Sumário: 41.1. Introdução – 41.2. Pressuposto – 41.3. Divisão dos efeitos da condenação: 41.3.1. Efeitos principais; 41.3.2. Efeitos secundários – 41.4. Efeitos da condenação previstos fora do Código Penal: 41.4.1. Suspensão dos direitos políticos; 41.4.2. Perda do mandato do Deputado Federal ou Senador; 41.4.3. Rescisão contratual na Justiça do Trabalho; 41.4.4. Lei de Licitações; 41.4.5. Lei de Falências; 41.4.6. Lei de Tortura; 41.4.7. Lei de Drogas; 41.4.8. Crimes resultantes de preconceitos de raça e de cor; 41.4.9. Lavagem de capitais – 41.5. Quadro esquemático – 41.6. Questões.
Condenação é o ato exclusivo do Poder Judiciário que, representado por um de seus membros e depois de obedecido o devido processo legal, aplica em sentença ou acórdão uma pena ao agente culpável reconhecido como responsável por um fato típico e ilícito.
Efeitos da condenação são todas as consequências que, direta ou indiretamente, atingem a pessoa do condenado por sentença penal transitada em julgado.
Esses efeitos não se limitam ao campo penal, incidindo também nas áreas cível, administrativa, trabalhista e político-eleitoral, entre outras.
Para se falar em seus efeitos, por óbvio, reclama-se a existência de uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado.
Sentença penal condenatória é aquela proferida em regular ação penal, impondo pena ao envolvido (autor, coautor ou partícipe) em um crime ou contravenção penal. Transitada em julgado é a decisão judicial que não mais comporta recursos.
A sentença que aplica medida de segurança aos inimputáveis do art. 26, caput, do Código Penal, tem natureza absolutória (CPP, art. 386, parágrafo único).1 Por corolário, ausente a condenação, não produz os efeitos ora em estudo.
Por outro lado, a sentença que aplica medida de segurança aos semi-imputáveis do art. 26, parágrafo único, do Código Penal, é condenatória. De fato, o sistema vicariante acolhido por nosso sistema jurídico impõe, ao juiz, a condenação do agente, com redução da pena de um a dois terços, e, posteriormente, se recomendável, a substituição da pena diminuída por medida de segurança.
Os efeitos da condenação se dividem em principais e secundários.
São a imposição das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos, pecuniárias, e, ainda, de medidas de segurança aos semi-imputáveis.
A imposição de sanção penal é, sem dúvida, o efeito precípuo da condenação. A circunstância de estar o condenado obrigado a cumpri-la, todavia, não afasta a existência de outros efeitos, de cunho penal ou não, que em determinadas situações obrigatoriamente a ela aderem.
Também conhecidos como efeitos mediatos, acessórios, reflexos ou indiretos, constituem-se em consequências da sentença penal condenatória como fato jurídico.
Os efeitos secundários se dividem em dois blocos: penais e extrapenais. Estão previstos no Código Penal e fora dele.
O trânsito em julgado da sentença penal condenatória gera diversos efeitos jurídicos,2 destacando-se no Código Penal:
a) caracterização da reincidência, se posteriormente for praticado novo crime, com todas as consequências daí resultantes (arts. 63 e 64);
b) fixação de regime fechado para cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33, § 2.º);
c) configuração de maus antecedentes (art. 59);
d) revogação, obrigatória ou facultativa, do sursis e do livramento condicional (arts. 77, I e § 1.º, 86, caput, e 87);
e) aumento ou interrupção do prazo da prescrição da pretensão executória (arts. 110, caput, e 117, VI);
f) revogação da reabilitação (art. 95);
g) conversão da pena restritiva de direitos por privativa de liberdade (art. 44, § 5.º); e
h) vedação da concessão de privilégios a crimes contra o patrimônio (arts. 155, § 2.º, 170 e 171, § 1.º).
No Código de Processo Penal, acarreta na inscrição do nome do réu no rol dos culpados (art. 393, II).
Produz também efeitos na legislação especial, tal como a impossibilidade de concessão da transação penal e da suspensão condicional do processo (arts. 76, § 2.º, I, e 89, caput, da Lei 9.099/1995).
São assim denominados (extrapenais) por incidirem em áreas diversas do Direito. Dividem-se em genéricos e específicos.
Efeitos genéricos, chamados dessa maneira por recaírem sobre todos os crimes, são os previstos no art. 91 do Código Penal: obrigação de reparar o dano e confisco.
A interpretação a contrario sensu do art. 92, parágrafo único, do Código Penal, mostra serem tais efeitos automáticos, ou seja, não precisam ser expressamente declarados na sentença. Toda condenação os produz.
Efeitos específicos são os indicados pelo art. 92 do Código Penal: perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, e inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.
Têm essa denominação pelo fato de serem aplicados somente em determinados crimes. Por fim, não são automáticos, necessitando de expressa motivação na sentença condenatória para produzirem efeitos. É o que consta do art. 92, parágrafo único, do Código Penal.
Para o art. 91, I, do Código Penal, é efeito da condenação “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”.
Em sintonia com esse dispositivo, o art. 63 do Código de Processo Penal estatui que “transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para efeito de reparação do dano, o ofendido, seu representante legal e seus herdeiros”.
Nesse sentido, estabelece o art. 475-N, I, do Código de Processo Civil, ser título executivo judicial a sentença penal condenatória transitada em julgado.
Recorde-se que a sentença que concede perdão judicial não é condenatória, mas declaratória da extinção da punibilidade (Súmula 18 do STJ).
Por outro lado, a sentença que aplica medida de segurança ao inimputável é absolutória, enquanto a que impõe igual sanção penal ao semi-imputável é condenatória.
O cometimento de um crime acarreta na atribuição de duas responsabilidades ao autor, uma penal e outra civil, e, nada obstante tais instâncias sejam independentes, seria desarrazoado exigir que, já presente uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado reconhecendo a prova da autoria e da materialidade de um fato delituoso, tivesse a vítima ou seu representante legal a necessidade de iniciar uma ação de conhecimento para conseguir a reparação do dano.
Busca-se, assim, facilitar o ressarcimento da vítima. Já estará reconhecido o caráter ilícito do fato, bem como a obrigação de reparar o dano (an debeatur). Entretanto, como o título executivo é incompleto, a sentença penal deverá ser liquidada por artigos, para se apurar com exatidão o quantum debeatur, na forma definida pelo art. 475-E do Código de Processo Civil.
De fato, o juiz, ao proferir sentença condenatória, obrigatoriamente fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido (CPP, art. 387, inc. IV). Opera-se a determinação de um valor mínimo, ainda impreciso, mas com o trânsito em julgado da sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada por esse montante preestabelecido, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido (CPP, art. 63, parágrafo único).3
Destarte, transitada em julgado a sentença penal condenatória, não se pode questionar no juízo cível a obrigação de reparar o dano causado pelo crime, mas somente o seu valor.
Não perde a condição de título executivo judicial a sentença penal condenatória com trânsito em julgado se posteriormente a ela verificar-se a extinção da punibilidade do agente.
Em se tratando de extinção da punibilidade derivada de abolitio criminis ou de anistia, embora rescindam a sentença condenatória no plano penal, persiste o efeito civil da reparação do dano.
Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre, a execução da sentença penal condenatória será promovida, dependendo do seu requerimento, pelo Ministério Público (CPP, art. 68) ou pela Defensoria Pública, onde houver.
Se, após o trânsito em julgado da sentença penal, falecer o condenado, a execução civil será ajuizada em face de seus herdeiros, até os limites das forças da herança, em consonância com as regras previstas no art. 5.º, XLV, da Constituição Federal, e no art. 943 do Código Civil.
A sentença penal condenatória com trânsito em julgado apenas pode ser executada civilmente contra aquele que foi réu na ação penal. Para acionar o responsável civil que não foi criminalmente acusado, será obrigatório o ajuizamento de ação civil de conhecimento, funcionando a condenação como elemento probatório, e não como título executivo.
Se o réu condenado com trânsito em julgado for absolvido em revisão criminal, desaparece a força executiva, mesmo se já tiver sido iniciada a execução civil. Tal como fora criado, o título é desconstituído por decisão judicial.
Sempre que a decisão judicial não tiver natureza condenatória, como nos casos de sentença declaratória da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, arquivamento de inquérito policial, transação penal, entre outros, deverá o prejudicado intentar ação civil de indenização em razão de ato ilícito.
A sentença penal absolutória, em regra, não produz a obrigação de reparar o dano, salvo na hipótese de acórdão que absolve o réu em sede de revisão criminal. De fato, o injustamente condenado pode, ao efetuar pedido de revisão criminal, cumulá-lo com indenização por perdas e danos. Nesse caso, pode-se reconhecer o direito à indenização na esfera cível.
O ofendido, seu representante legal ou herdeiros não precisam aguardar o final da ação penal para postular, no juízo cível, a reparação do dano. Mas, sem o título executivo, deverá ser ajuizada a ação civil ex delicto, situação em que o seu trâmite pode ser suspenso, por decisão judicial, até o julgamento definitivo da ação penal (CPP, art. 64, parágrafo único), visando evitar decisões judiciais contraditórias.
A absolvição na esfera penal faz coisa julgada no campo civil, impedindo a reparação do dano, quando fundamentada no reconhecimento inequívoco da inexistência do fato ou da autoria, no exercício regular do direito, no estrito cumprimento do dever legal e na legítima defesa.
Nas demais hipóteses de absolvição, arroladas no art. 386 do Código de Processo Penal, subsiste a possibilidade de se buscar civilmente a reparação do dano.
Finalmente, em caso de absolvição penal em razão da comprovação do estado de necessidade, permanece a responsabilidade civil, na forma prevista no art. 929 do Código Civil. Com efeito, quando o proprietário da coisa destruída ou deteriorada não foi o responsável pelo perigo, a ele é assegurado o direito à indenização do prejuízo que lhe foi causado, por parte do autor do fato típico.
Por sua vez, se o perigo foi causado por terceiro, quem sofreu o prejuízo deverá ajuizar ação indenizatória contra aquele que, em estado de necessidade, destruiu ou deteriorou o bem que lhe pertencia. A este, contudo, é reservado o direito de mover ação de regresso contra quem provocou o perigo, na forma do art. 930 do Código Civil.
O confisco é previsto como efeito da condenação no art. 91, II, do Código Penal:
Art. 91. São efeitos da condenação:
(...)
II – a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
§ 1.º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.
§ 2.º Na hipótese do § 1.º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.
Confisco, como efeito da condenação, é a perda de bens de natureza ilícita em favor da União.
A medida possui dupla finalidade: impedir a difusão de instrumentos adequados à prática de novos crimes e proibir o enriquecimento ilícito por parte do criminoso.
Instrumento do crime (instrumenta sceleris) é o meio de que se vale o agente para cometer o delito, e apenas pode ser confiscado quando seu fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constituir fato ilícito. É o caso, por exemplo, da arma de fogo que o agente utilizou para cometer um roubo, salvo se ele possuir seu registro e autorização para portá-la.
Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte não podem ser confiscados, exceto quando utilizados para a prática de crimes previstos na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006, arts. 62 e 63), ou então quando sua fabricação ou uso constituir fato ilícito (CP, art. 91, II, “a”).
Por mandamento constitucional, serão confiscadas as glebas de terra utilizadas para cultura ilegal de plantas psicotrópicas, bem como todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas (CF, art. 243, caput e parágrafo único).
Embora existam entendimentos em contrário, os instrumentos de contravenção penal não podem ser confiscados, pois a lei penal deve ser interpretada restritivamente, e o art. 91, II, “a”, do Código Penal fala somente em confisco dos instrumentos do crime.
A perda dos instrumentos é automática, resultando do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não cabe o confisco, por consequência, nos casos de absolvição, ou quando celebrada transação penal, por se tratar de sentença meramente homologatória, ou na hipótese de arquivamento do inquérito policial ou declaração da extinção da punibilidade fundada na prescrição da pretensão punitiva.
Produto do crime (producta sceleris) significa a vantagem direta obtida pelo agente em decorrência da prática do crime. É o caso do relógio roubado.
Proveito do crime, por outro lado, é a vantagem indireta do crime, resultante da especificação do produto do crime (é o caso do ouro derivado do derretimento do relógio), o bem adquirido pelo agente em razão de alienação do produto do crime (o dinheiro auferido com a venda do relógio roubado), bem como o preço do crime (pretium sceleris).
Inicialmente, o produto e o proveito do crime deverão ser restituídos ao prejudicado pelo crime ou ao terceiro de boa-fé. Essa restituição será possível ainda que se trate de bem cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção se constitua em fato ilícito, desde que tal pessoa, por força de sua qualidade ou função, tenha autorização para ser seu proprietário. Exemplo: uma arma de guerra é apreendida, mas vem a ser devolvida ao seu legítimo dono, um colecionador de armas autorizado pelo Comando do Exército.
O confisco pela União somente será efetuado se for desconhecida a identidade do proprietário do bem ou não for reclamado seu valor, hipótese em que, uma vez confiscados, os instrumentos e produtos do crime passam à União, integrando o patrimônio do Fundo Penitenciário Nacional (art. 2.º, IV, da Lei Complementar 79/1994, regulamentada pelo Decreto 1.093/1994).4
Os §§ 1.º e 2.º do art. 91 do Código Penal foram introduzidos pela Lei 12.694/2012, com o propósito de proporcionar maior eficácia nas condenações proferidas em delitos cometidos no contexto de organizações criminosas. Nesses casos, poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior, notas comuns aos delitos praticados pelas estruturas ilícitas de poder. Além disso, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual (sequestro, arresto, especialização de hipoteca legal etc.) poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda, não se limitando ao produto e ao proveito do crime.
O art. 92, I, do Código Penal, define como efeito específico da condenação:
Art. 92. São também efeitos da condenação:
I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
Esses efeitos não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. Consequentemente, o magistrado precisa proceder à apreciação da natureza e da extensão do dano, bem como às condições pessoais do réu, para aferir seu cabimento no caso concreto.
Na alínea “a”, além do conceito de funcionário público contido no art. 327 do Código Penal, deve ser analisado se o crime ocorreu no exercício das funções exercidas pelo agente, isto é, se ele se valeu das facilidades proporcionadas por sua função para praticar o delito.
Ademais, como a lei fala em perda de, e não da função pública, o efeito alcança qualquer função pública, não se limitando àquela momentaneamente exercida pelo agente.
Já na alínea “b”, é possível a incidência do efeito da condenação em qualquer crime, bastando a presença de dois requisitos: (1) natureza da pena: privativa de liberdade; e (2) quantidade da pena: superior a 4 (quatro) anos.
Esse efeito específico da condenação não se confunde com a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, elencada no art. 47, I, do Código Penal como pena restritiva de direitos, espécie de pena de interdição temporária de direitos.
O efeito da condenação, por sua vez, é permanente, já que o condenado, ainda que seja posteriormente reabilitado, jamais poderá ocupar o cargo, função ou mandato objeto da perda, salvo se o recuperar por investidura legítima.
Anote-se, porém, que a possibilidade de perda do cargo público não precisa vir prevista na denúncia, posto que decorre de previsão legal expressa, como efeito da condenação, nos termos do art. 92 do Código Penal.5
É de se observar que, como o art. 92, inc. I, do Código Penal diz respeito à perda de “cargo, função pública ou mandato eletivo”, este efeito da condenação não alcança a cassação da aposentadoria, ainda que o crime tenha sido praticado quando o funcionário público estava na ativa. Na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
A cassação da aposentadoria não é consectário lógico da condenação penal. Os efeitos da condenação previstos no art. 92 do CP devem ser interpretados restritivamente. Não havendo previsão legal expressa sobre a cassação de aposentadoria no referido artigo, não pode o juiz criminal determiná-la. Dessa forma, caso o réu tenha passado para a inatividade antes da condenação, sua aposentadoria não pode ser afetada por sentença penal condenatória posteriormente proferida, mesmo que o fato apurado tenha sido cometido quando o funcionário ainda estava ativo. Isso não significa que a prática de crime em serviço não possa afetar a aposentadoria, pois a cassação da aposentadoria tem previsão legal no âmbito administrativo.6
Se o condenado é Deputado Federal ou Senador, o Poder Judiciário não poderá decretar a perda do cargo, pois esta competência é reservada à casa legislativa respectiva, na forma prevista pelo art. 55, § 2.º, da Constituição Federal. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
O Plenário condenou senador (prefeito à época dos fatos delituosos), bem assim o presidente e o vice-presidente de comissão de licitação municipal pela prática do crime descrito no art. 90 da Lei 8.666/93 [“Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”] à pena de 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção em regime inicial semiaberto. Fixou-se, por maioria, multa de R$ 201.817,05 ao detentor de cargo político, e de R$ 134.544,07 aos demais apenados, valores a serem revertidos aos cofres do município. Determinou-se – caso estejam em exercício – a perda de cargo, emprego ou função pública dos dois últimos réus. Entendeu-se, em votação majoritária, competir ao Senado Federal deliberar sobre a eventual perda do mandato parlamentar do ex-prefeito (CF, art. 55, VI e § 2.º) (STF: AP 565/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, j. 07 e 08.08.2013, noticiado no Informativo 714).
O art. 208 da Lei Complementar 75/1993 dispõe: “Os membros do Ministério Público da União, após dois anos de efetivo exercício, só poderão ser demitidos por decisão judicial transitada em julgado”.
De seu turno, a Lei 8.625/1993 – Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal estabelece em seu art. 38, § 1.º, I a IIII, que o membro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação civil própria, em três casos: (1) prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após decisão judicial transitada em julgado; (2) exercício da advocacia; e (3) abandono do cargo por prazo superior a 30 dias corridos.
Assim, fica fácil concluir que, no tocante aos membros vitalícios do Ministério Público da União, a perda do cargo decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado segue as regras do art. 92, I, do Código Penal.
A questão se torna mais complicada, todavia, em relação aos membros vitalícios dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, pelo fato de se exigir, para a perda do cargo, decisão judicial transitada em julgado em ação civil própria, ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça, após condenação definitiva em ação penal movida pela prática de crime incompatível com o exercício do cargo.
Em síntese, para a perda do cargo, a teor da interpretação literal do mencionado dispositivo legal, seriam necessárias duas condenações transitadas em julgado, uma pela prática do crime, e outra em ação civil própria, a qual depende da anterior.
Firmou-se, entretanto, pacífico entendimento no sentido de que essa sistemática seria por demais protetiva e desnecessária. Basta o cumprimento das regras do Código Penal para que possa ser decretada na sentença condenatória a perda do cargo. Para Hugo Nigro Mazzilli:
A nosso ver, o art. 38, § 1.º, da LONMP, refere-se às únicas hipóteses em que se admite perda do cargo por ação civil específica, mas não obsta a que, respeitados os pressupostos constitucionais, a lei admita outras hipóteses de perda do cargo de membro do Ministério Público, como em razão de condenação criminal.7
Com efeito, a garantia da vitaliciedade estaria respeitada, pois a ação penal contra Promotor de Justiça somente pode ser ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça, perante o Tribunal de Justiça respectivo. Não haveria motivo para esse procedimento ser repetido.
É também efeito específico da condenação “a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado”.
Esse efeito não é automático, e para a sua imposição reclama três requisitos: (1) natureza do crime: somente os dolosos; (2) natureza da pena: reclusão; e (3) qualidade da vítima: filho, tutelado ou curatelado.
Presentes os requisitos, o juiz pode declarar na sentença esse efeito. Pouco importa a quantidade da pena, e ainda o regime prisional.
Sua aplicação não é obrigatória, e sua pertinência deve ser avaliada no caso concreto, notadamente quando o crime provoque a incompatibilidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela.
Essa incapacidade pode ser estendida para alcançar outros filhos, pupilos ou curatelados, além da vítima do crime. Não seria razoável, exemplificativamente, decretar a perda do poder familiar somente em relação à filha de dez anos de idade estuprada pelo pai, aguardando fosse igual delito praticado contra as outras filhas mais jovens, para que só então se privasse o genitor desse direito.
Em relação à vítima do crime doloso e punido com reclusão, essa incapacidade é permanente. De fato, mesmo em caso de reabilitação é vedada a reintegração do agente na situação anterior (CP, art. 93, parágrafo único).
No tocante a outros filhos, pupilos ou curatelados, a incapacidade é provisória, pois o condenado, se reabilitado, poderá voltar a exercer o poder familiar, tutela ou curatela.
O art. 92, III, do Código Penal, reza ser efeito específico da condenação a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.
A lei exige, portanto, dois requisitos: (1) o crime deve ser doloso; e (2) utilização do veículo como meio de execução. Não se autoriza esse efeito, pois, no caso de crime culposo.
Esse efeito da condenação não se confunde com a suspensão da autorização ou de habilitação, definida pelo art. 47, III, do Código Penal, como pena restrita de direitos aplicável aos responsáveis por crimes culposos de trânsito, com igual duração à da pena privativa de liberdade substituída.
No caso de crime praticado na direção de veículo automotor, os arts. 292 e 293 da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) preveem a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação como pena, a ser aplicada isolada ou cumulativamente com outras penas, pelo prazo de 2 (dois) meses a 5 (cinco) anos.
Nos termos do art. 15, III, da Constituição Federal, opera-se a suspensão dos direitos políticos em face da condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Esse efeito é automático, prescindindo de motivação expressa na sentença condenatória, e a suspensão abrange os direitos políticos de natureza ativa e passiva. Subsiste até a extinção da sanção penal. De acordo com a orientação do Supremo Tribunal Federal: “Da suspensão de direitos políticos – efeito da condenação criminal transitada em julgado – ressalvada a hipótese excepcional do art. 55, § 2.º, da Constituição – resulta por si mesma a perda do mandato eletivo ou do cargo do agente político”.8
É indiferente o regime prisional fixado na sentença, bem como eventual substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou multa. Da mesma forma, a concessão de sursis e de livramento condicional não influi na suspensão dos direitos políticos, pois não extinguem a pena.
E, como estabelece a Súmula 9 do Tribunal Superior Eleitoral: “A suspensão dos direitos políticos decorrentes de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou prova de reparação dos danos”.
Diz o art. 55, VI, da Constituição Federal: “Perderá o mandato o Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”.
Esse efeito da condenação pode ser aplicado a qualquer espécie de crime, independente da sanção penal aplicada e de sua respectiva quantidade.
A perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa (CF, art. 55, § 2.º).
A condenação criminal transitada em julgado contra o empregado, qualquer que seja o crime, bem como o local de sua prática e a sua vítima, faz coisa julgada na Justiça do Trabalho.
Se a execução da pena não tiver sido suspensa, autoriza a demissão por justa causa pelo empregador. É o que dispõe o art. 482, “d”, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Esse efeito, como é lógico, não precisa ser motivadamente fundamentado na sentença penal condenatória.
De acordo com o art. 83 da Lei 8.666/1993, os crimes referentes a licitações e contratos da Administração Pública, ainda que na forma tentada, sujeitam seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo. Como a lei não dispõe sobre a aplicabilidade desse efeito, utiliza-se a sistemática prevista no Código Penal. Consequentemente, sua incidência depende de fundamentação expressa na sentença condenatória.
O art. 181, I a III, da Lei 11.101/2005 – Lei de Falências estabelece como efeitos da condenação aos crimes nela previstos, a inabilitação para o exercício de atividade empresarial, o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas à lei de falências, e a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.
Por sua vez, o art. 181, § 1.º, esclarece que tais efeitos não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença, e perdurarão até 5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação criminal.
Com o trânsito em julgado da condenação, o juiz deverá notificar o Registro Público de Empresas para que adote as medidas necessárias para impedir novo registro em nome dos inabilitados (art. 181, § 2.º).
A condenação pela prática de crime definido pela Lei de Tortura, se o agente for funcionário público, acarretará a perda do cargo, função ou emprego público, bem como a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada (Lei 9.455/1997, art. 1.º, § 5.º).
Cuida-se de efeito automático da condenação.
No caso de crime ligado ao tráfico de drogas (arts. 33, caput e § 1.º, e 34 a 37 da Lei 11.343/2006), seu art. 56, § 1.º, permite ao juiz, por ocasião do recebimento da denúncia, decretar o afastamento cautelar do acusado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando o órgão respectivo.
Trata-se de medida cautelar. Em caso de condenação, a perda do cargo ou função pública observa a regra geral delineada pelo Código Penal.
O art. 16 da Lei 7.716/1989 estabelece ser efeito da condenação aos crimes nela previstos a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a 3 (três) meses.
Esses efeitos não são automáticos, devendo ser expressamente declarados na sentença (art. 18).
O art. 7.º da Lei 9.613/1998, com as modificações incorporadas pela Lei 12.683/2012, dispõe acerca dos efeitos da condenação atinentes aos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, sem prejuízo da incidência das medidas previstas no Código Penal. Sua redação é a seguinte:
Art. 7.º São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal:
I – a perda, em favor da União – e dos Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual –, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II – a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9.º, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada.
§ 1.º A União e os Estados, no âmbito de suas competências, regulamentarão a forma de destinação dos bens, direitos e valores cuja perda houver sido declarada, assegurada, quanto aos processos de competência da Justiça Federal, a sua utilização pelos órgãos federais encarregados da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento dos crimes previstos nesta Lei, e, quanto aos processos de competência da Justiça Estadual, a preferência dos órgãos locais com idêntica função.
§ 2.º Os instrumentos do crime sem valor econômico cuja perda em favor da União ou do Estado for decretada serão inutilizados ou doados a museu criminal ou a entidade pública, se houver interesse na sua conservação.
Como a Lei 9.613/1998 calou-se no tocante à aplicabilidade destes efeitos, é preciso utilizar a sistemática adotada pelo Código Penal. Desta forma, conclui-se que o efeito da condenação previsto no inc. I é automático, ao passo que o inc. II contempla efeito não automático, reclamando declaração motivada na sentença condenatória.
1. (82.º Promotor de Justiça – MP/SP) Assinale a alternativa incorreta.
(A) As leis temporárias e excepcionais não se aplicam a fatos ocorridos antes de sua vigência, não se derrogando o princípio da reserva legal.
(B) Nos crimes instantâneos de efeitos permanentes, consumada a infração em dado momento, seus efeitos permanecem independentemente da vontade do sujeito ativo.
(C) Excluído, pela reabilitação, o efeito da condenação consistente em perda do cargo, o funcionário público deverá ser reconduzido ao mesmo cargo de que fora demitido.
(D) Ocorre tentativa branca quando o objeto material não sofre lesão.
(E) Na Lei de Abuso de Autoridade são descritos crimes próprios e, apesar disso, pode-se admitir participação de terceiro que não exerça “autoridade”.
2. (Delegado de Polícia/PF – CESPE/2013) Em relação aos efeitos da condenação, julgue o item que segue:
Considere que uma mulher, maior e capaz, chegue a casa, logo após ter sido demitida, e, nervosa, agrida, injustificada e intencionalmente, seu filho de dois anos de idade, causando-lhe lesões corporais de natureza leve. Nessa situação hipotética, caso essa mulher seja condenada pela referida agressão após o devido processo legal, não caberá, como efeito da condenação, a decretação de sua incapacidade para o exercício do poder familiar, nos termos do CP.
3. (Advogado/CETESB – VUNESP/2013) Dentre os efeitos da condenação previstos e disciplinados no Código Penal, encontra-se a seguinte hipótese:
(A) perda em favor do Município, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito.
(B) perda de cargo, função pública ou mandato eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública.
(C) inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso, de forma automática, sem necessidade de motivação expressa na sentença.
(D) tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, processando-se o cumprimento da sentença no próprio processo penal, após o trânsito em julgado.
(E) perda em favor do Estado, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
4. (Magistratura/RS – 2009) Considere os possíveis efeitos da condenação quando a pena privativa de liberdade deva ser cumprida sob qualquer regime.
I – Tornar certa a obrigação de reparar o dano causado pelo crime.
II – Determinar a perda, em favor da União, do revólver de uso permitido utilizado pelo homicida, não obstante registro e porte regular da arma.
III – Impor o confisco do automóvel utilizado pelo motorista no cometimento do crime de tráfico de droga, muito embora a origem lícita do bem e sua utilização casual ou eventual.
(A) Apenas I
(B) Apenas II
(C) Apenas III
(D) Apenas I e III
(E) I, II e III
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.
Acesse o portal de material complementar do GEN – o GEN-io – para ter acesso a diversas questões de concurso público sobre este assunto: <http://gen-io.grupogen.com.br>.
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1 Como impõe medida de segurança, é chamada de absolvição imprópria.
2 São inúmeros os efeitos penais secundários da condenação, e inviável e cansativo aqui enumerá-los. Escolhemos, por isso, os mais importantes e de maior incidência em concursos públicos.
3 “Para que seja fixado na sentença valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, com base no art. 387, IV, do CPP, é necessário pedido expresso do ofendido ou do Ministério Público e a concessão de oportunidade de exercício do contraditório pelo réu” (STJ: REsp 1.193.083/RS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 20.08.2013, noticiado no Informativo 728).
4 Depois da apreensão dos instrumentos e produtos do crime, serão esses bens inutilizados, leiloados ou recolhidos a museu criminal, se houver interesse na sua conservação. Os bens imóveis adquiridos pelo agente com o proveito do crime, ainda que transferidos a terceiro, serão sequestrados (CPP, arts. 122 a 125).
5 STJ: HC 81.954/PR, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6.ª Turma, j. 29.11.2007.
6 RMS 31.980/ES, rel. Min. Og Fernandes, 6.ª Turma, j. 02.10.2012, noticiado no Informativo 505.
7 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 91.
8 RE 418.876/MT, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1.ª Turma, j. 30.03.2004.