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CONCURSO DE PESSOAS

Sumário: 31.1. Tratamento legislativo31.2. Denominação31.3. Conceito31.4. Requisitos: 31.4.1. Pluralidade de agentes culpáveis; 31.4.2. Relevância causal das condutas para a produção do resultado; 31.4.3. Vínculo subjetivo; 31.4.4. Unidade de infração penal para todos os agentes; 31.4.5. Existência de fato punível31.5. Autoria: 31.5.1. Teorias; 31.5.2. Teoria adotada pelo Código Penal31.6. Punibilidade no concurso de pessoas31.7. Cooperação dolosamente distinta31.8. Modalidades de concurso de pessoas: coautoria e participação: 31.8.1. Coautoria; 31.8.2. Participação31.9. Circunstâncias incomunicáveis: o art. 30 do Código Penal: 31.9.1. Distinção entre elementares e circunstâncias; 31.9.2. Espécies de elementares e de circunstâncias; 31.9.3. Condições de caráter pessoal; 31.9.4. As regras do art. 30 do Código Penal; 31.9.5. Elementares personalíssimas e a questão do estado puerperal no infanticídio31.10. O excesso no mandato criminal31.11. Questões diversas: 31.11.1. Autoria colateral; 31.11.2. Autoria incerta; 31.11.3. Autoria desconhecida31.12. Concurso de pessoas, crimes de autoria coletiva e denúncia genérica31.13. Concurso de pessoas e crimes culposos: 31.13.1. Coautoria e crimes culposos; 31.13.2. Participação e crimes culposos31.14. Questões.

31.1. TRATAMENTO LEGISLATIVO

As regras inerentes ao concurso de pessoas encontram-se disciplinadas pelos arts. 29 a 31 do Código Penal.

31.2. DENOMINAÇÃO

Na redação original da Parte Geral do Código Penal, isto é, anteriormente à entrada em vigor da Lei 7.209/1984, o instituto era denominado simplesmente de “coautoria”, de forma pouco abrangente e imprecisa, por desprezar a figura da participação.

Atualmente, o Código Penal fala em “concurso de pessoas”.

Várias outras nomenclaturas são também encontradas na doutrina: concurso de agentes, codelinquência, concurso de delinquentes, cumplicidade, bem como coautoria e participação, ambas em sentido lato.

31.3. CONCEITO

É a colaboração empreendida por duas ou mais pessoas para a realização de um crime ou de uma contravenção penal.

31.4. REQUISITOS

O concurso de pessoas depende de cinco requisitos, assim esquematizados:

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31.4.1. Pluralidade de agentes culpáveis

O concurso de pessoas depende de pelo menos duas pessoas, e, consequentemente, de ao menos duas condutas penalmente relevantes. Essas condutas podem ser principais, no caso da coautoria, ou então uma principal e outra acessória, praticadas pelo autor e pelo partícipe, respectivamente.

Os coautores ou partícipes, entretanto, devem ser culpáveis, ou seja, dotados de culpabilidade.

Com efeito, a teoria do concurso de pessoas desenvolveu-se para solucionar os problemas envolvendo os crimes unissubjetivos ou de concurso eventual, que são aqueles em regra cometidos por uma única pessoa, mas que admitem o concurso de agentes.

Nesses delitos, a culpabilidade dos envolvidos é fundamental, sob pena de caracterização da autoria mediata. Como veremos em seguida, outro requisito do concurso de pessoas é o vínculo subjetivo entre os agentes, exigindo, assim, que sejam todos culpáveis, pois quem não goza desse juízo não tem capacidade para aderir à conduta alheia. Exemplificativamente, se um maior de 18 anos penalmente capaz encomenda a morte de sua sogra a um menor de idade, não há por que falar em concurso de pessoas, mas em autoria mediata.

Nos ensinamentos de Esther de Figueiredo Ferraz, a teoria do concurso de pessoas:

(...) tem por objeto o concurso eventual ou contingente, que representa no dizer de ANTOLISEI “a hipótese comum”, ou seja, a dos crimes que, abstratamente considerados, podem ser praticados indiferentemente por um só ou por vários indivíduos. Nessa hipótese que corresponde à regra geral se enquadra a maioria dos crimes definidos nas leis penais.1

Vale recordar que no tocante aos crimes plurissubjetivos, plurilaterais ou de concurso necessário, é dizer, aqueles em que o tipo penal exige a realização da conduta por dois ou mais agentes, a culpabilidade de todos os coautores ou partícipes é prescindível. Admite-se a presença de um único agente culpável, podendo os demais enquadrar-se em categoria diversa. De fato, não se faz necessária a utilização da norma de extensão prevista no art. 29, caput, do Código Penal, uma vez que a presença de duas ou mais pessoas é garantida pelo próprio tipo penal.

Nessas espécies de crimes não se diz “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, pois é a própria lei penal incriminadora que, por si só, reclama a pluralidade de pessoas. É o que se dá, por exemplo, nos crimes de rixa (CP, art. 137) e associação criminosa (CP, art. 288), nos quais o crime estará perfeitamente caracterizado quando existir entre os rixosos ou quadrilheiros pessoas sem culpabilidade, desde que algum dos envolvidos seja culpável.

Da mesma forma, nos crimes eventualmente plurissubjetivos – aqueles geralmente praticados por uma única pessoa, mas que têm a pena aumentada quando praticados em concurso, a capacidade de culpa de um dos envolvidos é dispensável. Nesses termos, incide relativamente ao furto praticado por um maior de idade na companhia de um adolescente a qualificadora prevista no art. 155, § 4.º, IV, do Código Penal.

Nesses crimes (necessariamente plurissubjetivos ou eventualmente plurissubjetivos) há, portanto, um pseudoconcurso, concurso impróprio, ou concurso aparente de pessoas. É o que se extrai da lição de Manzini:

Não se pode, juridicamente, falar em participação criminosa se pelo menos dois dentre os concorrentes não forem capazes em termos de direito penal e imputáveis. Quando o fato tenha sido cometido por duas pessoas, uma das quais não sejam imputável, esta não será copartícipe daquela, mas um simples instrumento da primeira (non agid sed agitur), a qual responde sozinha pelo delito cometido.2

Conclui-se, pois, que para o concurso de pessoas não basta a mera pluralidade de agentes. Exige-se sejam todos culpáveis.

31.4.2. Relevância causal das condutas para a produção do resultado

Concorrer para a infração penal importa em dizer que cada uma das pessoas deve fazer algo para que a empreitada tenha vida no âmbito da realidade. Em outras palavras, a conduta deve ser relevante, pois sem ela a infração penal não teria ocorrido como e quando ocorreu.

O art. 29, caput, do Código Penal fala em “de qualquer modo”, expressão que precisa ser compreendida como uma contribuição pessoal, física ou moral, direta ou indireta, comissiva ou omissiva, anterior ou simultânea à execução. Deve a conduta individual influir efetivamente no resultado.3

Destarte, não pode ser considerado coautor ou partícipe quem assume em relação à infração penal uma atitude meramente negativa, quem não dá causa ao crime, quem não realiza qualquer conduta sem a qual o resultado não teria se verificado.

De fato, a participação inócua, que em nada concorre para a realização do crime, é irrelevante para o Direito Penal.

Anote-se que esse requisito (relevância causal) depende de uma contribuição prévia ou concomitante à execução, isto é, anterior à consumação. A concorrência posterior à consumação configura crime autônomo (receptação, favorecimento real ou pessoal, por exemplo), mas não concurso de pessoas.

Em tema de concurso de pessoas, a contribuição pode até ser concretizada após a consumação, desde que tenha sido ajustada anteriormente. Exemplo: “A” se compromete, perante “B”, a auxiliá-lo a fugir e a escondê-lo depois de matar “C”. Será partícipe do homicídio. Contudo, se somente depois da morte de “C” se dispuser a ajudá-lo a subtrair-se da ação da autoridade pública, não será partícipe do homicídio, mas autor do crime de favorecimento pessoal (CP, art. 348).

31.4.3. Vínculo subjetivo

Esse requisito, também chamado de concurso de vontades, impõe estejam todos os agentes ligados entre si por um vínculo de ordem subjetiva, um nexo psicológico, pois caso contrário não haverá um crime praticado em concurso, mas vários crimes simultâneos.

Os agentes devem revelar vontade homogênea, visando a produção do mesmo resultado. É o que se convencionou chamar de princípio da convergência. Logo, não é possível a contribuição dolosa para um crime culposo, nem a concorrência culposa para um delito doloso.

Sem esse requisito estaremos diante da autoria colateral.

O vínculo subjetivo não depende, contudo, do prévio ajuste entre os envolvidos (pactum sceleris). Basta a ciência por parte de um agente no tocante ao fato de concorrer para a conduta de outrem (scientia sceleris ou scientia maleficii), chamada pela doutrina de “consciente e voluntária cooperação”, “vontade de participar”, “vontade de coparticipar”, “adesão à vontade de outrem” ou “concorrência de vontades”.4

Imagine o seguinte exemplo: “A” fala pelo telefone celular a um amigo que, na saída do trabalho, irá matar “B” com golpes de faca. “C”, desafeto de “B”, escuta a conversa. No final do expediente, “B” percebe que será atacado por “A” e, mais rápido, consegue fugir. “A”, todavia, o persegue, e consegue alcançá-lo, provocando sua morte, graças à ajuda de “C”, que derrubou “B” dolosamente, circunstância ignorada por “A”. Nesse caso, “C” será partícipe do crime de homicídio praticado por “A”.

Fica claro que para a caracterização do vínculo subjetivo é suficiente a atuação consciente do partícipe no sentido de contribuir para a conduta do autor, ainda que esta desconheça a colaboração. Não se reclama o prévio ajuste, muito menos estabilidade na união, o que acarretaria a caracterização da associação criminosa (CP, art. 288), se presentes pelo menos três pessoas e o fim específico de cometer crimes. Nessa linha, decidiu o Supremo Tribunal Federal no famoso caso do “mensalão”:

Não procede a alegação da defesa no sentido de que teria havido mero concurso de agentes para a prática, em tese, dos demais crimes narrados na denúncia (lavagem de dinheiro e, em alguns casos, corrupção passiva). Os fatos, como narrados pelo Procurador-Geral da República, demonstram a existência de uma associação prévia, consolidada ao longo tempo, reunindo os requisitos “estabilidade” e “finalidade voltada para a prática de crimes”, além da “união de desígnios” entre os acusados.5

31.4.4. Unidade de infração penal para todos os agentes

Estabelece o art. 29, caput, do Código Penal: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (grifamos).

Adotou-se, como regra, a teoria unitária, monística ou monista: quem concorre para um crime, por ele responde.6 Todos os coautores e partícipes se sujeitam a um único tipo penal: há um único crime com diversos agentes. Assim, se 10 (dez) pessoas, com unidade de desígnios, esfaqueiam alguém, tem-se um crime de homicídio, nada obstante existam 10 (dez) coautores.

A propósito, consta do item 25 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal:

O Código de 1940 rompeu a tradição originária do Código Criminal do Império, e adotou neste particular a teoria unitária ou monística do Código italiano como corolário da teoria da equivalência das causas.

Excepcionalmente, contudo, o Código Penal abre espaço para a teoria pluralista, pluralística, da cumplicidade do crime distinto ou autonomia da cumplicidade, pela qual se separam as condutas, com a criação de tipos penais diversos para os agentes que buscam um mesmo resultado. É o que se dá, por exemplo, nos seguintes crimes:

a)   aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante: ao terceiro executor imputa-se o crime tipificado no art. 126, enquanto para a gestante incide o crime previsto no art. 124, in fine;

b)   bigamia: quem já é casado pratica a conduta narrada no art. 235, caput, ao passo que aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, incide na figura típica prevista no § 1.º do citado dispositivo legal;

c)   corrupção passiva e ativa: o funcionário público pratica corrupção passiva (art. 317), e o particular, corrupção ativa (art. 333); e

d)   falso testemunho ou falsa perícia: testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete que faz afirmação falsa, nega ou cala a verdade em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral pratica o crime delineado pelo art. 342, caput, e quem dá, oferece ou promete dinheiro ou qualquer outra vantagem a tais pessoas, almejando aquela finalidade, incide no art. 343, caput.

Em sede doutrinária ainda despontam outras duas teorias: dualista e mista.

Para a teoria dualista, idealizada por Vicenzo Manzini, no caso de pluralidade de agentes e de condutas diversas, provocando um mesmo resultado, há dois crimes distintos: um para os coautores e outro para os partícipes.

Por fim, para a teoria mista, proposta por Francesco Carnelutti:

O delito concursal é uma soma de delitos singulares, cada um dos quais pode ser chamado delito em concurso. Entre o delito em concurso e o concursal há a mesma diferença que existe entre a parte e o todo. E o traço característico do primeiro reside em que ele não constitui uma entidade autônoma, mas elemento de um delito complexo que é o concursal.7

31.4.5. Existência de fato punível

O concurso de pessoas depende da punibilidade de um crime, a qual requer, em seu limite mínimo, o início da execução. Tal circunstância constitui o princípio da exterioridade.

Nessa linha de raciocínio, dispõe o art. 31 do Código Penal: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.

31.5. AUTORIA

31.5.1. Teorias

Existem diversas teorias que buscam fornecer o conceito de autor:

a) teoria subjetiva ou unitária: não diferencia o autor do partícipe. Autor é aquele que de qualquer modo contribuir para a produção de um resultado penalmente relevante.

Seu fundamento repousa na teoria da equivalência dos antecedentes ou conditio sine qua non, pois qualquer colaboração para o resultado, independente do seu grau, a ele deu causa. Essa teoria foi adotada pelo Código Penal, em sua redação primitiva datada de 1940.

Uma evidência dessa posição ainda existe no art. 349 do Código Penal, não alterado pela Lei 7.209/1984: “Prestar a criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime” (grifamos).

b) teoria extensiva: também se fundamenta na teoria da equivalência dos antecedentes, não distinguindo o autor do partícipe.

É, todavia, mais suave, porque admite causas de diminuição da pena para estabelecer diversos graus de autoria. Aparece nesse âmbito a figura do cúmplice: autor que concorre de modo menos importante para o resultado.

c) teoria objetiva ou dualista: opera nítida distinção entre autor e partícipe. Foi adotada pela Lei 7.209/1984 – Reforma da Parte Geral do Código Penal, como se extrai do item 25 da Exposição de Motivos:

Sem completo retorno à experiência passada, curva-se, contudo, o Projeto aos críticos desta teoria, ao optar, na parte final do art. 29, e em seus dois parágrafos, por regras precisas que distinguem a autoria da participação. Distinção, aliás, reclamada com eloquência pela doutrina, em face de decisões reconhecidamente injustas.

Essa teoria subdivide-se em outras três:

c.1) teoria objetivo-formal: autor é quem realiza o núcleo (“verbo”) do tipo penal, ou seja, a conduta criminosa descrita pelo preceito primário da norma incriminadora. Por sua vez, partícipe é quem de qualquer modo concorre para o crime, sem praticar o núcleo do tipo. Exemplo: quem efetua disparos de revólver em alguém, matando-o, é autor do crime de homicídio. Por sua vez, aquele que empresta a arma de fogo para essa finalidade é partícipe de tal crime.

Destarte, a atuação do partícipe seria impune (no exemplo fornecido, a conduta de auxiliar a matar não encontra correspondência imediata no crime de homicídio) se não existisse a norma de extensão pessoal prevista no art. 29, caput, do Código Penal. A adequação típica, na participação, é de subordinação mediata.

Nesse contexto, o autor intelectual, é dizer, aquele que planeja mentalmente a conduta criminosa, é partícipe, e não autor, eis que não executa o núcleo do tipo penal.

Essa teoria é a preferida pela doutrina nacional e tem o mérito de diferenciar precisamente a autoria da participação. Falha, todavia, ao deixar em aberto o instituto da autoria mediata.

Autoria mediata é a modalidade de autoria em que o autor realiza indiretamente o núcleo do tipo, valendo-se de pessoa sem culpabilidade ou que age sem dolo ou culpa.

c.2) teoria objetivo-material: autor é quem presta a contribuição objetiva mais importante para a produção do resultado, e não necessariamente aquele que realiza no núcleo do tipo penal. De seu turno, partícipe é quem concorre de forma menos relevante, ainda que mediante a realização do núcleo do tipo.

c.3) teoria do domínio do fato: criada em 1939, por Hans Welzel, com o propósito de ocupar posição intermediária entre as teorias objetiva e subjetiva. Para essa concepção, autor é quem possui controle sobre o domínio final do fato, domina finalisticamente o trâmite do crime e decide acerca da sua prática, suspensão, interrupção e condições. De fato, autor é aquele que tem a capacidade de fazer continuar e de impedir a conduta penalmente ilícita.8 Nas lições do pai do finalismo penal:

Senhor do fato é aquele que o realiza em forma final, em razão de sua decisão volitiva. A conformação do fato mediante a vontade de realização que dirige em forma planificada é o que transforma o autor em senhor do fato.9

A teoria do domínio do fato amplia o conceito de autor, definindo-o como aquele que tem o controle final do fato, apesar de não realizar o núcleo do tipo penal. Por corolário, o conceito de autor compreende:

a)   o autor propriamente dito: é aquele que pratica o núcleo do tipo penal;

b)   o autor intelectual: é aquele que planeja mentalmente a empreitada criminosa. É autor, e não partícipe, pois tem poderes para controlar a prática do fato punível. Exemplo: o líder de uma organização criminosa pode, do interior de um presídio, determinar a prática de um crime por seus seguidores. Se, e quando quiser, pode interromper a execução do delito, e retomá-la quando melhor lhe aprouver;

c)   o autor mediato: é aquele que se vale de um inculpável ou de pessoa que atua sem dolo ou culpa para cometer a conduta criminosa; e

d)   os coautores: a coautoria ocorre nas hipóteses em que o núcleo do tipo penal é realizado por dois ou mais agentes. Coautor, portanto, é aquele que age em colaboração recíproca e voluntária com o outro (ou os outros) para a realização da conduta principal (o verbo do tipo penal).

Essa teoria também admite a figura do partícipe.

Partícipe, no campo da teoria do domínio do fato, é quem de qualquer modo concorre para o crime, desde que não realize o núcleo do tipo penal nem possua o controle final do fato. Dentro de uma repartição estratificada de tarefas, o partícipe seria um simples concorrente acessório.

Em suma, o partícipe só possui o domínio da vontade da própria conduta, tratando-se de um “colaborador”, uma figura lateral, não tendo o domínio finalista do crime. O delito não lhe pertence: ele colabora no crime alheio.10

Em face de sua finalidade, a teoria do domínio do fato somente tem aplicação nos crimes dolosos.

Essa teoria não se encaixa no perfil dos crimes culposos, pois não se pode conceber o controle final de um fato não desejado pelo autor da conduta. Padece da mesma deficiência da teoria finalista da conduta, criticada por não se encaixar nesses delitos. Como destaca José Cerezo Mir:

Mas tropeça com dificuldades nos delitos imprudentes porque neles não se pode falar de domínio do fato, já que o resultado se produz de modo cego, causal, não finalista. Por este motivo, Welzel se viu obrigado a desdobrar o conceito de autor. Nos delitos imprudentes é autor todo aquele que contribui para a produção do resultado com uma conduta que não responde ao cuidado objetivamente devido. Nos delitos dolosos é autor quem tem o domínio finalístico do fato.11

31.5.2. Teoria adotada pelo Código Penal

O art. 29, caput, do Código Penal, acolheu a teoria restritiva, no prisma objetivo-formal.

Em verdade, diferencia autor e partícipe. Aquele é quem realiza o núcleo do tipo penal; este é quem de qualquer modo concorre para o crime, sem executar a conduta criminosa. A teoria deve, todavia, ser complementada pela teoria da autoria mediata.12

Contudo, é preciso destacar que no julgamento da Ação Penal 470 – o famoso caso do “mensalão” – alguns ministros do STF se filiaram à teoria do domínio do fato. Essa teoria também ganhou força com a edição da Lei 12.850/2013 – Lei do Crime Organizado, mais especificamente em seu art. 2.º, § 3.º: “A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução”.

31.6. PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS

O art. 29, caput, do Código Penal filiou-se à teoria unitária ou monista. Todos os que concorrem para um crime, por ele respondem. Há pluralidade de agentes e unidade de crime.

Assim sendo, todos os envolvidos em uma infração penal por ela são responsáveis. Exemplo: quatro indivíduos cometeram, em concurso, um crime de homicídio simples (CP, art. 121, caput). Sujeitar-se-ão às penas de 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão.

A identidade de crime, contudo, não importa automaticamente em identidade de penas. O art. 29, caput, do Código Penal curvou-se ao princípio da culpabilidade, ao empregar em sua parte final a expressão “na medida de sua culpabilidade”.

Nesses termos, as penas devem ser individualizadas no caso concreto, levando-se em conta o sistema trifásico delineado pelo art. 68 do Código Penal. Exemplificativamente, um reincidente e portador de péssimos antecedentes deve suportar uma reprimenda mais elevada do que a imposta a um réu primário e sem antecedentes criminais. Para o Supremo Tribunal Federal:

A circunstância judicial “culpabilidade”, disposta no art. 59 do CP, atende ao critério constitucional da individualização da pena. Com base nessa orientação, o Plenário indeferiu habeas corpus em que se pleiteava o afastamento da mencionada circunstância judicial. Consignou-se que a previsão do aludido dispositivo legal atinente à culpabilidade mostrar-se-ia afinada com o princípio maior da individualização, porquanto a análise judicial das circunstâncias pessoais do réu seria indispensável à adequação temporal da pena, em especial nos crimes perpetrados em concurso de pessoas, nos quais se exigiria que cada um respondesse, tão somente, na medida de sua culpabilidade (CP, art. 29). Afirmou-se que o dimensionamento desta, quando cotejada com as demais circunstâncias descritas no art. 59 do CP, revelaria ao magistrado o grau de censura pessoal do réu na prática do ato delitivo. Aduziu-se que, ao contrário do que sustentado, a ponderação acerca das circunstâncias judiciais do crime atenderia ao princípio da proporcionalidade e representaria verdadeira limitação da discricionariedade judicial na tarefa individualizadora da pena-base.13

Ademais, é importante destacar que um autor ou coautor não necessariamente deverá ser punido mais gravemente do que um partícipe. O fator decisivo para tanto é o caso concreto, levando-se em conta a culpabilidade de cada agente. Nesse sentido, um autor intelectual (partícipe) normalmente deve ser punido de forma mais severa do que o autor do delito, pois sem a sua vontade, sem a sua ideia o crime não ocorreria.

O próprio Código Penal revela filiar-se a esse entendimento, no tocante ao autor intelectual, ao dispor no art. 62, I: “A pena será ainda agravada em relação ao agente que promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”.

Em suma, o autor intelectual, além de responder pelo mesmo crime imputado ao autor, tem contra si, por mandamento legal, uma agravante genérica.

31.7. COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA

Também chamada de desvios subjetivos entre os agentes ou participação em crime menos grave, está descrita pelo art. 29, § 2.º, do Código Penal: “Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a 1/2 (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.

Esse dispositivo pode ser fracionado em duas partes:

1.ª parte: Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste.

Essa regra constitui-se em corolário lógico da teoria unitária ou monista adotada pelo art. 29, caput, do Código Penal. Destina-se, ainda, a afastar a responsabilidade objetiva no concurso de pessoas.

A interpretação a ser dada é a seguinte: dois ou mais agentes cometeram dois ou mais crimes. Em relação a algum deles – o mais grave –, entretanto, não estavam ligados pelo vínculo subjetivo, isto é, não tinham unidade de propósitos quanto à produção do resultado.

Vejamos um exemplo: “A” e “B” combinam a prática do furto de um automóvel que estava estacionado em via pública. Chegam ao local, e, quando tentavam abrir a porta do veículo, surge seu proprietário. “A” foge, mas “B”, que trazia consigo um revólver, circunstância que não havia comunicado ao seu comparsa, atira na vítima, matando-a. Nesse caso, “A” deve responder por tentativa de furto (CP, art. 155 c/c o art. 14, II), e “B” por latrocínio consumado (CP, art. 157, § 3.º, in fine).

Se um dos concorrentes quis participar de crime menos grave, diz a lei penal, é porque em relação a ele não há concurso de pessoas. O vínculo subjetivo existia somente no tocante ao crime menos grave.

Veda-se, destarte, a responsabilidade penal objetiva, pois não se permite a punição de um agente por crime praticado exclusivamente por outrem, frente ao qual não agiu com dolo ou culpa.

Finalmente, o Código Penal empregou a palavra “concorrente” de forma genérica, com o escopo de englobar tanto o autor como o partícipe, ou seja, a pessoa que de qualquer modo concorra para o crime.

2.ª parte: Essa pena será aumentada até a 1/2 (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Diz o Código Penal que o crime mais grave não pode ser imputado, em hipótese alguma, àquele que apenas quis participar de um crime menos grave. Esse mandamento legal deve ser interpretado em sintonia com o anterior.

Quando o crime mais grave não era previsível a algum dos concorrentes, ele responde somente pelo crime menos grave, sem qualquer majoração da pena. É o que ocorre no exemplo já mencionado.

Agora, ainda que fosse o crime mais grave previsível àquele que concorreu exclusivamente ao crime menos grave, subsistirá apenas em relação a este a responsabilidade penal. Por se tratar, contudo, de conduta mais reprovável, a pena do crime menos grave poderá ser aumentada até a 1/2 (metade).

Muita atenção: o agente continua a responder somente pelo crime menos grave, embora com a pena aumentada até a metade. A ele não pode ser imputado o crime mais grave, pois em relação a este delito não estava ligado com a terceira pessoa pelo vínculo subjetivo.

Imaginemos que, no exemplo indicado, “A” tivesse agido da mesma forma, isto é, queria cometer um furto e evadiu-se com a chegada da vítima. Era objetivamente previsível, contudo, o resultado mais grave (latrocínio), pois tinha ciência de que “B” andava armado com frequência e já tinha matado diversas pessoas. Se não concorreu para o resultado mais grave, pois não quis dele participar, responde pela tentativa de furto, com a pena aumentada da metade, em face da previsibilidade do latrocínio.

Essa previsibilidade deve ser aferida de acordo com o juízo do homem médio, ou seja, o resultado mais grave será previsível quando a sua visão prévia era possível a um ser humano dotado de prudência razoável e inteligência comum.

31.8. MODALIDADES DE CONCURSO DE PESSOAS: COAUTORIA E PARTICIPAÇÃO

31.8.1. Coautoria

É a forma de concurso de pessoas que ocorre quando o núcleo do tipo penal é executado por duas ou mais pessoas. Em síntese, há dois ou mais autores unidos entre si pela busca do mesmo resultado. Exemplo: “A” e “B”, portando armas de fogo, ingressam em um estabelecimento bancário, anunciam o assalto, e, de posse dos valores subtraídos, fogem do local. São coautores do crime tipificado pelo art. 157, § 2.º, I e II, do Código Penal.

A coautoria pode ser parcial ou direta.

Coautoria parcial, ou funcional, é aquela em que os diversos autores praticam atos de execução diversos, os quais, somados, produzem o resultado almejado. Exemplo: enquanto “A” segura a vítima, “B” a esfaqueia, produzindo a sua morte.

Por sua vez, na coautoria direta ou material todos os autores efetuam igual conduta criminosa. Exemplo: “A” e “B” efetuam disparos de arma de fogo contra “C”, matando-o.

31.8.1.1. Coautoria, crimes próprios e crimes de mão própria

Crimes próprios ou especiais são aqueles em que o tipo penal exige uma situação de fato ou de direito diferenciada por parte do sujeito ativo. Apenas quem reúne as condições especiais previstas na lei pode praticá-lo. É o caso do peculato (CP, art. 312), cujo sujeito ativo deve ser funcionário público, e também do infanticídio (CP, art. 123), que precisa ser praticado pela mãe, durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal.

Crimes de mão própria, de atuação pessoal ou de conduta infungível, de outro lado, são os que somente podem ser praticados pelo sujeito expressamente indicado pelo tipo penal. Pode-se apontar o exemplo do falso testemunho (CP, art. 342).

Os crimes próprios podem ser praticados em coautoria. É possível que duas ou mais pessoas dotadas das condições especiais reclamadas pela lei executem conjuntamente o núcleo do tipo. É o caso de dois funcionários públicos que, juntos, subtraem bens pertencentes à Administração Pública.

Mas não é só. Nada impede seja um crime próprio cometido por uma pessoa que preencha a situação fática ou jurídica exigida pela lei em concurso com terceira pessoa, sem essa qualidade. Exemplo: “A”, funcionário público, convida “B”, particular, para lhe ajudar a subtrair um computador que se encontra no gabinete da repartição pública em que trabalha. “B”, ciente da condição de funcionário público de “A”, ajuda-o a ingressar no local e a transportar o bem até a sua casa. Ambos respondem por peculato.

Essa conclusão se coaduna com a regra traçada pelo art. 30 do Código Penal: por ser a condição de funcionário público elementar do peculato, comunica-se a quem participa do crime, desde que dela tenha conhecimento.

Os crimes de mão própria, por sua vez, são incompatíveis com a coautoria.

Com efeito, podem ser praticados exclusivamente pela pessoa taxativamente indicada pelo tipo penal. Por corolário, ninguém mais pode com ela executar o núcleo do tipo. Em um falso testemunho proferido em ação penal, a título ilustrativo, o advogado ou membro do Ministério Público não têm como negar ou calar a verdade juntamente com a testemunha. Apenas ela poderá fazê-lo.

Existe somente uma exceção a esta regra, relativa ao crime de falsa perícia (CP, art. 342) praticado em concurso por dois ou mais peritos, contadores, tradutores ou intérpretes, como na hipótese em que dois peritos subscrevem dolosamente o mesmo laudo falso. Trata-se de crime de mão própria cometido em coautoria.14

31.8.1.2. O executor de reserva

Executor de reserva é o agente que acompanha, presencialmente, a execução da conduta típica, ficando à disposição, se necessário, para nela intervir. Se intervier, será tratado como coautor, e, em caso negativo, como partícipe. Exemplo: “A”, munido de uma faca, e “B”, com um revólver, aguardam em tocaia a passagem de “C”. Quando este passa pela emboscada, “A” parte em sua direção para matá-lo, enquanto “B”, de arma em punho, aguarda eventual e necessária atuação. Se agir, será coautor; se não, partícipe.

31.8.1.3. Coautoria sucessiva

É a espécie de coautoria que ocorre quando a conduta, iniciada em autoria única, se consuma com a colaboração de outra pessoa, com forças concentradas, mas sem prévio e determinado ajuste. Marcello Jardim Linhares apresenta o seguinte exemplo:

Se um dos agentes, em situação de imoderação dolosa, golpeou a vítima com socos e pontapés na cabeça, jogando-a ao chão, e mais adiante seu companheiro, também em estado de excesso doloso, atinge-a outra vez na cabeça com a coronha de uma espingarda, respondem ambos, em coautoria sucessiva, pelo resultado de lesões corporais graves.15

31.8.1.4. Coautoria em crimes omissivos

Esse assunto também não é pacífico. Há duas posições:

1.ª posição: É possível a coautoria em crimes omissivos, sejam eles próprios (ou puros), ou ainda impróprios (espúrios ou comissivos por omissão).

Para o aperfeiçoamento da coautoria basta que dois ou mais agentes, vinculados pela unidade de propósitos, prestem contribuições relevantes para a produção do resultado, realizando atos de execução previstos na lei penal. Filiam-se a essa corrente, dentre outros, Cezar Roberto Bitencourt16 e Guilherme de Souza Nucci, que exemplifica:

Duas pessoas podem, caminhando pela rua, deparar-se com outra, ferida, em busca de ajuda. Associadas, uma conhecendo a conduta da outra e até havendo incentivo recíproco, resolvem ir embora. São coautoras do crime de omissão de socorro (art. 135, CP).17

2.ª posição: Não se admite a coautoria em crimes omissivos, qualquer que seja a sua natureza.

De acordo com essa posição, a coautoria não é possível nos crimes omissivos, porque cada um dos sujeitos detém o seu dever de agir – imposto pela lei a todos, nos próprios, ou pertencente a pessoas determinadas (CP, art. 13, § 2.º), nos impróprios ou comissivos por omissão –, de modo individual, indivisível e indelegável. Nilo Batista defende com veemência esse entendimento:

O dever de atuar a que está adstrito o autor do delito omissivo é indecomponível. Por outro lado, como diz Bacigalupo, a falta de ação priva de sentido o pressuposto fundamental da coautoria, que é a divisão do trabalho; assim, no es concebible que alguien omita una parte mientras otros omiten el resto. Quando dois médicos omitem – ainda que de comum acordo – denunciar moléstia de notificação compulsória de que tiveram ciência (art. 269, CP), temos dois autores diretos individualmente consideráveis. A inexistência do acordo (que, de resto, não possui qualquer relevância típica) deslocaria para uma autoria colateral, sem alteração substancial na hipótese. No famoso exemplo de Kaufmann, dos cinquenta nadadores que assistem passivamente ao afogamento do menino, temos cinquenta autores diretos da omissão de socorro. A solução não se altera se se transferem os casos para a omissão imprópria: pai e mãe que deixam o pequeno filho morrer à míngua de alimentação são autores diretos do homicídio; a omissão de um não ‘completa’ a omissão do outro; o dever de assistência não é violado em 50% por cada qual.18

31.8.1.5. A autoria mediata

O Código Penal em vigor não disciplinou expressamente a autoria mediata. Cuida-se, assim, de construção doutrinária.

Trata-se da espécie de autoria em que alguém, o “sujeito de trás”19 se utiliza, para a execução da infração penal, de uma pessoa inculpável ou que atua sem dolo ou culpa. Há dois sujeitos nessa relação: (1) autor mediato: quem ordena a prática do crime; e (2) autor imediato: aquele que executa a conduta criminosa. Exemplo: “A”, desejando matar sua esposa, entrega uma arma de fogo municiada a “B”, criança de pouca idade, dizendo-lhe que, se apertar o gatilho na cabeça da mulher, esta lhe dará balas.

Quando se fala em pessoa sem culpabilidade, aí se insere qualquer um dos seus elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Ausente um deles, ausente a culpabilidade.

A pessoa que atua sem discernimento – seja por ausência de culpabilidade, seja pela falta de dolo ou culpa –, funciona como mero instrumento do crime. Inexiste vínculo subjetivo, requisito indispensável para a configuração do concurso de agentes. Não há, portanto, concurso de pessoas. Somente ao autor mediato pode ser atribuída a propriedade do crime.20 Em suma, o autor imediato não é punível. A infração penal deve ser imputada apenas ao autor mediato.

Nada impede, todavia, a coautoria mediata e participação na autoria mediata. Exemplos: “A” e “B” pedem a “C”, inimputável, que mate alguém (coautoria mediata), ou, então, “A” induz “B”, ambos imputáveis, a pedir a “C”, menor de idade, a morte de outra pessoa (participação na autoria mediata).

O Código Penal possui cinco situações em que pode ocorrer a autoria mediata:

a)   inimputabilidade penal do executor por menoridade penal, embriaguez ou doença mental (CP, art. 62, III);

b)   coação moral irresistível (CP, art. 22);

c)   obediência hierárquica (CP, art. 22);

d)   erro de tipo escusável, provocado por terceiro (CP, art. 20, § 2.º); e

e)   erro de proibição escusável, provocado por terceiro (CP, art. 21, caput).

E, além delas, outros casos podem ocorrer, nas hipóteses em que o agente atua sem dolo ou culpa, tais como na coação física irresistível, no sonambulismo e na hipnose.

31.8.1.5.1. Autoria mediata e crimes culposos

A autoria mediata é incompatível com os crimes culposos, por uma razão bastante simples: nesses crimes, o resultado naturalístico é involuntariamente produzido pelo agente.

Consequentemente, não se pode conceber a utilização de um inculpável ou de pessoa sem dolo ou culpa para funcionar como instrumento de um crime cujo resultado o agente não quer nem assume o risco de produzir.

É da essência da autoria mediata, portanto, a prática de um crime doloso.21

31.8.1.5.2. Autoria mediata, crimes próprios e de mão própria

Crimes próprios ou especiais são aqueles em que o tipo penal exige uma situação fática ou jurídica específica por parte do sujeito ativo. Somente quem reúne condições diferenciadas pode praticá-lo. É o caso do peculato (CP, art. 312), cujo sujeito ativo deve ser funcionário público, e também do infanticídio (CP, art. 123), que precisa ser praticado pela mãe.

Por outro lado, crimes de mão própria, de atuação pessoal ou de conduta infungível são aqueles que somente podem ser praticados pelo sujeito expressamente indicado pelo tipo penal. Pode-se apontar o exemplo do falso testemunho (CP, art. 342), que deve ser executado apenas pela testemunha.

Entende-se pela admissibilidade da autoria mediata nos crimes próprios, desde que o autor mediato detenha todas as qualidades ou condições pessoais reclamadas pelo tipo penal. Nesse sentido, um funcionário público pode se valer de um subalterno sem culpabilidade, em decorrência da obediência hierárquica, para praticar um peculato, subtraindo bens que se encontram sob a custódia da Administração Pública.

Todavia, prevalece o entendimento de que a autoria mediata é incompatível com os crimes de mão própria, porque a conduta somente pode ser praticada pela pessoa diretamente indicada pelo tipo penal. A infração penal não pode ter a sua execução delegada a outrem. No exemplo do falso testemunho, uma testemunha não poderia colocar terceira pessoa para negar a verdade em seu lugar.22

Essa regra, contudo, comporta exceções que podem surgir no caso concreto. Confira-se o raciocínio de Rogério Greco:

(...) imagine-se a hipótese em que a testemunha seja coagida, irresistivelmente, a prestar um depoimento falso para beneficiar o autor da coação. Nesse caso, de acordo com a norma constante do art. 22 do Código Penal, somente será punido o autor da coação, sendo este, portanto, um caso de autoria mediata.23

31.8.1.6. Autoria por determinação

É assim definida por Zaffaroni: “É autor por determinação o sujeito que determina outro ao fato, mas que conserva seu domínio, posto que se o perde, como no caso em que o determinado comete um delito, já não é autor, mas instigador”.24

Esse conceito foi mais precisamente definido pelo penalista argentino na obra publicada no Brasil em conjunto com José Henrique Pierangeli.

Zaffaroni e Pierangeli não admitem a figura da autoria mediata nos crimes próprios e de mão própria. E apresentam o seguinte exemplo para elucidar o instituto da autoria por determinação:

Por tratar-se de delicta propria, tampouco pode ser autor aquele que, sem ser funcionário, vale-se de um funcionário público para cometer um delito de corrupção passiva, quando o funcionário age em erro de tipo, porque crê que aquilo que lhe é entregue não tem valor econômico, por exemplo. Mas também não pode ser punido como instigador, porque o funcionário age atipicamente, e, portanto, falta o injusto de que a instigação deve ser acessória.

No caso acima narrado, as regras inerentes à autoria ou à participação implicariam na impunidade do particular. Os ilustres penalistas então questionam: O agente não concorre de qualquer modo para o delito?

Respondem afirmativamente, concluindo que o particular não é autor nem partícipe do delito, mas sim autor da determinação para o crime, e essa autoria de determinação é uma forma de concorrer para o crime.

Em seguida, encerram o raciocínio da seguinte maneira:

Deve ficar claro, que não se trata de autoria do delito, mas de um tipo especial de concorrência, em que o autor só pode ser apenado como autor da determinação em si, e não do delito a que tenha determinado. (...) o sujeito não é apenado como autor de corrupção passiva, mas como autor da determinação à corrupção passiva.25

Autor por determinação é, portanto, quem se vale de outro, que não realiza conduta punível, por ausência de dolo, em um crime de mão própria, ou ainda o sujeito que não reúne as condições legalmente exigidas para a prática de um crime próprio, quando se utiliza de quem possui tais qualidades e se comporta de forma atípica, ou acobertado por uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.

Deve ser imputado ao autor de determinação o resultado produzido, pois a ele de qualquer modo concorreu, em consonância com a regra prevista no art. 29, caput, do Código Penal.

31.8.1.7. Autoria de escritório

Cuida-se de categoria oriunda da doutrina alemã e intimamente relacionada com a teoria do domínio do fato, constituindo-se em autoria mediata particular ou autoria mediata especial.

Nessa linha de raciocínio, é autor de escritório o agente que transmite a ordem a ser executada por outro autor direto, dotado de culpabilidade e passível de ser substituído a qualquer momento por outra pessoa, no âmbito de uma organização ilícita de poder. Exemplo: o líder do PCC (Primeiro Comando da Capital), em São Paulo, ou do CV (Comando Vermelho), no Rio de Janeiro, dá as ordens a serem seguidas por seus comandados. É ele o autor de escritório, com poder hierárquico sobre seus “soldados” (essa modalidade de autoria também é muito comum nos grupos terroristas).

Assim se manifestam Zaffaroni e Pierangeli sobre a autoria de escritório:

Esta forma de autoria mediata pressupõe uma “máquina de poder”, que pode ocorrer tanto num Estado em que se rompeu com toda a legalidade, como numa organização paraestatal (um Estado dentro do Estado), ou como uma máquina de poder autônoma “mafiosa”, por exemplo. Não se trata de qualquer associação para delinquir, e sim de uma organização caracterizada pelo aparato de seu poder hierarquizado, e pela fungibilidade de seus membros (se a pessoa determinada não cumpre a ordem, outro a cumprirá; o próprio determinador faz parte da organização).26

31.8.1.8. A teoria do domínio da organização

Esta teoria é apresentada por Claus Roxin – e funciona como a base do conceito de autoria de escritório fornecido por Eugenio Raúl Zaffaroni – para solucionar as questões inerentes ao concurso de pessoas nas estruturas organizadas de poder, compreendidas como aparatos à margem da legalidade.

Nas organizações criminosas, não raras vezes é difícil punir os detentores do comando, situados no ápice da pirâmide hierárquica, pois tais pessoas não executam as condutas típicas. Ao contrário, utilizam-se de indivíduos dotados de culpabilidade para a prática dos crimes.

Nesse contexto, o penalista alemão tem como ponto de partida a teoria do domínio do fato, e amplia o alcance da autoria mediata, para legitimar a responsabilização do autor direto do crime, bem como do seu mandante, quando presente uma relação de subordinação entre eles, no âmbito de uma estrutura organizada de poder ilícito, situada às margens do Estado. São suas palavras:

Aqui se vai a tratar inicialmente de outra manifestação do domínio mediato do fato que até agora não tem sido nem sequer mencionada pela doutrina e pela jurisprudência: o domínio da vontade em virtude de estruturas organizadas de poder. Assim se alude às hipóteses em que o sujeito de trás (autor mediato)tem à sua disposição uma “indústria” de pessoas, e com cuja ajuda pode cometer seus crimes sem ter que delegar sua realização à decisão autônoma do executor. (...)

Cabe afirmar, pois, que quem é empregado em uma indústria organizada, em qualquer lugar, de uma maneira tal que pode impor ordens aos seus subordinados, é autor mediato em virtude do domínio da vontade que lhe corresponde, se utiliza suas competências para que se cometam delitos. É irrelevante se o faz por sua própria iniciativa ou no interesse de instâncias superiores, pois à sua autoria o ponto decisivo é a circunstância de que pode dirigir a parte da organização que lhe é conferida, sem ter que deixar a critério de outros indivíduos a realização do crime.27

31.8.2. Participação

É a modalidade de concurso de pessoas em que o sujeito não realiza diretamente o núcleo do tipo penal, mas de qualquer modo concorre para o crime. É, portanto, qualquer tipo de colaboração, desde que não relacionada à prática do verbo contido na descrição da conduta criminosa. Exemplo: é partícipe de um homicídio aquele que, ciente do propósito criminoso do autor, e disposto a com ele colaborar, empresta uma arma de fogo municiada para ser utilizada na execução do delito.

Portanto, a participação reclama dois requisitos: (1) propósito de colaborar para a conduta do autor (principal); e (2) colaboração efetiva, por meio de um comportamento acessório que concorra para a conduta principal.

31.8.2.1. Espécies

Inicialmente, a participação pode ser moral ou material.

Participação moral é aquela em que a conduta do agente restringe-se a induzir ou instigar terceira pessoa a cometer uma infração penal. Não há colaboração com meios materiais, mas apenas com ideias de natureza penalmente ilícitas.

Induzir é fazer surgir na mente de outrem a vontade criminosa, até então inexistente. Exemplo: “A” narra a “B” sua inimizade com “C”, criada em razão de uma rivalidade esportiva antiga. “B” o induz a matar seu desafeto, dizendo ser o único meio adequado para se livrar desse problema.

Instigar é reforçar a vontade criminosa que já existe na mente de outrem. No exemplo citado, “A” diz a “B” que deseja matar “C”, sendo por ele estimulado a prosseguir em seu intento.

O induzimento e a instigação devem ser relacionados à prática de crime determinado e direcionados a pessoa ou pessoas determinadas. Em suma, o partícipe deve criar ou reforçar, frente a um indivíduo determinado, o cometimento de uma infração penal também determinada.

Assim sendo, se alguém induzir ou instigar pessoas indeterminadas à realização de um crime, necessariamente determinado, não será tratado como partícipe, mas como autor de incitação ao crime, figura delineada pelo art. 286 do Código Penal.

Além disso, como o induzimento e a instigação se limitam ao aspecto moral da pessoa, normalmente ocorrem na fase da cogitação. Nada impede, entretanto, sejam efetivados durante os atos preparatórios. E, relativamente à instigação, é possível a sua verificação até mesmo durante a execução, principalmente para impedir a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. Exemplo: “A” atinge “B” em uma de suas pernas com um tiro. Para e reflete se prossegue ou não na execução do crime. Nesse instante, surge “C” para reforçar o propósito criminoso já existente, encorajando o autor a consumar o delito.

Frise-se ser o induzimento incompatível com os atos executórios. Com efeito, se o autor já iniciou a execução, é porque já tinha em mente a ideia criminosa.

Por sua vez, na participação material a conduta do sujeito consiste em prestar auxílio ao autor da infração penal.

Auxiliar consiste em facilitar, viabilizar materialmente a execução da infração penal, sem realizar a conduta descrita pelo núcleo do tipo. Exemplo: levar o autor ao local da emboscada com a finalidade de assegurar a prática de um crime de homicídio.

O auxílio pode ser efetuado durante os atos preparatórios ou executórios, mas nunca após a consumação, salvo se ajustado previamente.

O partícipe que presta auxílio é chamado de cúmplice.

Sobre as formas de participação, confira-se a posição lançada no Supremo Tribunal Federal pelo então Ministro Carlos Velloso no emblemático inquérito instaurado para apurar eventuais crimes em tese praticados por Fernando Collor de Mello, antigo Presidente da República:

Não vejo nos autos indícios de coautoria ou participação de Fernando Collor de Mello, nos fatos relatados no Inquérito. A sua participação, se tivesse ocorrido, ficaria, obviamente, no plano da participação intelectual. Para sujeitá-lo a processo ou inquérito necessária seria a existência de indícios de que tivesse, de qualquer modo, determinado, induzido, instigado, ajustado ou auxiliado a prática dos delitos apurados neste inquérito. Anota Hungria que: “Segundo distinção tradicional, a participação pode ser material ou psíquica (moral, intelectual), direta ou indireta (em relação à execução do crime). Participação material direta é a cooperação imediata no ato de execução (ainda que prestada apenas mediante presença encorajadora ou solidarizante, ou para o fim de simples vigilância preventiva contra possíveis contratempos). Aos partícipes, em tal caso, se chama executores ou cooperadores imediatos. Participação psíquica direta é a determinação ou instigação para a execução do crime, de que vem a incumbir-se, exclusivamente, o determinado ou instigado. Participação indireta é a que ocorre sem concurso à execução, posto que não represente, ainda que tacitamente, determinação ou instigação. A esta forma de participação dá-se o nome, em sentido estrito, de auxílio. O próprio Código, no seu art. 27, é o primeiro a referir-se, expressamente à determinação, instigação e auxílio (para declarar que são impuníveis no caso de delictum non secutum). Determinação é a influência no sentido de suscitar ou despertar em outrem a resolução criminosa. É indiferente o modo pelo qual se opere: mandato (remunerado ou gratuito, por influxo de relação de amizade ou ascendência moral, ou mediante sugestões ou ameaças, ou abuso de superioridade hierárquica)   ou artifícios de induzimento. Instigação é a influência no sentido de excitar ou reforçar em outrem uma preexistente resolução criminosa, de modo a eliminar os últimos escrúpulos ou hesitações (ex. prometer assistência a ser prestada após crime; chamar a brios o marido que ainda vacila em matar a esposa adúltera). Auxílio, finalmente, é a prestação de serviço, ministração de instrução ou fornecimento de meios para a execução do crime, mas sem participação direta ou imediata nesta. É claro que a determinação, a instigação ou o auxílio devem ter cunho de dolosidade. Não há participação culposa em crime doloso” (Comentários ao Código Penal Nelson Hungria, vol. I, tomo II, arts. 11 a 27, Forense, 4.ª edição, 1958, página 411/2). Ora, nada disso retratam os autos. Sem um mínimo de substrato de participação ou coautoria, não seria justa a sujeição de Fernando Collor a inquérito, no caso presente.28

31.8.2.2. Punição do partícipe: teorias da acessoriedade

A conduta do partícipe tem natureza acessória, pois não realiza o núcleo do tipo penal. Na visão do Superior Tribunal de Justiça: “A participação penalmente reprovável há de pressupor a existência de um crime, sem o qual descabe cogitar punir a conduta acessória”.29

Sem a conduta principal, praticada pelo autor, a atuação do partícipe, em regra, é irrelevante. Exemplificativamente, não há crime na simples conduta de mandar matar alguém, se a ordem não for cumprida pelo seu destinatário.

Nesses termos, a conduta acessória do partícipe somente adquire eficácia penal quando adere à conduta principal do autor. A adequação típica tem subordinação mediata, por força da norma de extensão pessoal prevista no art. 29, caput, do Código Penal.30

A acessoriedade da conduta do partícipe é consagrada pelo art. 31 do Código Penal: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado” (grifamos).

Para a punição do partícipe, portanto, deve ser iniciada a execução do crime pelo autor. Exige-se, pelo menos, a figura da tentativa.

Há diversas teorias acerca da acessoriedade, formuladas com base em seus graus:

a)   acessoriedade mínima: para a punibilidade da participação é suficiente tenha o autor praticado um fato típico. Exemplo: “A” contrata “B” para matar “C”. Depois do acerto, “B” caminha em via pública, e, gratuitamente, é atacado por “C”, vindo por esse motivo a matá-lo em legítima defesa. Para essa teoria, “A” deveria ser punido como partícipe.

Essa concepção deve ser afastada, por implicar na equivocada punição do partícipe quando o autor agiu acobertado por uma causa de exclusão da ilicitude, ou seja, quando não praticou uma infração penal.

b) acessoriedade limitada: é suficiente, para a punição do partícipe, tenha o autor praticado um fato típico e ilícito. Exemplo: “A” contrata “B”, inimputável, para matar “C”. O contratado cumpre sua missão. Estaria presente o concurso de pessoas, figurando “B” como autor e “A” como partícipe do homicídio.

É a posição preferida pela doutrina pátria. Não resolve, todavia, os problemas inerentes à autoria mediata. No exemplo, inexiste concurso entre “A” e “B” (inimputável), em face da ausência de vínculo subjetivo. Conforme explica Flávio Augusto Monteiro de Barros sobre a teoria da acessoriedade limitada:

Sua dificuldade é a compatibilização com a autoria mediata. Realmente, são incompatíveis. Na autoria mediata, a execução do crime é feita por pessoa que atua sem culpabilidade. Aquele que induziu, instigou ou auxiliou não é partícipe, e, sim, autor mediato. A teoria da acessoriedade limitada só tem cabimento entre os que repudiam a autoria mediata, considerando-a uma modalidade de participação.31

c) acessoriedade máxima ou extrema: reclama, para a punição do partícipe, tenha sido o fato típico e ilícito praticado por um agente culpável. Exemplo: “A” contrata “B”, imputável, para dar cabo à vida de “C”, o que vem a ser fielmente concretizado. “B” é autor do crime de homicídio, e “A”, partícipe.

Em sintonia com a posição sustentada por Beatriz Vargas Ramos:

O grau de acessoriedade da participação é, portanto, o grau máximo – é preciso que a conduta principal seja típica, ilícita e também culpável. Sempre que faltar um desses atributos na ação empreendida pelo agente imediato, desaparecerá a participação, surgindo a figura do autor mediato.32

d) hiperacessoriedade: para a punição do partícipe, é necessário que o autor, revestido de culpabilidade, pratique um fato típico e ilícito, e seja efetivamente punido no caso concreto. Destarte, se “A” contratou “B” para matar “C”, no que foi atendido, mas o executor, logo após o crime, suicidou-se, não há falar em participação, em decorrência da aplicação da causa de extinção da punibilidade contida no art. 107, I, do Código Penal.

Essa teoria faz exigência descabida, permitindo em diversas hipóteses a impunidade do partícipe, embora o autor, com ele vinculado pela unidade de elemento subjetivo, tenha praticado uma infração penal.

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31.8.2.2.1. Teoria adotada

O Código Penal não adotou expressamente nenhuma dessas teorias. De acordo com a sua sistemática, porém, devem ser afastadas a acessoriedade mínima e a hiperacessoriedade.

O intérprete deve optar entre a acessoriedade limitada e a acessoriedade máxima, dependendo do tratamento dispensado ao instituto da autoria mediata.

E vai aí um conselho: a doutrina nacional inclina-se pela acessoriedade limitada, normalmente esquecendo-se de confrontá-la com a autoria mediata. Todavia, em provas e concursos públicos a acessoriedade máxima afigura-se como a mais coerente, por ser a autoria mediata aceita de forma praticamente unânime entre os penalistas brasileiros.

31.8.2.3. Participação de menor importância

Estabelece o art. 29, § 1.º, do Código Penal: “Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de 1/6 (um)   sexto a 1/3 (um terço)”.

Cuida-se de causa de diminuição da pena. É aplicável, pois, na terceira fase da fixação da pena.

Em que pesem posições em contrário, trata-se de direito subjetivo do réu. Assim, se provada sua participação de menor importância, o magistrado deve diminuir a pena. Sua discricionariedade reserva-se apenas no que diz respeito ao montante da redução, dentro dos limites legais.

Participação de menor importância, ou mínima, é a de reduzida eficiência causal. Contribui para a produção do resultado, mas de forma menos decisiva, razão pela qual deve ser aferida exclusivamente no caso concreto. Nessa linha de raciocínio, o melhor critério para constatar a participação de menor importância é, uma vez mais, o da equivalência dos antecedentes ou conditio sine qua non.

Anote-se que a diminuição da pena se relaciona à participação, isto é, ao comportamento adotado pelo sujeito, e não à sua pessoa. Portanto, suas condições pessoais (primário ou reincidente, perigoso ou não)   não impedem a redução da reprimenda, se tiver contribuído minimamente para a produção do resultado.

Como a lei fala em “participação”, não é possível a diminuição da pena ao coautor. A propósito, não há como se conceber uma coautoria de menor importância, ou seja, a prática de atos de execução de pouca relevância. O coautor sempre tem papel decisivo no deslinde da infração penal.33 Consoante a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

Não se trata, no § 1.º, de “menos importante”, decorrente de simples comparação, mas, isto sim, de “menor importância” ou, como dizem, “apoucada relevância”. (Precedente do STJ). O motorista que, combinando a prática do roubo com arma de fogo contra caminhoneiro, leva os coautores ao local do delito e, ali, os aguarda para fazer as vezes de batedor ou, então, para auxiliar na eventual fuga, realiza com a sua conduta o quadro que, na dicção da doutrina hodierna, se denomina de coautoria funcional.34

Além disso, prevalece na doutrina o entendimento de que o dispositivo legal não se aplica ao autor intelectual, embora seja partícipe, pois, se arquitetou o crime, evidentemente a sua participação não se compreende como de menor importância.

Não se deve confundir participação de menor importância com participação inócua.

Participação inócua é aquela que em nada contribuiu para o resultado. É penalmente irrelevante, pois se não deu causa ao crime é porque a ele não concorreu. Exemplo: “A” empresta uma faca para “B” matar “C”. Precavido, contudo, “B” compra uma arma de fogo e, no dia do crime, sequer leva consigo a faca emprestada por “A”, cuja participação foi, assim, inócua.

31.8.2.4. Participação impunível

Preceitua o art. 31 do Código Penal: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.

A impunibilidade prevista no dispositivo legal não deve ser atribuída ao agente, mas ao fato. Cuida-se de causa de atipicidade da conduta do partícipe, e não de causa de isenção da pena.

Ajuste é o acordo traçado entre duas ou mais pessoas. Determinação é o que foi decidido por alguém, almejando uma finalidade específica. Instigação é o reforço para a realização de algo a que uma pessoa já estava determinada a fazer. E, por fim, auxílio é a colaboração material prestada a alguém para atingir um objetivo.

O ajuste, a determinação, a instigação e o auxílio devem se dirigir a pessoa ou pessoas determinadas, visando a prática de um crime ou de crimes também determinados.

Essa regra decorre do caráter acessório da participação: o comportamento do partícipe só adquire relevância penal se o autor (conduta principal)   iniciar a execução do crime (princípio da executividade da participação). E para fazê-lo, deve ingressar na esfera da tentativa, pois o art. 14, II, do Código Penal a ela condicionou a punição dos atos praticados pelo agente. Destarte, não é punível, exemplificativamente, o simples ato de contratar um pistoleiro profissional para matar alguém. A conduta do partícipe (encomendar a morte)   somente será punível se o contratado praticar atos de execução do homicídio, pois, caso contrário, estará configurado o quase crime.

Antes da Reforma da Parte Geral do Código Penal na Lei 7.209/1984 era prevista a aplicação de medida de segurança ao partícipe ligado ao quase crime. Atualmente, nenhuma sanção penal pode ser imposta. Acertou o legislador, por se tratar de causa de atipicidade do fato.

Destaca-se, porém, a locução “salvo disposição expressa em contrário”.

O Código Penal assim agiu para ressaltar que, em situações taxativamente previstas em lei, é possível a punição do ajuste, da determinação, da instigação e do auxílio como crime autônomo. Reclama, evidentemente, expressa previsão legal. É o que se dá nos delitos de incitação ao crime (CP, art. 286) e de associação criminosa (CP, art. 288).

Na associação criminosa, por exemplo, a lei tipificou de forma independente a conduta de associarem-se três ou mais pessoas para o fim específico de cometer crimes. Existe o delito com a associação estável e permanente, ainda que os agentes não venham efetivamente a praticar nenhum delito. E, não fosse a exceção apontada pelo art. 31 do Código Penal, seria vedado punir o ato associativo, enquanto não se praticasse um crime para o qual o agrupamento fora idealizado.

31.8.2.5. Participação por omissão

A participação por omissão é possível, desde que o omitente, além de poder agir no caso concreto, tivesse ainda o dever de agir para evitar o resultado, por se enquadrar em alguma das hipóteses delineadas pelo art. 13, § 2.º, do Código Penal. Exemplo: é partícipe do furto o policial militar que presencia a subtração de bens de uma pessoa e nada faz porque estava fumando um cigarro e não queria apagá-lo.

31.8.2.6. Conivência

Também chamada de participação negativa, crime silente, ou concurso absolutamente negativo, é a participação que ocorre nas situações em que o sujeito não está vinculado à conduta criminosa e não possui o dever de agir para impedir o resultado. Exemplo: um transeunte assiste ao roubo de uma pessoa desconhecida e nada faz. Não é partícipe.

Portanto, o mero conhecimento de um fato criminoso não confere ao indivíduo a posição de partícipe por força de sua omissão, salvo se presente o dever de agir para impedir a produção do resultado.

31.8.2.7. Participação sucessiva

A participação sucessiva é possível nos casos em que um mesmo sujeito é instigado, induzido ou auxiliado por duas ou mais pessoas, cada qual desconhecendo o comportamento alheio, para executar uma infração penal. Exemplo: “A” sugere a “B” a prática de um roubo para quitar suas dívidas bancárias. Depois de refletir sobre a ideia, e sem contar a sua origem, consulta “C”, o qual o estimula a assim agir. “B” pratica o roubo. “A” e “C” são partícipes do crime, pois para ele concorreram.

A participação sucessiva deve ter sido capaz de influir no propósito criminoso, pois, se a ideia já estava perfeitamente sedimentada na mente do agente, será inócua a participação posterior, impedindo a punição do seu responsável.

31.8.2.8. Participação em cadeia ou participação da participação

A participação em cadeia é possível e punível pelas regras estabelecidas pelo Código Penal.

Verifica-se nos casos em que alguém induz ou instiga uma pessoa, para que esta posteriormente induza, instigue ou auxilie outro indivíduo a cometer um crime determinado. Exemplo: “A” induz “B” a instigar “C” a emprestar uma arma de fogo (auxiliar)   a “D”, para que este mate “E”, devedor e desafeto de todos. “A”, “B” e “C” respondem pelo homicídio, na condição de partícipes, pois concorreram para o crime que teve “D” como seu autor.

31.8.2.9. Participação em ação alheia

Vimos que o partícipe deve, necessariamente, estar subjetivamente vinculado à conduta do autor. Exige-se a homogeneidade de elemento subjetivo, pois se todos os que concorrem para um crime por ele respondem, como decorrência da teoria unitária ou monista acolhida pelo art. 29, caput, do Código Penal, não se admite a participação culposa em crime doloso, nem a participação dolosa em crime culposo.

Mas é possível o envolvimento em ação alheia, de terceira pessoa, com elemento subjetivo distinto, quando a lei cria para a situação dois crimes diferentes, mas ligados um ao outro. Aquele que colabora culposamente para a conduta alheia responde por delito culposo, enquanto ao autor, que age com consciência e vontade, deve ser imputado um crime doloso. Repita-se, são dois crimes autônomos, embora dependentes entre si.

É o que ocorre em relação ao crime tipificado pelo art. 312, § 2.º, do Código Penal. Imaginemos que um funcionário público estadual, ao término de seu expediente, esqueça aberta a janela do seu gabinete. Aproveitando-se dessa facilidade, um particular que passava pela via pública ingressa na repartição pública e de lá subtrai um computador pertencente ao Estado. O funcionário público desidioso responde por peculato culposo, e o particular por furto.

Não há concurso de pessoas, em face da ausência do liame subjetivo.

31.9. CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNICÁVEIS: O ART. 30 DO CÓDIGO PENAL

Circunstâncias incomunicáveis são as que não se estendem, isto é, não se transmitem aos coautores ou partícipes de uma infração penal, pois se referem exclusivamente a determinado agente, incidindo apenas em relação a ele.

Nesse sentido, estabelece o art. 30 do Código Penal: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

A compreensão desse dispositivo depende, inicialmente, da diferenciação entre elementares e circunstâncias.

31.9.1. Distinção entre elementares e circunstâncias

Elementares são os dados fundamentais de uma conduta criminosa. São os fatores que integram a definição básica de uma infração penal. No homicídio simples (CP, art. 121, caput), por exemplo, as elementares são “matar” e “alguém”.

Circunstâncias, por sua vez, são os fatores que se agregam ao tipo fundamental, para o fim de aumentar ou diminuir a pena. Exemplificativamente, no homicídio, que tem como elementares “matar” e “alguém”, são circunstâncias o “relevante valor moral” (§ 1.º), o “motivo torpe” (§ 2.º, I)   e o “motivo fútil” (§ 2.º, II), dentre outras.

O critério que melhor possibilita a distinção é o da exclusão ou da eliminação.

Com efeito, excluindo-se uma elementar, o fato se torna atípico, ou então se opera a desclassificação para outra infração penal. Assim, é atípica, sem correspondência em um tipo penal, a conduta de “matar” um objeto, e não alguém. E tomando como ponto de partida um desacato (CP, art. 331), a eliminação da elementar funcionário público desclassifica a conduta para o crime de injúria (CP, art. 140).

Por outro lado, a exclusão de uma circunstância tem o condão de apenas aumentar ou diminuir a pena de uma infração penal. Não lhe altera a denominação jurídica, incidindo somente na quantidade da reprimenda a ser aplicada. O crime ou contravenção penal, contudo, são mantidos. Por exemplo, a eliminação do “motivo torpe” diminui a pena do homicídio, que de qualificado passa a ser simples, mas de qualquer modo subsiste o crime definido pelo art. 121 do Código Penal.

Em suma, as elementares compõem a definição da conduta típica, enquanto as circunstâncias são exteriores ao tipo fundamental, funcionando como qualificadoras ou causas de aumento ou de diminuição da pena.

31.9.2. Espécies de elementares e de circunstâncias

O art. 30 do Código Penal é claro: há elementares e circunstâncias de caráter pessoal, ou subjetivo. Consequentemente, também existem elementares e circunstâncias de caráter real, ou objetivo.

Subjetivas, ou de caráter pessoal, são as que se relacionam à pessoa do agente, e não ao fato por ele praticado. Exemplos: a condição de funcionário público, no peculato, é uma elementar de caráter pessoal (CP, art. 312). E os motivos do crime são circunstâncias de igual natureza no tocante ao homicídio (CP, art. 121, §§ 1.º e 2.º, I, II e V).

Objetivas, ou de caráter real, são as elementares e circunstâncias que dizem respeito ao fato, à infração penal cometida, e não ao agente. Exemplos: o emprego de violência contra a pessoa, no roubo, é uma elementar objetiva (CP, art. 157, caput), e desse naipe é também o meio cruel como circunstância para a execução do homicídio (CP, art. 121, § 2.º, III).

31.9.3. Condições de caráter pessoal

Paralelamente às elementares e circunstâncias, o art. 30 do Código Penal trata ainda das condições de caráter pessoal.

Condições pessoais são as qualidades, os aspectos subjetivos inerentes a determinado indivíduo, que o acompanham em qualquer situação, isto é, independem da prática da infração penal. É o caso da reincidência e da condição de menor de 21 anos.

31.9.4. As regras do art. 30 do Código Penal

Com base nos conceitos e espécies de elementares, circunstâncias e condições acima analisados, é possível extrair três regras do art. 30 do Código Penal:

1.ª As circunstâncias e condições de caráter pessoal, ou subjetivas, não se comunicam: pouco importa se tais dados ingressaram ou não na esfera de conhecimento dos demais agentes.

Exemplo: “A”, ao chegar à sua casa, constata que sua filha foi estuprada por “B”. Imbuído por motivo de relevante valor moral, contrata “C”, pistoleiro profissional, para matar o estuprador. O serviço é regularmente executado. Nesse caso, “A” responde por homicídio privilegiado (CP, art. 121, § 1.º), enquanto a “C” é imputado o crime de homicídio qualificado pelo motivo torpe (CP, art. 121, § 2.º, I).

O relevante valor moral é circunstância pessoal, exclusiva de “A”, e jamais se transfere a “C”, por mais que este não concorde com o estupro.

2.ª Comunicam-se as circunstâncias de caráter real, ou objetivas: é necessário, porém, que tenham ingressado na esfera de conhecimento dos demais agentes, para evitar a responsabilidade penal objetiva.

Exemplo: “A” contrata “B” para matar “C”, seu inimigo. “B” informa a “A” que fará uso de meio cruel, e este último concorda com essa circunstância. Ambos respondem pelo crime tipificado pelo art. 121, § 2.º, III, do Código Penal. Trata-se de circunstância objetiva que a todos se estende.

Se, todavia, “B” fizesse uso de meio cruel sem a ciência de “A”, somente a ele seria imputada a qualificadora, sob pena de caracterização da responsabilidade penal objetiva.

3.ª Comunicam-se as elementares, sejam objetivas ou subjetivas: mais uma vez, exige-se que as elementares tenham entrado no âmbito de conhecimento de todos os agentes, para afastar a responsabilidade penal objetiva.

Exemplo: “A”, funcionário público, convida “B”, seu amigo, para em concurso subtraírem um computador que se encontra na repartição pública em que trabalha, valendo-se das facilidades proporcionadas pelo seu cargo. Ambos respondem por peculato-furto ou peculato impróprio (CP, art. 312, § 1.º), pois a elementar “funcionário público” transmite-se a “B”.35

Entretanto, se “B” não conhecesse a condição funcional de “A”, responderia por furto, evitando a responsabilidade penal objetiva.

31.9.5. Elementares personalíssimas e a questão do estado puerperal no infanticídio

Nélson Hungria sustentou, após a entrada em vigor do Código Penal de 1940, a existência de elementares personalíssimas, que não se confundiam com as pessoais. Estas seriam transmissíveis, aquelas não. Em síntese, seriam fatores que, embora integrassem a descrição fundamental de uma infração penal, jamais se transmitiriam aos demais coautores ou partícipes. Confira-se:

Deve-se notar, porém, que a ressalva do art. 2636 não abrange as condições personalíssimas que informam os chamados delicta excepta. Importam elas um privilegium em favor da pessoa a quem concernem. São conceitualmente inextensíveis e impedem, quando haja cooperação com o beneficiário, a unidade do título do crime. Assim, a “influência do estado puerperal” no infanticídio e a causa honoris no crime do art. 134: embora elementares, não se comunicam aos cooperadores, que responderão pelo tipo comum do crime.37

Para ele, na hipótese em que o pai ou qualquer outra pessoa auxiliasse a mãe, abalada pelo estado puerperal, a matar o próprio filho, durante o parto ou logo após, não seria justo nem correto que o terceiro fosse beneficiado pelo crime de infanticídio, pois o puerpério não lhe atinge. Portanto, somente a mãe responderia pelo crime previsto no art. 123 do Código Penal, imputando-se ao terceiro, coautor ou partícipe, a figura do homicídio.38

Humilde, porém, Nélson Hungria posteriormente constatou seu equívoco e alterou o seu entendimento, levando em consideração a redação do Código Penal: “salvo quando elementares do crime”. Concluiu, então, que todos os terceiros que concorrem para um infanticídio por ele também respondem.39

Destarte, justa ou não a situação, a lei fala em elementares, e, seja qual for sua natureza, é necessário que se estendam a todos os coautores e partícipes. Essa é a posição atualmente pacífica, que somente será modificada com eventual alteração legislativa.

31.10. O EXCESSO NO MANDATO CRIMINAL

O mandato guarda íntima relação com a figura do autor intelectual, em que alguém (partícipe) delibera sobre a prática de uma infração penal e transmite a outrem (autor) a tarefa de executá-lo. Nesse contexto, pode ocorrer falta de coincidência entre a vontade do partícipe e o comportamento do autor.

O art. 19 do Código Penal de 1890 assim dispunha: “Aquelle que mandar, ou provocar alguem, a commeter crime, é responsável como autor: § 1.º Por qualquer outro crime que o executor commeter para executar o de que se encarregou; § 2.º Por qualquer outro crime que daquelle resultar”.40

Essa regra, que na prática permitia a responsabilidade penal objetiva, foi repelida pela sistemática em vigor. Atualmente, a questão deve ser solucionada com base nas regras inerentes à cooperação dolosamente distinta e à comunicabilidade das elementares e circunstâncias, desde que tenham ingressado na esfera de conhecimento de todos os agentes (CP, arts. 29, § 2.º, e 30).

31.11. QUESTÕES DIVERSAS

31.11.1. Autoria colateral

Também chamada de coautoria imprópria ou autoria aparelha, ocorre quando duas ou mais pessoas intervêm na execução de um crime, buscando igual resultado, embora cada uma delas ignore a conduta alheia. Exemplo: “A”, portando um revólver, e “B”, uma espingarda, escondem-se atrás de árvores, um do lado direito e outro do lado esquerdo de uma mesma rua. Quando “C”, inimigo de ambos, por ali passa, ambos os agentes contra ele efetuam disparos de armas de fogo. “C” morre, revelando o exame necroscópico terem sido os ferimentos letais produzidos pelos disparos originários da arma de “A”.

Não há concurso de pessoas, pois estava ausente o vínculo subjetivo entre “A” e “B”. Portanto, cada um dos agentes responde pelo crime a que deu causa: “A” por homicídio consumado, e “B” por tentativa de homicídio.

Se ficasse demonstrado que os tiros de “B” atingiram o corpo de “C” quando já estava morto, “A” responderia pelo homicídio, enquanto “B” ficaria impune, por força da caracterização do crime impossível (impropriedade absoluta do objeto – CP, art. 17).

31.11.2. Autoria incerta

Surge no campo da autoria colateral, quando mais de uma pessoa é indicada como autora do crime, mas não se apura com precisão qual foi a conduta que efetivamente produziu o resultado. Conhecem-se os possíveis autores, mas não se conclui, em juízo de certeza, qual comportamento deu causa ao resultado.

Suponha-se que “A” e “B” com armas de fogo e munições idênticas escondam-se atrás de árvores para eliminar a vida de “C”. Quando este passa pelo local, contra ele atiram, e “C” morre. O exame pericial aponta ferimentos produzidos por um único disparo de arma de fogo como causa mortis. Os demais tiros não atingiram a vítima, e o laudo não afirma categoricamente quem foi o autor do disparo fatal.

Há, no caso, dois crimes praticados por “A” e “B”: um homicídio consumado e uma tentativa de homicídio. Qual é a solução?

Como não se apurou quem produziu a morte, não se pode imputar o resultado naturalístico para “A” e “B”. Um deles matou, mas o outro não. E, como não há concurso de pessoas, ambos devem responder por tentativa de homicídio.

Com efeito, ambos praticaram atos de execução de um homicídio. Tentaram matar, mas somente um deles, incerto, o fez. Para eles será imputada a tentativa, pois a ela deram causa. Quanto a isso não há dúvida. E por não se saber quem de fato provocou a morte da vítima, não se pode responsabilizar qualquer deles pelo homicídio consumado, aplicando-se o princípio in dubio pro reo.

Há casos, todavia, que causam estranheza ainda maior.

Imagine-se que “João”, casado com “Maria”, seja amante de “Tereza”. Todas as manhãs, juntamente com a esposa, toma café em casa. Em seguida, antes de ingressar no trabalho, passa na residência da amante, que não sabe ser ele casado, para com ela também fazer o desjejum. Em determinado dia, a esposa e a amante descobrem sobre a existência de outra mulher na vida de “João”. Revoltadas, compram venenos para matá-lo. Na manhã seguinte, o adúltero bebe uma xícara de café, envenenado, em sua casa. Parte para a residência da amante, e também bebe uma xícara de café com veneno. Morre algumas horas depois. Realiza-se perícia, e o laudo conclui pela existência de duas substâncias no sangue de “João”: veneno de rato e talco. “Maria” e “Tereza”, orgulhosas, confessam ter colocado veneno no café do falecido traidor.

A situação é a seguinte: uma das mulheres praticou homicídio, e a outra, crime impossível por ineficácia absoluta do meio (CP, art. 17). As provas colhidas durante o inquérito policial não apontam qual foi a conduta de cada uma delas. O que deve fazer o representante do Ministério Público ao receber o inquérito policial relatado? Deve denunciá-las?

A única solução é o arquivamento do inquérito policial. Há um homicídio, o pobre “João” está morto, mas às vingativas mulheres aplica-se o crime impossível. Uma matou, mas a outra nada fez. Como não há concurso de pessoas, por ausência do vínculo subjetivo, ambas devem ser beneficiadas pela dúvida.

Em resumo, se no bojo de uma autoria incerta todos os envolvidos praticaram atos de execução, devem responder pela tentativa do crime. Mas, se um deles incidiu em crime impossível, a causa de atipicidade a todos se estende.

31.11.3. Autoria desconhecida

Cuida-se de instituto ligado ao processo penal, que ocorre quando um crime foi cometido, mas não se sabe quem foi seu autor. Exemplo: “A” foi vítima de furto, pois todos os bens de sua residência foram subtraídos enquanto viajava. Não há provas, todavia, do responsável pelo delito.

É nesse ponto que se diferencia da autoria incerta, de interesse do Direito Penal, pois nela conhecem-se os envolvidos em um crime, mas não se pode, com precisão, afirmar quem a ele realmente deu causa.

31.12. CONCURSO DE PESSOAS, CRIMES DE AUTORIA COLETIVA E DENÚNCIA GENÉRICA

A relação entre o concurso de pessoas e os crimes de autoria coletiva, especialmente quando praticados pelas multidões, ganha força a cada dia, pois este fenômeno encontra-se presente em diversos casos inerentes à vida moderna, tais como a violência comumente praticada pelas torcidas organizadas nos estádios de futebol, rebeliões em presídios e invasões de propriedades rurais por movimentos criados para esta finalidade.

Em situações deste nível o concurso de pessoas inexoravelmente se reveste de maior gravidade, pois o resultado criminoso, além de ser facilmente alcançado, assume maiores proporções, por ser a incitação à violência transmitida velozmente entre os indivíduos situados à sua volta. Como bem pontua René Ariel Dotti:

Fala-se então do fenômeno conhecido como a multidão criminosa que constitui uma espécie de alma nova dos movimentos de massa que em momentos de grande excitação anulam ou restringem sensivelmente o autocontrole e a capacidade individual de se governar segundo padrões éticos ou sociais.41

O Código Penal, atento a essas peculiaridades, cuidou de regular o assunto: quem provoca o tumulto tem a pena agravada, enquanto quem age sob o influxo da multidão, se não a iniciou, merece o abrandamento da punição.

Com efeito, dispôs em seu art. 65, III, “e”, que a pena será atenuada em relação ao agente que cometeu o crime sob a influência da multidão em tumulto, se não o provocou.

E, por outro lado, estabeleceu no art. 62, I, uma agravante genérica para o sujeito que promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes.

Mas a doutrina discorda sobre um ponto, qual seja, se a integração a uma multidão criminosa é, por si só, suficiente para demonstrar o vínculo subjetivo entre os agentes, caracterizando o concurso de pessoas.

Para Mirabete, todos respondem pelo resultado produzido.42 É também a posição de Cezar Roberto Bitencourt:

A prática coletiva de delito, nessas circunstâncias, apesar de ocorrer em situação normalmente traumática, não afasta a existência de vínculos psicológicos entre os integrantes da multidão, caracterizadores do concurso de pessoas. Nos crimes praticados por multidão delinquente é desnecessário que se descreva minuciosamente a participação de cada um dos intervenientes, sob pena de inviabilizar a aplicação da lei.43

Assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

Não é inepta a denúncia por crime de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha ou bando que, em vista de diversos agentes supostamente envolvidos, descreve os fatos de maneira genérica e sistematizada, mas com clareza suficiente que permitia compreender a conjuntura tida por delituosa e possibilite o exercício da ampla defesa.44

O Superior Tribunal de Justiça compartilha desse entendimento, com a ressalva da necessidade de demonstração mínima da colaboração de cada um dos agentes no tocante ao resultado:

Nos crimes societários, embora não se exija a descrição minuciosa e individualizada da conduta de cada acusado na denúncia, é imprescindível que haja uma demonstração mínima acerca da contribuição de cada acusado para o crime a eles imputado. Apesar de nos crimes societários a individualização da conduta ser mais difícil, deve a denúncia demonstrar de que forma os acusados concorreram para o fato delituoso, de modo a estabelecer um vínculo mínimo entre eles e o crime, não se admitindo imputação consubstanciada exclusivamente no fato de os acusados serem representantes legais da empresa. O STJ tem decidido ser inepta a denúncia que, mesmo em crimes societários e de autoria coletiva, atribui responsabilidade penal à pessoa física levando em consideração apenas a qualidade dela dentro da empresa, deixando de demonstrar o vínculo do acusado com a conduta delituosa, por configurar, além de ofensa à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio.45

De outro lado, sustenta Rogério Greco que os crimes multitudinários dependem, para a configuração do concurso de pessoas, da comprovação efetiva da contribuição causal de cada envolvido no tumulto. São suas palavras:

(...) somos da opinião de que nos crimes multitudinários não podemos presumir o vínculo psicológico entre os agentes. Tal liame deverá ser demonstrado no caso concreto, a fim de que todos possam responder pelo resultado advindo da soma das condutas.46

31.13. CONCURSO DE PESSOAS E CRIMES CULPOSOS

Crime culposo é o que se verifica quando o agente, deixando de observar o dever objetivo de cuidado, por imprudência, negligência ou imperícia, realiza voluntariamente uma conduta que produz um resultado naturalístico indesejado, não previsto nem querido, mas objetivamente previsível, e excepcionalmente previsto e querido, que podia, com a devida atenção, ter evitado.

Para facilitar o estudo do assunto é razoável abordar o cabimento do concurso de pessoas nessa categoria de delitos com amparo em suas duas modalidades: coautoria e participação.

31.13.1. Coautoria e crimes culposos

A doutrina nacional é tranquila ao admitir a coautoria em crimes culposos, quando duas ou mais pessoas, conjuntamente, agindo por imprudência, negligência ou imperícia, violam o dever objetivo de cuidado a todos imposto, produzindo um resultado naturalístico.

Imagine-se o exemplo em que dois indivíduos, em treinamento, efetuam disparos de arma de fogo em uma propriedade rural situada próxima a uma estrada de terra pouco movimentada. Atiram simultaneamente, atingindo um pedestre que passava pela via pública, o qual vem a morrer pelos ferimentos provocados pelas diversas munições. Há coautoria em um homicídio culposo.

Veja-se, a propósito, o clássico exemplo de E. Magalhães Noronha:

Suponha-se o caso de dois pedreiros que, numa construção, tomam uma trave e a atiram à rua, alcançando um transeunte. Não há falar em autor principal e secundário, em realização e instigação, em ação e auxílio, etc. Oficiais do mesmo ofício, incumbia-lhes aquela tarefa, só realizável pela conjugação das suas forças. Donde a ação única – apanhar e lançar o madeiro – e o resultado – lesões ou morte da vítima, também uno, foram praticados por duas pessoas, que uniram seus esforços e vontades, resultando assim coautoria. Para ambos houve vontade atuante e ausência de previsão.47

31.13.2. Participação e crimes culposos

Firmou-se a doutrina pátria no sentido de rejeitar a possibilidade de participação em crimes culposos.

Com efeito, o crime culposo é normalmente definido por um tipo penal aberto, e nele se encaixa todo o comportamento que viola o dever objetivo de cuidado. Por corolário, é autor todo aquele que, desrespeitando esse dever, contribui para a produção do resultado naturalístico. Nos ensinamentos de Damásio E. de Jesus:

Todo grau de causação a respeito do resultado típico produzido não dolosamente, mediante uma ação que não observa o cuidado requerido no âmbito de relação, fundamenta a autoria do respectivo delito culposo. Por essa razão, não existe diferença entre autores e partícipes nos crimes culposos. Toda classe de causação do resultado típico culposo é autoria.48

Frise-se, por oportuno, que a unidade de elemento subjetivo exigida para a caracterização do concurso de pessoas impede a participação dolosa em crime culposo. Na hipótese em que alguém, dolosamente, concorre para que outrem produza um resultado naturalístico culposo, há dois crimes: um doloso e outro culposo. Exemplo: “A”, com a intenção de matar “B”, convence “C” a acelerar seu carro em uma curva, pois sabe que naquele instante “B” por ali passará de bicicleta. O motorista atinge velocidade excessiva e atropela o ciclista, matando-o. “A” responde por homicídio doloso (CP, art. 121), e “C” por homicídio culposo na direção de veículo automotor (Lei 9.503/1997 – CTB, art. 302).

31.14. QUESTÕES

1.   (26.º PROCURADOR DA REPÚBLICA – MPF 2012) Quanto ao concurso de agentes, é correta a afirmação:

(A)   consoante a teoria objetivo-formal autor é aquele que realiza, totalmente, os atos descritos na norma incriminadora;

(B)   consoante a teoria objetivo-material autor è aquele que realiza a contribuição objetivamente mais importante para o resultado;

(c)   consoante a teoria concebida por Claus Roxin autor é aquele que detém o domínio do fato pelo critério exclusivo do domínio da vontade;

(D)   o Código Penal Brasileiro não è compatível com a teoria do domínio do fato.

2.   (MP/ES – CESPE/2010) A respeito do concurso de agentes em eventos delituosos, assinale a opção correta.

(A)   Considere que um guardavidas e um banhista, ambos podendo agir sem perigo pessoal, tenham presenciado o afogamento de uma pessoa na piscina do clube onde o guarda-vidas trabalha e não tenham prestado socorro a ela. Nesse caso, na hipótese de morte da vítima, os dois agentes devem responder pelo delito de omissão de socorro.

(B)   Com relação à autoria delitiva, a teoria extensiva considera que todos os participantes do evento delituoso são autores, não admitindo a existência de causas de diminuição de pena nem de diferentes graus de autoria, compatibilizando-se, apenas, com a figura do cúmplice (autor menos relevante), que deve receber pena idêntica à dos demais agentes.

(C)   Segundo o critério objetivo-formal da teoria restritiva, somente é considerado autor aquele que pratica o núcleo do tipo; partícipe é aquele que, sem realizar a conduta principal, concorre para o resultado, auxiliando, induzindo ou instigando o autor.

(D)   No ordenamento jurídico brasileiro, apenas o homem pode ser autor do delito de estupro; a mulher pode apenas ser partícipe de tal crime, uma vez que, biologicamente, não pode ter conjunção carnal com outra mulher.

(E)   Em relação à natureza jurídica do concurso de agentes, o CP adotou a teoria unitária ou monista, segundo a qual cada um dos agentes (autor e partícipe)   responde por um delito próprio, havendo pluralidade de fatos típicos, de modo que cada agente deve responder por um crime diferente.

3.   (IV Defensoria Pública/MT – FCC/2009) A respeito do concurso de pessoas, é correto afirmar que

(A)   é necessário o ajuste prévio no concurso de pessoas.

(B)   o Direito Penal brasileiro adotou a teoria unitária.

(C)   o concurso de agentes pode verificar-se após a consumação do delito.

(D)   pode ocorrer coautoria sem vínculo subjetivo entre os coautores.

(E)   é necessária a presença no local do comparsa para a configuração do concurso de agentes.

4.   (Defensoria Pública/MA – FCC/2009) Os requisitos para a ocorrência do concurso de pessoas no cometimento de crime são:

(A)   pluralidade de comportamentos, nexo de causalidade entre o comportamento do partícipe e o resultado do crime e vínculo objetivo-subjetivo entre autor e partícipe.

(B)   presença física de autor e partícipe, nexo de causalidade entre o comportamento do coautor e o resultado do crime; vínculo subjetivo entre autor e partícipe e identidade do crime.

(C)   presença física de autor e partícipe, pluralidade de comportamentos, nexo de causalidade entre o comportamento do partícipe e o resultado do crime; vínculo subjetivo entre autor e partícipe e identidade do crime.

(D)   pluralidade de comportamentos, nexo de causalidade entre o comportamento do partícipe e o resultado do crime; vínculo objetivo entre autor e partícipe e identidade do crime.

(E)   pluralidade de comportamentos, nexo de causalidade entre o comportamento do partícipe e o resultado do crime; vínculo subjetivo entre autor e partícipe e identidade do crime.

5.   (Magistratura/RS – 2009) Considere as assertivas abaixo sobre concurso de agentes.

I – Quando um dos concorrentes quis participar de crime menos grave, a pena é diminuída até a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave, não podendo, porém, ser inferior ao mínimo da cominada ao crime cometido.

II – Quando o agente, no cometimento de um crime, ostentar atuação que o identifique como líder dentre os demais participantes, sua pena deverá ser agravada de um sexto a um terço.

III – Quando a participação do agente no cometimento de um crime for de menor importância, a pena poderá ser reduzida de um sexto a um terço.

Quais são corretas?

(A)   Apenas I

(B)   Apenas II

(C)   Apenas III

(D)   Apenas I e II

(E)   I, II e III

6.   (Magistratura/RS – 2009) Considere as assertivas abaixo sobre concurso de pessoas.

I – Na doutrina nacional, os crimes funcionais próprios constituem infrações penais em que a qualidade de funcionário público do agente é elementar do tipo legal de delito, assim como ocorre na concussão ou na corrupção passiva.

II – Os crimes funcionais impróprios são identificáveis porque o fato punível é incriminado, mesmo quando não praticado por funcionário público, como acontece com o delito de peculato.

III – Sabendo-se que não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime, segue-se que o particular que se beneficia do desvio de rendas públicas praticado pelo Prefeito Municipal não responde pelo crime de peculato definido no Decreto-Lei n.º 201/1967, mas sim por peculato previsto no Código Penal.

Quais são corretas?

(A)   Apenas I

(B)   Apenas II

(C)   Apenas III

(D)   Apenas I e II

(E)   I, II e III

7.   (Defensor Público/DPE-AM – FCC/2013) Se alguém instiga outrem a surrar inimigo comum, mas o instigado se excede e mata a vítima, é correto afirmar que:

(A)   a conduta do partícipe é atípica.

(B)   o partícipe poderá responder por lesão corporal, sem qualquer aumento de pena, se não podia prever o resultado morte.

(C)   o partícipe poderá responder por homicídio doloso, mas fará jus, necessariamente, ao reconhecimento da participação de menor importância.

(D)   o partícipe poderá responder por lesão corporal, com a pena aumentada até um terço, se previsível o resultado letal.

(E)   o partícipe não poderá responder por homicídio doloso, mesmo que tenha assumido o risco do resultado morte.

8.   (Delegado de Polícia/PC-GO – UEG/2013) Sobre o concurso de pessoas, tem-se o seguinte:

(A)   pela teoria do favorecimento da participação, a punibilidade do partícipe depende da culpabilidade do autor.

(B)   pelo conceito extensivo, autor é quem executa a ação típica, não havendo diferença entre autoria e participação.

(C)   pela cooperação dolosamente distinta, ocorre uma divergência entre o elemento subjetivo do partícipe e a conduta realizada pelo autor.

(D)   pela teoria objetivo-formal, autor é causa do delito, enquanto partícipe é condição.

9.   (Magistratura PE – FCC/2011) Nos chamados crimes de mão própria, é

(A)   incabível o concurso de pessoas.

(B)   admissível apenas a participação.

(C)   admissível a coautoria e a participação material.

(D)   incabível a participação moral.

(E)   admissível apenas a coautoria.

10. (MP/SE – CESPE/2010) Marcelo, Rubens e Flávia planejaram praticar um crime de roubo. Marcelo forneceu a arma e Rubens ficou responsável por transportar em seu veículo os corréus ao local do crime e dar-lhes fuga. À Flávia coube a tarefa de atrair e conduzir a vítima ao local ermo onde foi praticado o crime. Nessa situação hipotética, conforme entendimento do STJ, Rubens

(A)   foi partícipe e não coautor do crime de roubo, considerando que não executou o núcleo do tipo.

(B)   foi coautor do crime, mas sua atuação foi de somenos importância, donde fazer jus às benesses legais respectivas.

(C)   não responderá pelo crime de roubo, mas somente por favorecimento pessoal.

(D)   foi partícipe do crime, pois não possuía o controle da conduta, conforme a teoria do domínio do fato, adotada pelo CP.

(E)   foi coautor funcional ou parcial do crime, não sendo a sua participação de somenos importância.

11. (PROCURADOR DO MP JUNTO AO TCE/SP – FCC/2011) Em matéria de concurso de pessoas, é correto afirmar que

(A)   coautores são aqueles que, atuando de forma idêntica, executam o comportamento que a lei define como crime.

(B)   partícipe é aquele que, também praticando a conduta que a lei define como crime, contribui, de qualquer modo, para a sua realização.

(C)   é possível a coautoria nos crimes de mão própria.

(D)   é admissível a coautoria nos crimes próprios, desde que o terceiro conheça a especial condição do autor.

(E)   é inadmissível a participação nos crimes omissivos próprios.

GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.

Acesse o portal de material complementar do GEN – o GEN-io – para ter acesso a diversas questões de concurso público sobre este assunto: <http://gen-io.grupogen.com.br>.

______________

1   FERRAZ, Esther de Figueiredo. A codelinquência no direito penal brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 18-19.

2   MANZINI, Vicenzo. Instituzoni di diritto penale italiano (parte generale). Padova: Cedam, 1946. v. I, p. 148.

3   No entanto, uma vez demonstrada a efetiva colaboração no caso concreto, não se reclama a identifica-ção de todos os envolvidos na empreitada criminosa (STJ: HC 197.501/SP, rel. Min. Og Fernandes, 6.ª Turma, j. 10.05.2011, noticiado no Informativo 472). Exemplo: A vítima da tentativa de homicídio afirma que dois homens, de comum acordo, efetuaram disparos de arma de fogo em sua direção, para matá-la, mas somente reconhece um deles. Está caracterizado o concurso de pessoas.

4   FERRAZ, Esther de Figueiredo. A codelinquência no direito penal brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 25.

5   Inq. 2.245/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, j. 28.08.2007. É também o entendimento do STJ: STJ: HC 85.883/SP, rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 07.02.2008.

6   STF: HC 104.314/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, j. 16.11.2010, noticiado no Informativo 609; e HC 97.652/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2.a Turma, j. 04.08.2009, noticiado no Informativo 554.

7   Apud FERRAZ, Esther de Figueiredo. A codelinquência no direito penal brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 31.

8   ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. 7. ed. Madrid: Marcial Pons, 1999. p. 342.

9   WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Tradução de Juan Busto Ramirez e Sergio Yañes Peréz. San-tiago: Editorial Jurídica del Chile, 1987. p. 120.

10   JESUS, Damásio E. de. Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 26.

11   CEREZO MIR, José. Derecho penal – Parte geral. São Paulo: RT, 2007. p. 1.080.

12   No Brasil, em 1940, quando foi elaborado o Código Penal, e mesmo no ano de 1984, na ocasião em que a Parte Geral foi reformada pela Lei 7.209/1984, sequer se falava na teoria do domínio do fato. Esse assunto, na verdade, era praticamente desconhecido pela nossa doutrina e pela nossa jurisprudência.

13   HC 105.674/RS, rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, j. 17.10.2013, noticiado no Informativo 724.

14   Para a teoria do domínio do fato, os crimes de mão própria admitem a coautoria: o sujeito pode ser autor do delito sem realizar o núcleo do tipo. Basta que tenha o controle final do fato.

15   LINHARES, Marcello Jardim. Coautoria. Rio de Janeiro: Aide, 1987. p. 104.

16   BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1, p. 426.

17   NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 275.

18   BATISTA, Nilo. Concurso de agentes: uma investigação sobre os problemas da autoria e da participação no direito penal brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 65.

19   SILVA, Germano Marques da. Direito penal português – Parte geral. Lisboa: Verbo, 1998. v. II, p. 285.

20   MIR PUIG, Santiago. Derecho penal. Parte general. 5. ed. Barcelona: Reppertor, 1998. p. 401.

21   Nesse sentido: WESSELS, Johannes. Derecho penal – Parte general. Buenos Aires: Depalma, 1980. p. 159.

22   É a posição do Superior Tribunal de Justiça: REsp 761.354/PR, rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 19.09.2006, e REsp 200.785/SP, rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 29.06.2000.

23   GRECO, Rogério. Curso de direito penal – Parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 442.

24   ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 780.

25   ZAFFARONI, E. Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. v. 1, p. 579-581.

26   ZAFFARONI, E. Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. v. 1, p. 582-583.

27   ROXIN, Claus. Autoria y dominio del hecho em derecho penal. 7. ed. Madrid: Marcial Pons, 1999. p. 270 e 275-276. Convém recordar o teor do art. 2.º, § 3.º, da Lei 12.850/2013 – Lei do Crime Organizado: “A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução”.

28   Inq. 1.195/DF, Min. Carlos Velloso (decisão monocrática), j. 16.10.1998.

29   HC 129.078/SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5.49 Turma, j. 25.08.2009, noticiado no Informativo 404.

30   Por esse motivo, o art. 29, caput, do Código Penal deve ser inserido no pedido de uma denúncia ou de uma queixa-crime exclusivamente nos casos de participação. Exemplo: homicídio qualificado pelo motivo torpe executado por um pistoleiro profissional a mando de outrem: art. 121, § 2.°, I, c/c o art. 29, caput, do Código Penal. Em se tratando de coautoria, todos os agentes praticam o núcleo do tipo. No caso do homicídio, por exemplo, todos “matam”, dispensando a incidência da norma de extensão pessoal.

31   BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal. Parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 420.

32   RAMOS, Beatriz Vargas. Do concurso de pessoas. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 42.

33   STF: HC 72.893/SP, rel. Min. Sydney Sanches, 1.ª Turma, j. 24.10.1995.

34   HC 20.819/MS, rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 02.05.2002.

35   No mesmo sentido a posição do STF: AI 580.565/MG, Min. Cezar Peluso (decisão monocrática), j. 05.06.2006, e também do STJ: REsp 738.550/ES, rel. Min. Gilson Dipp, 5.ª Turma, j. 14.11.2006.

36   Atual art. 30, após a reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei 7.209/1984.

37   HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. v. I, p. 574.

38   Essa posição foi à época seguida por diversos autores, destacando-se Aníbal Bruno, Bento de Faria, Heleno Cláudio Fragoso e Vicente Sabino.

39   HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 5, p. 226.

40   GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 4. ed. 37. tir. São Paulo: Max Limonad, 1975. t. I, v. I, p. 370.

41   DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 363.

42   MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte Geral. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 1, p. 242.

43   BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1, p. 428.

44   Inq 2.471/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, j. 29.09.2011.

45   STJ: HC 218.594/MG, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6.ª Turma, j. 11.12.2012, noticiado no Informativo 514. E também: HC 214.861/SC, rel. Min. Laurita Vaz, 5.ª Turma, j. 28.02.2012, noticiado no Informativo 492.

46   GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 472.

47   NORONHA, E. Magalhães. Do crime culposo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1966. p. 103.

48   JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. 2.ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 422.