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A HISTÓRIA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Sumário: 4.1. Período Colonial4.2. Código Criminal do Império4.3. Período Republicano.

4.1. PERÍODO COLONIAL

Antes do descobrimento do Brasil, enquanto dominava a civilização primitiva, adotava-se a vingança privada, sem uniformidade nas reações penais. Informam os historiadores que nossos silvícolas não desconheceram o sistema do talião e, ainda que empiricamente, sem qualquer fonte teórica, se depararam com a composição e a expulsão da tribo.

No tocante às formas punitivas, predominavam as penas corporais, sem o emprego da tortura.

Não havia uma autêntica organização jurídico-social, mas apenas regras consuetudinárias (tabus), comuns ao mínimo convívio social, transmitidas verbalmente e quase sempre dominadas pelo misticismo.

A partir de 1500, com o descobrimento do Brasil, passou a vigorar o Direito lusitano, aplicando-se sucessivamente:

1) Ordenações Afonsinas:1 Promulgadas em 1446, por D. Afonso V, vigoraram até 1514, e apresentavam conteúdos do Direito Romano de Justiniano e do Direito Canônico.

Tinham como traços marcantes a crueldade das penas, a inexistência de princípios sagrados como o da legalidade e o da ampla defesa, predominando a arbitrariedade dos juízes quando da fixação da pena.

A prisão tinha caráter preventivo. Mantinha-se o delinquente preso para evitar sua fuga até ser julgado, ou para obrigá-lo ao pagamento da pena pecuniária.

2) Ordenações Manuelinas: Editadas em 1514, por Dom Manuel, o Venturoso. Pouco se diferenciavam das Ordenações Afonsinas, em que as penas também eram crudelíssimas. Correspondiam ainda à fase da vingança pública.

Como no território pátrio existiam as denominadas capitanias hereditárias, o Direito era aplicado pelos respectivos donatários.

3) Ordenações Filipinas: Datadas de 1603, em razão de medida do Rei Filipe II, subsistiram até o ano de 1830. Mantiveram as características das Ordenações anteriores (penas cruéis e desproporcionais, arbitrariedade dos julgadores, inexistência do princípio da legalidade e da defesa etc.).

A matéria penal era regulamentada pelo Livro V, e foi sob a égide desse ordenamento que Tiradentes foi executado, estendendo as consequências penais de seu comportamento também aos seus descendentes. Não se respeitava o princípio da personalidade da pena, ficando ao arbítrio do julgador a escolha da sanção penal a ser aplicada, bem como sequer tinha o delinquente direito de defesa, e predominava a desigualdade de classes em relação ao tratamento punitivo (fidalgos, cavaleiros, escravos etc.).

Marcadas pela fase da vingança pública, todas se orientavam no sentido de uma ampla e generalizada criminalização, com severas punições, as quais objetivavam infundir o temor pela punição. Além do predomínio da pena de morte, eram usadas outras sanções bárbaras e infamantes, como o açoite, a amputação de membros, o confisco de bens, as galés (eram aplicadas como comutação da pena de morte, ou, em grau mínimo, para os crimes de perjuro, pirataria ou de ofensa física irreparável da qual resultasse aleijão ou deformidade). Os punidos pelas galés deviam andar com calceta no pé e corrente de ferro, além de serem obrigados a trabalhos públicos e ao degredo (consiste na fixação de residência em local determinado pela sentença).

4.2. CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO

O art. 179, XVIII, da Constituição de 1824 determinou a urgente e necessária elaboração de um Código Criminal, “fundado nas solidas bases da justiça, e equidade”.

Em 1827, Bernardo Pereira de Vasconcellos apresentou o seu projeto, o qual foi sancionado em 1830 pelo imperador Dom Pedro I, destacando-se como o primeiro código autônomo da América Latina.

Com a elaboração desses dois ordenamentos, Constituição e Código Criminal do Império, o Direito Penal deu nítidos sinais de evolução em prol da humanização.

Dispunha a Constituição de 1824 em seu art. 179, XIX: “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis”.

E no item XX do mesmo dispositivo: “Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Por tanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infamia do Réo se transmittirá aos parentes em qualquer gráo, que seja”. Foi a primeira manifestação do princípio da personalidade da pena no Brasil.

Apesar disso, eram permitidas as penas de morte na forca, de galés, de trabalhos forçados, de banimento, degredo e desterro.

Entre as grandes inovações, consagrou-se no art. 55 do Código Criminal do Império o sistema do dia-multa. Nada obstante as características positivas, não foi definida a figura da culpa e imperava a desigualdade, principalmente em relação aos escravos, que, aliás, eram equiparados a animais, e, portanto, considerados como bens semoventes.

4.3. PERÍODO REPUBLICANO

Com o advento da República, João Baptista Pereira foi encarregado de elaborar um projeto de Código Penal, que restou aprovado e publicado em 1890, antes, portanto, da Constituição de 1891.

Esse Código, criado às pressas, desapontou pelas suas inúmeras falhas. Ignorou os avanços e tendências mundiais que se faziam sentir em razão do positivismo, bem como os exemplos de códigos estrangeiros, notadamente o Código Zanardelli.

Seus equívocos e deficiências acabaram transformando-o em verdadeira colcha de retalhos. Era enorme a quantidade de leis extravagantes que, finalmente, se concentraram na Consolidação das Leis Penais, de Vigente Piragibe, promulgada em 1932.

Durante o Estado Novo, em 1937, Alcântara Machado apresentou um projeto de Código Penal brasileiro, o qual foi sancionado em 1940, passando a vigorar desde 1942 até os dias atuais, alterado por diversas leis contemporâneas, tais como a Lei 6.414/1977, atualizando as sanções penais, e a Lei 7.209/1984 – Reforma da Parte Geral do Código Penal.

A reforma da Parte Geral humanizou as sanções penais e adotou penas alternativas à prisão, além de reintroduzir o sistema de dias-multa.

Em 1969 foi aprovado o Projeto de Nélson Hungria para criação de um novo Código Penal. Entretanto, deu-se sua revogação quando ainda se encontrava em vacatio legis.

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1   As Ordenações Afonsinas foram consideradas o primeiro código completo da Europa. Destaque-se: “Portugal foi o primeiro país da Europa a possuir um Código completo dispondo sobre quase todas as matérias da administração de um Estado: as Ordenações Afonsinas. O Código Afonsino é, por si só, um acontecimento notável na Legislação dos Povos Cristãos. Foi um incontestável progresso, e revela os adiantamentos que Portugal tinha em Jurisprudência”. PINHO, Ruy Rebello. História do direito penal brasileiro: Período Colonial. São Paulo: Bushatsky, Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 5.