Sumário: 32.1. Sanção Penal – 32.2. Conceito – 32.3. Princípios – 32.4. Teorias e finalidades: 32.4.1. Teoria absoluta e finalidade retributiva; 32.4.2. Teoria relativa e finalidades preventivas; 32.4.3. Teoria mista ou unificadora e dupla finalidade: retribuição e prevenção – 32.5. Função social da pena – 32.6. Fundamentos da pena – 32.7. Cominação das penas – 32.8. Classificação das penas: 32.8.1. Quanto ao bem jurídico do condenado atingido pela pena; 32.8.2. Quanto ao critério constitucional; 32.8.3. Quanto ao critério adotado pelo Código Penal – 32.9. Abolicionismo penal – 32.10. Justiça restaurativa – 32.11. Teoria das janelas quebradas (“broken windows theory”) – 32.12. Questões.
Sanção penal é a resposta estatal, no exercício do ius puniendi e após o devido processo legal, ao responsável pela prática de um crime ou de uma contravenção penal. Divide-se em duas espécies: penas e medidas de segurança.
As penas têm como pressuposto a culpabilidade. Com efeito, crime é o fato típico e ilícito, e a culpabilidade funciona como pressuposto de aplicação da pena. Destinam-se aos imputáveis e aos semi-imputáveis sem periculosidade.
Já as medidas de segurança têm como pressuposto a periculosidade, e dirigem-se aos inimputáveis e aos semi-imputáveis dotados de periculosidade, pois necessitam, no lugar da punição, de especial tratamento curativo.
Destarte, o Direito Penal é um sistema de dupla via, pois admite as penas (1.ª via) e as medidas de segurança (2.ª via) como respostas estatais aos violares das suas regras.1
Fala-se também na terceira via do Direito Penal, consubstanciada nas situações em que, embora tenha sido cometida uma infração penal, não se impõe pena ou medida de segurança, pois a punibilidade estatal cede espaço à reparação do dano causado à vítima, a exemplo do que se verifica na composição dos danos civis nos crimes de menor potencial ofensivo de ação penal privada e de ação pública incondicionada, na forma delineada pelo art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/1995.
Pena é a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido na lei como crime.
Como reação contra o crime, isto é, contra uma grave transgressão das normas de convivência, ela aparece com os primeiros agregados humanos. Violenta e impulsiva nos primeiros tempos, exprimindo o sentimento natural de vingança do ofendido ou a revolta de toda a comunidade social, ela se vai disciplinando com o progresso da cultura, abandonando os seus apoios extrajurídicos e tomando o sentido de uma instituição de Direito posta nas mãos do poder público para a manutenção da ordem e segurança social.2
Destarte, pena é a espécie de sanção penal consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado em decorrência do cometimento de uma infração penal, com as finalidades de castigar seu responsável, readaptá-lo ao convívio em comunidade e, mediante a intimidação endereçada à sociedade, evitar a prática de novos crimes ou contravenções penais.
O bem jurídico de que o condenado pode ser privado ou sofrer limitação varia: liberdade (pena privativa de liberdade), patrimônio (multa, prestação pecuniária e perda de bens e valores), vida (pena de morte, na excepcional hipótese prevista no art. 5.º, XLVII, “a”, da CF) ou outro direito qualquer, em conformidade com a legislação em vigor (penas restritivas de direitos).
Aplicam-se às penas os seguintes princípios:
a) Princípio da reserva legal ou da estrita legalidade: emana do brocardo nulla poena sine lege, ou seja, somente a lei pode cominar a pena. Foi previsto como cláusula pétrea no art. 5.º, XXXIX, da Constituição Federal, e também encontra amparo no art. 1.º do Código Penal.
b) Princípio da anterioridade: a lei que comina a pena deve ser anterior ao fato que se pretende punir. Não basta, assim, o nulla poena sine lege. Exige-se um reforço, a lei deve ser prévia ao fato praticado: nulla poena sine praevia lege (CF, art. 5.º, XXXIX, e CP, art. 1.º).
c) Princípio da personalidade, intransmissibilidade, intranscendência ou responsabilidade pessoal: a pena não pode, em hipótese alguma, ultrapassar a pessoa do condenado (CF, art. 5.º, XLV). É vedado alcançar, portanto, familiares do acusado ou pessoas alheias à infração penal. Em síntese, esse postulado impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator.3 É possível, porém, que a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens, compreendidos como efeitos da condenação, sejam, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido (CF, art. 5.º, XLV). A pena de multa não poderá ser cobrada dos sucessores do condenado.
d) Princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade: esse princípio é consectário lógico da reserva legal, e sustenta que a pena, se presentes os requisitos necessários para a condenação, não pode deixar de ser aplicada e integralmente cumprida. É, contudo, mitigado por alguns institutos penais, dos quais são exemplos a prescrição, o perdão judicial, o sursis, o livramento condicional etc.
e) Princípio da intervenção mínima: a pena é legítima unicamente nos casos estritamente necessários para a tutela de um bem jurídico penalmente reconhecido. Dele resultam dois outros princípios: fragmentariedade ou caráter fragmentário do Direito Penal e subsidiariedade (ver Capítulo 2, itens 2.2.8, 2.2.9 e 2.2.10).
f) Princípio da humanidade ou humanização das penas: a pena deve respeitar os direitos fundamentais do condenado enquanto ser humano. Não pode, assim, violar a sua integridade física ou moral (CF, art. 5.º, XLIX). Da mesma forma, o Estado não pode dispensar nenhum tipo de tratamento cruel, desumano ou degradante ao preso. Com esse propósito, o art. 5.º, XLVII, da Constituição Federal proíbe as penas de morte, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, bem como a prisão perpétua.
g) Princípio da proporcionalidade: a resposta penal deve ser justa e suficiente para cumprir o papel de reprovação do ilícito,4 bem como para prevenir novas infrações penais. Concretiza-se na atividade legislativa, funcionando como barreira ao legislador, e também ao magistrado, orientando-o na dosimetria da pena. De fato, tanto na cominação como na aplicação da pena deve existir correspondência entre o ilícito cometido e o grau da sanção penal imposta, levando-se ainda em conta o aspecto subjetivo do condenado (CF, art. 5.º, XLVI).
h) Princípio da individualização: foi inicialmente previsto pelo Código Criminal do Império de 1830. A individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que coautores ou mesmo corréu. Sua finalidade e importância residem na fuga da padronização da pena, da “mecanizada” ou “computadorizada” aplicação da sanção penal, que prescinda da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena preestabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem dúvida, injusto.5
Esse princípio, que foi expressamente indicado pelo art. 5.º, XLVI, da Constituição Federal, repousa no ideal de justiça segundo o qual se deve distribuir, a cada indivíduo, o que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas do seu comportamento – o que em matéria penal significa a aplicação da pena levando em conta não a norma penal em abstrato, mas, especialmente, os aspectos subjetivos e objetivos do crime.6
Na célebre definição de Nélson Hungria:
A fórmula unitária foi assim fixada: retribuir o mal concreto do crime com o mal concreto da pena, na concreta personalidade do criminoso. Ao ser cominada in abstracto, a pena é individualizada objetivamente; mas, ao ser aplicada in concreto, não prescinde da sua individualização subjetiva. Após a individualização convencional da lei, a individualização experimental do juiz, ao mesmo tempo objetiva e subjetiva. É conservada a prefixação de minima e maxima especiais; mas, suprimida a escala legal de graus intermédios, o juiz pode mover-se livremente entre aqueles, para realizar a “justiça do caso concreto”.7
Desenvolve-se em três planos: legislativo, judicial e administrativo.
No prisma legislativo, o princípio é respeitado quando o legislador descreve o tipo penal e estabelece as sanções adequadas, indicando precisamente os seus limites, mínimo e máximo, e também as circunstâncias aptas a aumentar ou diminuir as reprimendas cabíveis.
A individualização judicial complementa a legislativa, pois esta não pode ser extremamente detalhista, nem é capaz de prever todas as situações da vida concreta que possam aumentar ou diminuir a sanção penal. É efetivada pelo juiz quando aplica a pena utilizando-se de todos os instrumentais fornecidos pelos autos da ação penal, em obediência ao sistema trifásico delineado pelo art. 68 do Código Penal (pena privativa de liberdade), ou ainda ao sistema bifásico inerente à sanção pecuniária (CP, art. 49).
Finalmente, a individualização administrativa é efetuada durante a execução da pena, quando o Estado deve zelar por cada condenado de forma singular, mediante tratamento penitenciário ou sistema alternativo no qual se afigure possível a integral realização das finalidades da pena.
O estudo das teorias relaciona-se intimamente com as finalidades da pena. Podemos ir ainda mais longe. Na verdade, as teorias inerentes aos fins da pena relacionam-se com a própria origem do Direito Penal. Nas palavras de Jorge de Figueiredo Dias:
O problema do fins (rectius, das finalidades) da pena criminal é tão velho quanto a própria história do direito penal; e, no decurso desta já longa história, ele tem sido discutido, vivamente e sem soluções de continuidade, pela filosofia (tanto pela filosofia geral, como pela filosofia do direito), pela doutrina do Estado e pela ciência (global) do direito penal. A razão de um tal interesse e da sua persistência ao longo dos tempos está em que, à sombra dos problemas dos fins das penas, é no fundo toda a teoria do direito penal que se discute e, com particular incidência, as questões fulcrais da legitimação, fundamentação, justificação e função da intervenção penal estatal. Por isso se pode dizer, sem exagero, que a questão dos fins da pena constitui, no fundo, a questão do destino do direito penal e, na plena acepção do termo, do seu paradigma.8
Para a teoria absoluta, a finalidade da pena é retributiva. Por sua vez, para a teoria relativa, os fins da pena são estritamente preventivos. E, finalmente, para a teoria mista ou unificadora, a pena tem dupla finalidade: retributiva e preventiva.
De acordo com esta teoria, a pena desponta como a retribuição estatal justa ao mal injusto provocado pelo condenado, consistente na prática de um crime ou de uma contravenção penal (punitur quia peccatum est). Não tem finalidade prática, pois não se preocupa com a readaptação social do infrator da lei penal. Pune-se simplesmente como retribuição à prática do ilícito penal.
A pena atua como instrumento de vingança do Estado contra o criminoso, com a finalidade única de castigá-lo, fator esse que proporciona a justificação moral do condenado e o restabelecimento da ordem jurídica.9
A teoria absoluta e a finalidade retributiva da pena ganharam destaque com os estudos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e de Emmanuel Kant, que exemplificava:
O que se deve acrescer é que se a sociedade civil chega a dissolver-se por consentimento de todos os seus membros, como se, por exemplo, um povo que habitasse uma ilha se decidisse a abandoná-la e se dispersar, o último assassino preso deveria ser morto antes da dissolução a fim de que cada um sofresse a pena de seu crime e para que o crime de homicídio não recaísse sobre o povo que descuidasse da imposição dessa punição; porque então poderia ser considerada como cúmplice de tal violação pública da Justiça.10
Para essa variante, a finalidade da pena consiste em prevenir, isto é, evitar a prática de novas infrações penais (punitur ne peccetur). É irrelevante a imposição de castigo ao condenado.
Adota-se uma posição absolutamente contrária à teoria absoluta. Destarte, a pena não está destinada à realização da justiça sobre a terra, servindo apenas para a proteção da sociedade. A pena não se esgota em si mesma, despontando como meio cuja finalidade é evitar futuras ações puníveis.11
A prevenção de novas infrações penais atende a um aspecto dúplice: geral e especial.
A prevenção geral é destinada ao controle da violência, na medida em que busca diminuí-la e evitá-la. Pode ser negativa ou positiva.
A prevenção geral negativa, idealizada por J. P. Anselm Feuerbach com arrimo em sua teoria da coação psicológica, tem o propósito de criar no espírito dos potenciais criminosos um contraestímulo suficientemente forte para afastá-los da prática do crime.12
Busca intimidar os membros da coletividade acerca da gravidade e da imperatividade da pena, retirando-lhes eventual incentivo quanto à prática de infrações penais. Demonstra-se que o crime não compensa, pois ao seu responsável será inevitavelmente imposta uma pena, assim como aconteceu em relação ao condenado punido. Nas palavras de Anabela Miranda Rodrigues:
Os motivos pelos quais a pena deve ser aplicada quia peccatum est são, pois, em Feuerbach, de duas ordens de razões: da exigência de tornar séria – isto é, portadoras de consequências efetivas – a ameaça contida na lei penal, de tornar operante a coação psicológica que deve ser o efeito daquela ameaça, e da exigência de garantir a legalidade e a certeza do direito.13
Atualmente, a finalidade de prevenção geral negativa manifesta-se rotineiramente pelo direito penal do terror. Instrumentaliza-se o condenado, na medida em que serve ele de exemplo para coagir outras pessoas do corpo social com a ameaça de uma pena grave, implacável e da qual não se pode escapar. Em verdade, o ponto de partida da prevenção geral possui normalmente uma tendência para o terror estatal. Quem pretende intimidar mediante a pena, tenderá a reforçar esse efeito, castigando tão duramente quanto possível.14
Prevenção geral positiva, de outro lado, consiste em demonstrar e reafirmar a existência, a validade e a eficiência do Direito Penal. Almeja-se demonstrar a vigência da lei penal. O efeito buscado com a pena é romper com a ideia de vigência de uma “lei particular” que permite a prática criminosa, demonstrando que a lei geral – que impede tal prática e a compreende como conduta indesejada – está em vigor.15
Em suma, o aspecto positivo da prevenção geral repousa na conservação e no reforço da confiança na firmeza e poder de execução do ordenamento jurídico. A pena tem a missão de demonstrar a inviolabilidade do Direito diante da comunidade jurídica e reforçar a confiança jurídica do povo.16
Mas não para por aí. A pena ainda é dotada de prevenção especial, direcionada exclusivamente à pessoa do condenado. Subdivide-se também a prevenção especial em negativa e positiva.
Para a prevenção especial negativa, o importante é intimidar o condenado para que ele não torne a ofender a lei penal. Busca, portanto, evitar a reincidência.
Finalmente, a prevenção especial positiva preocupa-se com a ressocialização do condenado, para que no futuro possa ele, com o integral cumprimento da pena, ou, se presentes os requisitos legais, com a obtenção do livramento condicional, retornar ao convívio social preparado para respeitar as regras a todos impostas pelo Direito. A pena é legítima somente quando é capaz de promover a ressocialização do criminoso.17
E, como tem se sustentado atualmente, antes de ser socializadora, a execução da pena de prisão deve ser não dessocializadora. Isto, num duplo sentido: por um lado, não se deve amputar o recluso dos direitos que a sua qualidade de cidadão lhe assegura; por outro lado, deve-se reduzir ao mínimo a marginalização de fato que a reclusão implica e os efeitos criminógenos que lhe estão associados. Só a incorporação da não dessocialização no conceito de socialização permitirá cumprir a Constituição e dissolver o paradoxo de se pretender preparar a reinserção social em um contexto, por definição, antissocial.18
A pena deve, simultaneamente, castigar o condenado pelo mal praticado e evitar a prática de novos crimes, tanto em relação ao criminoso como no tocante à sociedade. Em síntese, fundem-se as teorias e finalidades anteriores. A pena assume um tríplice aspecto: retribuição, prevenção geral e prevenção especial.
Foi a teoria acolhida pelo art. 59, caput, do Código Penal, quando dispõe que a pena será estabelecida pelo juiz “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. É também chamada de teoria da união eclética, intermediária, conciliatória ou unitária.
E, se não bastasse, o direito penal brasileiro aponta, em diversos dispositivos, a sua opção pela teoria mista ou unificadora.
De fato, o Código Penal aponta o acolhimento da finalidade retributiva nos arts. 121, § 5.º, e 129, § 8.º, quando institui o perdão judicial para os crimes de homicídio culposo e lesões corporais culposas. Nesses casos, é possível a extinção da punibilidade quando as “consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Fica claro, pois, ser cabível o perdão judicial quando o agente já foi punido, quando já foi castigado pelas consequências do crime por ele praticado. Já houve, portanto, a retribuição.
Por sua vez, em diversos dispositivos a Lei 7.210/1984 – Lei de Execução Penal – dá ênfase à finalidade preventiva da pena, em suas duas vertentes, geral e especial.
Nesse sentido, estabelece o seu art. 10, caput: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. E, ainda, o art. 22: “A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade”. O trabalho do preso tem finalidade educativa (art. 28).
E, finalmente, a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, incorporada ao direito pátrio pelo Decreto 678/1992, estatui em seu art. 5.º, item “6”, no tocante ao direito à integridade pessoal, que “as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”.
No sistema penal brasileiro as finalidades da pena devem ser buscadas pelo condenado e pelo Estado, com igual ênfase à retribuição e à prevenção. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
Se é assim – vale dizer, se a Constituição mesma parece conferir à execução das penalidades em foco uma paralela função de reabilitação individual, na perspectiva de um saneado retorno do apenado à vida societária –, esse mister reeducativo é de ser desempenhado pelo esforço conjunto da pessoa encarcerada e do Estado-carcereiro. Esforço conjunto que há de se dar segundo pautas adrede fixadas naquilo que é o próprio cerne do regime que a lei designa como de execuções penais. Um regime necessariamente concebido para fazer da efetiva constrição da liberdade topográfica de ir e vir um mecanismo tão eficiente no plano do castigo mesmo quanto no aspecto regenerador que a ela é consubstancial.19
Fala-se atualmente em função social da pena, e, consequentemente, em função social do Direito Penal, direcionada eficazmente à sociedade a qual se destina, pois no tocante a ela a pena tem as tarefas de protegê-la e pacificar seus membros após a prática de uma infração penal.
Não basta a retribuição pura e simples, pois, nada obstante a finalidade mista acolhida pelo sistema penal brasileiro, a crise do sistema prisional transforma a pena em castigo e nada mais. A pena deve atender aos anseios da sociedade, consistentes na tutela dos bens jurídicos indispensáveis para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da coletividade, pois só assim será legítima e aceita por todos em um Estado Democrático de Direito, combatendo a impunidade e recuperando os condenados para o convívio social.
Em sua aplicação prática, a pena necessita passar pelo crivo da racionalidade contemporânea, impedindo se torne o delinquente instrumento de sentimentos ancestrais de represália e castigo. Só assim o Direito Penal poderá cumprir a sua função preventiva e socializadora, com resultados mais produtivos para a ordem social e para o próprio transgressor.20
Fundamentos da pena não se confundem com finalidades da pena. Aqueles se relacionam com os motivos que justificam a existência e a imposição de uma pena; estas dizem respeito ao objetivo que se busca alcançar com sua aplicação.
Apontam-se seis principais fundamentos da pena: retribuição, reparação, denúncia, incapacitação, reabilitação e dissuasão.
a) Retribuição: confere-se ao condenado uma pena proporcional e correspondente à infração penal na qual ele se envolveu. É a forma justa e humana que tem a sociedade para punir os criminosos, com proporção entre o ilícito penal e o castigo. O mal que a pena transmite ao condenado deve ser equivalente ao mal produzido por ele à coletividade. O crime deve ter a pena que merece (desvalor do criminoso), semelhante ao desvalor social da conduta.
b) Reparação: consiste em conferir algum tipo de recompensa à vítima do delito. Relaciona-se com a vitimologia, notadamente com a assistência à vítima e à reparação do dano, como forma de recompor o mal social causado pela infração penal.
c) Denúncia: é a reprovação social à prática do crime ou da contravenção penal. A necessidade de aplicação da pena justifica-se para exercer a prevenção geral por meio da intimidação coletiva, e não para desfazer o equilíbrio causado pelo crime.
d) Incapacitação: priva-se a liberdade do condenado, retirando-o do convívio social, para a proteção das pessoas de bem. Para Garofalo, a pena é um mal necessário à reparação do dano provocado pela conduta criminosa. E, embora na aparência o fim da pena seja a vingança social ou o desejo de fazer sofrer ao culpado um mal análogo ao que ele produziu, na realidade o que se deseja é isto: em primeiro lugar, excluir do meio coletivo os delinquentes inassimiláveis; depois constranger o autor de um mal a repará-lo, tanto quanto possível.21
e) Reabilitação: deve recuperar-se o penalmente condenado. A pena precisa restaurar o criminoso, tornando-o útil à sociedade. Funciona como meio educativo, de reinserção social, e não punitivo.
f) Dissuasão: busca convencer as pessoas em geral, e também o condenado, de que o crime é uma tarefa desvantajosa e inadequada. A pena insere-se como atividade destinada a impedir o culpado de tornar-se nocivo à sociedade, bem como instrumento para afastar os demais indivíduos de práticas ilícitas perante o Direito Penal.
Nos moldes do art. 53 do Código Penal: “As penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime”.
Esse dispositivo é desnecessário no tocante às penas privativas de liberdade, pois já são cominadas por cada tipo legal de crime ou contravenção penal nos limites mínimo e máximo. Exemplificativamente, o art. 155 do Código Penal prevê, para o furto simples, o limite mínimo de 1 (um) e máximo de 4 (quatro) anos de reclusão.
Entretanto, a função substitutiva atribuída às penas restritivas de direitos e a cominação indeterminada das penas de multa explicam a introdução no Código Penal dessas regras de cominação, evitando uma cansativa e indevida repetição em cada tipo legal.22
Em nosso sistema penal as penas podem ser cominadas em abstrato por diversas modalidades:
a) isoladamente: cuida-se da cominação única de uma pena, prevista com exclusividade pelo preceito secundário do tipo incriminador. Exemplo: art. 121, caput, do Código Penal, com pena de reclusão.
b) cumulativamente: o tipo penal prevê, em conjunto, duas espécies de penas. Exemplo: art. 157, caput, do Código Penal, com penas de reclusão e multa.
c) paralelamente: cominam-se, alternativamente, duas modalidades de penas. Exemplo: art. 235, § 1.º, do Código Penal, com penas de reclusão ou detenção.
d) alternativamente: a lei coloca à disposição do magistrado a aplicação única de duas espécies de penas. Há duas opções, mas o julgador somente pode aplicar uma delas. Exemplo: art. 140, caput, do Código Penal, com penas de detenção ou multa.
As penas podem ser classificadas com base em variados critérios: quanto ao bem jurídico do condenado atingido pela reação estatal (pena), quanto ao critério constitucional e quanto ao critério adotado pelo Código Penal.
A pena pode ser dividida em cinco espécies:
a) Pena privativa de liberdade: retira do condenado o seu direito de locomoção, em razão da prisão por tempo determinado. Não se admite a privação perpétua da liberdade (CF, art. 5.º, XLVII, “b”), mas somente a de natureza temporária, pelo período máximo de 30 (trinta) anos para crimes (CP, art. 75) ou de 5 (cinco) anos para contravenções penais (LCP, art. 10).
b) Pena restritiva de direitos: limita um ou mais direitos do condenado, em substituição à pena privativa de liberdade. Está prevista no art. 43 do Código Penal e por alguns dispositivos da legislação extravagante.
c) Pena de multa: incide sobre o patrimônio do condenado.
d) Pena restritiva da liberdade: restringe o direito de locomoção do condenado, sem privá-lo da liberdade, isto é, sem submetê-lo à prisão. É o caso da pena de banimento, consistente na expulsão de brasileiro do território nacional, vedada pelo art. 5.º, XLVII, “d”, da Constituição Federal. É possível a instituição, por lei, de pena restritiva da liberdade, em face de autorização constitucional (art. 5.º, XLVI, “a”). Exemplo: proibir o condenado por crime sexual de aproximar-se da residência da vítima. A deportação, a expulsão e a extradição de estrangeiros são admissíveis, uma vez que têm natureza administrativa, e não penal, e encontram-se previstas no art. 57 e seguintes da Lei 6.815/1980 – Estatuto do Estrangeiro.
e) Pena corporal: viola a integridade física do condenado, tal como ocorre nas penas de açoite, de mutilações e de marcas de ferro quente. Essas penas são vedadas pelo art. 5.º, XLVII, “e”, da Constituição Federal, em face da crueldade de que se revestem. Admite-se, excepcionalmente, a pena de morte, em caso de guerra declarada contra agressão estrangeira (CF, art. 5.º, XLVII, “a”), nas hipóteses previstas no Decreto-lei 1.001/1969 – Código Penal Militar.
A classificação constitucional das penas está definida pelo art. 5.º, XLVI, da Constituição Federal. O rol é exemplificativo, pois se admitem, dentre outras, as penas de privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos.
Por outro lado, não são permitidas penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, de caráter perpétuo,23 de trabalhos forçados, de banimento ou cruéis.
As penas previstas no Código Penal, em seu art. 32, são: privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa.
O movimento abolicionista encontra sua origem na Holanda, nos estudos de Louk Hulsman, e na Noruega, nos pensamentos de Nils Christie e Thomas Mathiesen.
Consiste em uma nova forma de pensar o Direito Penal, mediante o debate crítico do fundamento das penas e das instituições responsáveis pela aplicação desse ramo do Direito. Para enfrentar a crise penitenciária que cresce a cada dia, nos mais variados cantos do mundo, propõe-se a descriminalização de determinadas condutas (o crime deixa de existir) e a despenalização de outros comportamentos (subsiste o crime, mas desaparece a pena). Em casos residuais, atenuam-se consideravelmente as sanções penais dirigidas às condutas ilícitas de maior gravidade.
O abolicionismo penal parte da seguinte reflexão: a forma atual de punição, escolhida pelo Direito Penal, é falha, pois a reincidência aumenta diariamente. Além disso, a sociedade não sucumbe à prática de infrações penais, mormente se forem consideradas as cifras negras da justiça penal, ou seja, os crimes efetivamente praticados, porém ignorados pelos operadores do Direito.24 E, dentre os apurados, somente alguns resultam em condenações, e, mesmo no grupo dos condenados, poucos indivíduos cumprem integralmente a pena imposta.
Portanto, a sociedade, ao contrário do que comumente se sustenta, tem capacidade para suportar a maioria das infrações penais, sem submeter-se a prejuízos irreparáveis. Para os defensores desse movimento, é o que já ocorre nos dias atuais, embora informalmente. Assim sendo, o problema penal poderia ser adequadamente solucionado por outros meios, notadamente com o atendimento prioritário à vítima, pois seria mais eficaz empregar os valores utilizados com a construção de prisões e manutenção de detentos para reparar os danos a ela proporcionados. Defende-se ainda a legalização das drogas e a mudança do tratamento do criminoso, que não pode ser marginalizado e encarado diversamente das demais pessoas.
É importante ressaltar que o abolicionismo penal possui variantes entre seus partidários.
Louk Hulsman apregoa um abolicionismo fenomenológico, e ampara suas ideias no entendimento de que o sistema penal constitui-se como um problema em si mesmo. Cuida-se de uma inutilidade, incapaz de resolver os problemas que se propõe a solucionar. Destarte, sustenta a sua abolição total, por tratar-se de um sistema que causa sofrimentos desnecessários, e, mais ainda, acarreta em uma distribuição de “justiça” socialmente injusta, pois produz inúmeros efeitos negativos nas pessoas a ele submetidas, apresentando completa ausência de controle por parte do Estado.
O penalista holandês prega, então, a abolição imediata do sistema penal, afastando o Poder Público de todo e qualquer conflito, solucionando-se os problemas sociais por instâncias intermediárias sem natureza penal.25 Além disso, propõe a eliminação de nomenclaturas utilizadas na justiça penal, eliminando, dentre outros, os termos “crime” e “criminoso”. Trata o fenômeno crime como um problema social, o que enseja a pacificação dos conflitos em um ambiente diverso do atualmente existente.
Já Thomas Mathiesen e Nils Christie compartilham de um abolicionismo fenomenológico-historicista. Vinculam o sistema penal à estrutura do sistema capitalista, razão pela qual, além da sua eliminação, defendem o fim de todo e qualquer método de repressão existente na sociedade. Destarte, a luta pelo direito deve se concentrar num esforço de limitação da dor.26
Em face de sua proposta central – eliminar o sistema penal, descriminalizar condutas e acabar com penas –, o abolicionismo penal é considerado uma utopia até mesmo pelos representantes do direito penal mínimo e do garantismo penal.27
Nada obstante, esse movimento recebeu na América Latina a simpatia de Eugenio Raúl Zaffaroni, levando-o inclusive a escrever toda uma obra sobre o assunto.28
Desde sua origem, o Direito Penal sempre se pautou pelo castigo da conduta criminosa praticada por alguém com a imposição de uma pena. Buscou-se e busca-se, incansavelmente, a retribuição do mal praticado com a aplicação concreta de outro mal, embora legítimo, representado pela pena. Daí falar-se que o Direito Penal enseja a configuração de uma justiça retributiva.
Atualmente, entretanto, surge uma nova proposta, consistente na justiça restaurativa, fundada basicamente na restauração do mal provocado pela infração penal. Essa vertente parte da seguinte premissa: o crime e a contravenção penal não necessariamente lesam interesses do Estado, difusos e indisponíveis. Tutela-se com maior intensidade a figura da vítima, historicamente relegada a um segundo plano no Direito Penal. Dessa forma, relativizam-se os interesses advindos com a prática da infração penal, que de difusos passam a ser tratados como individuais, e, consequentemente, disponíveis.
A partir daí, o litígio – antes entre a justiça pública e o responsável pelo ilícito penal – passa a ter como protagonistas o ofensor e o ofendido, e a punição deixa de ser o objetivo imediato da atuação do Direito Penal. Surge a possibilidade de conciliação entre os envolvidos (autor, coautor ou partícipe e vítima), mitigando-se a persecução penal, uma vez que não é mais obrigatório o exercício da ação penal.
A justiça restaurativa tem como principal finalidade, portanto, não a imposição da pena, mas o reequilíbrio das relações entre agressor e agredido, contando para tanto com o auxílio da comunidade, inicialmente atacada, mas posteriormente desempenhando papel decisivo na restauração da paz social. Nesse contexto, vislumbra-se a justiça com ênfase na reparação do mal proporcionado pelo crime, compreendido como uma violação às pessoas e aos relacionamentos coletivos, e não como uma ruptura com o Estado.
Em verdade, o crime deixa de constituir-se em ato contra o Estado para ser ato contra a comunidade, contra a vítima e ainda contra o seu próprio autor, pois ele também é agredido com a violação do ordenamento jurídico. E, se na justiça retributiva há interesse público na atuação do Direito Penal, na justiça restaurativa tal interesse pertence às pessoas envolvidas no episódio criminoso.
Não mais se imputa a responsabilidade pelo crime pessoalmente ao seu autor, coautor ou partícipe. Ao contrário, todos os membros da sociedade são responsáveis pelo fato praticado, já que falharam na missão de viverem pacificamente em grupo. Os procedimentos formais e rígidos da justiça retributiva cedem espaço, na justiça restaurativa, a meios informais e flexíveis, prevalecendo a disponibilidade da ação penal.
Proporciona coragem ao agressor para responsabilizar-se pela conduta danosa, refletindo sobre as causas e os efeitos do seu comportamento em relação aos seus pares, para então modificar o seu modo de agir e ser posteriormente aceito de volta na comunidade. Como resultado, a justiça restaurativa pode acarretar em perdão recíproco entre os envolvidos, bem como em reparação à vítima, em dinheiro ou até mesmo com prestação de serviços em geral, a ela ou à sociedade.
Esse método tende a criar um ambiente seguro no qual o ofendido pode aproximar-se do autor da conduta ilícita. Além disso, a justiça restaurativa oferece à comunidade uma oportunidade de articular seus valores e expectativas acerca do entendimento das causas subjacentes do crime e determinar o que pode ser feito para reparar o mal provocado e restabelecer a tranquilidade outrora existente. Assim agindo, contribui para o bem coletivo e colabora potencialmente para a diminuição do índice de criminalidade.
E se a todos incumbe a restauração da paz pública, as penas privativas de liberdade abrem passagem para a reparação do dano e para as medidas substitutivas da pena privativa de liberdade, como decorrência da incessante atividade conciliatória característica da justiça restaurativa. Seu foco principal é a assistência à vítima.
Um primeiro passo no Brasil para a implantação da justiça restaurativa operou-se com a Lei 9.099/1995, notadamente quando se dispõe a evitar a aplicação da pena privativa de liberdade, seja com a composição dos danos civis, seja com o instituto da transação penal. Mas os seus partidários desejam ampliar seu raio de incidência, e a amoldam a alguns princípios básicos e regras procedimentais de segurança, quais sejam:
1. A participação da vítima e do agressor na justiça restaurativa depende do consentimento válido de ambas as partes, devendo cada uma delas receber explicações claras acerca da natureza do procedimento e de suas consequências. Em qualquer momento os envolvidos podem desistir da participação na justiça restaurativa.
2. A vítima e o agressor precisam aceitar como verdadeiro o episódio criminoso, e o agressor deve reconhecer sua responsabilidade pela prática do fato debatido.
3. As partes têm o direito de aconselharem-se juridicamente em todas as etapas do procedimento.
4. O encaminhamento de um caso iniciado na justiça retributiva à justiça restaurativa pode ocorrer em qualquer momento, desde a investigação criminal até o trânsito em julgado da condenação.
5. O trâmite do procedimento deve considerar as diferenças eventualmente existentes entre a vítima e o agressor, causadas por motivos de idade, de maturidade, de capacidade intelectual, situação econômica etc.
6. Todas as discussões, salvo as eminentemente públicas, devem ser confidenciais, exceto se as partes convencionarem de outro modo, ou se a publicidade para os agentes públicos responsáveis pela persecução penal for exigida por lei, ou se as discussões revelarem ameaça potencial ou real à segurança ou à vida de qualquer dos envolvidos.
7. A aceitação da responsabilidade penal pelo agressor não pode ser utilizada como prova contra ele em futuro e possível processo judicial.
8. Todos os acordos devem ser voluntários e livres de qualquer tipo de coação, e precisam conter apenas termos claros e facilmente compreensíveis por qualquer pessoa de inteligência mediana.
9. O descumprimento de um acordo alcançado na justiça restaurativa não pode ser usado em ação penal em juízo, seja para reconhecimento de culpa, seja para fundamentar punição mais severa ao ofensor.
10. O procedimento deve ser conduzido por pessoa preparada, aceita pela coletividade e revestida de imparcialidade.
11. Todo programa de justiça restaurativa deve ser constantemente avaliado e aperfeiçoado, visando satisfazer aos interesses sociais de restabelecimento do mal causado pelo crime e proporcionar o reequilíbrio da paz pública.
Em 1969, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos da América, Phillip Zimbardo (acompanhado de sua equipe) realizou uma experiência inédita no campo da psicologia social. Seu estudo consistiu em abandonar dois automóveis idênticos em vias públicas, um no Bronx, zona pobre e problemática de Nova York, e outra em Palo Alto, local rico e tranquilo da Califórnia. Carros iguais, mas populações, culturas e realidades sociais diversas.
O automóvel abandonado no Bronx foi rapidamente destruído pela ação de vândalos, e subtraíram-se vários dos seus componentes. Por sua vez, o carro deixado em Palo Alto permaneceu intacto. Concluiu-se, em análise inicial, ser a pobreza um fator determinante da criminalidade.
Os pesquisadores, então, decidiram quebrar uma das janelas do automóvel que se encontrava íntegro. Rapidamente instalou-se idêntico processo ao ocorrido no Bronx, com a completa destruição do veículo. Logo percebeu-se não ser a pobreza, por si só, a causa fomentadora de infrações penais, e sim a sensação de impunidade. De fato, uma janela quebrada em um automóvel transmite o sentimento de desinteresse, de deterioração, de despreocupação com as regras de convivência, com a ausência do Estado. E cada novo ataque reafirma e multiplica essa ideia, até que a prática de atos ilícitos se torna incontrolável.
No ano de 1982, James Q. Wilson e George L. Kelling desenvolveram, agora no terreno da criminologia, a “teoria das janelas quebradas” (broken windows theory),29 sustentando a maior incidência de crimes e contravenções penais nos locais em que o descuido e a desordem são mais acentuados. Com efeito, quando se quebra a janela de uma casa e nada se faz, implicitamente se estimula a destruição do imóvel como um todo. De igual modo, se uma comunidade demonstra sinais de deterioração e isto parece não importar a ninguém, ali a criminalidade irá se instalar.
Nesse sentido, se são cometidos “pequenos” delitos (lesões corporais leves, furtos etc.), sem a imposição de sanções adequadas pelo Estado, abre-se espaço para o cometimento de crimes mais graves, tais como: homicídios, roubos, latrocínios e tráfico de drogas.
A teoria das janelas quebradas foi inicialmente aplicada na década de 1980 no metrô de Nova York, que havia se convertido no ponto mais perigoso da cidade, mediante o combate às pequenas infrações, a exemplo das pichações deteriorando as paredes e os vagões, sujeira nas estações, consumo de álcool pelos usuários e não pagamento de passagens. A estratégia foi certeira e eficaz, e em pouco tempo constatou-se profunda melhora, convertendo-se o metrô em local limpo e seguro.
Em 1994, Rudolph Giuliani, então prefeito de Nova York, acolhendo as premissas da teoria das janelas quebradas e a experiência do metrô, implantou a política de “tolerância zero”, com a finalidade de vedar qualquer violação da lei, independentemente do seu grau. Os adeptos dessa linha de pensamento destacam que não se trata de tolerância zero no tocante à pessoa do responsável pelo delito, mas em relação ao próprio delito.
1. (MP/TO – 2004) As espécies de pena previstas na lei penal vigente incluem a(s):
(A) restritivas de direitos, a multa e a prestação de serviços à comunidade.
(B) privativas de liberdade, a interdição temporária de direitos e a multa.
(C) restritivas de direitos, a multa e o regime fechado.
(D) reclusão, a detenção e a prisão simples.
(E) privativas de liberdade, as restritivas de direitos e a multa.
2. (3.º Concurso Defensoria Pública/SP – FCC) A expressão “cifra negra” ou oculta refere-se
(A) às descriminantes putativas, nos casos em que não há tipo culposo do crime cometido.
(B) ao fracasso do autor na empreitada em que a maioria tem êxito.
(C) à porcentagem de presos que não voltam da saída temporária do semiaberto.
(D) à porcentagem de crimes não solucionados ou punidos porque, num sistema seletivo, não caíram sob a égide da polícia ou da justiça ou da administração carcerária, porque nos presídios “não estão todos os que são”.
(E) à porcentagem de criminalização da pobreza e à globalização, pelas quais o centro exerce seu controle sobre a periferia, cominando penas e criando fatos típicos de acordo com seus interesses econômicos, determinando estigmatização das minorias.
3. (87.º MP/SP – 2010) A exposição de motivos da Parte Geral do Código Penal Brasileiro, ao referir-se à finalidade da individualização da pena, à vista de sua necessidade e eficácia para reprovação e prevenção do crime, afirma que “nesse conceito se define a Política Criminal preconizada no Projeto, da qual se deverão extrair todas as suas lógicas consequências”. A partir de tal afirmativa, assinale a alternativa correta:
(A) o Código Penal Brasileiro adotou a concepção da pena como imperativo categórico, a qual se amolda à teoria da prevenção geral negativa.
(B) o procedimento de aplicação da pena adotado pelo Código Penal (art. 59) tem como fundamento único o princípio da retribuição.
(C) a concepção da pena como medida de prevenção de delitos, acolhida pelo Código Penal (art. 59), amolda-se às chamadas teorias absolutas.
(D) o procedimento de aplicação da pena adotado pelo Código Penal (art. 59) tem como fundamento único o princípio da prevenção especial.
(E) o Código Penal adotou como um dos fundamentos da aplicação da pena o princípio da prevenção geral (art. 59), preconizado pelas teorias relativas.
4. (3.º Concurso Defensoria Pública/SP – FCC) Considere as seguintes afirmações:
I. É com base na teoria da prevenção geral negativa que o legislador aumenta penas na crença de conter a criminalidade com a ajuda do Código Penal.
II. Além de atribuir à pena privativa de liberdade a inalcançável finalidade reeducadora, atrás das ideias utilitárias da prevenção especial sempre há uma confusão entre direito e moral e entre crime e pecado.
III. A teoria retributiva parte da ideia da compensação da culpa, do pressuposto de que a justa retribuição ao fato cometido se dá através da individualização e diferenciação da pena.
Está correto o que se afirma SOMENTE em
(A) I.
(B) II.
(C) III.
(D) I e II.
(E) II e III.
5. (Procurador/AL-PB – FCC/2013) A Lei n.º 7.210/84 dispõe que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da condenação criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado (art. 1.º). Como nítido no item 13 da respectiva Exposição de Motivos, tem-se aí, por inteiro, tributo à teoria da pena denominada
(A) retribuição moderna.
(B) retribuição taliônica.
(C) prevenção geral.
(D) prevenção especial.
(E) mista ou eclética.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.
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1 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. Fundamentos. La estructura de la teoría del delito. Trad. espanhola Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remensal. Madrid: Civitas, 2006. t. I, p. 43; e JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 5. ed. Trad. espanhola Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Comares, 2002. p. 89.
2 BRUNO, Aníbal. Das penas. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. p. 10.
3 STF: AgR-QO 1.033/DF, rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 25.05.2006.
4 STJ: HC 84.427/RJ, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5.ª Turma, j. 28.02.2008.
5 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2. ed. São Paulo: RT: 2007. p. 30.
6 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 145.
7 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. v. I, p. 86.
8 DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 65-66.
9 “Dizem uns que a justiça penal, não podendo desinteressar-se da falta moral, deve aplicar a todo delinquente, com capacidade para compreender as disposições da lei, uma pena aflitiva, isto é, um castigo que importe em retribuição proporcional à falta moral. A consciência pública sente a sua necessidade e o legislador não pode deixar de levar em conta esse estado de alma coletivo” (LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942. v. II, p. 43).
10 KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993. p. 178-179.
11 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 5. ed. Trad. espanhola Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Comares, 2002. p. 77.
12 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de direito penal revisitadas. São Paulo: RT, 1999. p. 99.
13 RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação da pena privativa de liberdade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 170.
14 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 58-59.
15 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da pena. Barueri/SP: Manole, 2004. p. 69.
16 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte geral. Fundamentos. La estructura de la teoría del delito. Tradução para o espanhol de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remensal. Madrid: Civitas, 2006. t. I, p. 91.
17 HASSEMER, Winfried. Direito penal libertário. Trad. Regina Greve. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 104.
18 RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo olhar sobre a questão penitenciária. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 52.
19 HC 91.874/RS, decisão monocrática do Min. Carlos Britto, j. 31.08.2007.
20 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 110.
21 GAROFALO, Raffaele. Criminologia: estudo sobre o delicto e a repressão penal. São Paulo: Teixeira e Irmão, 1893. p. 114.
22 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal – Parte geral. 2. ed. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007. p. 549.
23 Nos Estados Unidos da América, em alusão às regras do beisebol, existem defensores do modelo “three strikes and you’re out”: a terceira condenação definitiva leva à exclusão social do indivíduo, mediante a imposição da pena de prisão perpétua.
24 Fala-se também no “direito penal subterrâneo”, composto pelos crimes decorrentes do exercício arbitrário do direito de punir por determinados agentes públicos, a exemplo de torturas e homicídios cometidos por policiais. Este fenômeno surge e ganha corpo notadamente em face da ineficácia dos órgãos estatais (Polícias, Ministério Público, Poder Judiciário, etc.).
25 HULSMAN, Louk. Sistema penal y seguridad ciudadana, hacia una alternativa. Trad. espanhola Sergio Politoff. Barcelona: Ariel, 1984. p. 31.
26 SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: RT, 2002. p. 140.
27 Cf. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. Trad. Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavarez e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2006. p. 317-318.
28 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
29 WILSON, James Q., e KELLING, George L. Broken windows. The police and neighborhood safety. Atlantic Monthly Magazine. Washington D.C., março de 1982.