Sumário: 26.1. Introdução – 26.2. Dispositivo legal e alcance – 26.3. Conceito – 26.4. Espécies: 26.4.1. Doloso, culposo, acidental ou exculpante; 26.4.2. Intensivo e extensivo – 26.5. Legítima defesa e excesso – 26.6. Exemplo de quesitos em crime de competência do Tribunal do Júri, incluindo o excesso – 26.7. Questões.
O Código Penal, atendendo a princípios de bom-senso e de justiça, estabelece em seu art. 23 causas gerais de exclusão da ilicitude, colocando em relação a cada uma delas os seus exatos limites.
Quando, porém, o agente ultrapassar as barreiras necessárias na prática do fato típico, cuja ilicitude a eximente apaga, há excesso, seja no tocante à situação de necessidade, à agressão repelida, ao dever legal, ou, ainda, ao exercício do direito.
Depois de apresentar as causas de exclusão da ilicitude, estatui o art. 23 do Código Penal, em seu parágrafo único: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”.
A expressão “em qualquer das hipóteses deste artigo” indica a penalização do excesso, doloso ou culposo, em todas as causas legais genéricas de exclusão da ilicitude.
No estado de necessidade, o excesso recai na expressão “nem podia de outro modo evitar” (CP, art. 24): age com excesso aquele que, para afastar a situação de perigo, utiliza meios dispensáveis e sacrifica bem jurídico alheio. Exemplo: “A”, para fugir do ataque de um cão que o persegue, destrói o vidro de um veículo para nele se abrigar, quando podia, simplesmente, homiziar-se em uma casa que tinha à sua disposição.
Na legítima defesa, o excesso se consubstancia no emprego de meios desnecessários para repelir a injusta agressão, atual ou iminente, ou, quando necessários, os emprega imoderadamente.
No estrito cumprimento do dever legal, o excesso resulta da não observância, pelo agente, dos limites determinados pela lei que lhe impõe a conduta consistente em um fato típico. Exemplo: o policial que cumpre um mandado de prisão pode se valer da força física para conter o sujeito procurado pela Justiça. Age em excesso, contudo, quando agride quem já se encontra preso e não mais representa perigo à sua atuação.
No exercício regular de direito, finalmente, o excesso decorre do exercício abusivo do direito consagrado pelo ordenamento jurídico. Exemplo: o pai tem o direito de corrigir o comportamento do filho, inclusive com castigos físicos moderados. Se ultrapassar o limite legal, lesionando desnecessariamente seu filho, responde pelo excesso.
Antes da Reforma da Parte Geral pela Lei 7.209/1984, o Código Penal, no antigo art. 21, parágrafo único, admitia somente o excesso culposo na legítima defesa.
Excesso é a desnecessária intensificação de um fato típico inicialmente amparado por uma causa de justificação.
Pressupõe, portanto, uma excludente da ilicitude, a qual desaparece em face de o agente desrespeitar os seus limites legalmente previstos, suportando a punição pelas abusivas e inúteis lesões provocadas ao bem jurídico penalmente tutelado. Exemplo: a pessoa que, agredida fisicamente, sem risco de vida, defende-se moderadamente, provocando lesões no ofensor, age em legítima defesa e fica livre da atuação do Direito Penal. Se, todavia, matar o seu agressor, desnecessariamente, por não usar moderadamente os meios necessários para a defesa, responde por homicídio (excesso).
Doloso, ou consciente, é o excesso voluntário e proposital. O agente quer ultrapassar os parâmetros legais, sabendo que assim agindo praticará um delito de natureza dolosa, e por ele responderá como crime autônomo.
Culposo, ou inconsciente, é o excesso resultante de imprudência, negligência ou imperícia (modalidades de culpa). O agente responde pelo crime culposo praticado.
Acidental, ou fortuito, é a modalidade que se origina de caso fortuito ou força maior, eventos imprevisíveis e inevitáveis. Cuida-se de excesso penalmente irrelevante.1
Exculpante é o excesso decorrente da profunda alteração de ânimo do agente, isto é, medo ou susto provocado pela situação em que se encontra. Exemplo: depois de tomar conhecimento de que está jurado de morte em sua faculdade, “A” começa a andar armado, visando se defender em caso de agressão injusta. Em determinada ocasião, é abordado em local ermo e escuro por duas pessoas desconhecidas, e, assustado, contra elas efetua repentinamente disparos de arma de fogo, matando-as. Toma conhecimento, posteriormente, que as vítimas queriam apenas convidá-lo para uma festa.
Essa espécie de excesso encontra certa dose de rejeição pela doutrina e pela jurisprudência. Os concursos para ingresso no Ministério Público, em geral, não reconhecem essa tese, sob a alegação de que não possui amparo legal, e, por ser vaga, levaria muitas vezes à impunidade.
Há entendimentos, contudo, no sentido de que o excesso exculpante exclui a culpabilidade, em razão da inexigibilidade de conduta diversa. A propósito, com a rubrica “excesso escusável”, dispõe o art. 45, parágrafo único, do Decreto-lei 1.001/1969 – Código Penal Militar: “Não é punível o excesso quando resulta de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação”.
Veja-se também que o art. 20, § 6.º, do Código Penal Espanhol eleva o medo, dependendo da situação, à condição de causa de exclusão da culpabilidade.
Excesso intensivo ou próprio é o que se verifica quando ainda estão presentes os pressupostos das causas de exclusão da ilicitude. É o caso do agente que, no contexto de uma agressão injusta, defende-se de forma desproporcional. Há superação dos limites traçados pela lei para a justificativa, e o excesso assume um perfil ilícito.
São desse posicionamento, a título ilustrativo, Francisco de Assis Toledo, Nélson Hungria e Alberto Silva Franco, para quem, citando Mir Puig:
Assim, enquanto no excesso intensivo há um excesso em sua virtualidade lesiva, ou melhor, um excesso no qual o agente sobrepassa os limites impostos pela necessariedade ou pela proporcionalidade, no excesso extensivo há um excesso na duração da defesa, isto é, a defesa se prolonga por mais tempo do que o da duração da atualidade da agressão: reage-se frente a uma agressão que, a rigor, deixou de existir.2
Para os adeptos desse posicionamento, o excesso extensivo é, em verdade, um crime autônomo, situado fora do contexto fático da excludente da ilicitude. A situação pode ser dividida em duas etapas: (1) aquela em que estavam presentes os pressupostos da justificativa; e (2) uma posterior, na qual a excludente já estava encerrada, em que o agente pratica outro delito, desvencilhado da situação anterior.
Excesso extensivo ou impróprio, ao contrário, é aquele em que não estão mais presentes os pressupostos das causas de exclusão da ilicitude: não mais existe a agressão ilícita, encerrou-se a situação de perigo, o dever legal foi cumprido e o direito foi regularmente exercido. Em seguida, o agente ofende bem jurídico alheio, respondendo pelo resultado dolosa ou culposamente produzido.
Filiam-se a essa vertente, dentre outros, E. Magalhães Noronha e Celso Delmanto, que exemplifica:
Ao defender-se de injusta agressão, o sujeito põe seu contendor desacordado e gravemente ferido; após este estar caído ao solo, ainda lhe causa mais uma lesão leve. Embora a lesão grave esteja acobertada pela justificativa, a posterior lesão leve foi excessiva e será punida por dolo, caso a intenção tenha sido provocá-la; ou por culpa, se decorrente da falta de cuidado do agente.3
Nada obstante seja admitido em relação a todas as causas genéricas de exclusão da ilicitude (CP, art. 23, parágrafo único), é mais comum a configuração do excesso na legítima defesa.
E nessa eximente, com a adoção do excesso intensivo ou próprio, a intensificação desnecessária da conduta inicialmente justificada pode ocorrer em três hipóteses, a teor do previsto no art. 25 do Código Penal:
1) o agente usa meio desnecessário;
2) o agente usa imoderadamente o meio necessário; ou
3) o agente usa, imoderadamente, meios desnecessários.
No julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, e aqui tomaremos como exemplo um homicídio simples (CP, art. 121, caput), em que se alega como tese absolutória a legítima defesa, os quesitos serão formulados da seguinte forma:4
1) Os ferimentos descritos no exame necroscópico de fls. 30 foram a causa da morte de José Carlos da Silva?
2) O acusado Pedro dos Santos, no dia 10 de janeiro de 2011, por volta das 22 horas, na Rua 15 de novembro, n. 18, Centro, na cidade e comarca de São Paulo, efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima, provocando-lhe esses ferimentos?
3) O jurado absolve o acusado?
O primeiro quesito relaciona-se com a materialidade do fato, e o segundo diz respeito à autoria ou participação no crime (CPP, art. 483, I e II). A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer desses quesitos encerra a votação e implica a absolvição do acusado (CPP, art. 483, § 1.º).
Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os dois primeiros quesitos, será formulado um terceiro, com a seguinte redação: “O jurado absolve o acusado?” (CPP, art. 483, § 2.º).
Destarte, todas as teses defensivas pertinentes à absolvição, exceto as relativas à materialidade do fato e à autoria ou participação, devem ser sopesadas pelos jurados quando da votação do terceiro quesito, aí se incluindo as causas de exclusão da ilicitude, tal como a legítima defesa. Portanto, se os jurados desejarem reconhecer a excludente, é necessária a resposta “sim”, absolvendo o réu.
Nesse caso, ao contrário do que ocorria anteriormente à reforma do rito do Tribunal do Júri pela Lei 11.689/2008, somente será permitida a quesitação do excesso culposo, e desde que requerido expressamente pela defesa. Com efeito, atualmente os jurados se limitam a absolver o acusado (terceiro quesito), não se sabendo por qual motivo, isto é, se pelas razões alegadas pela defesa ou por outro fundamento qualquer (exemplo: absolvição por piedade ou por não acreditar na ressocialização pelo sistema prisional).
E, se responderem afirmativamente ao terceiro quesito, o réu estará definitivamente absolvido. Em outras palavras, decidiram os jurados que o acusado deve ficar livre da punição estatal, não se podendo falar em excesso doloso. Logo, o excesso doloso não poderá ser objeto de um quarto quesito. Se foi absolvido, é porque não houve excesso. Além disso, estatui o art. 483, § 3.º, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.689/2008: “Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue (...)”.
Fica claro, portanto, que se os jurados decidirem pela condenação, será possível a indagação do excesso culposo. Como diz a lei, “o julgamento prossegue”. Em síntese, o Conselho de Sentença acolheu a tese sustentada pela acusação, inclusive o excesso doloso, que jamais será alegado pela defesa.
Por outro lado, se os jurados decidirem pela absolvição, a votação estará encerrada, isto é, a eles não poderá ser endereçado mais nenhum outro quesito, nem mesmo no tocante ao excesso doloso. De fato, a interpretação do dispositivo legal permite a conclusão de que, nessa hipótese, “o julgamento não prossegue”. O réu está absolvido e nada mais há a discutir.
Se, porém, a defesa sustentar a legítima defesa, como tese principal, e subsidiariamente o excesso culposo, e o réu for condenado no terceiro quesito, isto é, restar rejeitada a legítima defesa, o juiz deverá continuar a votação para que o júri decida se houve ou não excesso culposo (“o julgamento prossegue”). Essa indagação deverá ser feita logo após o terceiro quesito, uma vez que o acolhimento da referida tese importa desclassificação para crime culposo. Exemplo: “4) Ao efetuar os disparos de arma de fogo quando a vítima já se encontrava caída, o acusado excedeu culposamente os limites da legítima defesa?”.
Negada pelos jurados a ocorrência de excesso culposo, será o caso de condenação por crime doloso, passando-se à votação dos demais quesitos, se for o caso, na forma prevista no art. 483, § 3.º, do Código de Processo Penal. De fato, se os jurados não absolveram o acusado quando alegada a legítima defesa, e também afastaram o excesso culposo, é porque entenderam tratar-se de crime praticado a título de dolo.
1. (OAB/PR 08 – 2003) Assinale a alternativa correta.
(A) O excesso na legítima defesa cometido sob o domínio de medo-pânico traduz hipótese de inexigibilidade de conduta diversa.
(B) O erro sobre pressuposto fático de excludente, perante a teoria limitada da culpabilidade, leva à absolvição por erro de proibição.
(C) O partícipe que contribui para o crime incorrendo em erro invencível é punido por culpa, ainda que o executor venha a responder por dolo.
(D) O vigente código penal brasileiro, acerca do tratamento das hipóteses de erro, adotou a teoria extrema da culpabilidade.
2. (OAB/MS 78.º) Sobre o excesso em legítima defesa, em hipótese de homicídio simples, pode-se afirmar que:
(A) o excesso doloso gera a condenação do agente à pena de 1 a 3 anos de detenção.
(B) o excesso culposo pode decorrer, tanto da utilização de meios desnecessários quanto da falta de moderação na utilização desses meios.
(C) mesmo sendo reconhecido o excesso culposo, o réu poderá ser absolvido.
(D) o reconhecimento do excesso doloso não afasta a excludente da legítima defesa.
3. (Defensoria Pública da União – CESPE/2010) Acerca das causas excludentes da ilicitude, julgue o próximo item.
A responsabilidade penal do agente nos casos de excesso doloso ou culposo aplica-se às hipóteses de estado de necessidade e legítima defesa, mas o legislador, expressamente, exclui tal responsabilidade em casos de excesso decorrente do estrito cumprimento de dever legal ou do exercício regular de direito.
4. (MAGISTRATURA/PR – PUC/2011) No que tange às causas excludentes de ilicitude, após apontar quais são as assertivas verdadeiras (V) e falsas (F), assinale a única sequência CORRETA:
( ) Não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
( ) O agente, quando praticar os atos em legítima defesa, não responderá pelo excesso punível na modalidade dolosa ou culposa.
( ) Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
( ) O agente, em qualquer das hipóteses do artigo 23 do Código Penal (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito), responderá pelo excesso doloso ou culposo.
( ) Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, pretérita, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
(A) V, F, V, V, F.
(B) F, V, V, F, V.
(C) F, F, V, V, F.
(D) V, F, V, F, V.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.
Acesse o portal de material complementar do GEN – o GEN-io – para ter acesso a diversas questões de concurso público sobre este assunto: <http://gen-io.grupogen.com.br>.
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1 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui; MARREY, Adriano. Teoria e prática do júri. 6. ed. São Paulo: RT, 1997. p. 489.
2 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. Parte geral. 7. ed. São Paulo: RT, 2001. v. 1, p. 372.
3 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 3. ed. 8.ª tiragem. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 45.
4 A sistemática do Tribunal do Júri, incluindo todo o seu procedimento, foi substancialmente alterada pela Lei 11.689/2008.