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LEI PENAL

Sumário: 7.1. Introdução7.2. Classificação7.3. Características da lei penal7.4. Lei penal em branco7.5. Interpretação da lei penal: 7.5.1. Introdução; 7.5.2. Quanto ao sujeito: autêntica, judicial ou doutrinária; 7.5.3. Quanto aos meios ou métodos: gramatical e lógica; 7.5.4. Quanto ao resultado: declaratória, extensiva e restritiva; 7.5.5. Interpretação progressiva; 7.5.6. Interpretação analógica7.6. Analogia: 7.6.1. Introdução; 7.6.2. Espécies7.7. Lei penal no tempo: 7.7.1. Introdução; 7.7.2. Direito Penal intertemporal e o conflito de leis penais no tempo; 7.7.3. Lei penal temporária e lei penal excepcional; 7.7.4. As leis penais em branco e o conflito de leis no tempo7.8. Conflito aparente de leis penais: 7.8.1. Conceito; 7.8.2. Requisitos; 7.8.3. Localização no Direito Penal; 7.8.4. Finalidade; 7.8.5. Diferença com o concurso de crimes; 7.8.6. Diferença com o conflito de leis penais no tempo; 7.8.7. Princípios para solução do conflito; 7.8.8. Ausência de previsão legal7.9. Tempo do crime7.10. Lei penal no espaço: 7.10.1. Introdução; 7.10.2. Princípio da territorialidade; 7.10.3. Outros princípios7.11. Lugar do crime: 7.11.1. Não aplicação da teoria da ubiquidade em outras hipóteses7.12. Extraterritorialidade: 7.12.1. Introdução; 7.12.2. Extraterritorialidade incondicionada; 7.12.3. Extraterritorialidade condicionada7.13. Lei penal em relação às pessoas: 7.13.1. Introdução; 7.13.2. Imunidades diplomáticas e de chefes de governos estrangeiros; 7.13.3. Imunidades parlamentares7.14. Disposições finais acerca da aplicação da lei penal: 7.14.1. Introdução; 7.14.2. Eficácia da sentença estrangeira; 7.14.3. Contagem de prazo; 7.14.4. Frações não computáveis da pena; 7.14.5. Legislação especial7.15. Questões.

7.1. INTRODUÇÃO

É a fonte formal imediata do Direito Penal, uma vez que, por expressa determinação constitucional, tem a si reservado, exclusivamente, o papel de criar infrações penais e cominar-lhes as penas respectivas.

Sua estrutura apresenta dois preceitos, um primário (conduta) e outro secundário (pena). No crime de homicídio simples, tipificado pelo art. 121 do Código Penal, o preceito primário é “matar alguém”, enquanto a pena de “reclusão, de 6 a 20 anos” desempenha a função de preceito secundário.

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Deve-se observar que a lei penal não é proibitiva, mas descritiva. Não proíbe a conduta de “matar alguém”, e sim descreve tal comportamento como criminoso, impondo a pena a ser aplicada caso seja ele praticado. A legislação penal brasileira não contém, como outrora, mandamentos diretos, a exemplo de “não furtar”, “não roubar” etc. Optou pela proibição indireta, descrevendo o fato como pressuposto da sanção.

Essa técnica legislativa foi desenvolvida por Karl Binding, por ele chamada de teoria das normas, segundo a qual é necessária a distinção entre norma e lei penal. A norma cria o ilícito, a lei cria o delito. A conduta criminosa viola a norma, mas não a lei, pois o agente realiza exatamente a ação que esta descreve.

7.2. CLASSIFICAÇÃO

As leis penais apresentam diversas divisões. Podem ser:

a)   incriminadoras: são as que criam crimes e cominam penas. Estão contidas na Parte Especial do Código Penal e na legislação penal especial;

b)   não incriminadoras: são as que não criam crimes nem cominam penas. Subdividem-se em:

b1)   permissivas: autorizam a prática de condutas típicas, ou seja, são as causas de exclusão da ilicitude. Em regra, estão previstas na Parte Geral (CP, art. 23), mas algumas são também encontradas na Parte Especial, tal como ocorre nos arts. 128 (aborto legal) e 142 (exclusão da ilicitude nos crimes contra a honra) do Código Penal;

b2)   exculpantes: estabelecem a não culpabilidade do agente ou ainda a impunidade de determinados delitos. Exemplos: doença mental, menoridade, prescrição e perdão judicial. Encontram-se comumente na Parte Geral, mas também podem ser identificadas na Parte Especial do Código Penal, tais como nos arts. 312, § 3.º, 1.ª parte (reparação do dano antes da sentença no crime de peculato), e art. 342, § 2.º (retratação antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito no crime de falso testemunho ou falsa perícia);

b3)   interpretativas: esclarecem o conteúdo e o significado de outras leis penais. Exemplos: arts. 150, § 4.º (conceito de domicílio), e 327 (conceito de funcionário público para fins penais) do Código Penal;

b4)   de aplicação, finais ou complementares: delimitam o campo de validade das leis incriminadoras. Exemplos: arts. 2.º e 5.º do Código Penal;

b5)   diretivas: são as que estabelecem os princípios de determinada matéria. Exemplo: princípio da reserva legal (CP, art. 1.º);

b6)   integrativas ou de extensão: são as que complementam a tipicidade no tocante ao nexo causal nos crimes omissivos impróprios, à tentativa e à participação (CP, arts. 13, § 2.º, 14, II, e 29, caput, respectivamente);

c)   completas ou perfeitas: apresentam todos os elementos da conduta criminosa. É o caso do art. 157, caput, do Código Penal;

d)   incompletas ou imperfeitas: reservam a complementação da definição da conduta criminosa a uma outra lei, a um ato da Administração Pública ou ao julgador. São as leis penais em branco, nos dois primeiros casos, e os tipos penais abertos, no último.

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7.3. CARACTERÍSTICAS DA LEI PENAL

a)   Exclusividade: só a lei pode criar delitos e penas (CF, art. 5.º, XXXIX, e CP, art. 1.º).

b)   Imperatividade: o seu descumprimento acarreta a imposição de pena ou de medida de segurança, tornando obrigatório o seu respeito.

c)   Generalidade: dirige-se indistintamente a todas as pessoas, inclusive aos inimputáveis. Destina-se a todas as pessoas que vivem sob a jurisdição do Brasil, estejam no território nacional ou no exterior. Justifica-se pelo caráter de coercibilidade que devem ter todas as leis em vigor, com efeito imediato e geral (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 6.º).

d)   Impessoalidade: projeta os seus efeitos abstratamente a fatos futuros, para qualquer pessoa que venha a praticá-los. Há duas exceções, relativas às leis que preveem anistia e abolitio criminis, as quais alcançam fatos concretos.

e)   Anterioridade: as leis penais incriminadoras apenas podem ser aplicadas se estavam em vigor quando da prática da infração penal, salvo no caso da retroatividade da lei benéfica.

7.4. LEI PENAL EM BRANCO

Para Franz von Liszt, leis penais em branco são como “corpos errantes em busca de alma”. Existem fisicamente no universo jurídico, mas não podem ser aplicadas em razão de sua incompletude.

A lei penal em branco é também denominada de cega ou aberta, e pode ser definida como a espécie de lei penal cuja definição da conduta criminosa reclama complementação, seja por outra lei, seja por ato da Administração Pública. O seu preceito secundário é completo, o que não se verifica no tocante ao primário, carente de implementação. Divide-se em:

a) Lei penal em branco em sentido lato ou homogênea: o complemento tem a mesma natureza jurídica e provém do mesmo órgão que elaborou a lei penal incriminadora. Veja-se o art. 169, parágrafo único, I, do Código Penal, complementado pelo Código Civil, pois lá está a definição de tesouro (art. 1.264). Além disso, tanto a lei civil como a penal têm como fonte de produção o Poder Legislativo federal (CF, art. 22, inc. I). Pode ser homovitelina, quando a lei incriminadora e seu complemento (outra lei) encontram-se no mesmo diploma legal, ou heterovitelina, se estiverem alocadas em diplomas diversos.

b) Lei penal em branco em sentido estrito ou heterogênea: o complemento tem natureza jurídica diversa e emana de órgão distinto daquele que elaborou a lei penal incriminadora. É o caso dos crimes previstos na Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas –, editada pelo Poder Legislativo federal, mas complementada por portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Portaria SVS/MS 344/1998), pertencente ao Poder Executivo, pois nela está a relação das drogas.

Veja-se também o julgado do Superior Tribunal de Justiça:

O art. 1.º, I, da Lei 8.176/91, ao proibir o comércio de combustíveis “em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei”, é norma penal em branco em sentido estrito, porque não exige a complementação mediante lei formal, podendo sê-lo por normas administrativas infralegais, estas, sim, estabelecidas “na forma da lei”.1

c) Lei penal em branco inversa ou ao avesso: o preceito primário é completo, mas o secundário reclama complementação. Nesse caso, o complemento deve ser obrigatoriamente uma lei, sob pena de violação ao princípio da reserva legal. Exemplos dessa espécie de lei penal em branco são encontrados nos artigos 1.° a 3.° da Lei 2.889/1956, relativos ao crime de genocídio.

d) Lei penal em branco de fundo constitucional: o complemento do preceito primário constitui-se em norma constitucional. É o que se verifica no crime de abandono intelectual, definido no art. 246 do Código Penal, pois o conceito de “instrução primária” encontra-se no art. 208, inc. I, da Constituição Federal.

7.5. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL

7.5.1. Introdução

Interpretação é a tarefa mental que procura estabelecer a vontade da lei, ou seja, o seu conteúdo e significado. Na insuperável lição de Carlos Maximiliano:

Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém.2

Deve buscar a vontade da lei (mens legis), isto é, o sentido normativo nela contido, e não de quem a fez (mens legislatoris).3

A ciência que disciplina este estudo é a hermenêutica jurídica. A atividade prática de interpretação da lei é chamada de exegese.

A interpretação sempre é necessária, ainda que a lei se mostre, inicialmente, inteiramente clara, pois podem surgir dúvidas quanto ao seu efetivo alcance. O que ela abrange de modo imediato eventualmente não é tudo quanto pode incidir no seu campo de atuação.

Pode a interpretação ser classificada levando-se em conta o sujeito responsável pela sua realização, os meios de que se serve o intérprete e, por último, os resultados obtidos.

7.5.2. Quanto ao sujeito: autêntica, judicial ou doutrinária

Cuida-se do sujeito ou órgão que realiza a interpretação, classificando-se em autêntica, judicial e doutrinária.

Autêntica, também chamada de legislativa, é aquela de que se incumbe o próprio legislador, quando edita uma lei com o propósito de esclarecer o alcance e o significado de outra. É chamada de interpretativa e tem natureza cogente, obrigatória, dela não podendo se afastar o intérprete. É o caso do conceito de causa, fornecido pelo art. 13, caput, do Código Penal, e também do conceito legal de funcionário público para fins penais, previsto no art. 327 do Código Penal.

Por se limitar à interpretação, tem eficácia retroativa (ex tunc), ainda que seja mais gravosa ao réu. Em respeito à força e à autoridade da coisa julgada, por óbvio não atinge os casos já definitivamente julgados.

Pode ser contextual, quando se situa no próprio corpo da lei a ser interpretada, ou posterior, quando surge ulteriormente.

Doutrinária, ou científica, é a interpretação exercida pelos doutrinadores, escritores e articulistas, enfim, comentadores do texto legal. Não tem força obrigatória e vinculante, em hipótese alguma. A Exposição de Motivos do Código Penal deve ser encarada como interpretação doutrinária, e não autêntica, por não fazer parte da estrutura da lei.

Judicial ou jurisprudencial é interpretação executada pelos membros do Poder Judiciário, na decisão dos litígios que lhes são submetidos. Sua reiteração constitui a jurisprudência. Em regra, não tem força obrigatória, salvo em dois casos: na situação concreta (em virtude da formação da coisa julgada material) e quando constituir súmula vinculante (CF, art. 103-A, e Lei 11.417/2006).

7.5.3. Quanto aos meios ou métodos: gramatical e lógica

Cuida-se do meio de que se serve o intérprete para descobrir o significado da lei penal. Classifica-se em gramatical e lógica.

Gramatical, também denominada literal ou sintática, é a que flui da acepção literal das palavras contidas na lei. Despreza quaisquer outros elementos que não os visíveis na singela leitura do texto legal. É a mais precária, em face da ausência de técnica científica.

Lógica, ou teleológica, é aquela realizada com a finalidade de desvendar a genuína vontade manifestada na lei, nos moldes do art. 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. É mais profunda e, consequentemente, merecedora de maior grau de confiabilidade.

Serve-se o intérprete de todos os elementos que tem à sua disposição, quais sejam, histórico (evolução histórica da lei e do objeto nela tratado), sistemático (análise da lei em compasso com o sistema em que se insere), direito comparado (tratamento do assunto em outros países) e, inclusive, de elementos extrajurídicos, quando o significado de determinados institutos se encontra fora do âmbito do Direito (exemplo: conceito de veneno, relacionado à química).

7.5.4. Quanto ao resultado: declaratória, extensiva e restritiva

Refere-se à conclusão extraída pelo intérprete, classificando-se em declaratória, extensiva e restritiva.

Declaratória, declarativa ou estrita é aquela que resulta da perfeita sintonia entre o texto da lei e a sua vontade. Nada resta a ser retirado ou acrescentado.

Extensiva é a que se destina a corrigir uma fórmula legal excessivamente estreita. A lei disse menos do que desejava (minus dixit quam voluit). Amplia-se o texto da lei, para amoldá-lo à sua efetiva vontade.

Por se tratar de mera atividade interpretativa, buscando o efetivo alcance da lei, é possível a sua utilização até mesmo em relação àquelas de natureza incriminadora. Exemplo disso é o art. 159 do Código Penal, legalmente definido como extorsão mediante sequestro, que também abrange a extorsão mediante cárcere privado.

É a posição consagrada em sede doutrinária. Deve ser utilizada em concursos que esperam do candidato uma posição mais rigorosa, tais como do Ministério Público, Polícia Civil e Polícia Federal.

Em concursos de tendência mais liberal, como é o caso da Defensoria Pública, razoável empregar uma posição favorável ao réu. Nesse contexto, já decidiu o Supremo Tribunal Federal: “O princípio da legalidade estrita, de observância cogente em matéria penal, impede a interpretação extensiva ou analógica das normas penais”.4

Restritiva é a que consiste na diminuição do alcance da lei, concluindo-se que a sua vontade, manifestada de forma ampla, não permite seja atribuído à sua letra todo o sentido que em tese poderia ter. A lei disse mais do que desejava (plus dixit quam voluit).

7.5.5. Interpretação progressiva

Interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva é a que busca amoldar a lei à realidade atual. Evita a constante reforma legislativa e se destina a acompanhar as mudanças da sociedade. É o caso do conceito de ato obsceno, diferente atualmente do que era há algumas décadas.

7.5.6. Interpretação analógica

Interpretação analógica ou “intra legem” é a que se verifica quando a lei contém em seu bojo uma fórmula casuística seguida de uma fórmula genérica. É necessária para possibilitar a aplicação da lei aos inúmeros e imprevisíveis casos que as situações práticas podem apresentar.

Imagine-se na fase oral de um concurso público e toda a natural e inevitável tensão que a acompanha. O examinador faz a primeira pergunta: “Doutor, Doutora, apresente um exemplo de motivo torpe como qualificadora do crime de homicídio”.

Nessa hora, a memória pode falhar, a ansiedade e o nervosismo podem atrapalhar, por mais preparado ou preparada que você esteja. Lembre-se, então, da interpretação analógica. Abra o Código Penal que estará à sua frente e leia o art. 121, § 2.º, I, respondendo em seguida: “Excelência, o homicídio praticado mediante paga ou promessa de recompensa”.5 É isso. Paga e promessa de recompensa são motivos torpes, que não excluem outros.

7.6. ANALOGIA

7.6.1. Introdução

Não se trata de interpretação da lei penal. De fato, sequer há lei a ser interpretada. Cuida-se, portanto, de integração ou colmatação do ordenamento jurídico. A lei pode ter lacunas, mas não o ordenamento jurídico.

Também conhecida como integração analógica ou suplemento analógico, é a aplicação, ao caso não previsto em lei, de lei reguladora de caso semelhante.

No Direito Penal, somente pode ser utilizada em relação às leis não incriminadoras, em respeito ao princípio da reserva legal.

Seu fundamento repousa na exigência de igual tratamento aos casos semelhantes. Por razões de justiça, fatos similares devem ser tratados da mesma maneira (ubi eadem ratio ibi eadem iuris dispositio).

7.6.2. Espécies

A analogia se apresenta pelas seguintes espécies:

a) Analogia in malam partem, é aquela pela qual aplica-se ao caso omisso uma lei maléfica ao réu, disciplinadora de caso semelhante. Não é admitida, como já dito, em homenagem ao princípio da reserva legal. Consoante a posição do Supremo Tribunal Federal, em julgamento no qual considerou atípica a “cola eletrônica”:

Não se pode pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese não mencionada no dispositivo legal (analogia in malam partem). Deve-se adotar o fundamento constitucional do princípio da estrita legalidade na esfera penal. Por mais reprovável que seja a lamentável prática da “cola eletrônica”, a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito.6

É também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Não cabe ao Julgador aplicar uma norma, por assemelhação, em substituição a outra validamente existente, simplesmente por entender que o legislador deveria ter regulado a situação de forma diversa da que adotou; não se pode, por analogia, criar sanção que o sistema legal não haja determinado, sob pena de violação do princípio da reserva legal.7

b) Analogia in bonam partem, é aquela pela qual se aplica ao caso omisso uma lei favorável ao réu, reguladora de caso semelhante. É possível no Direito Penal, exceto no que diz respeito às leis excepcionais, que não admitem analogia, justamente por seu caráter extraordinário.

Imagine uma adolescente de 13 anos de idade vítima de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A, caput, com a redação conferida pela Lei 12.105/2009), crime do qual resultou sua gravidez. Questiona-se: Seria possível o aborto? A lei nada diz. Entretanto, o art. 128, II, do Código Penal autoriza a interrupção da gravidez resultante de estupro (aborto sentimental), sem mencionar o estupro de vulnerável, crime inexistente à época em que foi redigido o art. 128 do Código Penal. Ora, a situação é semelhante: a gravidez é indesejada, pois originária de um delito contra a dignidade sexual. Ademais, o fundamento da autorização legal do aborto é evitar que a presença do filho traga à mãe recordações de um ato covarde contra ela praticado. Perfeitamente cabível, assim, a analogia.

c) Analogia legal, ou legis, é aquela em que se aplica ao caso omisso uma lei que trata de caso semelhante. Importante observar, como proclamado pelo Superior Tribunal de Justiça, que não cabe ao magistrado aplicar uma norma, por assemelhação, em substituição à outra validamente existente, simplesmente por entender que o legislador deveria ter regulado a situação de forma diversa da que adotou.8

d) Analogia jurídica, ou juris, é aquela em que se aplica ao caso omisso um princípio geral do direito.

7.7. LEI PENAL NO TEMPO

7.7.1. Introdução

Depois de cumprir todas as fases do processo legislativo previsto na Constituição Federal, a lei penal ingressa no ordenamento jurídico e, assim como as demais leis em geral, vigora até ser revogada por outro ato normativo de igual natureza. É o que se convencionou chamar de princípio da continuidade das leis.

A revogação é a retirada da vigência de uma lei. Essa é a regra geral: uma lei somente é revogada por outra lei. Há exceções no Direito Penal. As leis temporárias e excepcionais são autorrevogáveis, ou seja, não precisam ser revogadas por outra lei.

Toda e qualquer lei, por mais relevante e conhecida que seja, pode ser revogada. A atividade legislativa, como decorrência da soberania popular, é irrenunciável.

Os costumes, por mais consagrados que sejam em dada sociedade, não revogam leis. Dessa forma, a contravenção penal do jogo do bicho continua em vigor, embora muitas vezes indevidamente tolerada pela sociedade, e, pior, pelos órgãos estatais responsáveis pela segurança pública.

Da mesma forma, uma lei jamais é revogada por decisão judicial, ainda que oriunda do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade. Como se sabe, a declaração de inconstitucionalidade limita-se a retirar a eficácia da lei em contrariedade com o texto constitucional, sem revogá-la, função exclusiva do Poder Legislativo.

A revogação da lei, dependendo do seu alcance, pode ser absoluta ou total, conhecida como ab-rogação (ab-rogação = absoluta), ou parcial, denominada derrogação.

No tocante ao modo pelo qual se verifica, a revogação pode ser expressa, tácita ou global.

Expressa: ocorre quando uma lei indica em seu corpo os dispositivos legais revogados. O art. 75 da Lei 11.343/2006 revogou expressamente as Leis 6.368/1976 e 11.409/2002, de modo que o tratamento legal da repressão ao uso e tráfico de drogas passou a ser por ela regulado.

Tácita: ocorre no caso em que a lei nova se revela incompatível com a anterior, apesar de não haver menção expressa à revogação.

Global: ocorre quando a nova lei regula inteiramente a matéria disciplinada pela lei anterior, que passa a ser ultrapassada e desnecessária.

Em obediência às regras de hermenêutica, e observando o campo de incidência das leis, a lei de natureza geral não revoga a especial, da mesma forma pela qual a especial também não revoga a geral. Não se trata de hierarquia, mas sim de matérias diversas e diferentes âmbitos de atuação, uma não influindo sobre a outra.

7.7.2. Direito Penal intertemporal e o conflito de leis penais no tempo

Como a lei pode ser revogada, instauram-se situações de conflito. Nesse sentido, verifica-se o conflito de leis no tempo quando uma lei nova entra em vigor, revogando a anterior. De fato, situações problemáticas inevitavelmente surgirão, eis que a lei nova sempre tem conteúdo ao menos relativamente diverso da sua antecessora, mesmo porque, se fossem idênticas, não haveria razão lógica para a sua edição.

As regras e princípios que buscam solucionar o conflito de leis penais no tempo constituem o direito penal intertemporal.

A análise do art. 5.º, XL, da Constituição Federal e dos arts. 2.º e 3.º do Código Penal permite a conclusão de que, uma vez criada, a eficácia da lei penal no tempo deve obedecer a uma regra geral e a várias exceções.

A regra geral é a da prevalência da lei que se encontrava em vigor quando da prática do fato, vale dizer, aplica-se a lei vigente quando da prática da conduta (tempus regit actum). Dessa forma, resguarda-se a reserva legal, bem como a anterioridade da lei penal, em cumprimento às diretrizes do texto constitucional.

As exceções se verificam, por outro lado, na hipótese de sucessão de leis penais que disciplinem, total ou parcialmente, a mesma matéria. E, se o fato tiver sido praticado durante a vigência da lei anterior, cinco situações podem ocorrer:

a)   a lei cria uma nova figura penal (novatio legis incriminadora);

b)   a lei posterior se mostra mais rígida em comparação com a lei anterior (lex gravior);

c)   a lei posterior extingue o crime (abolitio criminis);

d)   a lei posterior é benigna em relação à sanção penal ou à forma de seu cumprimento (lex mitior); ou

e)   a lei posterior contém alguns preceitos mais rígidos e outros mais brandos.

Vejamos cada uma delas.

7.7.2.1. Novatio legis incriminadora

É a lei que tipifica como infrações penais comportamentos até então considerados irrelevantes.

A neocriminalização somente pode atingir situações consumadas após sua entrada em vigor. Não poderá retroagir, em hipótese alguma, conforme determina o art. 5.º, XL, da Constituição Federal.

A novatio legis incriminadora, portanto, somente tem eficácia para o futuro. Jamais para o passado.

7.7.2.2. Lei penal mais grave ou lex gravior

Lei penal mais grave é a que de qualquer modo implicar tratamento mais rigoroso às condutas já classificadas como infrações penais.

A expressão “de qualquer modo” deve ser considerada de forma ampla, para atingir todo tipo de situação prejudicial ao réu. Exemplos: aumento de pena, criação de qualificadora, agravante genérica ou causa de aumento da pena, imposição de regime prisional mais rígido, aumento do prazo prescricional, supressão de atenuante genérica ou causa de diminuição da pena etc.

Se mais grave, a lei terá aplicação apenas a fatos posteriores à sua entrada em vigor. Jamais retroagirá, conforme expressa determinação constitucional.

Essa regra tem incidência sobre todas as leis com conteúdo material, estejam alocadas tanto no Código Penal (Parte Geral ou Parte Especial) ou na legislação penal extravagante, sejam incriminadoras ou reguladoras da imputabilidade, das causas excludentes da ilicitude, da aplicação da pena ou de qualquer outra classe jurídica atentatória do poder punitivo.

7.7.2.3. Abolitio criminis e lei posterior benéfica

Abolitio criminis é a nova lei que exclui do âmbito do Direito Penal um fato até então considerado criminoso. Encontra previsão legal no art. 2.º, caput, do Código Penal e tem natureza jurídica de causa de extinção da punibilidade (art. 107, inc. III).

Alcança a execução e os efeitos penais da sentença condenatória, não servindo como pressuposto da reincidência, e também não configura maus antecedentes. Sobrevivem, entretanto, os efeitos civis de eventual condenação, quais sejam, a obrigação de reparar o dano provocado pela infração penal e constituição de título executivo judicial.

Para o Supremo Tribunal Federal, a configuração da abolitio criminis reclama revogação total do preceito penal, e não somente de uma norma singular referente a um fato que, sem ela, se contém numa incriminação penal.9 Com efeito, são necessários dois requisitos para a caracterização da abolitio criminis: (a) revogação formal do tipo penal; e (b) supressão material do fato criminoso. Em outras palavras, não basta a simples revogação do tipo penal. É necessário que o fato outrora incriminado torne-se irrelevante perante o ordenamento jurídico, a exemplo do que aconteceu com o antigo crime de adultério, cuja definição encontrava-se no art. 240 do Código Penal.

De fato, não há falar em abolitio criminis nas hipóteses em que, nada obstante a revogação formal do tipo penal, o fato criminoso passa a ser disciplinado perante dispositivo legal diverso. Nesses casos, verifica-se a incidência do princípio da continuidade normativa (ou da continuidade típico-normativa),10 operando-se simplesmente a alteração geográfica (ou topográfica) da conduta ilícita. Esse fenômeno foi constatado no campo do atentado violento ao pudor, pois o art. 214 do Código Penal foi revogado pela Lei 12.015/2009, mas o fato passou a ser alcançado pelo art. 213 do Estatuto Repressivo, agora sob o rótulo “estupro”.

Nada impede, por opção política do legislador, que um fato alcançado pela abolitio criminis venha a ser, no futuro, novamente incriminado. É evidente que essa lei somente será aplicável aos fatos cometidos após a sua entrada em vigor, em obediência ao princípio da anterioridade, um dos vetores do Direito Penal moderno e democrático.

Lei penal benéfica, também conhecida como lex mitior ou novatio legis in mellius, é a que se verifica quando, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, o fato previsto como crime ou contravenção penal tenha sido praticado na vigência da lei anterior, e o novel instrumento legislativo seja mais vantajoso ao agente, favorecendo-o de qualquer modo. A lei mais favorável deve ser obtida no caso concreto, aplicando-se a que produzir o resultado mais vantajoso ao agente (teoria da ponderação concreta).11

Aqui também a expressão “de qualquer modo” deve ser compreendida na acepção mais ampla possível. Nos termos do art. 5.º, XL, da Constituição Federal, a abolitio criminis e a novatio legis in mellius devem retroagir, por configurar nítido benefício ao réu.

No campo da Lei de Drogas, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que o crime ora tipificado pelo art. 28, caput (porte de droga para consumo pessoal), em razão da natureza das penas a ele cominadas, é mais brando do que a figura antigamente prevista no art. 16 da Lei 6.368/1976. Deve, assim, retroagir para alcançar os fatos cometidos sob a égide da lei antiga.12

A retroatividade é automática, dispensa cláusula expressa e alcança inclusive os fatos já definitivamente julgados.

Questão normalmente abordada em concursos públicos é a seguinte: Qual é o juízo competente para aplicar a “abolitio criminis” e a nova lei mais favorável?

A resposta é simples. Guarde o seguinte raciocínio: a lei será sempre aplicada pelo órgão do Poder Judiciário em que a ação penal estiver em trâmite. Extraem-se as seguintes ilações:

1.ª)   Tratando-se de inquérito policial ou de ação penal que se encontre em 1.º grau de jurisdição, ao juiz natural compete a aplicação da lei mais favorável. Exemplo: crime praticado na comarca de São Paulo, com inquérito policial distribuído e ação penal ajuizada na 10.ª Vara Criminal. O juiz de Direito responsável por esta Vara deverá aplicar a lei mais favorável.

2.ª)   No caso de ação penal em grau de recurso, ou ainda na hipótese de crime de competência originária dos Tribunais, tal mister será tarefa do Tribunal respectivo.

3.ª)   Se a condenação já tiver sido alcançada pelo trânsito em julgado, a competência será do juízo da Vara das Execuções Criminais. É o que se extrai do art. 66, I, da Lei de Execução Penal, e da Súmula 611 do Supremo Tribunal Federal.13

Atenção para um detalhe: vimos que a lei mais favorável é retroativa. Portanto, somente se pode falar em retroatividade quando a lei posterior for mais benéfica ao agente, em comparação àquela que estava em vigor quando o crime foi praticado.

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Pode ocorrer, ainda, ultratividade da lei mais benéfica. Tal se verifica quando o crime foi praticado durante a vigência de uma lei, posteriormente revogada por outra prejudicial ao agente. Subsistem, no caso, os efeitos da lei anterior, mais favorável. Isso porque, como já abordado, a lei penal mais grave jamais retroagirá.

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7.7.2.3.1. Lei penal posterior e vacatio legis

Durante o período de vacatio legis, a lei penal não pode ser aplicada, mesmo que ela seja mais favorável ao réu. Com efeito, se a lei já foi publicada mas ainda não entrou em vigor, ela ainda não tem eficácia, sendo impossível sua incidência no caso prático. É preciso manter coerência. Se a lei em período de vacância não pode ser utilizada para prejudicar o réu, porque ainda não está apta a produzir seus regulares efeitos, também não pode beneficiá-lo.

A propósito, basta recordar do Código Penal de 1969 (Decreto-lei 1.004/1969), que possuía diversas disposições mais favoráveis ao réu, se comparado, à época, com o Código Penal de 1940.

O Código Penal de 1969, originário do Anteprojeto Nélson Hungria, é notoriamente apontado como exemplo do período de mais longa vacatio legis já existente no ordenamento jurídico pátrio. Seu texto final foi publicado em 1963, e posteriormente sancionado em 21 de outubro de 1969 pelo Governo Militar (“Comando Supremo da Revolução”), com fulcro no art. 3.º do Ato Institucional 16/1969, combinado com o § 1.º do art. 2.º do Ato Institucional 05/1968. Nada obstante, o Código Penal de 1969 nunca entrou em vigor.

Originariamente, o Código Penal de 1969 deveria ter entrado em vigor no dia 1.º.08.1970. Seu texto, entretanto, foi revisto pela Lei 6.016/1973. Após sucessivos prolongamentos das datas estipuladas para o início da sua aplicabilidade (cf. Lei 6.063/1974 e suas alterações), o diploma concebido por Nélson Hungria acabou revogado pela Lei 6.578/1978, quando ainda estava em período de vacatio, razão pela qual nenhuma de suas disposições – favoráveis ou prejudiciais ao réu – foi aplicada no lugar no Código Penal de 1940, ainda em vigor.

7.7.2.4. Combinação de leis penais (lex tertia)

Pode ocorrer o conflito entre duas leis penais sucessivas no tempo, cada qual com partes favoráveis e desfavoráveis ao réu. Exemplo: A Lei “X” comina a certo crime as penas de reclusão, de um a quatro anos, e multa. Posteriormente, tal lei é revogada por outra, “Y”, a qual prevê ao mesmo delito a pena de reclusão de dois a seis anos, sem multa.

A discussão reside na possibilidade ou não de o juiz, na determinação da lei penal mais branda, acolher os preceitos favoráveis da primitiva e, ao mesmo tempo, os da posterior, combinando-os para utilizá-los no caso concreto, de modo a extrair o máximo benefício resultante da aplicação conjunta dos aspectos mais interessantes ao réu. O cerne da discussão reside em definir se cabe ou não ao Poder Judiciário a formação de uma lex tertia, ou seja, de uma lei híbrida.

Em nosso exemplo, poderia o magistrado combinar as leis “X” e “Y”, da forma mais favorável ao réu, daí resultando a pena de um a quatro anos (da primeira), sem multa (da segunda)?

A doutrina se divide acerca do assunto.

Nélson Hungria revelava sua incredulidade nessa possibilidade de o membro do Poder Judiciário se arvorar em legislador, sob pena de violação da regra constitucional da separação dos Poderes.14 Compartilham desse entendimento Heleno Cláudio Fragoso e Aníbal Bruno.

Com opinião diametralmente oposta, José Frederico Marques pugnava pela admissibilidade da combinação de leis. São suas as palavras:

Dizer que o juiz está fazendo lei nova, ultrapassando assim suas funções constitucionais, é argumento sem consistência, pois o julgador, em obediência a princípios de equidade consagrados pela própria Constituição, está apenas movimentando-se dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente legítima. O órgão judiciário não está tirando, ex nihilo, a regulamentação eclética que deve imperar hic et nunc. A norma do caso concreto é construída em função de um princípio constitucional, com o próprio material fornecido pelo legislador. Se ele pode escolher, para aplicar o mandamento da Lei Magna, entre duas séries de disposições legais, a que lhe pareça mais benigna, não vemos porque se lhe vede a combinação de ambas, para assim aplicar, mais retamente, a Constituição. Se lhe está afeto escolher o “todo”, para que o réu tenha o tratamento mais favorável e benigno, nada há que lhe obste selecionar parte de um todo e parte de outro, para cumprir uma regra constitucional que deve sobrepairar a pruridos de lógica formal.15

Historicamente, o Supremo Tribunal Federal sempre se posicionou pela impossibilidade de combinação de leis penais, com o argumento de que extrair alguns dispositivos, de forma isolada, de um diploma legal, e outro preceito de outro diploma legal, implica alterar por completo o seu espírito normativo, criando um conteúdo diverso do previamente estabelecido pelo legislador.16

Entretanto, em alguns julgados o Supremo Tribunal Federal rompeu com seu posicionamento clássico, e decidiu pelo cabimento, a autor de crime de tráfico de drogas cometido sob a égide da Lei 6.368/1976, do benefício introduzido pelo artigo 33, § 4.º, da nova Lei de Drogas – Lei 11.343/2006. Concluiu que aplicar a causa de diminuição não significa baralhar e confundir normas, uma vez que o juiz, ao assim proceder, não cria lei nova, mas apenas se movimenta dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente possível. Enfatizou-se, também, que a vedação de junção de dispositivos de leis diversas é apenas produto de interpretação da doutrina e da jurisprudência, sem apoio direto em texto constitucional.17

Destarte, o Supremo Tribunal Federal abandonou a teoria da ponderação unitária ou global (a lei na sua totalidade, na globalidade das suas disposições, deve ser aplicada), e filiou-se à teoria da ponderação diferenciada, pela qual, considerada a complexidade de cada uma das leis em conflito no tempo e a relativa autonomia de cada uma das disposições, é preciso proceder-se ao confronto de cada uma das disposições de cada lei, podendo, portanto, acabar por se aplicar ao caso sub iudice disposições de ambas as leis.18

Mas a inovação jurisprudencial não foi unânime, pois o Supremo Tribunal Federal rapidamente retomou sua posição tradicional, voltando a acolher a teoria da ponderação unitária, ou global, de modo a repelir a combinação de leis penais, em homenagem aos princípios da reserva legal e da separação dos Poderes do Estado, sob o argumento de ser vedada ao Poder Judiciário a criação de uma terceira pena.19

Este é o entendimento atualmente adotado pela Corte Suprema, contrário à combinação de leis penais:

É vedada a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4.º, da Lei 11.343/2006 (“§ 4.º Nos delitos definidos no caput e no § 1.º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”), combinada com as penas previstas na Lei 6.368/76, no tocante a crimes praticados durante a vigência desta norma. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, proveu parcialmente recurso extraordinário para determinar o retorno dos autos à origem, instância na qual deverá ser realizada a dosimetria de acordo com cada uma das leis, para aplicar-se, na íntegra, a legislação mais favorável ao réu. Prevaleceu o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, relator. Inicialmente, o relator frisou que o núcleo teleológico do princípio da retroatividade da lei penal mais benigna consistiria na estrita prevalência da lex mitior, de observância obrigatória, para aplicação em casos pretéritos. Afirmou que se trataria de garantia fundamental, prevista no art. 5.º, XL, da CF e que estaria albergada pelo Pacto de São José da Costa Rica (art. 9.º). Frisou que a Constituição disporia apenas que a lei penal deveria retroagir para beneficiar o réu, mas não faria menção sobre a incidência do postulado para autorizar que algumas partes de diversas leis pudessem ser aplicadas separadamente para favorecer o acusado.20

Com igual orientação, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 501: “É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis”.

Finalmente, o Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001/1969), em seu art. 2.º, § 2.º, proíbe expressamente a combinação de leis.

7.7.2.5. Lei penal intermediária

É possível, em caso de sucessão de leis penais, a aplicação de uma lei intermediária mais favorável ao réu, ainda que não seja a lei em vigor quando da prática da infração penal ou a lei vigente à época do julgamento. Exemplo: Ao tempo da conduta estava em vigor a lei “A”, sucedida pela lei “B”, encontrando-se em vigor ao tempo da sentença a lei “C”. Nada impede a aplicação da lei “B”, desde que se trate, entre todas, da mais favorável ao agente.21

Essa é a posição consagrada no Supremo Tribunal Federal:

Lei penal no tempo: incidência da norma intermediária mais favorável. Dada a garantia constitucional de retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu, é consensual na doutrina que prevalece a norma mais favorável, que tenha tido vigência entre a data do fato e a da sentença: o contrário implicaria retroação da lei nova, mais severa, de modo a afastar a incidência da lei intermediária, cuja prevalência, sobre a do tempo do fato, o princípio da retroatividade in mellius já determinara.22

Em síntese, a lei penal intermediária é simultaneamente dotada de retroatividade e de ultratividade.

7.7.3. Lei penal temporária e lei penal excepcional

Lei penal temporária é aquela que tem a sua vigência predeterminada no tempo, isto é, o seu termo final é explicitamente previsto em data certa do calendário. É o caso da Lei 12.663/2012, conhecida como “Lei Geral da Copa do Mundo de Futebol de 2014”, cujo art. 36 contém a seguinte redação: “Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014”.

Lei penal excepcional, por outro lado, é a que se verifica quando a sua duração está relacionada a situações de anormalidade. Exemplo: É editada uma lei que diz ser crime, punido com reclusão de seis meses a dois anos, tomar banho com mais de dez minutos de duração durante o período de racionamento de energia.

Essas leis são autorrevogáveis. Não precisam de outra lei que as revogue. Basta a superveniência do dia nela previsto (lei temporária) ou o fim da situação de anormalidade (lei excepcional) para que deixem, automaticamente, de produzir efeitos jurídicos. Por esse motivo, são classificadas como leis intermitentes.

Se não bastasse, possuem ultratividade, pois se aplicam ao fato praticado durante sua vigência, embora decorrido o período de sua duração (temporária) ou cessadas as circunstâncias que a determinaram (excepcional). É o que consta do art. 3.º do Código Penal.23

Em outras palavras, ultratividade significa a aplicação da lei mesmo depois de revogada. Imagine, no exemplo mencionado, que alguém tomou banho por mais de dez minutos durante o período de racionamento de energia. Configurou-se o crime tipificado pela lei excepcional. A pena será aplicada, mesmo após ser superada a situação de economia de força elétrica.

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O fundamento da ultratividade é simples e foi suficientemente explicado pelo item “8” da Exposição de Motivos da antiga Parte Geral do Código Penal:24

É especialmente decidida a hipótese da lei excepcional ou temporária, reconhecendo-se a sua ultra-atividade. Esta ressalva visa impedir que, tratando-se de leis previamente limitadas no tempo, possam ser frustradas as suas sanções por expedientes astuciosos no sentido do retardamento dos processos penais.

Busca-se, com a ultratividade, impedir injustiças. Sem essa característica da lei penal, alguns réus seriam inevitavelmente condenados, e outros não. Seriam punidos somente aqueles que tivessem praticado crimes em período muito anterior ao fim de sua vigência.

7.7.4. As leis penais em branco e o conflito de leis no tempo

Lei penal em branco é aquela cujo preceito secundário é completo, mas o preceito primário necessita de complementação. Há previsão precisa da sanção, mas a narrativa da conduta criminosa é incompleta. O complemento pode constituir-se em outra lei, ou ainda em ato da Administração Pública.

O problema relativo ao assunto consiste em saber se, uma vez alterado o complemento da lei penal em branco, posteriormente à realização da conduta criminosa, ou seja, com a infração penal já consumada, e beneficiando o agente, deve operar-se a retroatividade.

A descrição do tipo penal continua a mesma, mas a conduta praticada pelo agente não mais encontra adequação típica, em face de não mais se enquadrar no complemento a que anteriormente se sujeitava.

Não há consenso entre os estudiosos do Direito Penal. Basileu Garcia era favorável à retroatividade, em oposição a Magalhães Noronha e José Frederico Marques, entre outros.

Em que pese a acirrada discussão, a questão é simples. Para sua compreensão, basta encará-la em sintonia com o art. 3.º do Código Penal.

Com efeito, o complemento da lei penal em branco pode assumir duas faces distintas: normalidade e anormalidade.

Quando o complemento revestir-se de situação de normalidade, a sua modificação favorável ao réu revela a alteração do tratamento penal dispensado ao caso. Em outras palavras, a situação que se buscava incriminar passa a ser irrelevante. Nesse caso, a retroatividade é obrigatória. Vejamos um exemplo: Suponhamos que alguém seja preso em flagrante, por ter sido encontrada em seu poder relevante quantidade de determinada droga. O crime de tráfico, tipificado pelo art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, constitui-se em lei penal em branco, pois a sua descrição fala somente em “droga” e a classificação de determinada substância nessa categoria depende de enquadramento em relação constante de Portaria editada pelo Poder Executivo Federal.

Se ao tempo em que a conduta foi praticada, a droga apreendida com o agente era definida como ilícita e se após o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público, ou mesmo depois de proferida a condenação, inclusive com trânsito em julgado, a Portaria é modificada, e de seu rol deixa de constar a substância com que estava o agente, deve operar-se a retroatividade, uma vez que não havia situação de anormalidade.

O que era crime deixou de ser. Aplica-se ao caso, portanto, a regra delineada pelo art. 5.º, XL, da Constituição Federal.

Por seu turno, quando o complemento se inserir em um contexto de anormalidade, de excepcionalidade, a sua modificação, ainda que benéfica ao réu, não pode retroagir. Fundamenta-se essa posição na ultratividade das leis penais excepcionais, alicerçada no art. 3.º do Código Penal.

Se no momento em que estava em vigor o complemento havia algo de anormal, ou seja, se se tratava de situação que naquele momento – e não necessariamente no futuro – deveria ser reprimida, a modificação do complemento não pode produzir efeitos aos casos anteriormente praticados, ou seja, cometidos em período de anormalidade.

Como exemplo, podemos recordar a famosa passagem de tabelamento de preços de produtos e mercadorias em geral. O art. 2.º, VI, da Lei 1.521/1951 preceitua ser crime contra a economia popular transgredir tabelas oficiais de gêneros e mercadorias.

Imagine que, em razão de problemas nas plantações de trigo, e visando controlar acentuada inflação, seja editada tabela pela qual o quilo do pão francês não possa ser vendido por valor superior a cinco reais enquanto não for normalizada a situação. Nesse período, um comerciante ávido por lucros vende pães por sete reais o quilo. Sua conduta é descoberta e ele vem a ser condenado.

Em seguida, a situação é normalizada e deixa de existir o preço tabelado, liberando-se os valores por parte dos comerciantes. Nada obstante, a pena deverá ser cumprida. A modificação não poderá retroagir. Ao contrário, será ultrativa, isto é, produzirá efeitos mesmo depois de cessada a situação de excepcionalidade.

Essa é a posição do Supremo Tribunal Federal, lançada na análise de caso relativo ao art. 269 do Código Penal, por ter ocorrido alteração na relação de doenças de notificação compulsória pelo médico:

Em princípio, o art. 3.º do Código Penal se aplica à norma penal em branco, na hipótese de o ato normativo que a integra ser revogado ou substituído por outro mais benéfico ao infrator, não se dando, portanto, a retroatividade. Essa aplicação só não se faz quando a norma, que complementa o preceito penal em branco, importa real modificação da figura abstrata nele prevista ou se assenta em motivo permanente, insusceptível de modificar-se por circunstâncias temporárias ou excepcionais, como sucede quando do elenco de doenças contagiosas se retira uma por se haver demonstrado que não tem ela tal característica.25

Finalmente, nas leis penais em branco ao avesso – aquelas em que o preceito primário é completo, mas o preceito secundário depende de complementação – a revogação do complemento inviabiliza a punibilidade. Embora a conduta criminosa tenha perfeita descrição normativa, não será possível a imposição de pena, diante da lacuna legislativa a seu respeito.

7.8. CONFLITO APARENTE DE LEIS PENAIS

7.8.1. Conceito

Dá-se o conflito aparente de leis penais quando a um único fato se revela possível, em tese, a aplicação de dois ou mais tipos legais, ambos instituídos por leis de igual hierarquia e originárias da mesma fonte de produção, e também em vigor ao tempo da prática da infração penal.

Na clássica lição de Oscar Stevenson:

Trata-se da sistemática dos princípios, mercê dos quais determinada norma repressiva tem exclusividade de aplicação, diante de outras que também definem como delito o mesmo fato, correspondente ao comportamento no todo ou em parte. [...] O conflito de preceitos penais se resolve na unicidade de delito pela aplicação de uma só norma.26

Percebe-se, assim, a existência de um único fato punível. Ao contrário, despontam diversos tipos legais aptos a serem aplicados ao caso concreto. Mas, tratando-se de conduta singular, afigura-se injusta e desproporcional a incidência de mais de uma sanção penal, razão pela qual deve ser escolhido o dispositivo legal que, na vida real, apresenta melhor adequação típica.

O conflito é aparente, pois desaparece com a correta interpretação da lei penal, que se dá com a utilização de princípios adequados.

7.8.2. Requisitos

São três: (1) unidade de fato; (2) pluralidade de leis penais; e (3) vigência simultânea de todas elas.

7.8.3. Localização no Direito Penal

O ponto de estudo do conflito aparente de leis penais é variável. Enquanto alguns autores preferem analisá-lo com o concurso de crimes,27 outros o situam perante a teoria da lei penal,28 passando, inclusive, pelo poder de punir do Estado, em face da proibição do bis in idem.29

Mais acertado, contudo, é o seu enquadramento na interpretação da lei penal.30 Não sem motivo, Beling conceituou o instituto como a “relação que medeia entre duas leis penais, pela qual, enquanto uma é excluída, a outra é aplicada”.31

De fato, cuida-se de problema ligado à interpretação da lei, solucionável com o emprego dos princípios apresentados pela dogmática penal. A antinomia subsiste até o verdadeiro descobrimento da finalidade da lei penal, o que se dá com a correta análise do seu alcance e conteúdo.

7.8.4. Finalidade

A solução do conflito aparente de leis penais dedica-se a manter a coerência sistemática do ordenamento jurídico, bem como a preservar a inaceitabilidade do bis in idem. Para Nélson Hungria:

Não é admissível que duas ou mais leis penais ou dois ou mais dispositivos da mesma lei penal se disputem, com igual autoridade, exclusiva aplicação ao mesmo fato. Para evitar a perplexidade ou a intolerável solução pelo bis in idem, o direito penal (como o direito em geral) dispõe de regras, explícitas ou implícitas, que previnem a possibilidade de competição em seu seio.32

Inicialmente, portanto, o conflito aparente de leis penais presta-se a evitar o repudiável bis in idem, implicitamente vedado pelo sistema jurídico, como exigência de justiça.

Ora, se um de seus requisitos é a unidade de fato, em relação aos quais duas ou mais leis podem ser aplicadas, resta clara a inadmissibilidade de sua dupla punição. Não pode uma conduta ser duplamente castigada. Em síntese, não se admite, pelo mesmo fato, mais de uma punição.

Se não bastasse, busca o instituto a manutenção da unidade e da coerência do ordenamento jurídico.

Não se olvida que no sistema penal afloram leis incompatíveis entre si, tanto em face da imprecisão técnica do legislador como em virtude da variedade de situações que podem surgir na vida real, impossibilitando a previsão antecipada de todos os casos merecedores de regulamentação expressa.

Entretanto, se existem leis incompatíveis, o sistema deve apresentar uma solução para que tal incompatibilidade desapareça. A incompatibilidade entre elas deve ser tolhida mediante a exclusão de uma delas pelo Poder Judiciário. Em síntese, o Direito não tolera antinomias.33

7.8.5. Diferença com o concurso de crimes

Concurso de crimes é a situação que ocorre quando, mediante uma ou mais condutas, o agente pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Está disciplinado pelos arts. 69 a 72 do Código Penal.

São duas as diferenças fundamentais entre os institutos:

1)   O conflito aparente não possui regramento legislativo, tratando-se atualmente de construção doutrinária e jurisprudencial, ao passo que o concurso de crimes foi regulamentado à risca pelo Código Penal.

2)   No concurso de crimes, todas as leis violadas serão aplicadas no caso concreto, implicando a soma ou majoração das penas previstas para cada uma delas. Em suma, tudo o que foi praticado será imputado ao agente. Ao contrário, no conflito aparente de leis a incidência de uma delas impede a aplicabilidade da outra. Como um de seus requisitos é a unidade de fato, restaria configurado o bis in idem se houvesse mais de uma punição. A um fato corresponde igualmente uma pena. As diversas leis buscam espaço, concorrem, mas, ao final, superado o processo exegético, apenas uma será utilizada, acarretando a incidência da sanção penal a ela destinada.

7.8.6. Diferença com o conflito de leis penais no tempo

No conflito de leis penais no tempo, regulado pelo direito intertemporal, duas ou mais leis disputam a aplicação a um fato típico e ilícito praticado por agente culpável. Somente uma delas, ainda não revogada, poderá ser empregada, já que a outra não mais existe, não goza de vigência, não produz efeitos válidos no mundo fenomênico.

Dessa forma, e não se olvidando que um dos elementos do conflito aparente é a vigência simultânea de duas ou mais disposições inicialmente aplicáveis a um único fato, a diferença entre os institutos é flagrante.

Enquanto no conflito de leis no tempo somente uma delas existe e está em vigor, no conflito aparente ambas vigoram, mas apenas a adequada surtirá efeitos no caso real, sob pena de configuração do bis in idem, sem prejuízo da quebra de unidade lógica do sistema jurídico-penal.

7.8.7. Princípios para solução do conflito

A doutrina indica, em geral, quatro princípios para solucionar o conflito aparente de leis penais. São eles: (1) especialidade; (2) subsidiariedade; (3) consunção; e (4) alternatividade.

7.8.7.1. Princípio da especialidade

Com origem no Direito Romano, é aceito de forma unânime. Por sinal, não se questiona que a lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derogat generali; semper specialia generalibus insunt; generi per speciem derogatur).

A lei especial, também chamada de específica, possui sentido diferenciado, particularizado. Cuida-se daquela cuja previsão reproduz, de modo expresso ou elíptico, a da lei geral, tornando-a especial pelo acréscimo de outros elementos.

Lei especial é a que contém todos os dados típicos de uma lei geral, e também outros, denominados especializantes. A primeira prevê o crime genérico, ao passo que a última traz em seu bojo o crime específico. Exemplo: O crime de infanticídio, previsto no art. 123 do Código Penal, tem núcleo idêntico ao do crime de homicídio, tipificado pelo art. 121, caput, qual seja, “matar alguém”. Torna-se, entretanto, figura especial, ao exigir elementos especiais, diferenciadores: a autora deve ser a genitora, e a vítima deve ser o seu próprio filho, nascente ou neonato, cometendo-se o delito durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal.

É o que também se verifica entre as mais diversas infrações penais em suas formas simples, quando comparadas com as modalidades derivadas, sejam estas qualificadoras ou instituidoras de figuras privilegiadas.

Visualiza-se na especialidade uma relação lógica de dependência própria de uma situação de subordinação legislativa,34 eis que toda conduta que atende ao tipo especial realiza também, necessariamente e de forma simultânea, o crime previsto na lei geral, o que não ocorre em sentido diverso. Em suma, quem pratica o crime específico também o faz perante o crime genérico, mas quem executa este não obrigatoriamente realiza aquele.

Há entre as leis relação de gênero e espécie, ou seja, todos os elementos descritos pela lei geral são reproduzidos pela lei especial. Por tal razão a primeira é excluída quando comparada com a última. De fato, as diversas disposições têm por objeto o mesmo fato, mas a aplicação de uma delas, diferenciada, específica e mais adequada, além de ser dotada de elementos qualitativos, ilide a incidência da outra, de natureza residual e genérica.

Deve-se atentar, contudo, que entra em cena o critério da especialidade não só quando um crime se encontra expressamente compreendido em outro, tal como acontece entre infanticídio e homicídio, mas também nas situações em que a cuidadosa interpretação revela que um tipo penal acarreta em uma descrição mais próxima ou minuciosa para determinado fato punível.35 É o que se verifica entre os crimes de calúnia e difamação, tipificados, respectivamente, pelos arts. 138 e 139 do Código Penal: ambos atentam contra honra objetiva e exigem a imputação de fato determinado, consumando-se no instante em que terceira pessoa toma conhecimento do teor da ofensa. No primeiro, todavia, a imputação refere-se ao cometimento de um crime que o agente sabe não ter sido praticado pela vítima, seja porque outra pessoa foi seu autor, seja porque jamais existiu. Por sua vez, na difamação a imputação diz respeito a um fato desabonador, de índole criminosa ou não, pouco importando seja verdadeiro ou falso.

Cumpre frisar que o princípio da especialidade impõe sejam os delitos genérico e específico praticados em absoluta contemporaneidade, isto é, no mesmo contexto fático. Com efeito, deve tratar-se de fato único, isolado, e não de reiteração criminosa. Exemplificativamente, temos a situação da mãe que tenta matar o próprio filho durante o próprio parto, sob a influência do estado puerperal, mas não obtém êxito por circunstâncias alheias à sua vontade, e depois vem a matá-lo, em outro momento, já com o desaparecimento do puerpério, caso em que responderá pelos dois crimes, em concurso material (tentativa de infanticídio e homicídio doloso consumado).

Ainda, as disposições genérica e específica podem ser integrantes de um mesmo diploma legal, como se dá entre os crimes previstos no Código Penal, ou, ainda, constar de leis distintas, podendo ser lembrada a relação existente entre os crimes previstos no art. 334 do Código Penal e pelo art. 33, caput, da Lei 11.343/2006: aquele que importa, clandestinamente, qualquer produto, incidirá na regra geral, prevista no Código Penal; de sua vez, se o produto importado for droga, assim definida na Portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por se tratar de lei penal em branco, o crime será o de tráfico de drogas, tipificado na lei extravagante.

Ademais, as leis podem ter sido promulgadas ao mesmo tempo ou em épocas diversas, e, nesse caso, tanto pode ser posterior a lei geral como a especial.

Nesse contexto, decidiu o Supremo Tribunal Federal que as novas disposições da Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas não alteraram o art. 290 do Código Penal Militar.36 Vejamos:

O art. 290 do Código Penal Militar não sofreu alteração pela superveniência da Lei n. 11.343/06, por não ser o critério adotado, na espécie, o da retroatividade da lei penal mais benéfica, mas, sim, o da especialidade. O fundamento constitucional do crime militar é o art. 124, parágrafo único, da Constituição da República: tratamento diferenciado do crime militar de posse de entorpecente, definido no art. 290 do Código Penal Militar. Jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal reverencia a especialidade da legislação penal militar e da justiça castrense, sem a submissão à legislação penal comum do crime militar devidamente caracterizado.37

O conflito aparente de leis penais tem como requisito inafastável, portanto, a existência de duas leis penais concorrentes sobre o mesmo fato, e uma delas está contida na outra parcialmente, da qual é diferenciada por um ou mais elementos especializantes.

Uma vez configurada a especialidade, a sua utilização é peremptória. De fato, se fosse aplicada sempre a lei genérica, não haveria sentido na atuação do legislador ao contemplar mais especificamente um preceito penal perante outro qualquer.

Sua aferição se estabelece em abstrato, ou seja, para saber qual lei é geral e qual é especial, prescinde-se da análise do fato praticado. É suficiente a comparação em tese das condutas definidas nos tipos penais.

Destarte, para determinar a configuração da especialidade, deve o intérprete formular um juízo hipotético negativo, no qual se suprime mentalmente a existência do delito específico. Caso todo o fato, sem exceções dos ali contemplados, seja suscetível de ser qualificado perante o crime genérico, há de afirmar-se a sua presença.38

Se não bastasse, pouco importa a quantidade de sanção penal reservada para as infrações penais. A comparação entre as leis não se faz da mais grave para a menos grave, pois a lei específica pode narrar um ilícito penal mais rigoroso ou mais brando.

Em síntese, o critério da especialidade reclama duas leis penais em concurso, caracterizadas pela relação de gênero e espécie, na qual esta prefere àquela, excluindo a sua aplicação para fins de tipicidade. A lei específica deve abrigar todos os elementos da genérica, apresentando ainda outras particulares características que podem ser denominadas elementos especializantes, constituindo uma subespécie agravada ou atenuada daquela.

Em virtude de tais elementos, a lei especial abarca um âmbito de aplicação mais restrito, captando um menor número de condutas típicas e ilícitas. Pode, então, ser efetuada a comparação entre os tipos penais como dois círculos concêntricos de diferentes raios, sendo maior o especial (mais elementares) e menor o geral (menos elementares), razão pela qual, quando o tipo especial não restar caracterizado pela ausência dos elementos especializantes que formam a sua peculiar estrutura abstrata, a conduta poderá ser subsumida no tipo genérico, de natureza residual.

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7.8.7.2. Princípio da subsidiariedade

Estabelece que a lei primária tem prevalência sobre a lei subsidiária (lex primaria derogat legi subsidiarie). Esta é a que define como crime um fato incluído por aquela na previsão de delito mais grave, como qualificadora, agravante, causa de aumento de pena ou, inclusive, modo de execução.

Portanto, há subsidiariedade entre duas leis penais quando se trata de estágios ou graus diversos de ofensa a um mesmo bem jurídico, de forma que a ofensa mais ampla e dotada de maior gravidade, descrita pela lei primária, engloba a menos ampla, contida na subsidiária, ficando a aplicabilidade desta condicionada à não incidência da outra.39

O crime tipificado pela lei subsidiária, além de menos grave do que o narrado pela lei primária, dele também difere quanto à forma de execução, já que corresponde a uma parte deste. Em outras palavras, a figura subsidiária está inserida na principal. O roubo, por exemplo, contém em seu arquétipo os crimes de furto e de ameaça ou lesão corporal.

Não por outra razão, a lei subsidiária exerce função complementar diante da principal. De fato, somente se aplica quando esta última (lei principal) não puder incidir no tocante ao fato punível. Corolário disso, ao contrário do que se opera na especialidade, aqui o fato tem de ser apreciado em concreto, para aferir qual a disposição legal em que se enquadra. Para Oscar Stevenson: “A aplicabilidade da norma subsidiária e a inaplicabilidade da principal não resultam da relação lógica e abstrata de uma com a outra, mas do juízo de valor do fato em face delas”.40

Além disso, na subsidiariedade não existem elementos especializantes, mas descrição típica de fato mais abrangente e mais grave. Na hipótese de restar configurada a lei primária, instituidora de fato apenado mais gravemente, jamais terá incidência a lei subsidiária, com conduta sancionada mais levemente. Esta somente será utilizada na impossibilidade daquela, atuando como verdadeiro “soldado de reserva”.41

Em suma, as diferenças entre os princípios da especialidade e da subsidiariedade são manifestas.

No princípio da especialidade, a lei especial é aplicada mesmo se for mais branda do que a lei geral. No caso do princípio da subsidiariedade, ao contrário, a lei subsidiária, menos grave, sempre será excluída pela lei principal, mais grave.

Ainda, no princípio da especialidade a aferição do caráter geral ou especial das leis se estabelece em abstrato, ou seja, prescinde da análise do caso concreto, enquanto no princípio da subsidiariedade a comparação sempre deve ser efetuada no caso concreto, buscando a aplicação da lei mais grave.

Finalmente, no princípio da especialidade ocorre relação de gênero e espécie entre as leis em conflito, ao passo que no da subsidiariedade a lei subsidiária não deriva da principal.

A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita.

Verifica-se a subsidiariedade expressa ou explícita nas situações em que é declarada formalmente na lei, mediante o emprego de locuções como: “se as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo” (CP, art. 129, § 3.º), “se o fato não constitui crime mais grave” (CP, art. 132), “se o fato não constitui elemento de outro crime” (CP, art. 249), entre outras análogas.

De outro lado, dá-se a subsidiariedade tácita ou implícita quando a lei residual não condiciona, taxativamente, a sua aplicação em caso de impossibilidade de incidência da primária. Possível, assim, a sua presença sem o apelo expresso do legislador, deduzindo-se da finalidade almejada e dos meios que se relacionam entre as diversas disposições, ou seja, conclui-se pela sua existência diante da circunstância de encontrar-se o fato implicado na lei primária como elemento constitutivo, qualificadora, causa de aumento da pena, agravante genérica ou meio de execução. Exemplo: Constrangimento ilegal (CP, art. 146), subsidiário diante do estupro (CP, art. 213).

7.8.7.3. Princípio da consunção ou da absorção

De acordo com o princípio da consunção, ou da absorção,42 o fato mais amplo e grave consome, absorve os demais fatos menos amplos e graves, os quais atuam como meio normal de preparação ou execução daquele, ou ainda como seu mero exaurimento. Por tal razão, aplica-se somente a lei que o tipifica: lex consumens derogat legi consumptae. A lei consuntiva prefere a lei consumida. Como prefere Magalhães Noronha, “na consunção, o crime consuntivo é como que o vértice da montanha que se alcança, passando pela encosta do crime consumido”.

Pressupõe, entre as leis penais em conflito, relação de magis para minus, ou seja, de continente para conteúdo, de forma que a lei instituidora de fato de mais longo espectro consome as demais. Como decorrência da sanção penal prevista para a violação do bem jurídico mais extenso, torna-se prescindível e inaceitável a pena atribuída à violação do bem jurídico mais restrito, evitando-se a configuração do bis in idem, daí decorrendo a sua indiscutível finalidade prática.

Seus fundamentos são claros: o bem jurídico resguardado pela lei penal menos vasta já está protegido pela mais ampla, e a prática de um ilícito definido por uma lei penal é indispensável para a violação de conduta tipificada por outra disposição legal.

Como bem ressalta Jiménez de Asúa:43

A maior amplitude da lei ou da disposição legal pode derivar do bem jurídico tutelado – que compreende também o tutelado por outra lei – ou da natureza dos meios adotados ou dos efeitos produzidos, ou bem de que aquela assuma como elemento constitutivo ou circunstância qualificadora de algum fato previsto por outra lei (tradução livre).

Ao contrário do que se dá no princípio da especialidade, aqui não se reclama a comparação abstrata entre as leis penais. Comparam-se os fatos, inferindo-se que o mais grave consome os demais, sobrando apenas a lei penal que o disciplina.

O cotejo se dá entre fatos concretos, de modo que o mais completo, o inteiro, prevalece sobre a fração. Não há um único fato buscando se abrigar em uma ou outra lei penal, caracterizada por notas especializantes, mas uma sucessão de fatos, todos penalmente tipificados, na qual o mais amplo consome o menos amplo, evitando-se seja este duplamente punido, como parte de um todo e como crime autônomo. Não por outro motivo, o crime consumado consome o crime tentado, ocorrendo idêntico fenômeno entre os crimes de dano e os de perigo.

A distinção com o princípio da subsidiariedade também é evidente.

Na regra da subsidiariedade, em função do fato concreto praticado, comparam-se as leis para saber qual é a aplicável. Por seu turno, na consunção, sem buscar auxílio nas leis, comparam-se os fatos, apurando-se que o mais amplo, completo e grave consome os demais. O fato principal absorve o acessório, sobrando apenas a lei que o disciplina.

E, em oposição ao que se visualiza nos princípios da especialidade e da subsidiariedade, na consunção não há um fato único buscando amoldar-se em uma ou outra lei, mas uma sucessão de fatos em que o mais amplo e mais grave absorve os menos amplos e menos graves. Não é a lei que consome as outras, mas o fato que consome os demais, possibilitando a incidência de apenas uma das leis.

Afasta-se, assim, o bis in idem, já que o fato menos amplo e menos grave seria duplamente punido, como parte do todo e como crime autônomo.

A consunção pode ter sua origem tanto em virtude da expressa declaração da lei44 como também na sua zelosa interpretação, utilizando-se para tanto de elementos de ordem gramatical, lógica, histórica e sistemática na apreciação jurídica do caso concreto.

7.8.7.3.1. Hipóteses em que se aplica o princípio da consunção

O princípio da consunção se concretiza em quatro situações: crime complexo, crime progressivo, progressão criminosa e atos impuníveis.

7.8.7.3.1.1. Crime complexo

Também conhecido como crime composto, é a modalidade que resulta da fusão de dois ou mais crimes, que passam a desempenhar a função de elementares ou circunstâncias daquele, tal como se dá no roubo, originário da união entre os delitos de furto e ameaça ou lesão corporal, dependendo do meio de execução empregado pelo agente. Para Jorge de Figueiredo Dias:45

Se na maior parte dos tipos de crime – tipos simples – está em causa a proteção de apenas um bem jurídico (v.g., a vida no art. 131.º, a honra no art. 180.º), nos tipos complexos pretende-se alcançar a protecção de vários bens jurídicos. Por exemplo, no roubo (art. 210.º) é tutelada não só a propriedade, mas também a integridade física e a liberdade individual de decisão e acção. O relevo normativo-prático desta distinção reside em que ela pode mostrar-se essencial para uma correcta interpretação (e aplicação) do tipo.

Indicado por relevante parcela doutrinária como hipótese da consunção,46 parece-nos não ser esta a melhor escolha.

Em apertada síntese, alegam seus defensores que o crime complexo absorve os delitos autônomos que compõem a sua estrutura típica, razão pela qual prevalece a lei responsável pela sua definição.

Na verdade, o crime complexo constitui verdadeiro concurso de crimes, ainda que pela escolha técnico-legislativa exista a opção de castigar a atuação do agente pela figura final, que deverá prevalecer, por estabelecer uma valoração conjunta dos fatos em concurso.

Destarte, não se desnatura o concurso de crimes existente no complexo delitivo, convertendo-o em conflito aparente de leis penais. É óbvio, contudo, que o conflito aparente se realizará entre a figura complexa, de um lado, e as figuras simples, do outro.

Além disso, é fundamental que no conflito aparente todas as leis penais devem qualificar os mesmos fatos, atentatórios do mesmo bem jurídico, permitindo-se a aplicação da mais pertinente entre elas, coisa que aqui não sucede.

7.8.7.3.1.2. Crime progressivo

É o que se opera quando o agente, almejando desde o início alcançar o resultado mais grave, pratica, mediante a reiteração de atos, crescentes violações ao bem jurídico.47 Pressupõe necessariamente a existência de um crime plurissubsistente, isto é, uma única conduta orientada por um só propósito, mas fracionável em diversos atos. O ato final, gerador do evento originariamente desejado, consome os anteriores, que produziram violações mais brandas ao bem jurídico finalmente atacado, denominados de crimes de ação de passagem.48

Possui como requisitos, portanto, a unidade de elemento subjetivo e de conduta, composta de vários atos, e a progressividade no dano ao bem jurídico.

Desde o início de sua empreitada, o crime mais grave é desejado pelo sujeito, que vem a praticar uma única conduta, decomposta em vários executórios, lesando gradativamente o bem jurídico que se propôs a lesionar. Imagine-se a hipótese em que alguém, desejando eliminar um desafeto, começa a golpeá-lo em várias regiões do corpo, iniciando o processo de matá-lo, vindo finalmente a atingi-lo na cabeça, ceifando sua vida. As diversas lesões corporais, necessárias para a execução do homicídio, ficam por este absorvidas.

7.8.7.3.1.3. Progressão criminosa

Dá-se quando o agente pretende inicialmente produzir um resultado e, depois de alcançá-lo, opta por prosseguir na prática ilícita e reinicia outra conduta, produzindo um evento mais grave.49 Exemplo: O agente que, após praticar vias de fato, opta por produzir lesões corporais na vítima, e, ainda não satisfeito, acaba por matá-la responde exclusivamente pelo homicídio.

O sujeito é guiado por uma pluralidade de desígnios, havendo alteração em seu dolo, razão pela qual executa uma diversidade de fatos (mais de um crime), cada um correspondente a uma vontade, destacando-se a crescente lesão ao bem jurídico. Por tal motivo, a resposta penal se dará somente para o fato final, mais grave, ficando absorvidos os demais.

Com a punição do crime final, o Estado também sanciona os anteriores, efetuados no mesmo contexto fático. A penalização autônoma constituiria indisfarçável bis in idem, tendo em vista que seriam castigados como parte do resultado final e também de maneira independente.

7.8.7.3.1.4. Fatos impuníveis

São divididos em três grupos:50 anteriores, simultâneos e posteriores, todos previstos como crimes ou contravenções penais por outras leis, as quais o agente realiza em virtude da mesma e única finalidade, qual seja, praticar o fato principal, ou então, como consequência deste, o seu exaurimento, por força do id quod plerumque accidit, isto é, de acordo com o que normalmente acontece, aquilatando-se a sua conduta com as máximas da experiência cotidiana.

Atos anteriores, prévios ou preliminares impuníveis são os que funcionam como meios de execução do tipo principal, ficando por este absorvidos. No caso do roubo da bolsa da vítima que se encontra no interior de um automóvel, eventual destruição do vidro não acarreta na imputação ao agente do crime contido no art. 163, caput, do Código Penal.51

Em conformidade com a definição do princípio da consunção, o fato anterior componente dos atos preparatórios ou de execução apenas será absorvido quando apresentar menor ou igual gravidade quando comparado ao principal, para que este goze de força suficiente para consumir os demais, englobando-os em seu raio de atuação.

Nesse contexto, manifesto o equívoco técnico da Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça, assim redigida: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

O enunciado jurisprudencial destina-se, precipuamente, às hipóteses em que o sujeito, com o escopo de praticar estelionato, falsifica materialmente uma cártula de cheque, documento particular equiparado a documento público por expressa determinação legal, nos termos do art. 297, § 2.º, do Código Penal.

Ora, tal crime é punido com reclusão de dois a seis anos, e multa. Sendo o fato mais amplo e grave, não pode ser consumido pelo estelionato, sancionado de forma mais branda. Mas não para por aí.

Os delitos apontados atingem bens jurídicos diversos. Enquanto o estelionato constitui crime contra o patrimônio, o falso agride a fé pública. Não há falar, tecnicamente, em conflito aparente de leis, mas em autêntico concurso material de delitos.52 Portanto, se no rigor científico a súmula deve ser rejeitada, resta acreditar que a sua criação e manutenção se devem, exclusivamente, a motivos de política criminal, tornando a conduta cada vez mais próxima do âmbito civil, à medida que a pena pode ser, inclusive, reduzida pelo arrependimento posterior, benefício vedado ao crime de falso.

É importante ressaltar que o ante factum impunível e o crime progressivo não se confundem. No último, há incursão obrigatória pela infração penal menos grave, não se podendo, exemplificativamente, matar sem antes ferir. O primeiro, todavia, pode ser cometido sem violação da lei penal menos grave. Na hipótese aventada, não se discute que a bolsa da vítima pode ser roubada sem a destruição do vidro do veículo.

Já os atos concomitantes, ou simultâneos não puníveis, são aqueles praticados no instante em que se executa o fato principal. É o caso dos ferimentos leves suportados pela mulher violentada sexualmente, os quais restam consumidos pelo crime de estupro.

Finalmente, os fatos posteriores não puníveis são visualizados quando, depois de realizada a conduta, o sujeito pratica nova ofensa contra o mesmo bem jurídico, buscando alguma vantagem com o crime anterior.53 O exaurimento deve ser aferido em consonância com a lógica do razoável, pois não há dúvida de que, exemplificativamente, o larápio usualmente vende os bens subtraídos, visando lucro financeiro. Se o furto ou roubo se deu por força de ânimo de lucro, não seria correto puni-lo mais uma vez por ter lucrado.54 Cuida-se de previsível exaurimento, ficando consumidos os atos posteriores.

7.8.7.3.1.4.1. Fatos anteriores e posteriores impuníveis e o crime conexo

A palavra “conexão” é utilizada para dirigir-se ao elo objetivo ou subjetivo entre duas ou mais infrações penais. Define-se, então, o crime conexo como aquele ligado a outro delito.

A conexão pode ser teleológica, quando o crime é praticado para assegurar a execução de outro, ou consequencial, se visar garantir a ocultação, impunidade ou vantagem de delito anterior. Funciona como qualificadora no homicídio e agravante genérica nos demais casos, como se infere dos arts. 121, § 2.º, V, e 61, II, alínea “b”, respectivamente, ambos do Código Penal.

Entre os crimes há autêntico concurso material. Assim, quem mata o segurança de um empresário e priva este último da liberdade para obter vantagem como condição ou preço do resgate responde por homicídio e extorsão mediante sequestro, somando-se as penas. Se o último delito, todavia, não se produz nem na forma tentada, por ele não responde o agente, mas o crime contra a vida subsiste na forma qualificada. Leva-se em conta o tempo do crime, considerando-se a teoria da atividade, encampada pelo art. 4.º do Código Penal.

Há, assim, certa semelhança entre o crime conexo e os fatos anteriores e posteriores não puníveis, os primeiros relacionados com a conexão teleológica e os últimos, com a consequencial. Mas a diferença é nítida.

Na conexão, a prática do crime-meio e do crime-fim não é o que normalmente acontece na vida cotidiana, ao passo que no ante factum e no post factum impuníveis o crime principal e os demais são consequências naturais, no sentido de que o desrespeito de uma lei tem por resultado normal a posterior violação da outra.

Nesses termos, o agente que mata alguém e depois destrói o cadáver deve suportar a responsabilização do crime de homicídio em concurso com o de destruição de cadáver, tipificado no art. 211 do Código Penal. Cuida-se de conexão consequencial, e não de post factum impunível, haja vista não ser a violação do mencionado tipo penal consequência normal da prática do crime contra a vida.

Por seu turno, o sujeito que falsifica documento público e depois dele faz uso somente responde pelo crime de falso material, pois o delito tipificado no art. 304 do Código Penal é corolário lógico do previsto no art. 297 do citado diploma legal.

Não se deve, portanto, equiparar as situações. A forma de interpretação é bastante diversa, justificando a distinção no tocante ao tratamento penal dispensado.

7.8.7.3.1.5. Princípio da alternatividade

Seu conceito, em consonância com as posições fornecidas pela doutrina, deve levar em conta dois pontos de partida distintos.

Inicialmente, a alternatividade é definida como a situação em que duas ou mais disposições legais se repetem diante do mesmo fato. Para Luis Jiménez de Asúa:

Há alternatividade quando os dois artigos “ou leis” se comportam como dois círculos secantes. O que interessa é definir qual deles deve ser eleito para a subsunção. Os autores se pronunciam pelo preceito que contém penas mais severas, fórmula que aceitamos porque mede a maior importância do bem jurídico protegido; mas se forem iguais as sanções impostas, apenas por “via interpretativa” – segundo disse Fontecilla – pode, descobrir-se o maior valor do bem jurídico tutelado55 (tradução livre).

Oscar Stevenson compartilha desse entendimento:

Pelo princípio da alternatividade, a aplicação de uma norma a um fato exclui a aplicabilidade de outra que também o prevê como delito.56

Exemplo: Se no caso concreto restar reconhecido que a conjunção carnal se enquadra na figura da violação sexual mediante fraude (CP, art. 215), descabe atribuir ao agente o crime de estupro (CP, art. 213).

De outro campo, notam-se também autores que entendem configurada a alternatividade na hipótese em que o tipo penal contém em seu corpo vários fatos, alternativamente, como modalidades de uma mesma infração penal. Assim, praticados pelo mesmo sujeito um ou mais núcleos, sucessivamente, restará configurado crime único.57

São os chamados tipos mistos alternativos, de ação múltipla ou de conteúdo variado, identificados assim quanto à conduta (ex.: Lei 11.343/2006, art. 33, caput), ao modo de execução (ex.: CP, art. 121, § 2.º, inc. IV), ao resultado naturalístico (ex.: CP, art. 129, § 2.º, inc. III), ao objeto material (ex.: CP, art. 234), aos meios de execução (ex.: CP, art. 121, § 2.º, inc. III), às circunstâncias de tempo (ex.: CP, art. 123), às circunstâncias de lugar (ex.: CP, art. 233), ou ainda perante outras situações apontadas pelo legislador.

O princípio da alternatividade não é aceito por relevante parcela da doutrina como útil para a solução do conflito aparente de leis penais.58 Isto porque teria a sua função esvaziada pelo princípio da consunção.

Deveras, a variante inicial, denominada alternatividade imprópria, a qual se verifica quando o legislador disciplina o mesmo fato mediante o emprego de duas ou mais leis penais, deve ser rechaçada de plano.

Com efeito, nada mais é do que hipótese de inadmissível equívoco legislativo, solucionável pela ab-rogação tácita, pois uma lei posterior estaria versando integralmente acerca de matéria tratada por lei anterior, de igual natureza e hierarquia.

Por seu turno, a outra variante, conhecida como alternatividade própria, existente entre dois ou mais tipos penais protetores de único bem jurídico contra diversas ofensas, não tem espaço por questão de lógica, é dizer, a ausência de um dos requisitos basilares do instituto.

Inexiste propriamente conflito entre leis penais, mas sim conflito interno na própria lei penal. Ademais, o critério da consunção resolve com vantagens os problemas acaso surgidos nos tipos mistos alternativos. Veja-se a hipótese em que o indivíduo, exemplificativamente, importa, transporta, guarda, expõe à venda e, finalmente, vende a mesma droga. Estará configurado um único crime tipificado pelo art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, não por aplicação do princípio da alternatividade, mas da consunção.

Contudo, se o mesmo sujeito importa cocaína, transporta ópio e vende heroína, responderá por três crimes distintos, em concurso material, na forma prevista no art. 69 do Código Penal, somando-se as penas.

Destarte, entendemos ser a alternatividade a consunção que se instrumentaliza no interior de um mesmo tipo penal entre condutas integrantes de leis de conteúdo variado. Em síntese, nada mais é do que a consunção que resolve o conflito entre condutas previstas na mesma lei penal.

Por tal razão, o princípio da alternatividade não é tolerado pela doutrina dominante como válido para solução do conflito aparente de leis penais.

7.8.8. Ausência de previsão legal

O conflito aparente de leis penais não tem previsão legal. O Código Penal não disciplinou expressamente o assunto.

Em que pesem alguns entendimentos em contrário, nem mesmo o princípio da especialidade foi tratado pelo Código Penal. De fato, o art. 12 cuida, na verdade, do princípio da convivência das esferas autônomas: relaciona-se à solução do conflito entre as regras previstas na Parte Geral do Código Penal e a legislação penal extravagante, o que não se confunde com o instituto em apreço.

Exemplificativamente, o art. 12 do Código Penal soluciona conflitos entre as regras inerentes à prescrição, diferenciando a sua aplicação entre os crimes previstos no Código Penal e outros delitos consagrados pela legislação especial que possuam um sistema prescricional diferenciado.

Não se presta, todavia, para cuidar da especialidade entre crimes de homicídio e de infanticídio, por exemplo, ou entre outros delitos delineados pelo Código Penal.

Repita-se: o art. 12 do Código Penal fala em “regras gerais deste Código”, motivo pelo qual não é apto a tratar da especialidade entre os diversos crimes, os quais se encontram tipificados na Parte Especial.

Seria oportuno, contudo, fosse o tema disciplinado expressamente pelo Código Penal, com o propósito de apresentar regras sistemáticas e, principalmente, possibilitar segurança jurídica em um assunto tão tormentoso nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Mas, infelizmente, o legislador ainda não conferiu ao instituto a merecida atenção.

7.9. TEMPO DO CRIME

É necessária a identificação do momento em que se considera praticado o crime, para que se opere a aplicação da lei penal ao seu responsável. Três teorias buscam explicar o momento em que o crime é cometido.

Pela teoria da atividade, considera-se praticado o crime no momento da conduta (ação ou omissão), pouco importando o momento do resultado.

A teoria do resultado ou do evento reputa praticado o crime no momento em que ocorre a consumação. É irrelevante a ocasião da conduta.

Por fim, a teoria mista ou da ubiquidade busca conciliar as anteriores. Para ela, momento do crime tanto é o da conduta como também o do resultado.

O art. 4.º do Código Penal acolheu a teoria da atividade: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”.59

Dessa forma, a identificação do tempo do crime leva em conta a prática da conduta. Exemplo: “A”, com a idade de 17 anos, 11 meses e 20 dias, efetua disparos de arma de fogo contra “B”, nele provocando diversos ferimentos. A vítima vem a ser socorrida e internada em hospital, falecendo 15 dias depois. Não se aplicará ao autor o Código Penal, em face de sua inimputabilidade ao tempo do crime, mas sim as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990.

A adoção da teoria da atividade apresenta relevantes consequências, tais como:

a)   aplica-se a lei em vigor ao tempo da conduta, exceto se a do tempo do resultado for mais benéfica;

b)   a imputabilidade é apurada ao tempo da conduta;

c)   no crime permanente em que a conduta tenha se iniciado durante a vigência de uma lei, e prossiga durante o império de outra, aplica-se a lei nova, ainda que mais severa. Fundamenta-se o raciocínio na reiteração de ofensa ao bem jurídico, já que a conduta criminosa continua a ser praticada depois da entrada em vigor da lei nova, mais gravosa;60

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d)   no crime continuado em que os fatos anteriores eram punidos por uma lei, operando-se o aumento da pena por lei nova, aplica-se esta última a toda a unidade delitiva, desde que sob a sua vigência continue a ser praticada. O crime continuado, em que pese ser constituído de vários delitos parcelares, é considerado crime único para fins de aplicação da pena (teoria da ficção jurídica);

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No tocante a estes dois casos, dispõe a Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.

e)   no crime habitual em que haja sucessão de leis, deve ser aplicada a nova, ainda que mais severa, se o agente insistir em reiterar a conduta criminosa.

Cuidado: Em matéria de prescrição, o art. 111, I, do Código Penal preferiu a teoria do resultado, uma vez que a causa extintiva da punibilidade tem por termo inicial a data da consumação da infração penal.

7.10. LEI PENAL NO ESPAÇO61

7.10.1. Introdução

O Código Penal brasileiro limita o campo de validade da lei penal com observância de dois vetores fundamentais: a territorialidade (art. 5.º) e a extraterritorialidade (art. 7.º). Com base neles se estabelecem princípios que buscam solucionar os conflitos de leis penais no espaço.

A territorialidade é a regra. Excepcionalmente, admitem-se outros princípios para o caso de extraterritorialidade, que são os da personalidade, do domicílio, da defesa, da justiça universal e da representação.

A matéria se relaciona ao Direito Penal Internacional, ramo do Direito Internacional Público que estabelece as regras de determinação da lei penal aplicável na hipótese de a conduta criminosa violar o sistema jurídico de mais de um país.

7.10.2. Princípio da territorialidade

Cuida-se da principal forma de delimitação do espaço geopolítico de validade da lei penal nas relações entre Estados soberanos.

A soberania do Estado, nota característica do princípio da igualdade soberana de todos os membros da comunidade internacional (art. 2.º, § 1.º, da Carta da ONU), fundamenta o exercício de todas as competências sobre crimes praticados em seu território.

Nesse sentido, dispõe o art. 5.º do Código Penal: “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”.

Essa é a regra geral. Aplica-se a lei brasileira aos crimes cometidos no território nacional. Há exceções que ocorrem quando brasileiro pratica crime no exterior ou um estrangeiro comete delito no Brasil. Fala-se, assim, que o Código Penal adotou o princípio da territorialidade temperada ou mitigada.

7.10.2.1. Conceito de território

Em termos jurídicos, território é o espaço em que o Estado exerce sua soberania política.

A análise do art. 5.º do Código Penal revela que o território brasileiro compreende:

a)   o espaço territorial delimitado pelas fronteiras, sem solução de continuidade, inclusive rios, lagos, mares interiores e ilhas, bem como o respectivo subsolo;

b)   o mar territorial, ou marginal, que corre ao longo da costa como parte integrante do território brasileiro e que tem uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, na forma definida pela Lei 8.617/1993. A soberania brasileira alcança também o leito e o subsolo do mar territorial. O conceito de território não obsta, contudo, o direito de passagem inocente, isto é, a prerrogativa de navios mercantes ou militares de qualquer Estado de transitarem livremente pelo mar territorial, embora sujeitos ao poder de polícia do Brasil;

c)   a plataforma continental, medindo 200 milhas marítimas a partir do litoral brasileiro (ou 188 milhas, deduzidas as 12 milhas do mar territorial), como zona econômica exclusiva, instituída pela Lei 8.617/1993, que incorporou a Convenção da ONU de 1982, sobre o direito do mar;

d)   o espaço aéreo, compreendido como a dimensão estatal da altitude. Em relação ao domínio aéreo, adotou-se a teoria da absoluta soberania do país subjacente, pela qual o Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial (art. 11 da Lei 7.565/1986);

e)   os navios e aeronaves, de natureza particular, em alto-mar ou no espaço aéreo correspondente ao alto-mar;

f)   os navios e aeronaves, de natureza pública, onde quer que se encontrem;

g)   os rios e lagos internacionais, que são aqueles que atravessam mais de um Estado. Se forem sucessivos, ou seja, passarem por dois ou mais países, mas sem separá-los, considera-se o trecho que atravessa o Brasil. Caso sejam simultâneos ou fronteiriços, isto é, separarem os territórios de dois ou mais países, a delimitação da parte pertencente ao Brasil é fixada por tratados ou convenções internacionais entre os Estados interessados.

7.10.2.2. Território brasileiro por extensão

Na forma definida pelo art. 5.º, § 1.º, do CP, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

7.10.3. Outros princípios

Estudamos há pouco que o Código Penal adotou como regra geral o princípio da territorialidade. Há, entretanto, exceções, motivo pelo qual se fala em territorialidade temperada ou mitigada. Vejamos quais são elas.

7.10.3.1. Princípio da personalidade ou da nacionalidade

Esse princípio autoriza a submissão à lei brasileira dos crimes praticados no estrangeiro por autor brasileiro (ativa) ou contra vítima brasileira (passiva).

De acordo com a personalidade ativa, o agente é punido de acordo com a lei brasileira, independentemente da nacionalidade do sujeito passivo e do bem jurídico ofendido. É previsto no art. 7.º, I, alínea “d” (“quando o agente for brasileiro”), e também pelo inciso II, alínea “b”, do Código Penal.

Seu fundamento constitucional é a relativa proibição de extradição de brasileiros (art. 5.º, LI, da Constituição Federal), evitando a impunidade de crimes cometidos por brasileiros que, após praticarem crimes no exterior, fogem para o Brasil. A propósito, confira-se o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal envolvendo o assunto:

Se a extradição não puder ser concedida, por inadmissível, em face de a pessoa reclamada ostentar a condição de brasileira nata, legitimar-se-á a possibilidade de o Estado brasileiro, mediante aplicação extraterritorial de sua própria lei penal (CP, art. 7.º, II, “b”, e respectivo § 2.º), [...] fazer instaurar, perante órgão judiciário nacional competente (CPP, art. 88), a concernente persecutio criminis, em ordem a impedir, por razões de caráter ético-jurídico, que práticas delituosas, supostamente cometidas, no exterior, por brasileiros (natos ou naturalizados), fiquem impunes.62

Por sua vez, aplica-se o princípio da personalidade passiva nos casos em que a vítima é brasileira. O autor do delito que se encontrar em território brasileiro, embora seja estrangeiro, deverá ser julgado de acordo com a nossa lei penal. É adotado pelo art. 7.º, § 3.º, do Código Penal.

7.10.3.2. Princípio do domicílio

De acordo com esse princípio, o autor do crime deve ser julgado em consonância com a lei do país em que for domiciliado, pouco importando sua nacionalidade. Previsto no art. 7.º, I, alínea “d” (“domiciliado no Brasil”), do Código Penal, no tocante ao crime de genocídio no qual o agente não é brasileiro, mas apenas domiciliado no Brasil.

7.10.3.3. Princípio da defesa, real ou da proteção

Permite submeter à lei penal brasileira os crimes praticados no estrangeiro que ofendam bens jurídicos pertencentes ao Brasil, qualquer que seja a nacionalidade do agente e o local do delito.

Adotado pelo Código Penal, em seu art. 7.º, I, alíneas “a”, “b” e “c”, compreendendo os crimes contra:

a)   a vida ou a liberdade do Presidente da República;

b)   o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; e

c)   a administração pública, por quem está a seu serviço.

7.10.3.4. Princípio da justiça universal

Conhecido também como princípio da justiça cosmopolita, da competência universal, da jurisdição universal, da jurisdição mundial, da repressão mundial ou da universalidade do direito de punir, é característico da cooperação penal internacional, porque todos os Estados da comunidade internacional podem punir os autores de determinados crimes que se encontrem em seu território, de acordo com as convenções ou tratados internacionais, pouco importando a nacionalidade do agente, o local do crime ou o bem jurídico atingido.

Fundamenta-se no dever de solidariedade na repressão de certos delitos cuja punição interessa a todos os povos. Exemplos: tráfico de drogas, comércio de seres humanos, genocídio etc.

É adotado no art. 7.º, II, “a”, do Código Penal: “os crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir”.

7.10.3.5. Princípio da representação

Também denominado princípio do pavilhão, da bandeira, subsidiário ou da substituição.

Segundo esse princípio, deve ser aplicada a lei penal brasileira aos crimes cometidos em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando estiverem em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

É adotado pelo art. 7.º, II, “c”, do Código Penal.

E se a aeronave ou embarcação brasileira for pública ou estiver a serviço do governo brasileiro?

Essa questão, simples, mas capciosa, já foi formulada em diversos concursos federais. Não incide no caso o princípio da representação, mas sim o da territorialidade. Lembre-se: aeronaves e embarcações brasileiras, públicas ou a serviço do governo brasileiro, constituem extensão do território nacional (art. 5.º, § 1.º, do Código Penal).

7.11. LUGAR DO CRIME

A aplicação do princípio da territorialidade da lei penal no espaço depende da identificação do lugar do crime. Nesse diapasão, várias teorias buscam estabelecer o lugar do crime. Destacam-se três:

1.ª Teoria da atividade, ou da ação: Lugar do crime é aquele em que foi praticada a conduta (ação ou omissão);

2.ª Teoria do resultado, ou do evento: Lugar do crime é aquele em que se produziu ou deveria produzir-se o resultado, pouco importando o local da prática da conduta; e

3.ª Teoria mista ou da ubiquidade: Lugar do crime é tanto aquele em que foi praticada a conduta (ação ou omissão) quanto aquele em que se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Foi adotada pelo Código Penal, em seu art. 6.º: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”.63

A discussão acerca do local do crime tem pertinência somente em relação aos crimes a distância, também conhecidos como crimes de espaço máximo, isto é, aqueles em que a conduta é praticada em um país e o resultado vem a ser produzido em outro. Não se trata, assim, de comarcas distintas. Exige-se a pluralidade de países.64

Como exemplo, imagine que o agente efetue disparos de arma de fogo contra a vítima em solo brasileiro, com a intenção de matá-la, mas esta consegue fugir e morre depois de atravessar a fronteira com o Paraguai. A adoção da teoria da ubiquidade permite a conclusão de que o lugar do crime tanto pode ser o Brasil como o Paraguai.

Não poderia ser diferente, em obediência às soberanias dos países envolvidos.

Para a incidência da lei brasileira é suficiente que um único ato executório atinja o território nacional, ou então que o resultado ocorra no Brasil. A teoria não se importa, contudo, com os atos preparatórios, nem com os atos realizados pelo agente após a consumação.

Em relação à tentativa, o lugar do crime abrange aquele em que se desenvolveram os atos executórios, bem como aquele em que deveria produzir-se o resultado.

No tocante ao coautor e ao partícipe, operando-se o concurso de pessoas no território brasileiro, aplica-se a lei penal nacional, ainda que o crime tenha sido integralmente executado no exterior.

7.11.1. Não aplicação da teoria da ubiquidade em outras hipóteses

A teoria da ubiquidade não se aplica nos seguintes casos:

a) Crimes conexos: São aqueles que de algum modo estão relacionados entre si. Não se aplica a teoria da ubiquidade, eis que os diversos crimes não constituem unidade jurídica. Deve cada um deles, portanto, ser processado e julgado no país em que foi cometido.

b) Crimes plurilocais: São aqueles em que a conduta e o resultado ocorrem em comarcas diversas, mas no mesmo país. Exemplo: “A”, em determinada cidade, e com a intenção de produzir lesões corporais de natureza grave, efetua disparos de arma de fogo contra “B”, o qual se encontra do lado oposto de uma ponte que faz a divisa com outra cidade. Aplica-se a regra delineada pelo art. 70, caput, do Código de Processo Penal, ou seja, a competência será determinada pelo lugar em que se consumar a infração ou, no caso de tentativa, pelo local em que for praticado o último ato de execução.

Na hipótese de crimes dolosos contra a vida, aplica-se a teoria da atividade, segundo pacífica jurisprudência, em razão da conveniência para a instrução criminal em juízo, possibilitando a descoberta da verdade real. De fato, é mais fácil e seguro produzir provas no local em que o crime se realizou. Além disso, não é possível obrigar as testemunhas do fato a comparecerem ao plenário do Júri em outra comarca.

Se não bastasse, um dos pilares que fundamenta o Tribunal do Júri é permitir a pacificação da sociedade perturbada pelo crime mediante o julgamento pelos seus membros. Nesse sentido: “A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os que lhe são conexos é, em princípio, do Conselho de Sentença da comarca em que os fatos criminosos ocorreram, salvo excepcional motivação”.65

c) Infrações penais de menor potencial ofensivo: O art. 63 da Lei 9.099/1995 adotou a teoria da atividade: “A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal”.

d) Crimes falimentares: Será competente o foro do local em que foi decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial (art. 183 da Lei 11.101/2005).

e) Atos infracionais: Para os crimes ou contravenções penais praticados por crianças e adolescentes, será competente a autoridade do lugar da ação ou da omissão (Lei 8.069/1990 – ECA, art. 147, § 1.º).

7.12. EXTRATERRITORIALIDADE

7.12.1. Introdução

Extraterritorialidade é a aplicação da legislação penal brasileira aos crimes cometidos no exterior.

Justifica-se pelo fato de o Brasil ter adotado, relativamente à lei penal no espaço, o princípio da territorialidade temperada ou mitigada (CP, art. 5.º), o que autoriza, excepcionalmente, a incidência da lei penal brasileira a crimes praticados fora do território nacional.

A extraterritorialidade pode ser incondicionada ou condicionada.

Não se admite a aplicação da lei penal brasileira às contravenções penais praticadas no estrangeiro, de acordo com a regra estabelecida pelo art. 2.º do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais.

7.12.2. Extraterritorialidade incondicionada

Não está sujeita a nenhuma condição. A mera prática do crime em território estrangeiro autoriza a incidência da lei penal brasileira, independentemente de qualquer outro requisito.

As hipóteses de extraterritorialidade incondicionada encontram previsão no art. 7.º, I, do Código Penal, e, no tocante a esses crimes, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro (art. 7.º, § 1.º). A lei brasileira é extraterritorial em relação aos crimes:

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7.12.2.1. Extraterritorialidade incondicionada e o art. 8.º do Código Penal – Proibição do bis in idem

Em face da detração penal determinada pelo art. 8.º do Código Penal, no caso de extraterritorialidade incondicionada, a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.66

Se o agente praticou um crime contra a vida do Presidente da República do Brasil em solo argentino, e lá foi condenado à pena de dez anos de reclusão, dos quais já cumpriu oito anos, e, posteriormente, fugiu para o Brasil, vindo aqui a ser condenado a doze anos de reclusão, não precisará cumprir toda a pena imposta em nosso país. Faltará o cumprimento de outros quatro anos, em consonância com a regra prevista no art. 8.º do Código Penal.

7.12.2.2. Extraterritorialidade incondicionada e a Lei de Tortura

Sem prejuízo dos casos previstos no Código Penal, o art. 2.º da Lei 9.455/1997 estatuiu mais uma situação de extraterritorialidade incondicionada, nos seguintes termos: “O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira”.

7.12.3. Extraterritorialidade condicionada

Relaciona-se aos crimes indicados pelo art. 7.º, II, e § 3.º, do Código Penal.

A aplicação da lei penal brasileira aos crimes cometidos no exterior se sujeita às condições descritas pelo art. 7.º, § 2.º, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, e § 3.º, do Código Penal.

Tratando-se de extraterritorialidade condicionada, a lei penal brasileira é subsidiária em relação aos crimes praticados fora do território nacional, elencados pelo art. 7.º, II, e § 3.º, do Código Penal.

No que diz respeito aos crimes previstos no art. 7.º, II, e § 3.º, do Código Penal, a aplicação da lei brasileira depende das seguintes condições, cumulativas:

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De outro lado, no caso de crime cometido por estrangeiro contra brasileiro, fora do Brasil, exigem-se outras duas condições, além das anteriormente indicadas, quais sejam:

a)   não ter sido pedida ou ter sido negada a extradição; e

b)   ter havido requisição do Ministro da Justiça.

7.13. LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS

7.13.1. Introdução

O princípio da territorialidade, adotado pelo Brasil, não é absoluto. A territorialidade é temperada ou mitigada. O art. 5.º, caput, do Código Penal é claro ao determinar que “aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”.

A parte final – “sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional”, autoriza a criação das imunidades diplomáticas e de chefes de governos estrangeiros.

Por sua vez, as regras constitucionais instituem as imunidades parlamentares.

7.13.2. Imunidades diplomáticas e de chefes de governos estrangeiros

O deferimento de tratamento especial a representantes diplomáticos e a chefes de governos estrangeiros, no tocante a atos ilícitos por eles praticados, é medida aceita desde longa data pelo direito internacional, em respeito ao Estado representado, e também pela necessidade de garantir meios suficientes para o perfeito desempenho de seus misteres por tais pessoas.

As imunidades se fundam no princípio da reciprocidade, ou seja, o Brasil concede imunidade aos agentes dos países que também conferem iguais privilégios aos nossos representantes.

Não há violação ao princípio da isonomia, eis que a imunidade não é pessoal, mas funcional. Leva-se em conta a relevância da função pública exercida pelo representante estrangeiro (teoria do interesse da função).

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, incorporada ao direito pátrio pelo Decreto 56.435/1965, assegura ao diplomata imunidade de jurisdição penal, sujeitando-o à jurisdição do Estado que representa. Abrange toda e qualquer espécie de delito.

A garantia se estende aos agentes diplomáticos e funcionários das organizações internacionais, quando em serviço, incluindo seus familiares. A essas pessoas é assegurada inviolabilidade pessoal, já que não podem ser presas nem submetidas a qualquer procedimento sem autorização de seu país.

Por óbvio, aos chefes de governos estrangeiros e aos ministros das Relações Exteriores asseguram-se idênticas imunidades concedidas aos agentes diplomáticos.

A imunidade é irrenunciável por parte do seu destinatário. Nada impede, por outro lado, a renúncia por meio do Estado acreditante, com fundamento no art. 32 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) e art. 45 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963).67 Nesse contexto, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

[...] de acordo com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, do qual o Brasil é signatário, os agentes diplomáticos estrangeiros estão imunes à jurisdição penal do Estado perante o qual estão acreditados. Assim, o chefe da missão diplomática e os membros do pessoal diplomático gozam, nos termos dos arts. 29 a 42 da Convenção de Viena de 1961, dos direitos da inviolabilidade pessoal e de sua residência, da totalidade das imunidades de jurisdição penal, etc. Tais privilégios e imunidades podem ser renunciados pelo Estado acreditante, a quem tais direitos pertencem, mediante declarações especiais e em cada caso particular ajuizado perante autoridades judiciais do Estado acreditado, i.e., o Brasil.68

As imunidades não se aplicam aos empregados particulares dos diplomatas, ainda que oriundos do Estado representado.

Os cônsules, por seu turno, são funcionários públicos de carreira ou honorários e indicados para a realização de determinadas funções em outros países, com imunidades e privilégios inferiores aos dos diplomatas. A imunidade penal é limitada aos atos de ofício, podendo ser processados e condenados por outros crimes.69

De acordo com a Convenção de Viena, as sedes diplomáticas não admitem busca e apreensão, requisição, embargo ou qualquer tipo de medida de execução de natureza penal.

Malgrado opiniões em contrário, cada vez em maior declínio, pode-se afirmar que as sedes das embaixadas não são extensões de territórios estrangeiros no Brasil. De fato, localizam-se em território nacional, e, se alguém que não goza da imunidade praticar algum crime em seu âmbito, inevitavelmente será processado nos termos da legislação penal brasileira.

7.13.3. Imunidades parlamentares

7.13.3.1. Alocação

Essa disciplina encontra seu nascedouro na Constituição Federal, razão pela qual seu estudo é aprofundado nas obras de Direito Constitucional. Contudo, sua sistemática produz inúmeros reflexos na aplicação da lei penal, justificando a cobrança frequente do tema em concursos públicos nas provas de Direito Penal, motivo que nos autoriza a abordá-lo no presente trabalho.

7.13.3.2. Introdução

O Poder Legislativo, constituído no âmbito da União pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, tem suas funções típicas tratadas nos arts. 44 e seguintes da Constituição Federal, consistindo, precipuamente, na atividade legislativa e na função fiscalizadora do Poder Executivo.

No exercício desses misteres, os representantes do povo e dos Estados necessitam de uma série de regras específicas, que estabeleçam os seus direitos, deveres e, notadamente, prerrogativas.

Consagrou-se denominar de estatuto dos congressistas o conjunto de normas constitucionais que estatui o regime jurídico dos membros do Congresso Nacional, prevendo suas prerrogativas e direitos, seus deveres e incompatibilidades.70

Entre as prerrogativas previstas na Constituição de 1988, estão a inviolabilidade e a imunidade, de natureza penal, e também o privilégio de foro e a isenção do serviço militar, previstas nas constituições anteriores, bem como a limitação ao dever de testemunhar, todas de caráter processual.

Abordaremos somente as imunidades parlamentares, por produzirem relevantes consequências na aplicação da lei penal.

7.13.3.3. Conceito e finalidade

As imunidades parlamentares são prerrogativas ou garantias inerentes ao exercício do mandato parlamentar, preservando-se a instituição de ingerências externas.

A Constituição Federal prevê duas espécies de imunidades:

a)   imunidade absoluta, material, real, substantiva ou inviolabilidade: art. 53, caput; e

b)   imunidade processual, formal, adjetiva, ou imunidade propriamente dita: art. 53, §§ 1.º a 5.º.

A imunidade formal, por sua vez, pode referir-se à prisão do parlamentar ou ao ajuizamento da ação penal.

7.13.3.4. Imunidade material ou inviolabilidade

De acordo com o art. 53, caput, da Constituição Federal, com a redação determinada pela Emenda Constitucional 35/2001: “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

A emenda constitucional mencionada acrescentou a inviolabilidade também no âmbito cível, consagrando posição firmada pela jurisprudência.

A imunidade material protege o parlamentar em suas opiniões, palavras e votos, desde que relacionadas às suas funções, não abrangendo manifestações desarrazoadas e desprovidas de conexão com os seus deveres constitucionais. Não se faz necessário, contudo, que o parlamentar se manifeste no recinto do Congresso Nacional para a incidência da inviolabilidade. Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, caput) exclui a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo, por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática in officio) ou externadas em razão deste (prática propter officium), qualquer que seja o âmbito espacial (locus) em que se haja exercido a liberdade de opinião, ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa.71

7.13.3.4.1. Natureza jurídica da imunidade material

Há grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica da inviolabilidade. Destacam-se os seguintes entendimentos:

a)   causa de atipicidade: Celso Ribeiro Bastos;72

b)   causa excludente de crime: Nélson Hungria, José Afonso da Silva73 e Pontes de Miranda;

c)   causa que se opõe à formação do crime: Basileu Garcia;

d)   causa pessoal e funcional de isenção de pena: Aníbal Bruno;

e)   causa de irresponsabilidade: Heleno Cláudio Fragoso; e

f)   causa de incapacidade penal por razões políticas: José Frederico Marques.

O Supremo Tribunal Federal tem considerado a manifestação parlamentar, nas hipóteses abrangidas pela inviolabilidade, como fato atípico. Nesse sentido:

As declarações proferidas pelo querelado, na qualidade de Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, alusivas a denúncias de tortura sob investigação do Ministério Público são palavras absolutamente ligadas ao exercício do mandato, donde estarem cobertas pela imunidade parlamentar material. Não é cabível indagar sobre nenhuma qualificação penal do fato objetivo, se ele está compreendido na área da inviolabilidade parlamentar (Inq. 2.282/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 30.06.2006 – Informativo 433).74

Qualquer que seja o posicionamento adotado, a inviolabilidade acarretará sempre a irresponsabilidade do agente por suas opiniões, palavras e votos, se presentes os demais elementos do instituto.

7.13.3.5. Imunidade formal

A imunidade formal, processual, adjetiva ou imunidade propriamente dita envolve a disciplina da prisão e do processo contra Deputados Federais e Senadores e tem previsão no art. 53, §§ 1.º a 5.º, da Constituição Federal.

O instituto foi bastante alterado com o advento da Emenda Constitucional 35/2001, que buscou evitar o desvirtuamento da prerrogativa, tal qual estabelecida pela sua redação originária.

7.13.3.5.1. Imunidade formal para a prisão

Dispõe o art. 53, § 2.º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 35/2001, que, “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

Assim, extrai-se a regra geral de que os parlamentares não poderão ser presos. A regra abrange tanto a prisão provisória, de cunho penal, em qualquer de suas modalidades, salvo no caso de flagrante de crime inafiançável, assim como a prisão civil, uma vez que o texto constitucional não faz qualquer distinção.

Essa imunidade foi denominada de relativa incoercibilidade pessoal dos congressistas (freedom from arrest) pelo Supremo Tribunal Federal (Inquérito 510/DF, j. 01.02.2001, Tribunal Pleno).

A única exceção admitida pela Constituição Federal é a hipótese de prisão em flagrante pela prática de crime inafiançável. No julgamento acima mencionado, entretanto, o Pretório Excelso reconheceu como exceção à imunidade a hipótese de pena privativa de liberdade fixada por sentença condenatória com trânsito em julgado, nos seguintes termos:

Dentro do contexto normativo delineado pela Constituição, a garantia jurídico-institucional da imunidade parlamentar formal não obsta, observado o due process of law, a execução de penas privativas de liberdade definitivamente impostas ao membro do Congresso Nacional.

Na exceção prevista no texto constitucional, os autos deverão ser remetidos à Casa Parlamentar respectiva no prazo de vinte e quatro horas, para que, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, resolva sobre a prisão (CF, art. 53, § 2.º). A votação será aberta, ao reverso do previsto na redação originária do art. 53.

Impende salientar, contudo, que, nas hipóteses em que for verificada a impossibilidade de apreciação do pedido pela Casa respectiva, a prisão será mantida independentemente dessa manifestação. Veja-se a seguinte situação, de excepcional gravidade, já apreciada pelo Supremo Tribunal Federal:

Os elementos contidos nos autos impõem interpretação que considere mais que a regra proibitiva da prisão de parlamentar, isoladamente, como previsto no art. 53, § 2.º, da Constituição da República. Há de se buscar interpretação que conduza à aplicação efetiva e eficaz do sistema constitucional como um todo. A norma constitucional que cuida da imunidade parlamentar e da proibição de prisão do membro de órgão legislativo não pode ser tomada em sua literalidade, menos ainda como regra isolada do sistema constitucional. Os princípios determinam a interpretação e aplicação corretas da norma, sempre se considerando os fins a que ela se destina. A Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, composta de vinte e quatro deputados, dos quais vinte e três estão indiciados em diversos inquéritos, afirma situação excepcional e, por isso, não se há de aplicar a regra constitucional do art. 53, § 2.º, da Constituição da República, de forma isolada e insujeita aos princípios fundamentais do sistema jurídico vigente. Habeas corpus cuja ordem se denega.75

Apesar de a decisão referir-se à esfera estadual, o entendimento é válido para os deputados federais e senadores, uma vez que a imunidade em ambos os casos possui idêntica disciplina.

Por outro lado, José Afonso da Silva afirma que convém ponderar sobre a questão da afiançabilidade do crime, diante do disposto no art. 5.º, LXVI, da Constituição Federal, pois, se o crime for daqueles que admitem liberdade provisória, o tratamento a ser dado ao congressista teria de ser idêntico aos dos crimes afiançáveis, ou seja, vedada a prisão.76

A imunidade persiste desde a diplomação até o encerramento definitivo do mandato, independentemente do motivo, incluindo a não reeleição.

7.13.3.5.2. Imunidade formal para o processo

A disciplina da imunidade formal para o processo foi substancialmente alterada pela Emenda Constitucional 35/2001, que retirou a necessidade de prévia licença da Casa para a instauração da ação penal contra o parlamentar.

De acordo com a nova regra prevista no art. 53, § 3.º: “recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”.

Destarte, uma vez oferecida a denúncia contra o parlamentar, por crime ocorrido após a diplomação, o Ministro do Supremo Tribunal Federal poderá recebê-la, independentemente de prévia licença.

Nesse caso, o Tribunal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria absoluta de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação penal.

O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de 45 dias do seu recebimento pela Mesa diretora, e a sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato (CF, art. 53, §§ 3.º a 5.º). O pedido de sustação poderá ser feito, contudo, até a decisão final da ação penal movida contra o parlamentar.77

A nova regra se aplica imediatamente aos processos em curso. É o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

Tendo em conta que com a superveniência da EC 35/2001 ficou eliminada a exigência de licença prévia da Casa respectiva para instauração de processos contra membros do Congresso Nacional por fatos não cobertos pela imunidade material, o Tribunal, resolvendo questão de ordem, e dando pela aplicabilidade imediata da referida norma aos casos pendentes, declarou prejudicado o pedido de licença prévia para o prosseguimento de ação penal proposta contra deputado federal e, em consequência, determinou o término da suspensão do curso da prescrição dos fatos a ele imputados, a partir da publicação da mencionada Emenda.78

E atenção: pela nova regra, não haverá necessidade de o Supremo Tribunal Federal dar ciência à respectiva Casa em caso de ação penal por crime praticado antes da diplomação. Nessas hipóteses, não é possível, pelo mesmo motivo, a suspensão da ação penal por iniciativa do partido político.

Nos crimes praticados após a diplomação, se houver sustação da ação penal, e o crime tiver sido praticado em concurso com agente não congressista, o processo deve ser desmembrado, em razão do regime de prescrição diferenciado, que só alcança o parlamentar.79

7.13.3.6. Pessoas abrangidas pela imunidade

As imunidades acima abordadas abrangem os Deputados Federais e Senadores. Não são extensíveis aos suplentes, embora a Constituição de 1934 tenha incluído o primeiro suplente na garantia.80

De acordo com o art. 27, § 1.º, da Constituição Federal, aos deputados estaduais serão aplicadas as mesmas regras sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às forças armadas aplicáveis aos deputados federais e senadores.

Ademais, é assegurada a imunidade material dos deputados estaduais, que são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

No tocante ao Poder Legislativo Municipal, dispõe o art. 29, VIII, da Constituição Federal que os municípios serão regidos por lei orgânica, que deverá obedecer, entre outras regras, a da inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato e na circunscrição do Município.

Destarte, a Constituição Federal não consagra a imunidade formal ou processual para vereadores, ou de foro por prerrogativa de função, não podendo a legislação local prever tais garantias.81

7.13.3.7. Suspensão e renúncia da imunidade

Os parlamentares afastados para o exercício de cargo de Ministro da República, Secretário de Estado ou de Município não mantêm as imunidades. Como esclarece Michel Temer, citado por Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior:

Tem-se discutido se continua inviolável o parlamentar que se licencia para exercer cargo executivo (Secretário de Estado, Ministro de Estado). Se continua, ou não, exercendo mandato. O Supremo Tribunal Federal decidiu que o licenciado não está no exercício do mandato e, por isso, dispensa-se a licença aqui referida.

Parece-nos que o art. 56 da CF responde a essa indagação ao prescrever que: não perderá o mandato o deputado ou senador investido na função de Ministro de Estado, Governador do Distrito Federal, Governador de Território, Secretário de Estado, etc.

“Não perderá o mandato.” Significa: quando cessarem suas funções executivas, o parlamentar, que não perdeu o mandato, pode voltar a exercê-lo. O que demonstra que, quando afastado, não se encontra no exercício do mandato. Harmoniza-se com a prescrição da impossibilidade de exercício simultâneo em poderes diversos.82

De outro lado, por ser inerente ao cargo parlamentar, e não ao congressista propriamente, não é possível a renúncia a tais prerrogativas.83

7.13.3.8. Imunidades e estado de sítio

As imunidades de Deputados e Senadores subsistirão durante o estado de sítio, somente podendo ser suspensas pelo voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional que sejam incompatíveis com a execução da medida (CF, art. 53, § 8.º).

Vale dizer, se os atos forem praticados no recinto do Congresso Nacional, a imunidade é absoluta, não comportando a suspensão pela Casa respectiva. É uma garantia importante, porque se harmoniza com o disposto no art. 139, parágrafo único, da Lei Suprema, e porque afasta qualquer pretensão de aplicar a parlamentares as restrições previstas nos incisos desse artigo.84

Quadro geral das imunidades

 

Antes da EC 35/2001

Após a EC 35/2001

Inviolabilidade

Previsão expressa somente da irresponsabilidade penal.

Inclusão da irresponsabilidade civil.

Imunidade formal para a prisão

Votação secreta.

Votação pública.

Imunidade formal para o processo

Nos crimes praticados após a diplomação havia a necessidade de licença prévia da Casa respectiva para ser possível o recebimento da denúncia. O indeferimento da licença ou ausência de manifestação suspendiam a prescrição, enquanto durasse o mandato.

Nos crimes praticados após a diplomação, não há licença prévia. O STF pode receber diretamente a denúncia, comunicando posteriormente a Casa respectiva. É possível a suspensão da ação por iniciativa de partido político, desde que pelo voto da maioria absoluta dos membros da Casa. A suspensão da ação suspende a prescrição.

A necessidade de licença e comunicação à Casa aplicava-se aos crimes praticados antes da diplomação.

Não há imunidade processual para crimes praticados antes da diplomação.

7.14. DISPOSIÇÕES FINAIS ACERCA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL

7.14.1. Introdução

Os arts. 9.º, 10 e 11 do Código Penal apresentam as disposições finais do Título I do Código Penal, relativas à eficácia da sentença estrangeira, à contagem do prazo de natureza penal, às frações não computáveis da pena e à aplicação da legislação penal especial.

7.14.2. Eficácia da sentença estrangeira

A sentença judicial, emanada de Poder Constituído do Estado, é ato representativo de sua soberania. Para uma eficaz valoração de sua autoridade, contudo, deve ser executada. E essa execução deveria ser feita sempre no país em que foi proferida.

Contudo, para enfrentar com maior eficiência, no âmbito de seus limites, a prática de infrações penais, o Estado se vale, excepcionalmente, de atos de soberania de outras nações, aos quais atribui efeitos certos e determinados. Para atingir essa finalidade, homologa a sentença penal estrangeira, mediante o procedimento constitucionalmente previsto, a fim de constituí-la em título executivo com validade em território nacional.

Exige-se, contudo, que a decisão judicial tenha transitado em julgado, pois, de acordo com a Súmula 420 do Supremo Tribunal Federal: “Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado”.

E, nos termos do art. 9.º do Código Penal:

Art. 9.º A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para:

I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;

II – sujeitá-lo a medida de segurança.

Parágrafo único. A homologação depende:

a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada;

b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

Veja-se que a análise conjunta desse dispositivo com o art. 63 do Código Penal revela que não há necessidade de homologação da sentença estrangeira condenatória para caracterização da reincidência no Brasil. Basta sua existência.

Nos termos do art. 105, I, alínea “i”, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, compete ao Superior Tribunal de Justiça a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.

Antes da Emenda Constitucional 45/2004, tal função era reservada ao Supremo Tribunal Federal.

Convém ainda apontar que a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça constitui-se em título executivo judicial, na forma definida pelo art. 475-N, VI, do Código de Processo Civil.

7.14.3. Contagem de prazo

Dispõe o art. 10 do Código Penal: “O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum”.

O dispositivo legal apresenta duas partes:

1.ª parte: O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo.

Prazo é o intervalo de tempo dentro do qual se estabelece a prática de determinado ato. Deve ser calculado entre dois termos, o inicial (a quo) e o final (ad quem).

No Direito Penal, inclui-se no cômputo do prazo o dia do começo. Assim, o dia em que tiver início a prática de determinado ato deve ser descontado do período total. Exemplo: Um sujeito reincidente é condenado à pena de um mês de reclusão, em regime fechado. O mandado de prisão é cumprido no dia 10 de outubro, às 23 horas. Sua pena estará extinta no dia 9 de novembro.

Qualquer que seja a fração do dia do começo, deve ser computada integralmente, como um dia inteiro. Isso porque, como diz o Código Penal, o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo.

Para facilitar os cálculos em provas, é importante observar a seguinte regra: deve ser considerada na operação, sempre, a diminuição de um dia, em razão de ser computado o dia do começo. Dessa forma, se a pena é de um ano, e teve início em 10 de outubro de determinado ano, estará integralmente cumprida no dia 9 de outubro do ano seguinte.

Os prazos de natureza penal são improrrogáveis, mesmo que terminem em sábados, domingos ou feriados. Assim, se o prazo decadencial para o oferecimento de queixa-crime encerrar em um domingo, o titular do direito de queixa ou de representação deverá exercê-lo até a sexta-feira anterior.

O fato de serem improrrogáveis não impede, contudo, a suspensão ou a interrupção dos prazos penais. Exemplos marcantes são as causas suspensivas e interruptivas da prescrição.

No Direito Processual Penal, por outro lado, a contagem dos prazos obedece fórmula diversa. Estabelece o art. 798, § 1.º, do Código de Processo Penal que “não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento”.

Percebe-se, assim, ser o prazo processual penal mais amplo do que o penal. Exemplo: o prazo para interposição de apelação no processo penal comum é de cinco dias. Se o condenado for intimado na sexta-feira de carnaval, o prazo terá início somente na quarta-feira de cinzas, uma vez que não se inclui o dia do começo, fluindo a partir do primeiro dia útil posterior à intimação para o exercício do ato processual. Incide a Súmula 310 do Supremo Tribunal Federal: “Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir”.

O fundamento da distinção é manifesto: beneficiar o réu e possibilitar a ele o efetivo exercício da ampla defesa.

No Direito Processual Penal, o prazo favorecerá o réu quando maior for a sua duração ou tiver mais retardado o seu início. Ao contrário, no Direito Penal o prazo se relaciona diretamente com o poder punitivo do Estado, razão pela qual quanto mais curto, mais favorável será ao réu.

Vale lembrar que o prazo sempre terá natureza penal quando guardar pertinência com o ius puniendi, ainda que esteja previsto no Código de Processo Penal. Portanto, embora tenha a norma caráter híbrido ou misto, prevalecerá a sua face penal. É o caso da decadência, prevista no art. 38 do Código de Processo Penal. Como a sua ocorrência importa na extinção da punibilidade, retirando do Estado o direito de punir, obedece às regras do Código Penal.

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2.ª parte: Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

Calendário comum, também denominado gregoriano, é aquele em que se entende por dia o hiato temporal entre a meia-noite e a meia-noite.

Os meses são calculados em consonância com o número correspondente a cada um deles, e não como o período de 30 dias. Exemplo: Se o réu foi condenado à pena de um mês, com início no dia 10 de fevereiro, o seu cumprimento integral ocorrerá no dia 9 de março seguinte. Pouco importa o número de dias do mês de fevereiro. Tenha o mês 28, 29, 30 ou 31 dias, será sempre considerado como um mês.

O mês é calculado até a véspera do mesmo dia do mês subsequente, encerrando o prazo às 24 horas. Por seu turno, o ano é contado até o mesmo mês do ano seguinte, terminando o prazo às 24 horas da véspera do dia idêntico ao do início.

Na prática, o critério acolhido pelo Código Penal provoca injustiças, tratando diversamente pessoas que se encontram em igual situação jurídica. Exemplo: “A” e “B” são condenados a um mês de reclusão. “A” é capturado no dia 10 de dezembro, e sua pena se encerra em 9 de janeiro. “B” foge, sendo capturado somente em 20 de fevereiro do ano seguinte. Sua pena estará cumprida em 19 de março. É evidente que nessa situação “B” teve privada sua liberdade por período inferior ao de “A”.

O inconveniente, contudo, é preferível à confusão e até mesmo à impossibilidade física que a adoção de um critério diverso provocaria. Basta imaginar uma pena de 30 anos de reclusão na qual precisasse ser contado cada dia isoladamente, levando em consideração as peculiaridades de todos os meses e anos.

7.14.4. Frações não computáveis da pena

Preceitua o art. 11 do Código Penal: “Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro”.

Para fins didáticos, o dispositivo deve ser analisado em partes distintas, pois contém duas regras.

1.ª Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia.

Frações de dia são as horas, as quais devem ser descontadas da pena final. Exemplo: Pena de 10 dias + 1/3 = 13 dias. As horas restantes são desprezadas.

A expressão “e nas restritivas de direitos” é desnecessária. Com efeito, as penas restritivas de direitos possuem a nota da substitutividade, isto é, primeiro o juiz fixa a privativa de liberdade, e depois, se presentes os requisitos legais, procede à substituição pela restritiva de direitos. Destarte, as frações de dia são desprezadas no momento de aplicação da pena privativa de liberdade.

2.ª Desprezam-se, na pena de multa, as frações de cruzeiro.

A palavra “cruzeiro” deve ser atualmente substituída por “real”, e sua fração é composta pelos centavos, os quais são desprezados na liquidação da sanção patrimonial. Exemplo: Não há pena de multa com o valor de R$ 90,56 (noventa reais e cinquenta e seis centavos), mas sim de R$ 90,00 (noventa reais).

E, como anota Damásio E. de Jesus: “Na fixação da pena pecuniária deve ser desprezada a fração do dia-multa. Assim, uma pena de dez dias-multa, acrescida de um terço, perfaz treze dias-multa e não 13,33 dias-multa”.85

7.14.5. Legislação especial

É a redação do art. 12 do Código Penal: “As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”.

Regras gerais são as normas não incriminadoras previstas no Código Penal. Estão previstas na Parte Geral, mas também há hipóteses que se encontram na Parte Especial. É o caso do conceito de funcionário público (art. 327).

Acolheu-se o princípio da convivência das esferas autônomas, segundo o qual as regras gerais do Código Penal convivem em sintonia com as previstas na legislação especial. Todavia, caso a lei especial contenha algum preceito geral, também disciplinado pelo Código Penal, prevalece a orientação da legislação especial, em face do seu específico campo de atuação.

Exemplo: A Lei 9.605/1998 não prevê regras especiais para a prescrição no tocante aos crimes ambientais nela previstos. Aplicam-se, consequentemente, as disposições do Código Penal. Por outro lado, o Código Penal Militar tem regras especiais para a prescrição nos crimes que tipifica. É aplicado, e não incide o Código Penal.

7.15. QUESTÕES

1.   (Promotor Substituto/MPE-PR – MPE-PR/2013) Quanto ao tempo do crime, é correto afirmar:

(A)   Para nosso Código Penal, considera-se praticado o crime quando o agente atinge o resultado, ainda que seja outro o momento da ação ou omissão, vez que adotamos a teoria da atividade;

(B)   Para nosso Código Penal, vez que adotada a teoria da ubiquidade ou mista, considera-se praticado o crime quando o agente atinge o resultado nos crimes materiais, ou no caso dos delitos de mera conduta, no momento da ação ou omissão;

(C)   O adolescente Semprônio, um dia antes de completar 18 anos, querendo ainda aproveitar-se de sua inimputabilidade, desfere tiros contra a vítima Heráclito, que somente vem a falecer uma semana após. Neste caso, graças à adoção da teoria do resultado pelo nosso Código Penal, Semprônio não se verá livre de responder pelo crime de homicídio;

(D)   No caso dos crimes permanentes – exceções que são à teoria do resultado adotada pelo Código Penal – considera-se praticado o delito no momento do início da execução;

(E)   Para nosso Código Penal, considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, mesmo que ainda seja outro o momento do resultado, vez que adotada a teoria da atividade.

2.   (Magistratura Rondônia – PUC/PR/2011) Ficam sujeitos à lei brasileira, ainda que praticados no estrangeiro, os crimes: I) Praticados contra a vida ou liberdade do Presidente e Vice-Presidente da República. II) Contra a Administração Pública, por quem está a seu serviço. III) Que, por tratado ou convenção, o Brasil obrigou a reprimir. IV) Contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público, ou ainda contra a vida de seus representantes legais. Está(ão) CORRETA(S):

(A)   Todas as assertivas.

(B)   Somente as assertivas I e III.

(C)   Somente as assertivas II, III e IV.

(D)   Somente a assertiva II.

(E)   Somente as assertivas II e III.

3.   (Ministério Público/PR – 2011) Sobre a teoria da lei penal, assinale a alternativa correta:

(A)   a analogia in bonam partem não possui restrições em matéria penal, sendo admissível, por exemplo, em causas de justificação, causas de exculpação e situações de extinção ou redução da punibilidade, e a analogia in malam partem possui menor nível de aceitabilidade em matéria penal, sendo admissível apenas em hipóteses excepcionais;

(B)   a proibição da retroatividade da lei penal, como um dos fundamentos do princípio constitucional da legalidade, não admite exceções;

(C)   o princípio da insignificância está diretamente relacionado ao princípio da lesividade e sua aplicação exclui a própria culpabilidade;

(D)   os crimes de tráfico de drogas (Lei 11.343/06, art. 33), de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (Lei 10.826/03, art. 16, caput) e de destruição de floresta considerada de preservação permanente (Lei 9.605/98, art. 38, caput), são exemplos típicos de normas penais em branco;

(E)   segundo a sistemática adotada pelo art. 3.º do Código Penal brasileiro, as leis excepcionais e temporárias não possuem ultra-atividade.

4.   (MAGISTRATURA/PI – CESPE – 2011) No que se refere à aplicação da lei penal, assinale a opção correta.

(A)   Em relação ao lugar do crime, o legislador adotou, no CP, a teoria do resultado, considerando praticado o crime no lugar onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

(B)   Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, mas, nas de multa, não se desconsideram as frações da moeda.

(C)   A abolitio criminis, que possui natureza jurídica de causa de extinção da punibilidade, conduz à extinção dos efeitos penais e extrapenais da sentença condenatória.

(D)   Desde que em benefício do réu, a jurisprudência dos tribunais superiores admite a combinação de leis penais, a fim de atender aos princípios da ultratividade e da retroatividade in mellius.

(E)   Em relação ao tempo do crime, o legislador adotou, no CP, a teoria da atividade, considerando-o praticado no momento da ação ou omissão.

5.   (Magistratura Rondônia – PUC/PR/2011) No que tange ao tempo do crime, assinale a única alternativa CORRETA.

(A)   Considera-se praticado o ato criminoso no momento em que ocorre o seu resultado.

(B)   Considera-se praticado o ato criminoso quando o agente dá início ao planejamento de sua execução.

(C)   Considera-se praticado o ato criminoso no exato momento da ação ou omissão, desde que o resultado almejado ocorra concomitantemente.

(D)   Considera-se praticado o ato criminoso no exato momento da ação ou omissão, ainda que o resultado lesivo ocorra em momento diverso.

(E)   Considera-se praticado o ato criminoso no momento da ação ou omissão, independentemente da ocorrência ou não do resultado.

6.   (MAGISTRATURA/BA – CESPE/2012) No que se refere à aplicação da lei penal, assinale a opção correta.

(A)   Considere que Carlos, condenado definitivamente à pena privativa de liberdade de dez anos de reclusão, tenha sido encaminhado à penitenciária, para o cumprimento da pena, às 23h45min do dia 13 de agosto de 2010. Nessa situação, deverá ser excluído do cômputo do cumprimento da pena o referido dia, uma vez que Carlos ficará preso, nesse dia, menos de uma hora.

(B)   A lei penal mais benéfica retroagirá se favorecer o agente, aplicando-se a fatos anteriores, respeitados os fatos já decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

(C)   Considere que Pedrosa, brasileiro de 34 anos de idade, juntamente com mexicanos, tenha tentado sequestrar, na cidade uruguaiana de Rivera, o Presidente do Brasil, quando este participava de uma convenção internacional, e que, presos ainda no Uruguai, todos tenham sido processados e absolvidos no estrangeiro por insuficiência de provas. Nessa situação, dado o princípio da justiça universal, Pedrosa não poderá ser punido de acordo com a lei brasileira.

(D)   Suponha que João, brasileiro de 22 anos de idade, sequestre Maria, brasileira de 24 anos de idade, nas dependências do aeroporto internacional da cidade do Rio de Janeiro – RJ, levando-a, imediatamente, em aeronave alemã, para o Paraguai. A esse caso aplica-se a lei penal brasileira, sendo irrelevante eventual processamento criminal pela justiça paraguaia.

(E)   De acordo com o princípio da universalidade, a sentença penal estrangeira homologada no Brasil obriga o condenado a reparar o dano, sendo facultativo o pedido da parte interessada.

7.   (Defensor Público/AM – Instituto Cidades/2011) Em relação à novatio legis incriminadora, a novatio legis in pejus, abolitio criminis e a novatio legis in mellius, assinale o que for errado.

(A)   Dá-se a novatio legis incriminadora quando a lei penal definir nova conduta como infração penal;

(B)   Caracteriza-se a novatio legis in pejus quando a lei penal redefinir infrações penais, dando tratamento mais severo a condutas já punidas pelo direito penal, quer criminalizando o que antes era contravenção penal, quer apenas conferindo disciplina mais gravosa;

(C)   Ocorre a abolitio criminis quando, por exemplo, a lei penal abolir uma contravenção penal, como foi o caso da revogação do artigo 60 da Lei das Contravenções Penais;

(D)   Tem-se a novatio legis in mellius quando a lei penal definir fatos novos como infração penal, também denominada “neocriminalização”.

(E)   As situações de novatio legis e abolitio criminis são tratadas pelo artigo 2.º do Código Penal e dizem respeito à disciplina da lei penal no tempo.

8.   (MAGISTRATURA/RJ – VUNESP – 2011) O agente que mata alguém, por imprudência, negligência ou imperícia, na direção de veículo automotor, comete o crime previsto no art. 302, da Lei n° 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro), e não o crime previsto no art. 121, § 3.°, do Código Penal. Assinale, dentre os princípios adiante mencionados, em qual deles está fundamentada tal afirmativa.

(A)   Princípio da consunção.

(B)   Princípio da alternatividade.

(C)   Princípio da especialidade.

(D)   Princípio da legalidade.

9.   (PGE/PR – UEL COPS/2011) Considere as seguintes afirmações: I – a vigência de medida provisória que define tipo penal é inconstitucional. II – o princípio da tipicidade garante a proibição da analogia in malam partem no direito penal. III – o latrocínio ocorrido em 1989 não é punível com fundamento na Lei n.º 8.072/1990 em razão do princípio da ultratividade da lei mais benéfica. IV – em caso de abolitio criminis, o sujeito condenado a pena privativa de liberdade deve ser prontamente libertado pelo juiz, volta à condição de primário e pode exigir da Administração Pública indenização pelo tempo em que permaneceu preso. V – a revogação formal da lei penal não é suficiente para a abolitio criminis quando, embora revogada a lei, houve a continuidade da hipótese normativo-típica. Alternativas:

(A)   são corretas as afirmativas I, III e IV;

(B)   são corretas as afirmativas II, III, IV e V;

(C)   somente a afirmativa IV é incorreta;

(D)   somente as afirmativas II e V são incorretas;

(E)   todas as afirmativas são corretas.

10.   (Ministério Público/SP – 2011) Assinale a alternativa que estiver totalmente correta.

(A)   Em face do princípio da legalidade constitucionalmente consagrado, a lei penal é sempre irretroativa, nunca podendo retroagir.

(B)   Se entrar em vigor lei penal mais severa, ela será aplicável a fato cometido anteriormente a sua vigência, desde que não venha a criar figura típica inexistente.

(C)   Sendo a lei penal mais favorável ao réu, aplica-se ao fato cometido sob a égide de lei anterior, desde que ele ainda não tenha sido decidido por sentença condenatória transitada em julgado.

(D)   A lei penal não pode retroagir para alcançar fatos ocorridos anteriormente a sua vigência, salvo no caso de abolitio criminis ou de se tratar de lei que, de qualquer modo, favoreça o agente.

(E)   Se a lei nova for mais favorável ao réu, deixando de considerar criminosa a sua conduta, ela retroagirá mesmo que o fato tenha sido definitivamente julgado, fazendo cessar os efeitos civis e penais da sentença condenatória.

11.   (MAGISTRATURA/PR – 2012) Levando-se em conta uma denúncia que imputa ao réu a prática dos crimes de falsidade documental e estelionato, como deve agir o Magistrado em caso de sentença condenatória?

(A)   Condenar o réu pela prática de ambos os crimes, em concurso material, somando-se a pena dos dois crimes.

(B)   Condenar o réu pelo crime de falso, eis que esse é o delito pelo qual se chegou ao estelionato, afastando a condenação por esse último.

(C)   Condenar o réu por ambos os crimes, em concurso material, aplicando somente a pena do crime mais grave, aumentando-se de até metade diante do concurso.

(D)   Condenar o réu apenas pelo crime de estelionato, pois quando o falso se exaure nesse delito sem mais potencialidade lesiva, é por ele absorvido e se aplica apenas a pena do estelionato, não havendo concurso material.

12.   (Juiz do Trabalho/TRT-6.ª Região – FCC/2013) No tocante à aplicação da lei penal, correto afirmar que:

(A)   o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo.

(B)   a lei penal excepcional ou temporária não se aplica ao fato praticado durante a sua vigência, se decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram.

(C)   se considera praticado o crime no momento do resultado.

(D)   as regras gerais do Código Penal aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, ainda que esta disponha de modo diverso.

(E)   a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, desde que não decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

13.   (Juiz Federal/TRF 2.ª Região – CESPE/2013) Assinale a opção correta acerca da interpretação da lei penal.

(A)   A interpretação extensiva é admitida em direito penal para estender o sentido e o alcance da norma até que se atinja sua real acepção.

(B)   A interpretação analógica não é admitida em direito penal porque prejudica o réu.

(C)   A interpretação teleológica consiste em extrair o sentido e o alcance da norma de acordo com a posição da palavra na estrutura do texto legal.

(D)   A analogia penal permite ao juiz atuar para suprir a lacuna da lei, desde que isso favoreça o réu.

(E)   A interpretação judicial da lei penal se manifesta na edição de súmulas vinculantes editadas pelos tribunais.

14.   (Juiz/TJ-PR – 2013) A regra tempus regit actum explica o fenômeno da:

(A)   retroatividade da lei penal mais benéfica.

(B)   ultratividade da lei penal excepcional.

(C)   territorialidade temperada.

(D)   extraterritorialidade.

15.   (Juiz/TJRJ – 2013) Tempo e lugar do crime são temas fundamentais para a adequada aplicação da lei penal. Considerando essa afirmação, assinale a alternativa correta.

(A)   Em avião de empresa privada argentina, que fazia o voo Buenos Aires (Argentina) – Lima (Peru), passageiro argentino golpeou um peruano, que desmaiou. O comandante da aeronave, que estava em espaço aéreo internacional, desviou-a e pousou em Campo Grande – MS, para atendimento ao ferido. A lei penal brasileira será aplicada ao caso.

(B)   A lei penal mais grave aplica-se ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da permanência. O mesmo não se pode dizer relativamente ao crime continuado.

(C)   O crime considera-se praticado no lugar em que ocorreu a conduta, no todo ou em parte, bem como onde se produziu o resultado. Se, porém, o resultado não chegar a ser atingido, considerar-se-á o lugar do último ato de execução.

(D)   Aplica-se ao fato a lei penal em vigor ao tempo da conduta, exceto se a do tempo do resultado, ou mesmo a posterior a ele, for mais benéfica ao agente.

16.   (Delegado de Polícia/PC-ES – FUNCAB/2013) A Presidente da República editou uma Medida Provisória, agravando a pena de um determinado crime. Logo, pode-se afirmar:

I. Trata-se de lei em sentido formal.

II. Pelo princípio da retroatividade benéfica, a Medida Provisória somente poderá ser aplicada a fatos posteriores à sua edição.

III. A agravação da pena somente poderá ocorrer após a aprovação da Medida Provisória pelo Congresso Nacional.

IV. Apresenta vício de origem que não convalesce pela sua eventual aprovação.

Indique a opção que contempla a(s) assertiva(s) correta(s).

(A)   I, II, III e IV.

(B)   I, II e III, apenas.

(C)   II, III e IV, apenas.

(D)   I, apenas.

(E)   IV, apenas.

17.   (Delegado de Polícia/PC-ES – FUNCAB/2013) A Portaria n.º 104/2011, do Gabinete do Ministério da Saúde, definiu a relação de doenças de notificação compulsória em todo o território nacional. Joaquim, médico, ao tomar conhecimento de um paciente que estava com uma patologia descrita na referida normativa, por amizade ao mesmo, não comunicou a doença aos órgãos competentes, motivo pelo qual, ao ser descoberto tal fato, foi processado criminalmente. Na hipótese de antes do julgamento, ser editada nova normativa, retirando a referida patologia do rol de doenças de notificação compulsória, pode-se afirmar que:

(A)   deve incidir a retroatividade da lex mitior, considerando que alterou a matéria da proibição.

(B)   deve incidir a retroatividade do abolitio criminis, considerando que se alterou a matéria da proibição.

(C)   trata-se de lei excepcional ou temporária, portanto pode ser condenado, consoante preconiza o artigo 3.º do CP.

(D)   não há como incidir a retroatividade da lei penal, em face de não ter sido alterado a matéria da proibição.

(E)   deve ocorrer a ultratividade da lei penal, pois se trata de norma penal em branco stricto sensu.

GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.

Acesse o portal de material complementar do GEN – o GEN-io – para ter acesso a diversas questões de concurso público sobre este assunto: <http://gen-io.grupogen.com.br>.

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1   RHC 21.624, rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 07.02.2008.

2   MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 7.

3   LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 445.

4   RHC 85.217-3/SP, rel. Min. Eros Grau, 1.ª Turma, j. 02.08.2005.

5   Paga e promessa de recompensa caracterizam a cupidez. O crime que tem essa motivação é chamado de “mercenário”.

6   Inq 1.145/PB, rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, j. 19.12.2006.

7   REsp 956.876/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5.ª Turma, j. 23.08.2007.

8   REsp 956.876/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5.ª Turma, j. 23.08.2007.

9   É o que ocorria em relação ao crime de roubo a estabelecimento de crédito, originariamente tipificado pelo art. 157 do Código Penal, depois estatuído em crime contra a segurança nacional pelo Decreto-lei 898/1969, e finalmente excluído desse último texto legal pela Lei 6.620/1978. O Excelso Pretório entendeu não ter ocorrido, em tal caso, a abolitio criminis, porque o fato sempre fora englobado pelo Código Penal, cujas regras voltaram a abarcá-lo após a revogação dos preceitos que o transformaram, inadvertidamente, em crime contra a segurança nacional. Cabia, pois, diante da revogação da lei especial, aplicar-se o Código Penal como lei residual mais favorável (RTJ 94/501 e 94/504).

10   HC 101.035/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.ª Turma, j. 26.10.2010, noticiado no Informativo 606. No STJ: HC 163.545/RJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6.ª Turma, j. 25.06.2013, noticiado no Informativo 527.

11   TAIPA DE CARVALHO, Américo A. Sucessão de leis penais. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 246.

12   REsp 1.025.228-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5.ª Turma, j. 06.11.2008, noticiado no Informativo 375, e HC 73.432/MG, rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 14.06.2007, noticiado no Informativo 323.

13   É o seu texto: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”. No mesmo sentido o teor da Súmula 23 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “O juízo da execução criminal é o competente para a aplicação de lei nova mais benigna a fato julgado por sentença condenatória irrecorrível”.

14   HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. v. 1, p. 110.

15   MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. Campinas: Bookseller, 1997. v. 2, p. 256-257. Compartilham desse entendimento, entre outros, Basileu Garcia, E. Magalhães Noronha e Damásio E. de Jesus.

16   Nesse sentido: HC 68.416/DF, rel. Min. Paulo Brossard, 2.ª Turma, j. 08.09.1992. E também: Decisão Monocrática do Min. Celso de Mello, Ext 829/EP, j. 23.11.2001, e HC 86.459/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2.ª Turma, j. 05.12.2006.

17   HC 95.435/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/o acórdão Min. Cezar Peluso, 2.ª Turma, j. 21.10.2008, noticiado no Informativo 525. Na mesma direção: HC 101.511/MG, rel. Min. Eros Grau, 2.ª Turma, j. 09.02.2010, noticiado no Informativo 574.

18   TAIPA DE CARVALHO, Américo A. Sucessão de leis penais. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 248.

19   HC 104.193/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 1.ª Turma, j. 09.08.2011, noticiado no Informativo 635; HC 97.221/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.ª Turma, j. 19.10.2010, noticiado no Informativo 605. Em igual sentido: HC 103.153/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1.ª Turma, j. 03.08.2010, noticiado no Informativo 594; e HC 96.844/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2.ª Turma, j. 04.12.2009, noticiado no Informativo 570.

20   RE 600.817/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, j. 07.11.2013, noticiado no Informativo 727. Em igual sentido: HC 104.193/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 1.ª Turma, j. 09.08.2011, noticiado no Informativo 635; e HC 97.221/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.ª Turma, j. 19.10.2010, noticiado no Informativo 605.

21   É também o entendimento de MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 1, p. 50.

22   RE 41.8876/MT, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1.ª Turma, j. 30.03.2004.

23   “Lei excepcional ou temporária não tem retroatividade. Tem ultratividade, em face da regra do art. 3.º do Código Penal” (STF: RE 768.494/GO, rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j. 19.09.2013).

24   O texto do art. 3.º do Código Penal de 1940, anteriormente à Reforma da Parte Geral pela Lei 7.209/1984, era idêntico ao atual: “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”. E, como a Exposição de Motivos funciona como interpretação doutrinária do Código Penal, os fundamentos então indicados permanecem válidos e adequados para a compreensão do assunto.

25   HC 73.168-6/SP, rel. Min. Moreira Alves, 1.ª Turma, j. 21.11.1995. É também a orientação do STJ: RHC 16.172/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 5.ª Turma, j. 23.08.2005, e REsp 474.989/RS, rel. Min. Gilson Dipp, 5.ª Turma, j. 10.06.2003.

26   STEVENSON, Oscar. Concurso aparente de normas penais. Estudos de direito e processo penal em homenagem a Nélson Hungria. Rio de Janeiro: Forense, 1962. p. 28.

27   É o caso de CARNELUTTI, Francesco. Leciones de derecho penal. El delito. Buenos Aires, 1952. p. 241, e de STRATENWERTH, Günter. Derecho penal. Parte general. El hecho punible. Trad. espanhola Gladys Romero. Madrid: Edersa, 1976. p. 343.

28   Nesse sentido: ANTOLISEI, Francesco. Manual de derecho penal. Parte general. Trad. espanhola Juan Del Rosal e Ángel Tório. Buenos Aires: Uteha, 1960. p. 113, e MORILLAS CUEVA, Luís. Curso de derecho penal español. Parte general. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 98.

29   HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. v. 1, p. 118.

30   Compartilham desse entendimento: BRUNO, Aníbal. Op. cit., p. 260, e CORREIA, Eduardo Henriques da Silva. A teoria do concurso em direito criminal. Coimbra: Almedina, 1996. p. 34.

31   BELING, Ernst von. Esquema de derecho penal. La doctrina del delito tipo. Trad. Sebastian Soler. Buenos Aires: Depalma, 1944. p. 135.

32   Comentários ao Código Penal, p. 118.

33   BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 81. Para o autor, “para que possa ocorrer antinomia são necessárias duas condições, que, embora óbvias, devem ser explicitadas: 1) As duas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento. [...] 2) As duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade. Distinguem-se quatro âmbitos de validade de uma norma: temporal, espacial, pessoal e material”.

34   Expressão empregada por JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 5. ed. Trad. espanhola Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Comares, 2002, p. 790.

35   Cf. SOLER, Sebastian. Derecho penal argentino. Buenos Aires: La Ley, 1945. t. II, p. 190-191.

36   “Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, até cinco anos.”

37   HC 92.462/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1.ª Turma, j. 23.10.2007.

38   Cf. GARCÍA ALBERO, Ramón. Non bis in idem material y concurso de leyes penales. Barcelona: Marcial Pons, 1995. p. 321.

39   JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de derecho penal. Filosofia y ley penal. 5. ed. Buenos Aires: Losada, 1992. t. II, p. 550.

40   Concurso aparente de normas penais, p. 39.

41   Expressão de HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, p. 121.

42   Terminologia empregada, entre outros, por: CUELLO CALÓN, Eugenio. Derecho penal. Parte general. 10. ed. Barcelona: Bosch, 1953. t. I, p. 641.

43   JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. La ley y el delito. Principios de derecho penal. 13. ed. Buenos Aires: Sudamericana, 1984. p. 147.

44   É o que ocorre no art. 61 do Código Penal: “São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime”.

45   DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal. Parte geral. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. t. I, p. 294. Os dispositivos citados pelo autor referem-se ao Código Penal português.

46   Podem ser lembrados: STEVENSON, Oscar. Concurso aparente de normas penais, p. 40; JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de derecho penal, p. 561-565; e CASTELLÓ NICÁS, Nuria. El concurso de normas penales. Granada: Comares, 2000. p. 168.

47   Na definição de Nélson Hungria: “Ocorre quando, da conduta inicial que realiza um tipo de crime, o agente passa a ulterior atividade, realizando outro tipo de crime, de que aquele é elemento constitutivo (reconhecida a unidade jurídica, segundo a regra do ubi major, minor cessat). Comentários ao Código Penal, p. 232-233.

48   Expressão originária do Direito Penal italiano, referida por SABINO JÚNIOR, Vicente. Direito penal. São Paulo: Sugestões Literárias, 1967. v. 1, p. 188.

49   “A única diferença conceitual que se pode estabelecer entre ambos os institutos situa-se no aspecto mutativo existente na progressão criminosa no tocante ao elemento subjetivo e não presente no crime progressivo. De fato, no crime progressivo, o agente, desde o início, desejava o resultado mais grave. Na progressão criminosa, o agente, de início, pretendia apenas o crime menos grave, alterando, porém, a sua intenção no desenrolar dos fatos até decidir produzir o resultado mais grave. No crime progressivo, o dolo do agente é um só, do começo ao fim; na progressão criminosa, o dolo passa por uma série de mutações.” Cf. BARBOSA, Marcelo Fortes. Concurso de normas penais. São Paulo: RT, 1976. p. 100.

50   Maggiore admite apenas a consunção do fato anterior, referindo-se ao posterior como um indiferente para a lei penal ou então como concurso real de crimes. Cf. MAGGIORE, Giuseppe. Derecho penal. Bogotá: Temis, 1971. v. 1, p. 186.

51   É também o que se verifica no porte ilegal de arma de fogo voltado à prática de homicídio (STJ: HC 104.455/ES, rel. Min. Og Fernandes, 6.ª Turma, j. 21.10.2010, noticiado no Informativo 452).

52   Em sintonia com a posição consagrada no Supremo Tribunal Federal: “É pacífica, de resto, a jurisprudência desta Corte no sentido de não ser admissível a absorção do crime de uso de documento falso pelo de estelionato” (HC 98.526/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1.ª Turma, j. 29.06.2010).

53   Exemplificativamente, o sujeito que falsifica um documento e posteriormente o utiliza deve responder somente pelo primeiro delito, pois “a utilização pelo próprio agente do documento que anteriormente falsificara constitui fato posterior impunível, principalmente porque o bem jurídico tutelado, ou seja, a fé pública, foi malferido no momento em que se constituiu a falsificação. Significa, portanto, que a posterior utilização do documento pelo próprio autor do falso consubstancia, em si, desdobramento dos efeitos da infração anterior” (STJ: HC 107.103/GO, rel. Min. Og Fernandes, 6.ª Turma, j. 19.10.2010, noticiado no Informativo 452).

54   BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Trad. Paulo José da Costa Jr. e Alberto Silva Franco. São Paulo: RT, 1971. v. 2, p. 568: “Existe fato posterior não punível quando um comportamento que realiza uma tipicidade prevista por determinada norma penal deve considerar-se como implicitamente apreciado e valorado para todos seus fins pela norma que prevê pena para um comportamento precedente, como na hipótese em que o segundo fato, sem lesionar um novo bem jurídico, consiste na realização do fim em virtude do qual, em correspondência com a tipicidade legal, devia estar dominada a primeira ação”.

55   JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de derecho penal, p. 541.

56   STEVENSON, Oscar. Concurso aparente de normas penais, p. 43.

57   É o caso de DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 290.

58   Podem ser citados, entre aqueles que não o recepcionam: MERKEL, Adolf. Derecho penal. Parte general. Trad. espanhola Pedro Dorado Montero. Buenos Aires: Julio César Faria, 2004. p. 280 e ss. JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal, p. 791; HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, p. 119; SIQUEIRA, Galdino. Tratado de direito penal. Parte geral. Rio de Janeiro: José Konfino, 1947. t. I, p. 151; BRUNO, Aníbal. Direito penal, p. 161.

59   Este teoria interessa somente aos crimes materiais (ou causais), pois a consumação depende da produção do resultado naturalístico. Nos crimes formais (de consumação antecipada ou de resultado cortado) e também nos crimes de mera conduta (ou de simples atividade), a consumação se verifica no momento da prática da conduta.

60   STJ: HC 202.048/RN, rel. originário Min. Sebastião Reis, rel. para o acórdão Min. Og Fernandes, 6.ª Turma, j. 15.05.2012, noticiado no Informativo 497.

61   A matéria “Lei Penal no Espaço”, embora constante de quase todos os editais de concursos públicos, tem maior incidência nos da área federal. Em tais concursos, o candidato deve ter amplo domínio do tema. Essa circunstância, contudo, não dispensa seu estudo por parte dos aspirantes a cargos estaduais. Lembre-se: na prova pode ser cobrada qualquer matéria prevista no edital. Ainda que a frequência seja menor, vale a pena não dar chance ao azar, colocando em risco a aprovação, mormente em razão de um tema curto e de fácil assimilação.

62   HC-QO 83.113/DF, rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. 26.06.2003. No mesmo sentido: STF: HC 83.113/DF, rel. Min. Celso de Mello (decisão monocrática), j. 21.05.2003.

63   É comum a formulação de questões em provas objetivas e orais sobre as teorias adotadas pelo Código Penal em relação ao lugar e ao tempo do crime. Não há dificuldade no assunto, mas podem ocorrer os terríveis “brancos” na memória, que tanto assustam e atrapalham os candidatos. Lembre-se então da palavra LUTA. Veja: Lugar = Ubiquidade, Tempo = Atividade. Se a aprovação no tão sonhado concurso é uma luta, certamente há meios para facilitar nossa missão.

64   Por sua vez, crimes de espaço mínimo são aqueles em que conduta e resultado ocorrem na mesma comarca. Exemplo: “A” furta um determinado bem na cidade de Niterói, local em que também se concretiza a consumação do delito.

65   STJ: HC 73.451/PE, rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJMG), 5.ª Turma, j. 04.10.2007. E também: REsp 1.195.265/MT, rel. Min. Gilson Dipp, 5.ª Turma, j. 06.09.2011, noticiado no Informativo 482.

66   Nessa linha de raciocínio: STJ: HC 41.892/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5.ª Turma, j. 02.06.2005.

67   STJ: HC 149.481/DF, rel. Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), 6.ª Turma, j. 19.10.2010, noticiado no Informativo 452.

68   Pet 3.698/PR, rel. Min. Cármen Lúcia (decisão monocrática), j. 05.10.2006.

69   MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 1.337-1.340.

70   SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 534.

71   AI 473.092/AC, rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 07.03.2005. No mesmo sentido: Inq. 2.297/DF, rel. Min. Carmen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 20.09.2007. Note-se, contudo, que há decisão da 1.ª Turma do STF, cuja ementa é a seguinte: “Imunidade parlamentar material: ofensa irrogada em plenário, independente de conexão com o mandato, elide a responsabilidade civil por dano moral” (RE-AgRg 463.671/RJ, j. 19.06.2007). Embora o texto pareça sinalizar a mudança da posição afirmada, percebe-se do inteiro teor da decisão que o Tribunal considerou que as opiniões, no caso concreto, guardavam “conexão com a atividade parlamentar da recorrente e refletem o contexto da disputa política local”, mantendo o entendimento da Corte.

72   BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 82.

73   SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 534-535.

74   Cf. Inq. 2297/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 20.09.2007, considerando os deputados federais e senadores isentos de enquadramento penal por suas opiniões, palavras e votos.

75   HC 89.417/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 1.ª Turma, j. 22.08.2006.

76   SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 535.

77   SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 533.

78   Inq. QO 1.566/AC, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18.02.2002.

79   Cf. STF: Inq. 961/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 16.08.1995.

80   Nesse sentido: STF: Inq AgRg 2453/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17.05.2007: “[...] Não se cuida de prerrogativa intuitu personae, vinculando-se ao cargo, ainda que ocupado interinamente, razão pela qual se admite a sua perda ante o retorno do titular ao exercício daquele. A diplomação do suplente não lhe estende automaticamente o regime político-jurídico dos congressistas, por constituir mera formalidade anterior e essencial a possibilitar à posse interina ou definitiva no cargo na hipótese de licença do titular ou vacância permanente. Agravo desprovido”.

81   Cf. ADIn 371/SE, rel. Min. Maurício Côrrea, j. 05.09.2002. No mesmo sentido: HC 74.201/MG, rel. Min. Celso de Mello, j. 12.11.1996.

82   ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. São Paulo, Saraiva, 1999. p. 269.

83   Nesse sentido: O instituto da imunidade parlamentar atua, no contexto normativo delineado por nossa Constituição, como condição e garantia de independência do Poder Legislativo, seu real destinatário, em face dos outros poderes do Estado. Estende-se ao congressista, embora não constitua uma prerrogativa de ordem subjetiva deste. Trata-se de prerrogativa de caráter institucional, inerente ao Poder Legislativo, que só é conferida ao parlamentar ratione muneris, em função do cargo e do mandato que exerce. É por essa razão que não se reconhece ao congressista, em tema de imunidade parlamentar, a faculdade de a ela renunciar. Trata-se de garantia institucional deferida ao Congresso Nacional. O congressista, isoladamente considerado, não tem, sobre ela, qualquer poder de disposição. O exercício do mandato parlamentar recebeu expressiva tutela jurídica da ordem normativa (STF: Inq. 510/DF, rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. 01.02.1991).

84   SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 536.

85   JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 145.