeita quando
(A) a vítima não é atingida pelo agente.
(B) o agente pratica todos os atos executórios de que dispunha, mas, por circunstâncias alheias à sua vontade, não alcança a consumação.
(C) o agente é impedido de praticar todos os atos executórios de que dispunha.
(D) o agente atinge a vítima, mas, voluntariamente, resolve não prosseguir com os atos executórios.
(E) o agente atinge pessoa diversa daquela que pretendia lesionar.
8. (MAGISTRATURA/CE – CESPE – 2011) Acerca da tentativa, do arrependimento eficaz e da desistência voluntária, assinale a opção correta.
(A) Ocorrendo o início da execução do crime de estupro mediante o emprego de grave ameaça à vítima e a ação via contato físico só não sendo consumada em virtude de momentânea falha fisiológica, alheia à vontade do agente, resta caracterizada a desistência voluntária e afastada, simultaneamente, a tentativa.
(B) Apesar de ser possível a elaboração sucessiva dos quesitos atinentes à tentativa de homicídio e ao arrependimento eficaz, o resultado afirmativo em relação a um deles prejudica a análise do outro, em face de serem esses institutos completamente diversos entre si, sob pena de nulidade absoluta, que não está, pois, sujeita à preclusão.
(C) Segundo a jurisprudência do STJ, a resposta positiva dos jurados no que se refere à tentativa de homicídio não implica necessariamente recusa ao quesito da desistência espontânea, uma vez que, conforme o caso concreto, esses institutos podem ser compatibilizados.
(D) No delito de roubo circunstanciado, se os agentes dominam as vítimas e chegam a se apoderar dos bens, não deixando o local do crime apenas em razão de ação policial, é inviável o reconhecimento da tentativa, na medida em que esse delito se consuma com a mera inversão da posse do patrimônio alheio.
(E) O arrependimento eficaz é instituto a ser aplicado na terceira fase de imposição da pena, como causa de diminuição prevista na parte geral do CP, podendo, ainda, ser utilizado como fundamento para a rejeição da denúncia por ausência de justa causa, pois conduz à atipicidade da conduta por ausência de dolo.
9. (MAGISTRATURA/PR – PUC/2011) Em relação à desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior, é CORRETO afirmar: I. Nos crimes cometidos mediante o uso de violência ou grave ameaça à pessoa, em sendo reparado o dano ou restituída a coisa, antes da data do recebimento da denúncia, a pena será reduzida de um a dois terços. II. Quando o agente, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução do crime ou impede que o resultado se produza, ficará isento de pena. III. Quando o agente, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução do crime ou impede que o resultado se produza, somente responderá pelos atos já praticados. IV. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
(A) Somente as afirmativas I, II e IV são verdadeiras.
(B) Somente as afirmativas II, III e IV são verdadeiras.
(C) Todas as afirmativas são falsas.
(D) Somente as afirmativas III e IV são verdadeiras.
10. (Juiz/TJ-SC – TJ-SC/2013) Examine as proposições abaixo e assinale a alternativa correta:
I. Em se tratando de nexo causal, o resultado, nas causas supervenientes relativamente independentes, somente poderá ser imputado ao agente se estiver na mesma linha de desdobramento natural da ação.
II. Ocorre erro de tipo quando o equívoco do agente recai sobre o conteúdo proibitivo de uma norma penal.
III. Mélvio e Acio entraram em luta corporal e ambos restaram lesionados. Se ao final da instrução processual não restar evidenciado quem teria dado início às agressões, a solução é a absolvição de ambos com base no reconhecimento da legítima defesa recíproca.
IV. Os crimes habituais, os preterdolosos, os culposos, os unissubisistentes e os omissivos próprios não admitem a tentativa.
(A) Somente as proposições I e III estão corretas.
(B) Somente as proposições II e IV estão corretas.
(C) Somente as proposições I e IV estão corretas.
(D) Somente as proposições II e III estão corretas.
(E) Todas as proposições estão corretas.
11. (Analista/MPE-AC – FMP-RS/2013) Assinale a alternativa correta.
(A) No conceito analítico do crime, a imputabilidade penal constitui elemento autônomo do crime.
(B) A adequação social constitui, segundo doutrina majoritária, excludente de ilicitude.
(C) Para a doutrina finalista, o princípio da insignificância constitui causa exculpante.
(D) De acordo com a doutrina finalista, a consciência da ilicitude é elemento do dolo.
(E) O erro de tipo sempre exclui o dolo.
12. (Juiz/TJSP – 2013) Conforme o disposto no artigo 14, parágrafo único, do Código Penal, “Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”. O critério de diminuição da pena levará em consideração
(A) a motivação do crime.
(B) a intensidade do dolo.
(C) o iter criminis percorrido pelo agente.
(D) a periculosidade do agente.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.
Acesse o portal de material complementar do GEN – o GEN-io – para ter acesso a diversas questões de concurso público sobre este assunto: <http://gen-io.grupogen.com.br>.
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1 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 809.
2 PUGLIA, Fernando. Da tentativa. Trad. Octavio Mendes. 2. ed. Lisboa: Clássica, 1907. p. 116.
3 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 814.
4 HC 95960/PR, rel. Min. Carlos Britto, 1.ª Turma, j. 14.04.2009. (HC-95960), noticiado no Informativo 542. E também no STJ: HC 75.332/GO, rel. Min. Jane Silva (desembargadora convocada do TJ/MG), 5.ª Turma, j. 04.10.2007.
5 Nesse sentido: STJ: HC 94.927/SP, rel. Min. Jane Silva (desembargadora convocada do TJ/MG), 6.ª Turma, j. 01.04.2008.
6 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. v. I, p. 261.
7 Idem, ibidem, p. 262.
8 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. v. I, p. 262. No mesmo sentido: MUNHOZ NETTO, Alcides. Da tentativa no código penal brasileiro. Curitiba: Lítero-Técnica, 1958. p. 58.
9 É, dentre outros, o entendimento de GRECO, Rogério. Curso de direito penal – Parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 263-267.
10 NORONHA, E. Magalhães. Questões acerca da tentativa. Estudos de direito e processo penal em ho-menagem a Nélson Hungria. Rio de Janeiro: Forense, 1962. p. 247.
11 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 1, p. 153.