Sumário: 42.1. Conceito – 42.2. Origem histórica – 42.3. Natureza jurídica – 42.4. Modalidades de reabilitação no Código Penal: 42.4.1. Sigilo das condenações: art. 93, caput, parte final; 42.4.2. Efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação: art. 93, parágrafo único – 42.5. Reabilitação e reincidência – 42.6. Pressuposto e requisitos da reabilitação: 42.6.1. Pressuposto; 42.6.2. Requisitos – 42.7. Pedido de reabilitação – 42.8. Revogação da reabilitação – 42.9. Reabilitação e habeas corpus – 42.10. Questões.
Reabilitação é o instituto jurídico-penal que se destina a promover a reinserção social do condenado, a ele assegurando o sigilo de seus antecedentes criminais, bem como a suspensão condicional de determinados efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação, mediante a declaração judicial no sentido de que as penas a ele aplicadas foram cumpridas ou por qualquer outro modo extintas. Busca, pois, reintegrar o condenado que tenha cumprido a pena na posição jurídica que desfrutava anteriormente à prolação da condenação.1
Tem, portanto, duas funções: (1) assegurar ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação (art. 93, caput); e (2) suspender condicionalmente os efeitos da condenação previstos no art. 92 do Código Penal (art. 93, parágrafo único).
A primeira manifestação do instituto da reabilitação ocorreu no Direito Romano, por meio da restitutio in integrum, forma de clemência soberana extintiva da pena e restauradora dos direitos patrimoniais e morais do condenado.
No Brasil, surgiu inicialmente no art. 86 do Código Penal de 1890, prevista como causa de extinção da condenação. Com o trânsito em julgado da revisão criminal, favorável ao réu, tinha ele automaticamente restabelecidos todos os seus direitos, bem como era garantida a indenização pelos prejuízos decorrentes da condenação.
Cuida-se de medida de política criminal assecuratória do sigilo sobre os antecedentes criminais do condenado e, ainda, causa suspensiva condicional de certos efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação.
Não se trata, pois, de causa de extinção da punibilidade. De fato, como consta da Exposição de Motivos, item 82:
Trata-se de instituto que não extingue, mas tão somente suspende alguns efeitos penais da sentença condenatória, visto que a qualquer tempo, revogada a reabilitação, se restabelece o status quo ante. Diferentemente, as causas extintivas da punibilidade operam efeitos irrevogáveis, fazendo cessar definitivamente a pretensão punitiva ou a execução.
A reabilitação assegura ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação, nos termos do art. 93, caput, parte final, do Código Penal.
Mas qual é o verdadeiro alcance dessa finalidade da reabilitação?
O art. 202 da Lei de Execução Penal estatui que cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.
Esse sigilo, como se percebe, é garantido de forma automática e imediata depois do cumprimento integral ou extinção da pena por qualquer outro motivo. Prescinde da reabilitação.
Tal sigilo, entretanto, é mais restrito, pois pode ser quebrado por qualquer autoridade judiciária, por membro do Ministério Público ou, ainda, por Delegado de Polícia.
De outro lado, o sigilo assegurado pela reabilitação é mais amplo, pois as informações por ele cobertas somente podem ser obtidas por requisição (ordem), não de qualquer integrante do Poder Judiciário, mas exclusivamente do juiz criminal. É o que se extrai do art. 748 do Código de Processo Penal.
No tocante ao sigilo dos registros sobre o processo e sentença do condenado, essa é a utilidade prática da reabilitação. Na esteira do pensamento do Superior Tribunal de Justiça:
Esta Corte Superior já pacificou o entendimento segundo o qual, por analogia à regra inserta no art. 748 do Código de Processo Penal, as anotações referentes a inquéritos policiais e processos penais devem ser excluídas da Folha de Antecedentes Criminais nas hipóteses em que resultarem na extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, arquivamento, absolvição ou reabilitação.2
Os efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação estão elencados no art. 92 do Código Penal.
A suspensão desses efeitos é condicional, porque do reabilitando exige-se o cumprimento de condições para retornar à situação em que estava previamente à condenação.
Vejamos cada um deles, e os reflexos provocados pela reabilitação.
O art. 92, I, do Código Penal, prevê como efeito secundário de natureza extrapenal e específico da condenação a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder, ou violação de dever para com a administração pública, ou ainda quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos, nos demais crimes.
O agente reabilitado não é reintegrado, automaticamente, à situação anterior, por expressa determinação do art. 93, parágrafo único, do Código Penal.
Pode voltar, contudo, a exercer novo cargo, emprego ou função pública, desde que proveniente de nova investidura. Exemplo: o funcionário público condenado por peculato, que perdeu o cargo público que ocupava, desde que reabilitado, pode novamente ser funcionário público, se aprovado no concurso público respectivo.
É também efeito secundário de natureza extrapenal e específico da condenação a incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado.
Como se sabe, os efeitos da condenação decorrentes de um crime doloso, punido com reclusão, cometido contra filho, tutelado ou curatelado podem ser estendidos às demais pessoas que se encontram em igual situação jurídica.
Com a reabilitação, o condenado pode voltar a exercer o poder familiar, a tutela ou a curatela em relação àqueles que não foram vítimas do delito doloso punido com reclusão, pois em relação ao ofendido a incapacidade é permanente, conforme determina o art. 93, parágrafo único, do Código Penal.
Em outras palavras, jamais poderá ser exercido novamente o poder familiar, tutela ou curatela em face da vítima do crime cuja condenação produziu o efeito previsto no art. 92, II, do Código Penal.
O art. 92, III, do Código Penal arrola como efeito secundário de natureza extrapenal e específico da condenação a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.
Uma vez reabilitado, o agente poderá obter nova carteira de habilitação, sem qualquer restrição legal.
A reabilitação suspende condicionalmente alguns efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação.
A condenação, todavia, permanece íntegra, pois o instituto em análise não a rescinde. Portanto, se, embora reabilitado, o agente vier a praticar novo delito, será considerado reincidente.
Com efeito, o art. 64, I, do Código Penal é peremptório ao esclarecer que a condenação anterior somente perde força para gerar a reincidência quando, entre a data do cumprimento ou extinção da pena dela decorrente e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.
Esse hiato temporal é o que se convencionou chamar de período depurador ou caducidade da reincidência.
A interpretação do art. 94 do Código Penal revela que a reabilitação possui um pressuposto e diversos requisitos.
O pressuposto é a existência de uma sentença condenatória transitada em julgado. É indiferente a natureza da sanção penal aplicada ao condenado, uma vez que a reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, tal como dispõe o art. 93, caput, do Código Penal.3
A lei exige, ainda, a observância de determinados requisitos, de natureza objetiva e subjetiva.
São os que se relacionam ao tempo de cumprimento da pena e à reparação do dano.
a) Tempo de cumprimento da pena
O art. 94, caput, do Código Penal, condiciona a reabilitação a um marco temporal. Deve ter transcorrido o período de 2 (dois) anos do dia em que tiver sido extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar a sua execução, computando-se o período de prova do sursis e do livramento condicional, se não sobrevier revogação.
O prazo é o mesmo, seja o condenado primário ou reincidente.
Nas hipóteses de sursis e de livramento condicional, o termo inicial do prazo é a audiência admonitória.
Na pena de multa, o prazo se inicia a partir do seu efetivo pagamento, pois esse ato enseja a sua extinção, ou então da data de sua prescrição da pretensão executória.
Em se tratando de extinção da pena pela ocorrência da prescrição, a contagem do prazo tem início na data em que ocorreu a causa extintiva da punibilidade, pouco importando o momento em que se deu o seu reconhecimento judicial.
Se o agente ostentar diversas condenações, o pedido de reabilitação deve ser formulado no tocante a todas elas. Não pode se limitar somente a parcela das penas, em razão de as demais ainda não terem sido integralmente cumpridas ou extintas por qualquer outra causa. A reabilitação tem por essência a totalidade de seus efeitos, proporcionando a plena reinserção social do condenado. Como leciona Aloysio de Carvalho Filho:
Duas ou mais as penas impostas, a reabilitação não pode ser deferida, enquanto não preenchida a condição do cumprimento de todas elas. É da índole e da finalidade do instituto ser de efeitos totais, gerais. Do mesmo modo que não se compreenderia uma reabilitação em porções, não se justifica uma reabilitação que anule umas penas, deixando outras de pé. Teríamos o penoso espetáculo de um reabilitado manco, para quem a reabilitação, afinal, seria uma irrisória inutilidade, por lhe não haver restituído, senão em parte, a liberdade de ação, quando, no seu caso, ou toda ou nenhuma.4
b) Reparação do dano
O art. 94, III, do Código Penal autoriza a reabilitação ao condenado que tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de fazê-lo, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.
Esse requisito é dispensado quando já se operou a prescrição do débito no âmbito civil.
Em homenagem à separação e independência entre as instâncias, subsiste a obrigação de reparar o dano, como requisito da reabilitação, quando em prol do penalmente condenado tiver sido julgado improcedente o pedido de indenização formulado no juízo civil. Com efeito, prevalece a decisão penal no tocante à prova da autoria e da materialidade do fato delituoso.
Não há falar em dano a ser reparado nos crimes que não o produzem, tal como apologia ao crime, ato obsceno e associação criminosa.
Da mesma forma, não incide esse requisito quando o crime não apresenta vítima determinada, ou ainda quando figura como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica (crime vago).
A pobreza, na acepção jurídica do termo, que justifica a dispensa da reparação do dano, pode ser provada por qualquer meio legítimo.
A renúncia da vítima ou a novação civil da dívida também autorizam a reabilitação independentemente do ressarcimento dos prejuízos.
O fato de a vítima não ter ajuizado ação indenizatória contra o condenado não significa estar ele livre de reparar o dano.
Dizem respeito à pessoa do condenado. São dois: domicílio no país nos dois anos seguintes ao cumprimento ou extinção da pena e bom comportamento público e privado nesse período.
a) Domicílio no país
Exige-se que o condenado tenha sido domiciliado no Brasil no prazo de dois anos após a extinção da pena, o que admite liberdade de prova.
b) Bom comportamento público e privado
O condenado, no prazo de dois anos posteriormente à extinção da pena, deve ter apresentado, de forma efetiva e constante, bom comportamento público e privado. Não só a prática de novo delito impede a reabilitação. Qualquer ato capaz de macular a reputação do agente pode fazê-lo.
A demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado pode ser feita, exemplificativamente, com frequência a estabelecimentos de ensino e cursos profissionalizantes, ocupação lícita e honesta, participação em programas filantrópicos e sociais, etc.
A legitimidade para formular o pedido de reabilitação é privativa do condenado. Cuida-se de ato eminentemente pessoal, intransferível. Não se estende aos seus herdeiros ou sucessores em caso de falecimento do titular, o que se justifica pela finalidade do instituto (reinserção social do condenado).
Inexiste, pois, reabilitação em prol da memória do condenado falecido, uma vez que a medida somente produz efeitos para o futuro.
O condenado deve ser assistido por advogado e o pedido deve ser endereçado ao juízo de primeiro grau em que tramitou a ação penal, ainda que a decisão condenatória transitada em julgado tenha sido proferida em sede recursal. No caso de competência originária, a reabilitação deve ser ajuizada perante o Tribunal competente.5
A petição inicial deve estar acompanhada de todos os requisitos de índole objetiva e subjetiva, disciplinados pelo art. 94 do Código Penal.
Deve ser ouvido o Ministério Público previamente à decisão judicial.
A sentença que concede ou nega a reabilitação pode ser impugnada por meio de recurso de apelação, na forma do art. 593, II, do Código de Processo Penal. Na hipótese de concessão, comporta também recurso de ofício, conforme determina o art. 746 do citado diploma legal.
O art. 94, parágrafo único, do Código Penal revela o caráter rebus sic stantibus da reabilitação, pois, uma vez negada, poderá ser novamente requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários.
Preceitua o art. 95 do Código Penal: “A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa”.
A via do habeas corpus não é a adequada para instrumentalizar o pedido de reabilitação.6
1. (Advogado/CEF – 2006) Considerando o posicionamento doutrinário e jurisprudencial dominante, julgue o item subsequente, relativo à parte geral do Código Penal.
A reabilitação atinge todos os efeitos da condenação, alcançando, inclusive, os casos de perda de cargo ou função pública, o que significa que o condenado que perdeu o cargo ou a função pode, se reintegrado, ser reconduzido ao exercício do mesmo cargo, com reparação de vantagens e de vencimentos, entre outros.
2. (Juiz de Direito – TJ/TO – 2007) Assinale a opção correta no que se refere a reabilitação.
(A) Considere que Marcelo tenha sido condenado por crime de furto qualificado e que tenha sido reabilitado após regular cumprimento da pena e decurso do prazo legal. Considere, ainda, que, após a reabilitação, ele tenha cometido novo crime, nessa vez, de estupro. Nessa situação, o juiz, ao proferir sentença condenatória contra Marcelo pela prática do crime de estupro, não poderá considerá-lo reincidente por causa do furto qualificado anteriormente praticado.
(B) Para fins de reabilitação, é desnecessária, em caso de crime contra o patrimônio, a análise de ressarcimento do dano causado pelo crime.
(C) A prescrição da pretensão punitiva do Estado não impede o pedido de reabilitação.
(D) Sendo o reabilitado condenado exclusivamente a pena de multa, a reabilitação não será revogada.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.
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1 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Trad. Paulo José da Costa Jr. e Alberto Silva Franco. São Paulo: RT, 1966. p. 226.
2 RMS 25.096/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 5.ª Turma, j. 28.02.2008.
3 Por esse motivo, entende o Superior Tribunal de Justiça que “uma vez decretada a prescrição da pretensão punitiva e inexistindo, portanto, qualquer condenação, resta ausente o interesse processual de se obter a reabilitação criminal” (REsp 66.5531/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5.ª Turma, j. 03.02.2005).
4 CARVALHO FILHO, Aloysio de. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1944. v. IV, p. 388-389.
5 No único julgado sobre o assunto, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal: “No nosso sistema pro-cessual vigente, não se inclui a reabilitação entre os incidentes da execução, e o Código de Processo Penal comum (art. 743) e o Código de Processo Penal Militar (art. 651) determinam expressamente que o beneficio seja requerido no juízo da condenação” (CC 7.015/SP, rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, j. 01.08.1994).
6 STF: HC 90.554/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 1.ª Turma, j. 06.03.2007.