O CONQUISTADOR DA MACEDÔNIA:
EMÍLIO PAULO
Lucius Emilius Paulo
(c. 228-c. 160 a.C.)
Da minha parte farei meu dever enquanto general; vou garantir que vocês tenham a possibilidade de realizar uma ação vitoriosa. Não é seu dever perguntar o que irá acontecer; seu dever é, quando o sinal for dado, dar o melhor de si enquanto homens de combate.[1]
Embora Cipião tenha realizado pouco depois de 201 a.C. e terminado a vida em amarga aposentadoria, o início do século II a.C. foi uma época de grandes oportunidades para a maioria dos senadores de sua geração, que viriam a dominar a vida pública romana durante várias décadas. As pesadas baixas entre os senadores, infligidas pelas primeiras vitórias de Aníbal, aceleraram a ascensão de homens que chegaram à idade adulta durante a guerra, assim como reduziram severamente o número de estadistas de destaque, cuja auctoritas lhes garantia um peso significativo nos debates. Tais homens, fossem descendentes de famílias tradicionais ou fossem equestres cujos feitos lhes possibilitara tornarem-se membros da classe senatorial, tinham passado muitos anos em campanha. Quando chegou o tempo de assumir cargos elevados e receber o comando dos exércitos da república, conduziram forças compostas por todas as patentes de veteranos da Guerra Púnica. A combinação mostrou-se legalmente eficiente e, durante um período, as legiões demonstraram o mesmo nível de disciplina e habilidade tática com as quais conquistaram as vitórias de Metauro, Ilipa e Zama.
Houve muitas oportunidades para ambos os comandantes e seus exércitos apresentarem sua intrepidez. A guerra continuava com a mesma constância nas províncias espanholas e na Gália Cisalpina. Essas lutas comprometiam a maior parte dos recursos militares romanos, no entanto foram ofuscadas pelas guerras mais dramáticas, embora menos comuns, travadas contra as grandes potências helênicas do Mediterrâneo oriental. Alexandre, o Grande havia morrido em 323 a.C., sem deixar um herdeiro do sexo masculino, e seu vasto Império fora rapidamente dividido entre seus comandantes em lutas pelo poder, moldando o mundo grego no qual Roma iria intervir. Três grandes dinastias haviam emergido, os Selêucidas, na Síria, os Ptolomeus, no Egito, e os Antigônidas, na Macedônia. Reinos menores, como Pérgamo e Bitínia, na Ásia Menor, continuavam a existir nas zonas de fronteira disputadas entre essas potências. A Grécia ainda tinha algumas cidades independentes e importantes, notadamente Atenas, mas muitas outras foram incorporadas, com diferentes graus de entusiasmo, à Liga Etólia ou à Liga Aqueia. As comunidades do mundo grego, apesar de compartilharem língua e cultura comuns, em nenhum período demonstraram grande euforia pela unificação política, e seu forte senso de independência era, normalmente, ameaçado pela força ou pela necessidade de obter ajuda contra um inimigo mais poderoso. Durante as disputas entre as cidades e, frequentemente, entre facções rivais da mesma cidade, era comum buscar auxilio diplomático e militar de forças estrangeiras mais poderosas. Os reis helênicos faziam uso constante de tais apelos para intervir em áreas aliadas aos seus rivais, e sua propaganda política declarava rotineiramente que lutavam pela liberdade dos gregos.
Roma tivera algum contato diplomático com o mundo helênico muito antes de qualquer envolvimento militar e, em 273 a.C., firmou um tratado de amizade com Ptolomeu II. Em 229 e 219, a república travou guerras na Ilíria, na costa adriática, em uma campanha contra os piratas que governavam a região. A criação daquilo que veio a ser um protetorado romano efetivo na costa da Ilíria não foi bem visto por Filipe V da Macedônia, que considerava a região como parte da sua esfera de influência. A invasão da Itália por Aníbal e a série de derrotas devastadoras que infligiu aos romanos ofereceram ao rei uma oportunidade de expulsar os intrusos, e, em 215, se aliou a Cartago contra Roma. O resultado foi a Primeira Guerra Macedônica, uma vez que os romanos conseguiram amealhar tropas e recursos suficientes para abrir um novo teatro de operações na Ilíria e na Grécia. O conflito não gerou grandes batalhas, tendo sido caracterizado por escaramuças, emboscadas e ataques a fortalezas e cidades. Grande parte dos combates foi realizado por aliados de ambos os lados e, quando um importante aliado de Roma, a Liga Etólia, firmou um tratado de paz separadamente com Filipe V, em 206, os romanos perderam força para continuar seu esforço com eficiência. Um ano depois, as hostilidades terminaram formalmente, com a Paz da Fenícia, que preservou os aliados de Roma na Ilíria, mas também permitiu ao rei conservar muitas das cidades que havia capturado durante a guerra.
Tal tratado, com concessões dadas a ambos os lados na proporção da sua força relativa ao cessarem as hostilidades, era a maneira normal de concluir uma guerra no mundo helênico. A intervenção de uma terceira parte neutra, nesse caso o Épiro, para abrir as negociações com os combatentes e promover os termos de paz, também era comum. De fato, tanto Pirro como Aníbal esperavam que a república reconhecesse a derrota e buscasse uma negociação de paz depois de terem esmagado as legiões em batalha. Contudo, os romanos não haviam reagido como qualquer outro Estado contemporâneo diante de tais catástrofes, uma vez que sua compreensão da arte da guerra era diferente. Uma guerra romana era concluída quando a república ditava os termos de paz a um povo completamente derrotado e submetido. O desejo de negociar com a Macedônia como um igual refletia a preocupação do Senado em vencer o conflito com Cartago. Ele não contribuiu em nada para diminuir o amargor que os romanos sentiram pelo ataque que não provocaram, movido pelo rei no momento em que Aníbal os havia praticamente derrotado[2].
Em 200 a.C., menos de um ano após a derrota dos cartagineses, Roma respondeu a um apelo de Atenas que pedia ajuda contra Filipe V, contra quem havia declarado guerra. A vitória na Segunda Guerra Púnica fora obtida a um enorme custo para Roma e seus aliados na Itália. O número de baixas fora imenso, e grande parte da população masculina passara por períodos de serviço militar excepcionalmente longos. O pagamento, a alimentação e o fornecimento de equipamentos a um número de legiões sem precedentes havia esgotado o tesouro da república. Durante quase uma década, exércitos rivais promoveram campanhas em todo o sul da Itália, consumindo ou destruindo plantações e rebanhos, incendiando colônias e massacrando ou escravizando a população. Nas regiões mais afetadas, levou tempo considerável para a recuperação da atividade agrícola, mas na Itália havia um sentimento de exaustão e necessidade de um período de paz e recuperação. Esse espírito não impediu a Comitia Centuriata de aceitar a moção do cônsul Públio Súplicio Galba, segundo a qual “é vontade e comando do povo romano que a guerra seja declarada a Filipe, rei da Macedônia, e aos macedônios sob seu governo por causa dos males infligidos aos aliados do povo romano e aos atos de guerra cometidos contra eles”[3]. A relutância em fazer guerra era excepcionalmente rara em Roma. Após um segundo encontro, Galba dirigiu-se aos cidadãos explicando que Filipe V era um inimigo poderoso, enfatizando quão fácil seria para a esquadra macedônia levar um exército até o litoral italiano. Ele brandiu o espectro da paz, afirmando que, se os romanos tivessem enfrentado Aníbal e sua família na Hispânia, a invasão da Itália nunca teria acontecido. Seu raciocínio sem dúvida comoveu sua plateia, pois daquela vez os votos foram completamente a favor da guerra.
A Segunda Guerra Macedônica (200-197 a.C.) seguiu um padrão semelhante ao da primeira, com a maioria das lutas ocorrendo em escala muito pequena. Nos dois conflitos, Filipe V demonstrou talento significativo para a liderança de pequenas colunas, quase sempre comandando ataques de lança na mão, na melhor tradição de Alexandre, o Grande. Em 199, ele reforçou o vale onde o rio Vjosa corre entre as montanhas, adicionando pontos fortificados e instalando a artilharia em uma posição por si só formidável. O comandante romano acampou a uma distância de oito quilômetros, mas não tentou romper a linha de defesa. No ano seguinte, um dos novos cônsules, Tito Quincio Flamínio, assumiu o comando contra os macedônios; ele tinha apenas 30 anos de idade e fora eleito para o cargo com idade muito inferior à legal, vencendo a eleição sobretudo pela reputação que adquirira na guerra contra Aníbal. Depois de Flamínio ter atacado a linha inimiga sem resultados, um aliado local enviou um guia que levou a força romana a flanquear a posição macedônica. Os homens de Filipe sofreram algumas perdas, mas foram capazes de retirar a maior parte do seu exército, preservando-o. Pouco mais foi realizado até o final da temporada da campanha. No inverno, Flamínio abriu negociações com o rei e, por um tempo, pareceu que uma vez mais a guerra entre Roma e Macedônia seria concluída com outro tratado no estilo helênico, como a Paz da Fenícia. O cônsul estava nervoso, pois um dos eleitos para o cargo em 197 seria enviado para substituí-lo e esperava obter o crédito pelo final da guerra, mesmo se fosse por meio de negociações, em lugar de uma vitória. No entanto, Flamínio logo recebeu cartas de amigos no Senado, os quais o informavam que, devido à crise na Gália Cisalpina, ambos os novos cônsules seriam enviados àquela área e seu comando seria estendido. Ele imediatamente interrompeu as negociações, retomando as operações no início da primavera, e foi como procônsul que combateu e derrotou o exército macedônio principal em Cinoscéfalos[4].
Nessa ocasião, o tratado que punha fim ao conflito foi mais tipicamente romano, pois deixava claro que o Estado derrotado era, e deveria sempre ser, inferior a Roma. Filipe V desistiu de todas as cidades súditas ou aliadas a ele na Grécia e na Ásia Menor, e não deveria mover guerra fora da Macedônia sem o consentimento expresso de Roma. O rei deveria pagar aos romanos mil talentos de prata como reparação e também devolver todos os prisioneiros romanos, além de arcar financeiramente com o resgate de seus homens. A esquadra macedônia foi reduzida a um punhado de navios de guerra, suficientes apenas para assumir um papel cerimonial. O tratado não agradou à Liga Etólia, que havia uma vez mais lutado ao lado de Roma como aliada. Tal insatisfação, somada ao temor de que a influência romana na Grécia tivesse se tornado forte demais, levou a liga, em 193, a implorar ao rei selêucida, Antíoco III, que libertasse os gregos da opressão estrangeira. No evento, muito poucas cidades escolheram receber a força expedicionária selêucida, e tanto a Liga Aqueia como Filipe V apoiaram Roma. Em 191, o exército de Antíoco foi expulso do desfiladeiro das Termópilas, que ficara famoso por conta da ação de Leônidas e seus espartanos, em 480 a.C. Os romanos, comandados por Marco Acílio Glábrio, como os persas de Xerxes séculos antes, descobriram um caminho ao redor do desfiladeiro e conseguiram surpreender o inimigo, atacando-o dos dois lados. O teatro de guerra mudou-se para a Ásia Menor e culminou com a derrota de um enorme exército selêucida em Magnésia por Lúcio Cipião. Uma vez mais, o tratado que concluiu o conflito restringiu severamente a capacidade de guerra de Antíoco, reduzindo sua esquadra a uma pequena força e proibindo-o de possuir elefantes de guerra. Novamente, como havia ocorrido com Filipe V, o rei foi proibido tanto de fazer a guerra como de realizar alianças com comunidades fora do seu reino[5].
O sucessor de Cipião no comando asiático, Cneu Mânlio Vulso, encontrou a guerra vencida ao receber o cargo. Depois de uma tentativa infrutífera de provocar Antíoco a retomar as hostilidades, ele iniciou uma campanha contra as tribos gálatas da Ásia Menor. Esse povo descendia dos gauleses que imigraram para a região no início do século III a.C. e que, desde então, extorquiam recursos de seus vizinhos, ameaçando-os de violência. Frequentemente, também serviam como mercenários ou aliados dos reis selêucidas, fato usado por Vulso para justificar suas ações. Na rápida campanha efetuada nas montanhas, as três tribos foram derrotadas, porém o cônsul enfrentou forte oposição no Senado em seu retorno a Roma. Acusado de iniciar uma guerra sem autorização, motivada por glória e lucros pessoais, Vulso chegou perto de perder não só o direito a um triunfo, mas também o de ser processado publicamente e terminar sua carreira política. No final, seus amigos no Senado, bem como vários senadores subornados com o saque da sua campanha, impediram esse curso de acontecimentos, permitindo que seu triunfo fosse um dos mais espetaculares já vistos. Apesar de ter sido concluído de modo diferente, tal ataque político a um magistrado que conquistara sucesso espetacular era semelhante, de muitas maneiras, ao ataque a Africano e seu irmão. Flamínio evitou ataques diretos a si mesmo, mas sofreu a humilhação de ter seu irmão, Quinto, expulso do Senado como alguém incapacitado de fazer parte da instituição. Quinto, havia sido comandante naval na Segunda Guerra Macedônica e realizara um trabalho bastante competente, mas tinha se envolvido em um escândalo quando ordenara a execução de um prisioneiro durante um banquete para satisfazer seu amante, um homem notório por se prostituir, pelo qual estava apaixonado. Todos os comandantes que venceram uma grande campanha no Mediterrâneo oriental ganharam fortuna e prestígio. Não obstante, nenhum deles foi capaz de utilizar tais dividendos para conquistar uma posição política dominante em Roma[6].
Filipe V havia auxiliado os romanos nas guerras contra os etólios e os selêucidas. Sem dúvida, seu entusiasmo aumentara ao saber que esses povos não tinham permissão de aumentar sua influência na Grécia. Os romanos sempre tentavam que seus aliados, mesmo os derrotados recentemente, apoiassem o passo seguinte na guerra que promoviam. As legiões vitoriosas em Cinoscéfalos, nas Termópilas e em Magnésia foram alimentadas, principalmente, com grãos fornecidos por Cartago em sua nova posição de fiel aliada de Roma. Entretanto, com o tempo, o rei macedônio começou a ressentir as restrições a ele impostas em 197 a.C. e, gradualmente, procurou reconstruir seu poder, buscando auxílio das tribos trácias na sua fronteira a nordeste, uma vez que sua atividade na Grécia estava severamente limitada. Quando Filipe V morreu, em 179, foi sucedido por seu filho Perseu, que deu continuidade a suas políticas. Acreditava-se que Perseu havia arranjado o assassinato de Demétrio, seu irmão mais novo e mais popular, que fora hóspede de Roma e era, portanto, considerado pró-romano. As suspeitas do Senado com relação ao novo rei foram confirmadas quando ele se aliou aos bastarnas, tribo germânica extremamente belicosa, e mostrou desejo de apoiar as facções democráticas em cidades gregas. A Macedônia não estava mais se comportando como Estado súdito e logo seria vista como ameaça, embora seja difícil julgar se tal entendimento era de fato realista. Os ataques a aliados dos romanos justificaram a declaração de guerra a Perseu em 172 a.C.[7]
O conflito provou-se praticamente o último suspiro da geração de romanos que combateu e derrotou Aníbal. Quando o exército destinado a servir na Macedônia foi convocado, o cônsul tentou alistar tantos oficiais e soldados veteranos quanto possível. Lívio nos diz que surgiu uma disputa quando 23 antigos centuriões foram alistados como subordinados de centuriões inexperientes. O porta-voz do grupo, um certo Espúrio Ligustino, fez um discurso no qual relatou seu longo e distinto serviço e recebeu, finalmente, o posto de centurião sênior dos triarii e da Primeira Legião. Os outros concordaram em aceitar qualquer patente oferecida, e é notável o fato de que o Senado decretou que nenhum cidadão com menos de 51 anos receberia isenção do serviço caso o cônsul e os tribunos os convocassem. Assim, o exército enviado à Macedônia era experiente, embora, de certo modo, tivesse uma faixa etária um tanto elevada e incluísse vários homens que, como Ligustino, haviam servido na região anteriormente. Era um exército consular padrão de duas legiões, como também eram as forças que derrotaram Filipe V e Antíoco, o Grande. Nesse caso, porém, as legiões eram excepcionalmente grandes, com uma infantaria de seis mil homens e uma cavalaria de trezentos cavaleiros. Com as tropas aliadas, o exército chegou a 37 mil homens de infantaria e dois mil a cavalo[8].
Para enfrentar tal força, Perseu convocou um exército de 39 mil homens de infantaria e quatro mil de cavalaria, no início do conflito. Como os exércitos de todos os reinos helênicos, a organização, os equipamentos e as táticas derivavam das forças com as quais Filipe II e Alexandre tinham conquistado primeiro a Grécia e, a seguir, o Império Persa. Embora alguns contingentes de aliados e mercenários fossem empregados, o núcleo do exército consistia em soldados profissionais do corpo de cidadãos. Os regimentos da falange, que compunham pouco mais da metade da infantaria do exército, eram completamente constituídos por cidadãos recrutados. Em batalha em campo aberto, embora, provavelmente, não em patrulhas e cercos, esses homens combatiam em blocos densos como lanceiros.
A lança, ou sarissa, parece ter se tornado um pouco mais longa do que nos dias de Alexandre, chegando a sete metros de comprimento. O punho da lança consistia em um pesado contrapeso de bronze, que permitia ao soldado equilibrar a arma e, ao mesmo tempo, apontar dois terços de seu comprimento à sua frente. Como era necessário empregar as duas mãos para empunhar a sarissa, um escudo circular era suspenso por uma alça no ombro do soldado. Proteção adicional era dada por um capacete de bronze e protetores de canela – em geral de linho enrijecido ou, em alguns casos, de bronze. Cada soldado normalmente portava uma espada, apesar de ser uma arma secundária, uma vez que a força da falange se baseava no conjunto das lanças. Ocupavam cerca de um metro à frente e atrás da linha de combate (havia uma formação ainda mais densa, conhecida como “escudos travados” [synaspismos], onde cada homem era postado em uma frente de apenas 46 centímetros, mas era uma formação duramente defensiva, por ser impossível à falange mover-se quando assumia essa ordem de batalha).
O grande comprimento da sarissa implicava ainda que as pontas das cinco primeiras linhas de combate se projetassem em intervalos de cerca de um metro à frente da formação. Desde que a falange permanecesse na ordem, era excepcionalmente difícil para um inimigo atacar de frente, romper a linha formada pelas lanças e ferir os lanceiros. No entanto, a sarissa era uma arma pesada, desajeitada, e as restrições da formação representavam dificuldades para o lanceiro individual golpear o oponente. Num ataque frontal, uma falange bem ordenada costumava vencer o combate, mais por seu poder de defesa do que pela sua capacidade de matar um inimigo e romper sua formação.
A falange tornou-se a arma dominante dos exércitos dos sucessores. Os outros contingentes da infantaria, os quais normalmente incluíam um bom número de tropas, cujos soldados eram encarregados de lançar projéteis e objetos contundentes, executavam papel de apoio. Assim também se passava com a cavalaria, e era nesse sentido que a doutrina tática dos exércitos helênicos posteriores diferia radicalmente daquela da época de Alexandre, o Grande. Nas principais batalhas, a falange atuava como uma força mortal, avançando para enfrentar o inimigo e aplicando pressão constante no centro de suas linhas. Então, no momento certo e no local crítico – em geral no lugar onde o inimigo havia sido forçado a estender sua linha –, o ataque decisivo era executado pela cavalaria, liderada pelo esquadrão real, que por sua vez era comandado pelo próprio Alexandre. Tal método se provara brutalmente eficiente nas batalhas de Isso e Gaugamela contra os persas de Dario. Foi menos fácil para os generais sucessores conseguir o mesmo resultado ao lutar contra outros exércitos nos moldes dos macedônios, com idêntica doutrina tática e formações de tropas mais sólidas. Ainda mais importante, a fragmentação do império de Alexandre dividiu os recursos e os soldados do velho reino da Macedônia. Os reis sucessores preferiam, sempre que possível, recrutar o núcleo do seu exército entre os descendentes dos “verdadeiros” macedônios, dependendo de mais de um recurso esgotado pela guerra e pela colonização. Um dos resultados era o fato de ser difícil recuperar-se no curto prazo de grandes perdas em batalha, o que tornava um tanto frágeis esses exércitos altamente profissionais. Recursos limitados em termos de homens, e ainda mais limitados em suprimentos e cavalos, dificultavam que qualquer um dos reinos arregimentasse uma grande cavalaria. Alexandre tinha cerca de sete mil cavaleiros e quarenta mil soldados de infantaria em Gaugamela, uma proporção de aproximadamente um para seis. Era um número muito elevado, embora não se aproximasse da proporção de quatro para um de Aníbal em Canas. Os exércitos dos reis sucessores raramente atingiam a razão de um para dez. Com número menor, a cavalaria helênica no final do século III e no início do século II a.C. também era, em geral, inferior em capacidade de manobra, disciplina e agressão, quando comparada às de Filipe II e Alexandre.
Muitos generais sucessores fizeram experiências com diversas armas incomuns ou exóticas, como elefantes e carruagens com foices, tentando obter vantagem sobre outros exércitos helênicos quase idênticos aos seus. Ocasionalmente, tais métodos foram espetacularmente bem-sucedidos, porém poucos eram confiáveis o bastante para garantir uma vantagem consistente, e suas táticas eram rapidamente copiadas por seus oponentes. Em termos superficiais, os exércitos helênicos desse período continham grande diversidade de tropas, mas, na realidade, não eram tão bem equilibrados quanto seus predecessores sob Alexandre, parecendo mais ameaçadores do que mortais. Alexandre fizera pouco uso de soldados da reserva, empregando, em vez disso, seu exército para executar uma sequência coordenada de ataques para abalar o inimigo. Seu costume de comandar pessoalmente o ataque da cavalaria implicava que não podia dar ordens chamando contingentes de reserva para a batalha. A maior parte dos comandantes sucessores lideravam seus exércitos de modo semelhante, restringindo demais sua capacidade de dar ordens ou de responder a uma mudança de situação após o início da batalha. Continuava a ser muito raro para qualquer grande contingente de um exército helênico começar o confronto com soldados de reserva, em vez de como parte da linha de combate principal.
Sem possuir uma cavalaria de qualidade e incapaz de contar com armas exóticas, a falange assumia importância ainda maior enquanto força principal do exército. Para aumentar suas possibilidades de esmagar o inimigo – especialmente quando se tratava de outra falange –, havia uma tendência a empregar formações com muito mais fileiras. Algumas falanges tinham até dezesseis linhas de profundidade, enquanto os lanceiros selêucidas de Magnésia usavam uma formação de até 32 linhas. Formações profundas tinham expressivo poder de estabilidade no combate – simplesmente porque era difícil para os homens nas primeiras linhas fugirem – e pareciam mais intimidadoras, embora seu poder de combate não fosse maior do que o de uma formação com menos fileiras. Se, na época das guerras com Roma, os exércitos helênicos se tornaram desajeitados, sob circunstâncias adequadas ainda podiam promover um ataque frontal muito pesado ao inimigo. No entanto, o contexto deveria ser o mais apropriado possível, pois a falange exigia um terreno plano e aberto para não se desordenar e seus flancos precisavam ser protegidos, já que os lanceiros não conseguiam responder com facilidade a ameaças de qualquer outra direção que não fosse à frente[9].
Os exércitos romanos tinham enfrentado uma força e um comandante helênicos em 280 a.C., quando o rei Pirro, do Épiro, aliou-se à cidade de Tarento em sua guerra contra Roma. Pirro era considerado o comandante mais capaz de sua geração e liderava seu exército de forma semelhante ao modelo estabelecido por Alexandre. Derrotou as legiões em Heracleia, em 280, e Ásculo no ano seguinte, mas acabou derrotado em Malevento, em 275 a.C. Cada uma dessas batalhas foi extremamente árdua, com muitas baixas de ambos os lados, pois o poder da falange foi enfrentado pela teimosia nativa e pelo sistema triplex acies, que permitia aos romanos enviar soldados descansados à linha de frente. As vitórias iniciais de Pirro foram ajudadas pelo seu pequeno corpo de elefantes de guerra, criaturas estranhas para os romanos, que as julgavam terríveis. Curiosamente, na Terceira Guerra Macedônica Perseu não teve acesso a elefantes, enquanto a força romana incluía alguns desses animais, fornecidos por seus aliados númidas. Uma diferença mais importante entre a guerra com Pirro e os conflitos do século II a.C. era a qualidade dos exércitos romanos. Muitas das legiões desse período, compostas e lideradas por veteranos da guerra com Aníbal, eram bem treinadas e confiantes como quaisquer soldados profissionais. As guerras macedônicas e sírias não foram travadas por soldados inexperientes, de um lado, e profissionais endurecidos do outro. Com efeito, os guerreiros macedônios e selêucidas da época tinham menos experiência em batalhas do que a maioria dos legionários.
No começo da guerra, esse fato não importou em demasia, pois, como nas primeiras campanhas contra Filipe V, não houve batalhas acirradas. Em vez disso, os exércitos promoviam ataques-surpresa e cercos. Perseu não tinha o talento de seu pai nesse tipo de combate, mas, ainda assim, conseguiu vencer uma escaramuça entre as cavalarias perto de Larissa, em 171, contra o cônsul Públio Licínio Crasso. Nem Crasso, nem seu sucessor, Aulo Hostílio Mancino, demonstraram muita habilidade, assim as ações das forças sob seu comando foram pobremente coordenadas e, ao mesmo tempo, sem propósito. Talvez alguns dos centuriões e tribunos que lideravam as legiões estivessem, naquele momento, velhos demais para o serviço ativo, ou talvez os cônsules, cientes de que precisavam conquistar a fama numa única campanha antes de serem substituídos, não passassem muito tempo treinando os exércitos antes das operações. Décadas de sucessos militares podem, também, ter deixado os romanos superconfiantes. Tanto Crasso como Mancino foram eleitos cônsules na idade regular e eram jovens demais para lembrar-se dos dias mais terríveis da guerra contra Aníbal. O colega de Crasso, Caio Crasso Longino, esperava receber o comando macedônio e ficou amargamente desapontado quando, em vez disso, recebeu o governo da província da Ilíria. Ao chegar à sua província, estacionou seu exército na colônia de Aquileia, reunindo suprimentos suficientes para trinta dias, e iniciou sua marcha por terra até a Macedônia, planejando conquistar a vitória sozinho. Por acaso, o Senado soube dessa expedição não autorizada e rapidamente despachou mensageiros para chamar seu cônsul errante[10].
Em 169, Quinto Márcio Filipo foi o cônsul enviado para comandar o exército na Macedônia. Lívio o descreve como homem de “mais de 60 anos e muito acima do peso”, porém enfatiza que era tão ativo quanto um general romano deveria ser em termos de estimular e controlar seus soldados[11]. Filipo era mais velho e mais experiente do que Crasso ou Mancino, embora, na primeira vez em que serviu como cônsul, em 186 a.C., tivesse sido afetado por uma derrota que sofreu nas mãos dos lígures. Ele também fora um dos dois enviados da embaixada a Perseu antes da declaração de guerra, em 172. Ao fazer o rei acreditar que o Senado talvez quisesse concluir os termos do acordo, os embaixadores adiaram o início das hostilidades, dando mais tempo à república para preparar-se para a guerra. Apesar de a maioria dos senadores aprovar o engodo, diversos membros mais antigos do Senado afirmaram que aquilo era contrário à maneira tradicional de os romanos fazerem guerra, a qual se baseava mais em coragem do que em estratagemas.
Quando Filipo assumiu o comando do exército na Tessália, Perseu já havia fortificado os desfiladeiros e as posições estratégicas na fronteira da Macedônia. Nove dias depois da sua chegada, o cônsul fez tentativas ousadas de romper a rede de fortificações. O exército teve de marchar através de um terreno montanhoso extremamente difícil, onde os elefantes de guerra tornavam-se um problema. Felizmente para os romanos, a reação letárgica de Perseu permitiu-lhes chegar à planície costeira. Dium, Heracleia e diversas outras cidades capitularam ou foram invadidas, mas o exército romano ficou exaurido pela árdua marcha; além disso, suas linhas de suprimentos não estavam seguras. Filipo não conseguiu forçar uma batalha decisiva, e a temporada de campanha terminou com os exércitos romano e macedônio acampados a poucos quilômetros um do outro, a cada lado do rio Elpeu, que corria por um vale aos pés do monte Olimpo, o lar dos deuses gregos. Filipo foi duramente criticado por uma comissão senatorial e, em Roma, o estado da guerra tornou-se tema de um debate amplo e ardente, tanto na esfera pública quanto na privada.
A insatisfação com os eventos na Macedônia fez que, em 168, o comandante do exército consular fosse nomeado muito antes do normal, de forma que o novo general tivesse mais tempo para se preparar. O cargo foi ocupado por Lúcio Emílio Paulo, um resultado que deve ter sido saudado com grande entusiasmo pelo povo. Ele havia governado a Hispânia como pretor com autoridade proconsular, de 191 a 189 a.C., promovendo campanhas contra as tribos lusitanas. Apesar de ter sido derrotado num local chamado Lico, Paulo conquistou sucessos consideráveis, recebendo gratidão formal em Roma, e pode até ter celebrado um triunfo. Depois de diversas campanhas eleitorais malsucedidas, foi eleito cônsul em 172 a.C. e enviado à Ligúria. Uma vez mais, a campanha começou mal, e por um tempo o general viu-se cercado em seu acampamento. Contudo, após romper o cerco, derrotou o inimigo e dessa vez foi premiado com um triunfo. Quaisquer que fossem suas habilidades como comandante, Paulo não parece ter sido especialmente popular entre os eleitores e foi incapaz de realizar a ambição de se tornar cônsul pela segunda vez até 168 a.C., quando já estava com 60 anos. Provavelmente, o mesmo desejo de ter magistrados experientes que, no ano anterior, garantiu o sucesso de Filipo também funcionou a favor de Paulo. Ele tinha ligações particularmente fortes com a guerra de Aníbal. Seu pai era o cônsul morto em Canas, enquanto sua irmã se casara com Cipião Africano. Paulo tinha quatro filhos, e os dois mais velhos foram adotados por outras famílias importantes que não tinham herdeiros homens. O primeiro era Quinto Fábio Máximo Emiliano e o outro foi adotado pelo filho de Africano, Públio Cornélio Cipião Emiliano. Os dois estavam nos últimos anos da adolescência e serviam com seu pai natural na Macedônia[12].
Paulo não recebeu um novo exército para levar à sua província, mas uma força suplementar de 7 mil soldados romanos de infantaria, 200 cavaleiros, e 7 mil soldados latinos de infantaria e 400 cavalos para restaurar às legiões da Macedônia sua força integral e fornecer reforços como unidades de guarnição. Outros reforços foram enviados aos exércitos menores que operavam no teatro do Adriático. Ele também deu atenção à questão de seus oficiais. Um decreto senatorial foi promulgado, estabelecendo que apenas homens que haviam assumido uma magistratura poderiam ser nomeados tribunos militares. Paulo teve, então, permissão para escolher entre esses homens aqueles que assumiriam posições de comando em suas legiões. Antes de deixar Roma, fez um discurso no Fórum, dirigido principalmente aos estrategistas de sala de jantar, ansiosos por investigar todo rumor e relato sobre a guerra. Paulo ofereceu-se pagar as despesas de qualquer um que quisesse acompanhá-lo na campanha e sugeriu que aqueles que declinassem a oportunidade deveriam, no futuro, restringir suas opiniões apenas aos negócios da cidade. Tal ousadia era uma das características desse homem e pode explicar por que, apesar do respeito que detinha, o cônsul nunca foi uma figura popular[13].
Paulo chegou ao acampamento do exército nos arredores de Fila. A localização era ruim, e o primeiro problema que o general confrontou foi o de abastecimento de água. Ele mandou os carregadores de água (Utrarii) para a praia – o acampamento ficava a cerca de quatrocentos metros do mar – e ordenou-lhes que cavassem poços. Quase imediatamente descobriram uma fonte subterrânea capaz de suprir grandes quantidades de água potável. O passo seguinte de Paulo foi enviar os tribunos e centuriões veteranos para reconhecer a posição inimiga ao longo do Elpeu, buscando os pontos mais fáceis para atravessar o leito seco do rio e descobrir a força das defesas macedônias. Estas eram formidáveis, pois Perseu devotara considerável esforço para fortificar a linha entre os contrafortes do monte Olimpo e o mar. Para ajudar no trabalho, civis tinham sido recrutados nas cidades mais próximas. Até mulheres receberam ordens de transportar suprimentos ao acampamento. Máquinas de artilharia de diversos tamanho foram instaladas nas fortalezas. A confiança depositada nas linhas fixas de defesa por Filipe V em Aous, por Antíoco, o Grande, nas Termópilas, e por Perseu em Elpeus contrastam tremendamente com as campanhas de Alexandre, o Grande. Naquela ocasião foram os persas que dependeram da vantagem de defender uma margem de rio em Grânico e Isso, ou que prepararam o campo de batalha em Gaugamela. Alexandre interpretou essa estratégia como um sinal de que o inimigo não tinha confiança e, do mesmo modo como faria mais tarde em Hidaspes, na Índia, atacou com sucesso cada uma das posições. Era outra mostra da má qualidade dos exércitos helênicos tardios e da extrema cautela de seus comandantes, os quais buscavam arriscar-se o menos possível.
A chegada de um novo comandante – ou, de fato, de um novo chefe/líder em qualquer ambiente – demanda inevitavelmente um período de difícil transição para as tropas sob seu comando. Muitos aspectos, até os menores detalhes da rotina diária, eram, e ainda são, alterados para se adequarem às preferências do novo comandante, perturbando oficiais e soldados acostumados a outras práticas. Imediatamente, Paulo deu novas ordens, das quais Lívio destaca três pontos principais. O comandante enfatizou a rígida disciplina durante a marcha. Em vez de emitir uma ordem sinalizando diretamente à coluna, a qual devia se estender por muitos quilômetros, o cônsul primeiro emitia a ordem ao tribuno militar, que, por sua vez, passava-a ao centurião da legião, que a transmitia aos seus subordinados. Devido ao aviso prévio da intenção do comandante, o exército podia responder eficientemente à ordem, evitando o perigo de confundi-la e de executar ações conflitantes nas diferentes unidades. Em segundo lugar, as sentinelas foram proibidas de portar escudos, pois Paulo conhecia o truque dos soldados de pousar o pilum contra o longo scutum dos legionários e cochilar apoiados nele. Finalmente, os postos avançados, os quais eram sempre posicionados em frente ao acampamento do exército, eram agora substituídos duas vezes ao dia; assim, os soldados não mais se cansavam sob o calor, o que antes os tornava vulneráveis a um ataque-surpresa.
O cônsul também aproveitou a oportunidade de dirigir-se às tropas, enfatizando uma vez mais a necessidade de disciplina e obediência. Não era tarefa dos soldados e dos oficiais menos graduados discutir a campanha ou questionar as ordens. Eles deviam confiar no cônsul como comandante e lutar com bravura quando chegasse a hora. Na visão de Paulo, o soldado romano deveria preocupar-se apenas “com o seguinte: seu corpo, para ficar sempre forte e saudável; as boas condições de suas armas; e a disponibilidade de seu suprimento (feito de rações distribuídas cruas), de forma a poder cumprir prontamente suas ordens”[14]. Nossas fontes afirmam que o estilo de comando do cônsul imediatamente revigorou tanto os veteranos quanto os novos recrutas, aliviados ao perceber que, agora, as coisas estavam sendo feitas como deveriam. No entanto, Paulo parece não ter dispensado mais do que três ou quatro dias a treinamentos e preparações, por isso é possível que tenham exagerado o impacto do general e que a disciplina e o moral já tivessem sido melhorados por Filipo. Políbio, em quem todas as nossas fontes sobreviventes se baseiam, era obviamente simpático ao pai do seu patrono Cipião Emiliano. Mesmo assim, era mais do que possível que Paulo tivesse injetado um novo sentido de propósito no exército durante seu breve comando[15].
Depois desse curto período de preparação, o exército romano avançou alguns quilômetros de Phila, acampando na margem sul do Elpeus. As forças em terra eram apoiadas por uma esquadra naval sob comando do pretor Cneu Otávio. As notícias da derrota de um dos aliados mais importantes de Perseu na Ilíria animaram os romanos, tanto quanto desencorajou os macedônios, mas não contribuiu em nada para resolver seu problema imediato de tomar a linha inimiga de fortificações. Paulo respondeu à situação de um modo tipicamente romano, reunindo seus oficiais superiores em um Consilium. Lívio nos diz que alguns dos oficiais mais jovens eram a favor de um ataque direto, porém o cônsul achou que isso teria um alto preço e não havia garantia de sucesso. Outros sugeriram que Otávio fosse enviado com a esquadra para atacar a costa macedônia, na retaguarda do rei, infligindo perdas ao exército inimigo. Paulo não fez nenhum anúncio público da sua decisão e, após dispensar os seus oficiais, chamou dois mercadores locais que conheciam os passos nas montanhas. Estes o informaram de que os caminhos não eram impraticáveis, mas que Perseu havia posicionado destacamentos para protegê-los. O cônsul resolveu enviar uma coluna através das montanhas guiada pelos comerciantes, esperando que uma força de rápida mobilidade pudesse fazer uso da escuridão e surpreender o inimigo. Para enganar o adversário, ordenou que Otávio levasse a frota até Heracleum e reunisse provisões suficientes para alimentar mil homens durante dez dias. Uma força de soldados comandada pelo tribuno Públio Cornélio Cipião Nasica e pelo filho de Paulo, Fábio Máximo, também deveriam marchar até Heracleum. Ele estava certo de que Perseu tomaria conhecimento da movimentação e concluiria que uma força de combate estava prestes a atacar o litoral norte. Não se conhece o tamanho do destacamento. Lívio diz que tinha cinco mil homens, porém, de acordo com Plutarco, que se baseou numa carta escrita pelo próprio Cipião Nasica, a força era constituída por três mil italianos – talvez os Extraordinari – e a ala esquerda chegava a cinco mil soldados, apoiados por 120 cavaleiros e duzentos homens das infantarias de Creta e da Trásia. Nasica pertencia a um ramo diferente da família Cipião, mas era casado com a filha mais velha de Cipião Africano.
Foi só depois de a coluna de Nasica chegar a Heracleum e de seus homens terminarem a refeição noturna que ele revelou ao seus oficiais sua verdadeira missão. Durante a noite eles marcharam novamente, deixando o litoral em direção ao interior e às montanhas. Os guias foram instruídos a conduzir o exército através de uma rota que o levaria ao passo de Pítia (Pythium) no terceiro dia de jornada. Na manhã seguinte, Paulo posicionou seu exército em formação de batalha e enviou seus velites para atacarem os postos avançados macedônios. A luta prosseguiu sem que uma vantagem significativa fosse conquistada por qualquer um dos lados, e Paulo chamou seus homens de volta ao redor do meio-dia. No dia seguinte, repetiu o exercício e, daquela vez, os romanos conseguiram forçar sua posição – ou foram ludibriados a fazê-lo –, chegando ao alcance da artilharia macedônia, o que provocou muitas baixas. Paulo não atacou no terceiro dia, mas fez uma demonstração ao examinar outra seção do rio, como se estivesse procurando um ponto de travessia alternativo.
Entrementes, Nasica havia chegado a Pítia e atacado ao amanhecer. Em sua carta, afirmou que um dos cretenses desertara e avisara Perseu da sua aproximação, o que fez o rei despachar uma forte guarnição para proteger a passagem. Isto parece pouco provável, pois, segundo Lívio, já havia guardas em posição, mas pode ser que o rei tenha enviado reforços. Sejam quais forem os detalhes, os romanos contaram com o elemento surpresa e, num combate feroz, abateram e deslocaram o inimigo. Nasica afirmou que foi atacado por um mercenário trácio combatendo pelos macedônios e matou o homem com um golpe de lança no peito. Tendo capturado a posição, a coluna romana desceu pelo passo de Petra até a planície perto de Dium. Logo que Perseu descobriu essa força na sua retaguarda, retirou-se da linha do Eupeus e marchou em direção a Pidna. Paulo atravessou o rio sem enfrentar oposição e reuniu suas forças com as de Nasica[16].
Perseu estava em uma posição difícil. Agora que o inimigo havia chegado ao interior do seu reino, seu prestígio sofreria demasiadamente, se não enfrentasse os romanos em batalha. Antíoco tinha, de modo semelhante, sido forçado a escolher entre travar uma batalha ou enfrentar a humilhação de bater em retirada sem lutar contra o invasor. Assim, Perseu posicionou seu exército nos arredores de Pidna, em 21 de junho, convidando o inimigo para a batalha numa planície aberta ideal à sua falange. A evidente determinação com a qual os macedônios esperavam o ataque surpreendeu Paulo. Seus homens estavam cansados depois de uma longa marcha através de estradas empoeiradas e sob o sol forte, mas a maior parte do exército, e, especialmente, alguns dos oficiais, estavam ansiosos para lutar o quanto antes. Apenas Nasica traduziu seus sentimentos em palavras, incitando o cônsul a atacar imediatamente e, desse modo, impedir que Perseu batesse em retirada. De acordo com Lívio, Paulo respondeu que “entre as muitas vicissitudes da guerra, eu aprendi quando lutar e quando recusar a batalha. Não há tempo para instruir vocês, enquanto estamos aqui, prontos para o combate, sobre a razão pela qual é melhor permanecermos inativos hoje. Vocês podem questionar meu raciocínio em outra ocasião. No momento, deverão se satisfazer em aceitar a palavra de um comandante experiente”[17].
O cônsul ordenou que as colunas em marcha entrassem em formação de batalha, com os tribunos supervisionando o processo e incitando os homens a se apressarem. O próprio general cavalgou através de suas tropas, encorajando-as. Quando o triplex acies estava formado, porém, ele não ordenou o avanço, mas simplesmente esperou. Gradualmente, a fadiga e a sede desgastaram o ardor dos legionários para travar a batalha de imediato e alguns soldados cansados podiam ser vistos fazendo o que Paulo proibira suas sentinelas de fazer, isto é, apoiarem-se em seus escudos para cochilar. Sentindo que, agora, seus homens entenderiam sua hesitação, o cônsul mandou que os centuriões estabelecessem o espaço do acampamento do exército, provavelmente nos contrafortes do monte Olimpo, a oeste da posição macedônia[18].
O exército de Perseu estava relativamente descansado e, com certeza, preparado para a luta. Os romanos estavam exaustos e sua formação foi feita às pressas, ou seja não estava bem ordenada. O rei não aproveitou a oportunidade de atacar de imediato, porém ainda se encontrava perto o bastante para tirar vantagem de qualquer desordem causada pela retirada dos romanos para montar seu acampamento. Por isso, Paulo tomou muito cuidado para que seu exército se retirasse com cautela e organização. Quando os limites do acampamento foram delimitados e a bagagem foi arrumada, os triarii marcharam até o local para começar a construção. Mais tarde, a linha média, formada pelos principis, deslocou-se para ajudá-los no trabalho. Então, a linha de frente, os hastati, virou à direita e, liderada pela manípula que havia formado o flanco direito da linha, retirou-se para o acampamento. A cavalaria e os velites continuaram a encarar o inimigo, cobrindo a retirada do exército romano, e não se uniram ao restante das forças até que a vala e o baluarte em torno do acampamento estivessem terminados. Um ataque morro acima contra uma posição fortificada como aquela era improvável, especialmente porque levaria a falange a combater num terreno inapropriado. Perseu tinha, certamente, perdido uma oportunidade ao não forçar a batalha; contentou-se com a vitória moral obtida quando o inimigo se retirou para o acampamento, antes de ordenar a seus homens que fizessem o mesmo. Asdrúbal havia sentido um alívio semelhante diante das ações de Cipião antes de Ilipa[19].
Nesse período, o calendário oficial de Roma estava vários meses à frente do nosso, marcando aquele dia como 4 de setembro, quando pelo nosso seria 21 de junho. Naquela noite houve um eclipse lunar, um presságio poderoso tanto para romanos quanto para macedônios. Lívio nos conta que o tribuno Caio Sulpício Galo – que já fora pretor e seria cônsul em 166 – tinha conhecimento suficiente para predizer e explicar o fenômeno aos soldados, de modo que houve menos pânico entre os romanos do que entre seus inimigos. Mesmo assim, quando, finalmente, a lua reapareceu, Paulo fez o que se esperava de um magistrado romano e sacrificou onze novilhas. Ao amanhecer, ordenou o sacrifício de touros a Hércules. As entranhas de vinte dos animais foram examinadas, indicando presságios negativos, mas o vigésimo primeiro touro sinalizou que a vitória seria obtida pelo lado que permanecesse na defensiva. Esses rituais levaram algum tempo e não foi até a terceira hora do dia que o cônsul reuniu seus oficiais em um Consilium.
Paulo explicou com alguns detalhes seus motivos para não ter entrado em batalha no dia anterior. Além do cansaço dos soldados após a longa marcha e da imperfeição da linha de batalha romana em comparação com a do inimigo, ele enfatizou a importância de construir um acampamento defensável. Se tivessem travado a batalha logo em seguida à marcha, aproximadamente 25% da sua força total, provavelmente os triarii, teriam de ser colocados para proteger as carroças de bagagem do exército, reduzindo ainda mais as forças em face de um inimigo já em vantagem numérica. Também era muito improvável que os macedônios estivessem planejando retirar-se à noite, escapando da batalha e forçando os romanos a executar uma longa e árdua campanha de manobras. Se Perseu não pretendia lutar, Paulo sentiu que ele não teria esperado nos arredores de Pidna ou colocado seu exército em ordem de batalha no dia anterior.
O cônsul anunciou sua intenção de travar o combate naquele lugar, mas faria isso apenas quando o momento fosse propício. Nem todos os seus oficiais ficaram convencidos, porém a insistência do cônsul em afirmar que os subordinados estavam ali para obedecer às ordens sem questionar fez que ninguém emitisse comentário algum. Nem ele nem Perseu planejavam lutar naquele dia, antecipando o período usual de espera em que cada um dos comandantes buscava obter uma vantagem mínima. Os romanos enviaram homens em busca de lenha para cozinhar e de forragem para os cavalos. Os dois exércitos estacionaram postos avançados em frente aos seus acampamentos, mas o corpo principal das tropas permaneceu dentro dessas linhas[20].
Os postos avançados dos romanos eram formados apenas por tropas aliadas. À frente, não longe do raso regato que separava os dois acampamentos, havia dois grupos de italianos, os paelignis e os marrucinis, e duas turmae da cavalaria samnita, todos sob comando de Marco Sérgio Silo. Mais próxima ao acampamento romano estava outra força liderada por Caio Clúvio, que consistia em uma coorte italiana de Vestini e duas coortes latinas, das colônias de Firmum e Cremona, apoiadas por duas turmae, nesse caso de latinos de Placentia e Aesernia. Lívio diz que tanto Silo como Clúvio eram legati, subordinados ao cônsul a quem havia sido delegado imperium sobre o exército. Presumivelmente, as tropas foram substituídas ao meio-dia, de acordo com as ordens de Paulo, de modo que esses contingentes podem ter sido os segundos a realizar a tarefa naquele dia. Nossas fontes não descrevem a composição dos postos avançados macedônios com tantos detalhes, mas entre eles parece ter havido um grupo de oitocentos trácios. Não há relatos sobre escaramuças ou combates singulares entre os dois postos avançados durante o dia, ao contrário do que parece ter ocorrido com frequência em circunstâncias semelhantes. Os homens, na maioria escravos, de ambos os lados saíram do acampamento para buscar água no regato.
Mais tarde naquele mesmo dia, Lívio diz que, na nona hora [três da tarde], alguns escravos romanos perderam o controle de um animal de carga – provavelmente uma mula –, que atravessou correndo o regato. Três soldados italianos o perseguiram com água pelo joelho e mataram dois dos trácios que haviam se apoderado do animal. Os camaradas dos trácios sobreviventes logo vieram em auxílio e a luta aumentou, atraindo as tropas estacionadas nos postos avançados e, depois, os exércitos principais. Plutarco diz que um grupo de auxiliares lígures estava entre as primeiras tropas romanas a entrar em combate – embora não diga se também faziam parte dos postos avançados – e que Nasica entrou na escaramuça logo em seu início. Ele também menciona uma tradição segundo a qual Paulo deliberadamente ordenou soltar um cavalo no acampamento inimigo, esperando provocar uma batalha, mas isso parece extremamente improvável, sendo mais plausível que a batalha tenha começado acidentalmente. As fontes informam que Paulo percebeu a inevitabilidade da ação e percorreu o acampamento encorajando os soldados[21].
Os dois exércitos entraram em formação com pressa considerável, mas os macedônios parecem ter respondido mais rapidamente e, pouco depois, uma luta acirrada começou a apenas cerca de quinhentos metros do baluarte do acampamento romano. Na pressa de avançar, nenhum dos lados montou uma linha de combate devidamente organizada. Em vez disso, cada unidade marchou para fora do acampamento, entrou em formação de batalha e avançou. Plutarco, que nos dá o relato mais completo do confronto, diz que os mercenários macedônios e as tropas leves chegaram em primeiro lugar para o combate e tiveram sua ala direita reforçada pela divisão de elite da falange, os guardas reais, ou agema. Foram seguidos desde o acampamento pelo resto da falange, dividida entre os Escudos de Bronze (chalcaspides), à esquerda, e os Escudos Brancos (eleucaspides), à direita. Assim, o exército foi formado em ordem reversa da esquerda para a direita, em vez do contrário, com cada unidade indo diretamente ao ataque em lugar de esperar para colocar-se em sua posição própria. Os últimos a deixar o acampamento foram os mercenários restantes, provavelmente gauleses e cretenses. Eles comporiam a ala direita do exército, mas, ao que parece, nunca chegaram a essa posição. Nenhuma das nossas fontes menciona qualquer combate significativo desse lado da refrega. Durante certo tempo, os macedônios avançaram em unidades com formação frouxa, sendo que a linha de batalha estabeleceu-se apenas quando encontraram uma resistência mais efetiva por parte dos romanos[22].
Anos depois, Paulo admitiu que falanges macedônias, com suas fileiras cerradas de lanças projetando-se contra seus homens, foi a vista mais terrível que presenciou na vida. General que valorizava a ordem e o planejamento cuidadoso de todas as operações, ficou, inevitavelmente, desgostoso com o início confuso da batalha. Não obstante, escondeu o medo e a frustração e caminhou pelas posições do exército encorajando seus soldados. Plutarco observa que ele não estava usando nem armadura nem capacete, para demonstrar, assim, seu desdém pelo inimigo. O cônsul comandou pessoalmente a primeira legião, no centro da linha romana, em posição quase oposta aos Escudos de Bronze. Lúcio Postúmio, um Legatus, ou, talvez, tribuno, seguiu com a segunda legião, posicionando-se à esquerda de Paulo e de frente para os Escudos Brancos. Outros oficiais comandaram as alas aliadas, a par dos elefantes, colocandoas à direita das legiões[23].
O primeiro encontro entre um corpo de tropas formadas e uma parte da falange macedônia ocorreu quando os paeligni, e possivelmente com eles os marrucini, bateram-se com os agema. Os macedônios estavam em boa formação, e os italianos tiveram dificuldade em se desviar das fileiras de sarissa apontadas para eles a fim de chegar perto o bastante para atacar os lanceiros. A agema consistia em cerca de três mil homens e tinha apoio de unidades mercenárias à sua esquerda, de modo que os italianos estavam em número inferior para ameaçar os flancos vulneráveis da formação. Em um esforço para romper a linha, Sálvio, o comandante da coorte, agarrou o estandarte da unidade e o arremessou contra as linhas inimigas. Os paeligni avançaram para recapturar o precioso estandarte e um combate curto, mas brutal, ocorreu enquanto lutavam para abrir caminho na formação inimiga. Alguns homens tentaram cortar as pontas das sarissa ou desviá-las com suas espadas, outros aparavam os golpes com seus escudos, enquanto alguns poucos soldados agarravam as armas inimigas e tentavam tirá-las do caminho. Alguns macedônios foram mortos, mas os remanescentes mantiveram a formação e a falange conservou sua posição. Conforme as baixas dos italianos aumentavam, os paeligni retiraram-se, indo em direção ao seu acampamento. Plutarco afirma que, de acordo com uma fonte ferozmente favorável aos macedônios (escrita por Possidônio), a retirada dos italianos causou grande frustração ao cônsul, que rasgou sua túnica[24].
O mesmo Possidônio também apresentou uma versão bem mais lisonjeira do comportamento de Perseu do que qualquer uma registrada por outras fontes. Políbio diz que o rei galopou de volta à cidade de Pidna, no começo da batalha, insistindo em que precisava realizar um sacrifício a Hércules, e assim não tomou parte na luta. De acordo com Possidônio, Perseu havia se machucado no dia anterior, provavelmente escoiceado por um cavalo, e o ferimento manteve-o, num primeiro momento, afastado da batalha. No entanto, apesar da dor, Perseu montou em um animal de carga e atacou no ponto mais intenso do combate, sendo atingido por um dardo que rasgou sua túnica sem feri-lo[25].
A primeira legião chegou antes e aparentemente neutralizou o ataque macedônio. Enquanto a segunda legião movia-se para entrar em posição, as coisas começaram a mudar para o lado dos romanos. No flanco direito, os elefantes de guerra causaram uma considerável desordem entre o inimigo. No início da campanha, Perseu tinha formado uma unidade especial antielefantes, mas as novas armas e as armaduras com pontas que se projetavam mostraram-se totalmente ineficientes. O rei tentara treinar os animais da cavalaria para que se acostumassem com a estranha aparência, o barulho e o cheiro das grandes bestas, mas isso também fracassou. Já desbaratada pelos elefantes, a maior parte da ala esquerda macedônia foi varrida pelo ataque da ala aliada. No centro, a falange fora rompida. Mesmo nos dias de Alexandre, isso tendia a acontecer sempre que a falange avançava qualquer distância, pois era – e é – extremamente difícil marchar em formação, até no terreno mais plano, sem se desviar para um lado ou para o outro. O sistema romano de manter intervalos entre as manípulas era, em parte, para evitar que tais flutuações impedissem duas unidades de se fundir. A doutrina macedônia usava espaços menores entre as unidades, mas havia uma tendência natural das seções da linha a se agruparem, enquanto outras se espalhavam durante o avanço. O terreno acidentado aumentava o problema, e é possível que, em Pidna, a elevação que conduzia ao acampamento romano tenha contribuído para quebrar a ordem da falange. Entretanto, a razão principal do problema foi a falta de tempo para colocar o exército em formação apropriada antes da batalha. Se os macedônios tivessem podido manter o avanço, sem nunca reduzir a pressão sobre os romanos, talvez tivessem vencido, apesar de tudo. Quando as duas legiões foram postadas corretamente e a falange foi detida, a natureza essencialmente inflexível dessa formação a deixou em grande desvantagem[26].
Em um dos lados, havia uma única linha de blocos individuais de lanceiros, cada qual com pelo menos dezesseis fileiras. Atrás dessas linhas não havia reservas, e os blocos tinham pouca capacidade de manobra. Opostos a eles, havia uma linha de manípulas, provavelmente com metade do número de fileiras e intervalos equivalentes mais ou menos a cada frente da unidade, separando-a dos blocos em ambos os lados. Cobrindo esses intervalos, estavam as manípulas dos principis, e atrás deles os triarii. Os macedônios podiam apenas lutar de modo eficaz contra um inimigo que estivesse à sua frente, e isso também dependia de os soldados permanecerem juntos e manterem uma parede de sarissa apontadas ao inimigo. Cada manípula era comandada por um centurião – o comandante da centúria à direita tendo a liderança se os dois estivessem presentes – e a formação triplex acies garantia espaço para atuar como uma única unidade.
Com as linhas de combate estabilizadas, os centuriões começaram a levar seus homens aos espaços nas linhas inimigas, com o fim de atacar os flancos desprotegidos e a retaguarda dos blocos de lanceiros. Plutarco nos diz que Paulo ordenou essa ação, dirigindo-se, primeiro, aos tribunos e oficiais graduados, que então passaram as instruções aos oficiais de patente mais baixa. Isso é provavelmente verdadeiro, pois devemos esperar que Paulo, como qualquer outro comandante romano, quisesse intervir nas pequenas decisões táticas da batalha. No entanto, juntas, as legiões teriam ocupado uma linha de mais de 1,5 quilômetro, e teria levado tempo demais para que cada ataque fosse ordenado por um general. O exército romano contava com uma proporção de oficiais significativamente maior do que o macedônio. Uma legião continha seis tribunos e sessenta centuriões, vinte em cada linha, fora os legati ou outros membros auxiliares do general, enviados àquele setor da linha. A iniciativa para muitos dos ataques locais vinha provavelmente desses homens e, por vezes, até de soldados comuns, pois os romanos sempre estimulavam a ousadia individual[27].
Aos poucos, pequenos grupos de romanos infiltravam-se na linha macedônia. Um legionário era basicamente um espadachim que podia, se necessário, lutar efetivamente em combates singulares. Um macedônio armado com uma sarissa de sete metros podia lutar apenas como parte de um grupo. Quando os romanos começaram a atacar cada conjunto de lanceiros a partir dos flancos, a batalha pendeu para o seu lado. Alguns macedônios largaram as armas que os embaraçavam e tentaram usar outras, mas os homens eram mal treinados e mal equipados para esse tipo de combate. Os legionários portavam a “espada espanhola” (gladius hispaniensis), uma arma de corte e golpe equilibrada, com uma lâmina de aço temperado. Um golpe dessa espada era quase sempre fatal, um corte horrivelmente desfigurador. Lívio descreve como os homens de Filipe V se apavoraram na Primeira Guerra Macedônica ao ver pela primeira vez os corpos dos homens mortos com a espada espanhola. Em Pidna, os lanceiros macedônios foram chacinados, infligindo pouco ou nenhum dano ao inimigo. No final do dia, cerca de vinte mil macedônios haviam sido mortos e outros seis mil foram aprisionados. A agema tinha sido virtualmente destruída. Quando a falange iniciou a fuga, a cavalaria macedônia deixou o campo de batalha. Muitas dessas tropas não tinham ainda combatido e estavam intactas. Perseu fugiu com elas para sua capital, Pela, mas separou-se dos cavaleiros quando foram atacados por uma multidão raivosa de fugitivos do restante do exército. A batalha não durou mais do que uma hora, tempo muito curto para esse tipo de combate, e custou aos romanos aproximadamente cem mortos e grande número de feridos. Durante algumas horas, Paulo temeu que seu filho, Cipião Emiliano, estivesse entre os mortos e ficou desconsolado até ver o rapaz retornar, tendo sido separado do grupo com dois companheiros durante a perseguição. O filho de Catão, o Velho, que posteriormente se casou com a filha de Paulo, Emília, e estava servindo como cavaleiro, também se distinguiu no combate. A certa altura, perdeu a espada andando pelo campo de batalha, mas reuniu um grupo de amigos e, juntos, atacaram e afugentaram alguns inimigos e, finalmente, acharam a arma sob uma pilha de cadáveres. Tanto Paulo como o rígido Catão o elogiaram pela ação, na qual exibiu o comportamento de um verdadeiro romano[28].
A vitória de Roma em Pidna deveu-se em grande parte à flexibilidade do sistema tático romano. O seu início acidental impediu que cada comandante empregasse táticas sofisticadas. O melhor que podiam fazer era inspirar seus homens – embora, no caso de Perseu, ele não tenha sequer tentado – e ajudá-los a formar algum tipo de linha de combate na confusa situação que se desenvolveu, mas as legiões foram mais capazes de responder a cada problema localizado. Fatores semelhantes mostraram-se decisivos em Cinoscéfalos e Magnésia. Em Cinoscéfalos, os exércitos se encontraram inesperadamente quando se aproximaram de lados opostos do passo de mesmo nome. Cada lado seguiu o procedimento normal de dirigir sua coluna em marcha à direita para formar a linha de batalha. Em tal situação, os flancos direitos dos exércitos romano e macedônio estavam à frente da coluna e, por isso, colocaram-se em posição e entraram em formação de batalha. O flanco direito de cada exército atacou então e dispersou o flanco esquerdo do inimigo, que ainda não estava preparado para a batalha. Os romanos formaram seu triplex acies usual e a infantaria de Filipe V, uma falange única sem linhas de reserva. Um tribuno cujo nome não se conhece liderou vinte manípulas de principis e triarii da ala direita romana e os levou a atacar as tropas vitoriosas do rei. A falange não pôde responder a essa nova ameaça e foi derrotada.
Em Magnésia, os exércitos foram colocados em formação apropriada e esperavam pela batalha. Antíoco III comandou um ataque da cavalaria na melhor tradição de Alexandre e rompeu a linha romana, levando seus homens a atacar o acampamento inimigo, mas não tinha reservas para explorar o seu sucesso. Os romanos, porém, tinham, e estas, juntamente com homens deixados para guardar o acampamento, derrotaram a cavalaria do rei. Quando os romanos romperam a linha principal dos selêucidas e infiltraram-se profundamente na falange, os selêucidas não puderam fazer nada e foram vencidos. Nessas batalhas, como em Pidna, Filipe V, Antíoco, o Grande, e Perseu, respectivamente, reconheceram a derrota e aceitaram os termos da paz impostos pela república romana. Em 168, o Senado decidiu que o reino da Macedônia deixaria de existir e dividiu o país em quatro regiões autônomas. Perseu foi levado para Roma e participou da procissão triunfal de Paulo, passando o resto da vida como prisioneiro. Contudo, por algum tempo pareceu que o cônsul não iria receber a honra de um triunfo. Paulo era um comandante eficiente, mas, ao que tudo indica, nunca conseguiu conquistar o afeto de suas tropas. Algumas seções do exército sentiam que não foram suficientemente recompensadas pela campanha em termos de honra e, sobretudo, de butim. Isso apesar da aprovação senatorial quanto à depredação de Pidna, quando Paulo levou suas tropas para saquear o Épiro em seguida. Comandados pelo tribuno Sérvio Sulpício Galba, muitos soldados conspiraram para que o cônsul não pudesse realizar seu triunfo, e foi depois de muito esforço que a maioria dos senadores concordou em conceder a honra ao comandante. Muitos foram persuadidos pelo já idoso veterano das Guerras Púnicas e ex-cônsul Marco Servílio Púlice Gemino, um homem que tinha fama de ter matado 23 inimigos em combate singular[29].
Por fim, Paulo teve permissão de realizar um triunfo e fez uma celebração especialmente espetacular que durou três dias, passando pela Via Sacra até o coração de Roma, cercado de multidões que se sentaram em arquibancadas instaladas para o evento. No primeiro dia, desfilaram 250 carroças carregadas com estátuas e outras obras de arte saqueadas durante a guerra. No segundo dia, os carros passaram exibindo armas, armaduras e outros equipamentos militares capturados, enfatizando as diferentes panóplias de aliados estrangeiros e mercenários que serviram sob Perseu, bem como equipamento macedônio. As peças foram dispostas de forma a parecerem restos de batalha. Em outras carroças, “as armas e as armaduras não estavam presas, de modo que, ao ser transportadas, batiam umas contra as outras produzindo um som forte e temeroso e, mesmo tendo pertencido aos perdedores da guerra, sua aparência ainda provocava terror”[30]. Seguindo depois dos carros, iam os tesouros capturados do inimigo, dispostos em 750 caixas, cada uma levada por um grupo de quatro homens.
Finalmente, no terceiro dia, foi a vez da procissão principal, com trombeteiros à frente reproduzindo os toques de batalha. Atrás dos músicos seguiam 120 touros sacrificiais, com os chifres e as cabeças decoradas com guirlandas, acompanhados por jovens que levavam as libações necessárias. Em seguida, uma vez mais a riqueza do inimigo derrotado foi enfatizada ao se levarem 77 caixas, cada qual contendo três talentos em moedas de ouro e uma coleção dos vasos mais preciosos de Perseu. A carruagem do rei, vazia, a não ser por suas armas, armaduras e diadema real, desfilou atrás das suas riquezas. Então, seguiram seus filhos mais novos, dois meninos e uma menina, com suas babás e muitos outros escravos domésticos. Era uma visão patética, e muitos dos romanos que assistiam ao desfile e que, conforme era característico de sua estirpe, eram raramente inclinados a esconder suas emoções, não contiveram as lágrimas. Perseu desfilou atrás deles, cercado de seus atendentes e cortesãos. Seu pedido de ser poupado da humilhação de desfilar pela cidade tinha recebido uma resposta brusca de Paulo, que lhe lembrou que o rei podia evitar esse destino suicidando-se.
Por fim, depois dos símbolos e espólios da sua vitória, vinha o próprio Paulo,
em uma carruagem magnificamente decorada. Ele teria sido uma visão notável mesmo sem esses ornamentos de poder; vestia uma capa púrpura adornada de ouro e trazia na mão direita um ramo de louro. Todos os soldados também levavam ramos de louro. O exército marchou atrás da carruagem de seu comandante em suas unidades e divisões, com os homens cantando canções tradicionais, as quais tinham traços de humor, além de hinos de vitória e em honra das realizações de Emílio. Ninguém podia tirar seus olhos dele, que era objeto de admiração universal...[31]
A descrição de Plutarco dá uma noção do esplendor de um triunfo romano, mas, para Paulo, havia pouca necessidade de o escravo sussurrar em seu ouvido frases que o lembrassem de sua mortalidade. Seu filho de 14 anos tinha adoecido e morrera cinco dias antes do início das cerimônias. Três dias depois do desfile, o mesmo destino acometeu o irmão de 12 anos do menino. Apenas os dois filhos mais velhos sobreviveram, e ambos foram adotados por outras famílias e receberam seus nomes.
Antes de deixar a Grécia, Paulo passou algum tempo viajando pelo país, aproveitando a paisagem e fazendo o máximo para conquistar os corações e as mentes da população. Em Anfípolis, patrocinou um festival helênico de teatro, poesia e esportes, reunindo artistas, atletas e cavaleiros famosos de todo o mundo grego. Os convidados influentes foram recepcionados em festas luxuosas. Alguns expressaram surpresa pelo fato de um festival tão grande ter sido organizado em tão pouco tempo, ao que Paulo respondeu de modo frio: “Um homem que sabe vencer uma guerra também pode organizar um banquete e jogos”[32]. Durante uma visita ao famoso oráculo de Delfos, o cônsul viu um plinto que devia fazer parte de uma estátua de Perseu. Paulo, então, encomendou um monumento à sua própria vitória, parte do qual sobrevive até os dias de hoje; não obstante, ele não foi o primeiro magistrado romano a se envolver com a vida cultural grega. Flamínio permanecera na Grécia alguns anos depois da Segunda Guerra Macedônica e, desde o começo, demonstrara o seu amor por todas as coisas helênicas. Nos Jogos do Istmo, em 196 a.C., quando ele proclamara a liberdade dos Gregos, seu discurso – feito em grego – foi saudado com aplausos arrebatados. As honras conferidas pelas comunidades helênicas aos generais romanos, fossem por medo, fossem por respeito genuíno, espelhavam aquelas convencionalmente oferecidas aos reis. Isso estimulou a crença de que qualquer senador romano, e especialmente um general proeminente e bem-sucedido, era no mínimo igual a qualquer monarca estrangeiro. Flamínio, Paulo e outros homens que triunfaram no Mediterrâneo oriental conquistaram prestígio muito maior do que a imensa maioria dos senadores. Tal prestígio e suas riquezas poderiam ter desequilibrado a vida política romana e foi, em parte, para evitar isso que os outros senadores o atacaram com tanto fervor quando retornaram a Roma.
É difícil mensurar até que ponto os aristocratas romanos tinham consciência da cultura grega no século III a.C. Roma havia interagido com muitas colônias helênicas na Itália e, mais tarde, na Sicília, e as conquistara. Os espólios de guerra, em particular, incluíam obras de arte e escravos que foram levados para Roma, na época da Segunda Guerra Púnica. Havia senadores romanos como Fábio Pictor, cujo conhecimento da língua e da literatura era de nível alto o bastante para lhes permitir empreender as primeiras obras em prosa sobre a história romana. Enquanto preparavam a invasão da África a partir da sua base na Sicília, Cipião Africano e seus jovens assistentes vestiam-se à moda grega e aproveitavam as instituições caracteristicamente helênicas, como o ginásio. O caso de amor com a língua e a cultura gregas que dominou a aristocracia romana persistiu por séculos. No início do século II a.C., essa tendência ofereceu outro palco em que os senadores podiam competir para mostrar sua superioridade, uma vez que cada um se esforçava por demonstrar maior conhecimento sobre as coisas relativas à Grécia.
Em meados do século, a grande maioria dos romanos educados era bilíngue, pois o grego era a língua da verdadeira civilização, da mesma forma que o francês era falado por quase toda a aristocracia europeia do século XVIII. Apenas algumas vozes resistiam publicamente a essa tendência. A mais famosa entre elas foi a de Marco Pórcio Catão, que comandara uma das colunas vencedoras nas Termópilas e cujo filho havia se destacado em Pidna. Quando servira como embaixador na Grécia, Catão recusava-se a abordar os nativos na sua língua e insistia em fazer seus discursos em latim. Não o fazia por ignorância, já que possuía extenso conhecimento de literatura helênica – Políbio relembra um incidente no qual Catão fez uma alusão jocosa à Odisseia de Homero. Durante toda a sua carreira, Catão ridicularizava os aristocratas que imitavam os nobres da Grécia e enfatizava a superioridade das tradições simples, porém virtuosas, de Roma. Enquanto questor de Cipião, em 205 a.C., criticara publicamente o cônsul e seus amigos por seu comportamento na Sicília. Mais tarde, escreveu a primeira história em língua latina, uma das muitas obras que redigiu ou traduziu para o latim.
Diferentemente dos senadores que colecionavam arte grega e copiavam as modas helênicas de vestir, decorar e banquetear, Catão retratava a si próprio como um romano fora de moda, levando uma vida frugal a serviço da república. Era um “homem novo” que não podia contar com as realizações dos seu ancestrais ou com a reputação de uma família bem-estabelecida, precisando trabalhar arduamente para erigir sua reputação. Isso implicava em não perder a oportunidade de demonstrar suas opiniões e características, construindo gradualmente uma “imagem pública” – quase um nome de marca – que o projetasse nas mesmas condições que as famílias tradicionais. Assim, de fato, Catão usou a expansão da cultura como meio de competir com outros senadores, do mesmo modo que esses homens o fizeram ao abraçar as novas ideias.