CAPÍTULO 6

GENERAL NO EXÍLIO:
SERTÓRIO E A GUERRA CIVIL

Quintus Sertorius
(c. 125-72 a.C.)

No campo aberto, ele era tão ousado quanto qualquer comandante de seu tempo, embora, para qualquer campanha que exigisse sigilo de movimento, iniciativa repentina para tomar posições bem defendidas ou para cruzar rios, ou operações que demandassem velocidade, enganar o inimigo e, se necessário, inventar estratagemas, possuísse habilidade comparável à do gênio.[1]

Quer fossem “homens novos”, quer fossem aristocratas, os senadores eram ferozmente competitivos. A vida pública era um esforço para conquistar cargos e ter oportunidade de conseguir fama e glória, e o ideal era obscurecer as realizações não só de seus contemporâneos, mas também das gerações passadas. Mesmo quando não estavam na posse de um magistério ou em campanha eleitoral, os senadores sempre se esforçavam por divulgar seus sucessos e virtudes e não perdiam oportunidade de incluir na lista aqueles que lhes deviam favores. Alguns enfatizavam a sofisticação helênica, outros, como Cato e Mário, sua supostamente tradicional simplicidade “italiana”. Altares e templos eram dedicados ou outros monumentos eram construídos para celebrar suas realizações e eventos familiares, como casamentos, e funerais tornavam-se ocasiões públicas. Os combates entre gladiadores começaram como parte das cerimônias fúnebres e, não importando que elemento religioso ou sacrifical possam originalmente ter tido, logo se transformaram numa forma de entretenimento. Disputas espetaculares e eletrizantes de gladiadores atraíam multidões, que ficavam impressionadas e gratas à família que os tivesse organizado e patrocinado. A política sempre foi competitiva, porém, por volta do século I a.C., os senadores eram forçados a gastar somas cada vez maiores para terem qualquer possibilidade de sucesso. A tendência dos ricos a patrocinar a construção de edifícios e a realização de jogos continuou a aumentar, pois cada político lutava para superar seu rival. A partir de 133 a.C., essa rivalidade podia culminar em violência. A decisão de Sula de marchar sobre Roma em 88 levou a quase duas décadas de guerra civil e distúrbios. Uma tentativa de golpe, em 63, foi seguida por anos de violência nas ruas, promovida por arruaceiros, nos anos 50; finalmente, em 49, outra guerra civil explodiu, continuando até 31, quando o filho adotivo de César, Otaviano, derrotou seu último rival mais poderoso.

A elite política romana não era única na sua competitividade e desejo de exceder. As aristocracias da maioria das cidades gregas – e, na verdade, da imensa maioria das outras comunidades do mundo mediterrâneo – também tinham a mesma ânsia por obter projeção pessoal, sendo muitas vezes inescrupulosas nos métodos usados para conseguir seus objetivos. Os senadores romanos eram quase uma exceção ao canalizar suas ambições dentro de fronteiras estreitas e universalmente reconhecidas. A desordem interna e a revolução que atingiam as vidas públicas de grande parte das cidades-Estado não existiam em Roma até o último século da república. Mesmo então, durante as guerras civis de extrema selvageria, quando as cabeças decepadas de concidadãos eram exibidas no Fórum, a aristocracia romana continuava a colocar algum limite sobre quais meios eram aceitáveis na tentativa de superar os rivais. Uma figura comum na história do mundo antigo é o exílio aristocrático – o rei ou tirano deposto, ou o general destituído de seu cargo quando se percebia que estava se tornando muito poderoso – na corte de uma potência estrangeira, normalmente sob a guarda um rei. Esses homens aceitavam imediatamente comandar tropas estrangeiras para voltar à terra natal e tomar o poder pela força – como fez o tirano Pisistrato em Atenas – ou lutar ativamente contra sua própria cidade em prol do seu novo protetor – como fez Alcibíades.

Em toda a história romana, houve poucos indivíduos cujas carreiras seguiram, de algum modo, esse padrão. O quase mítico Caio Márcio Coriolano, que viveu no século V a.C., provavelmente foi quem chegou mais perto dessa realidade, pois, tendo sido expulso de Roma, foi recebido pelos inimigos volscos e comandou seu exército com grande sucesso. Na lenda, ele chegou perto de tomar a própria Roma e só foi impedido de conquistar essa vitória por causa da intervenção da sua mãe. A moral dessa fábula era quintessencialmente romana. Não obstante a importância, para o indivíduo, de conquistar fama e aumentar a sua reputação e a da sua família, isso devia sempre estar subordinado ao bem da república. A mesma crença dos senadores do século II a.C. na superioridade de Roma colocava-os como iguais a qualquer rei e assegurava que nenhum político romano desapontado procurasse a ajuda de uma potência estrangeira. Os senadores buscavam o sucesso pessoal, mas só contava se fosse conquistado em Roma. Nenhum senador desertou para o lado de Pirro ou de Aníbal, mesmo quando suas vitórias finais pareciam iminentes, tampouco a amargura de Cipião Africano quanto à ingratidão do Estado o fez buscar serviço junto a um rei estrangeiro.

A guerra civil não mudou de forma significativa essa atitude, uma vez que ambos os lados afirmavam invariavelmente estarem lutando para restaurar a verdadeira república. Quase sempre se fazia uso de tropas que não eram de Roma, mas os romanos estavam sempre presentes como auxiliares ou aliados, servindo Roma, e nunca como potências independentes intervindo em seu próprio benefício. Apesar das circunstâncias da guerra civil, isso não produziu carreiras muito fora do padrão, além de Quinto Sertório, que demonstrou talento para comandar forças irregulares e promover campanhas de guerrilha contra exércitos convencionais romanos. Exilado da Roma de Sula, ele conquistou suas mais famosas vitórias e viveu os últimos anos da vida na Hispânia, mas nunca se desviou das atitudes da sua classe, nem se considerou qualquer coisa que não fosse um senador e um general romano.

INÍCIO DA CARREIRA E A GUERRA CIVIL

Sertório era outro “homem novo”, membro de uma família que fazia parte da aristocracia da cidade sabina de Nussa. Ele foi, provavelmente, o primeiro da sua família a buscar e a conquistar um cargo público em Roma, algo para que fora treinado desde tenra idade, pois, certamente, nenhum dos seus ancestrais tinha assumido qualquer magistério importante em Roma. Orador dotado e com algum conhecimento da lei, começou a angariar reputação nos tribunais, antes de embarcar com entusiasmo num período de serviço militar. Conforme mencionado no último capítulo, sobreviveu ao desastre em Aráusio, em 105, nadando pelo rio Ródano, apesar dos seus ferimentos, e ainda assim conseguiu trazer suas armas. Pelo resto da guerra contra os cimbros e os teutões, serviu sob Mário, ganhando condecorações e promoções em vários momentos, notadamente por ir disfarçado a uma missão para espionar o inimigo. Alguns anos mais tarde, em 97, foi à Hispânia como tribuno militar, aumentando ainda mais sua reputação de coragem e frieza quando as tropas que lá estavam estacionadas, passando o inverno na cidade celtibera de Castulo, onde ele estava, foram atacadas repentinamente pela população. Os soldados romanos presentes eram pouco disciplinados, negligentes com relação às suas tarefas e dados ao alcoolismo. Plutarco não diz se outros oficiais romanos estavam ali ou se havia outro em comando, mas assinala que Sertório não era responsável pela condição dos soldados, o que indica que havia mais alguém na liderança. Foi talvez por causa dessa experiência que, anos depois, Sertório tornou regra nunca estacionar soldados em cidades, ordenando, em vez disso, que se construíssem os acampamentos nas suas vizinhanças, mesmo no inverno, e controlando-os com rígida disciplina militar.

O comportamento da guarnição romana pode ter provocado a rebelião entre os celtiberos e sem dúvida encorajou a expectativa de vitória. Os habitantes buscaram ajuda na cidade vizinha de Oretani, e, certa noite, seus guerreiros foram admitidos em Castulo. A surpresa foi completa, e muitos legionários foram mortos em seus alojamentos. Sertório e uns poucos companheiros conseguiram escapar da cidade e, rapidamente, ele reuniu todos os fugitivos que pôde encontrar. Tendo descoberto um portão que o inimigo deixara aberto e desprotegido, Sertório postou um destacamento para bloquear o meio de saída e liderou o resto de seus homens de volta às ruas. Tomando controle de todas as posições principais da cidade, ele, então, ordenou a seus subordinados que matassem todos os homens celtiberos com idade suficiente para manejar armas. O quase desastre tornou-se vitória, mas Sertório ainda não estava contente e decidiu punir a população de Oretani imediatamente. Instruindo seus homens a vestirem as túnicas espanholas retiradas dos mortos, marchou com seus soldados contra a cidade. O estratagema funcionou, e os romanos encontraram o inimigo esperando de portões abertos, a multidão saudando o que acreditava ser as tropas vencedoras que retornavam. Muitos daqueles que se encontravam fora da cidade foram mortos rapidamente, e Oretani rendeu-se de pronto. A maior parte da sua população foi vendida como escravos. Tais estratagemas não eram incomuns. Em 109, Metelo tinha reconquistado Vaga colocando alguns membros da cavalaria númida, sua aliada, à frente da coluna romana. Os habitantes da cidade, que tinham massacrado a guarnição romana, confundiram os cavaleiros com as tropas de Jugurta e os deixaram entrar antes de perceber seu erro. Contudo, esses truques nem sempre funcionavam e podiam ser arriscados. Em uma ocasião, Aníbal tentou usar uma força de desertores romanos disfarçados de legionários para capturar uma cidade na Itália, mas a fraude foi descoberta e os desertores acabaram emboscados e mortos[2].

As façanhas de Sertório na Hispânia o ajudaram a vencer a eleição para questor, e durante a Guerra Social ele foi encarregado de formar, treinar e comandar tropas, embora não se saiba ao certo qual foi sua patente. Os comandantes e oficiais graduados romanos deviam comandar e dirigir seus soldados de trás da linha de combate, um estilo de liderança que, inevitavelmente, envolvia considerável risco de ferimento ou morte. Sertório comandava de modo especialmente ousado, inspirando seus homens com o desprezo que ostentava pelo inimigo e confiança na sua habilidade com as armas para proteger-se de qualquer ataque. Seus métodos lhe trouxeram sucesso considerável no campo de batalha, embora à custa de um ferimento que o cegou permanentemente de um olho. Plutarco nos diz que ele se orgulhava dessa desfiguração, afirmando que tinha sorte de ter um símbolo do seu valor sempre visível, ao contrário de uma medalha que podia ser usada apenas em algumas poucas ocasiões. A prova da sua crescente fama se deu quando ele foi ao teatro em Roma e a multidão o saudou com entusiasmo. Estimulado pela demonstração, Sertório concorreu às eleições para tribuno da plebe no ano de 88, mas enfrentou a oposição pública de Sula, o cônsul eleito, e foi derrotado. O motivo dessa oposição não está claro, mas levou ao rompimento definitivo entre os dois homens. No tumulto que se seguiu à entrada de Sula e suas legiões em Roma e sua partida para combater a guerra oriental, Sertório uniu-se a Cina, que, por sua vez, aliou-se a Mário. A ocupação de Roma pelos partidários de Cina e Mário foi extremamente brutal. Sertório destacou-se entre os líderes desse grupo por conter seus ódios pessoais e por seus esforços no sentido de restringir as atrocidades que os outros cometiam. Mário havia recrutado um grupo de assassinos entre os escravos dos homens que executara, e lhes deu permissão para assassinar, estuprar e roubar de qualquer um que não tivesse os favores do novo regime. No final, com apoio de Cina, foi Sertório que lidou com esses bardyaei, cercando-os com uma tropa de soldados disciplinados enquanto dormiam e matando-os a todos principalmente com o uso de dardos. Com a morte repentina de Mário, a pior parte dos excessos terminou. Em 83, Sertório tornou-se pretor, a tempo de tomar parte na guerra contra Sula, que estava retornando. Cina fora linchado quando alguns legionários se amotinaram no ano anterior, e o comando supremo foi passado a certos indivíduos notáveis somente pela falta de talento militar. Sertório ficou numa posição nada invejável ao ter seu conselho ignorado, mas suas previsões relativas ao desastre inevitável, que apenas aguardava o curso das ações mostraram-se precisas e fizeram que os outros se ressentissem demasiadamente dele. É duvidoso que tenha relutado em ir à Hispânia no final daquele ano. Contudo, a esmagadora vitória de Sula na Itália permitiu que suas legiões eliminassem quaisquer sobreviventes da causa de Mário, e logo Sertório foi expulso da sua província. Durante algum tempo, ele vagou pelo Mediterrâneo ocidental, encontrando quase sempre derrota e fracasso, até que conseguiu vencer um exército de Sula na Mauritânia. O sucesso foi seguido pelo apelo direto de uma delegação de lusitanos para que ele retornasse à península espanhola e os livrasse de um governador opressivo. A partir de então, seu destino melhorou de modo decisivo[3].

A GUERRA NA HISPÂNIA, 80-72 A.C.

Os lusitanos eram, muito provavelmente, representantes de comunidades estabelecidas e altamente romanizadas, e não membros de grupos incivilizados além das margens das províncias romanas. Apesar de Sertório retirar a maior parcela da sua força dos povos nativos da Hispânia, o conflito foi sempre travado como parte da guerra civil, e não como uma tentativa de conquistar a independência em relação a Roma. Seus exércitos também incluíam algumas tropas originalmente arregimentadas na Itália, bem como contingentes formados por colonos romanos na península. No início, suas forças não eram numerosas, e Plutarco nos diz que, no primeiro momento, somavam 2.600 legionários, cerca de setecentos líbios que se uniram a ele durante as campanhas no norte da África, uma infantaria leve de quatro mil lusitanos (ou caetrati – nome derivado dos pequenos escudos redondos que portavam), e aproximadamente setecentos cavaleiros de diferentes origens. Essa força era apoiada, no começo, por cerca de vinte cidades. Sertório também possuía, ou viria a adquirir, uma pequena marinha para auxiliar as operações em terra. De modo geral, seus recursos eram ofuscados pelos dos generais de Sula na Hispânia, os quais, juntos, dispunham de mais de 120 mil homens de infantaria, seis mil de cavalaria e dois mil dedicados às escaramuças. Não obstante, desde o começo as operações de Sertório obtiveram vitória atrás de vitória, e seus oponentes não conseguiram coordenar seus esforços de guerra de maneira eficiente. Nos primeiros anos, ele derrotou os governadores das duas províncias espanholas e, no ano seguinte, suas tropas derrotaram e mataram o governador substituto da Hispânia Citerior, um certo Lúcio Domício. O novo procônsul da Hispânia Ulterior era Quinto Céclio Metelo Pio, filho do homem que realizara campanhas contra Jugurta. Ele sofreu diversos reveses, e um dos seus legados foi derrotado e morto enquanto tentava defender as áreas costeiras da Lusitânia das tropas de Sertório[4].

A cada vitória, o poder de Sertório aumentava. Embora estivesse, sem dúvida, com pouco dinheiro e desprovido de todas as coisas necessárias para realizar suas campanhas, ele sempre tratava os habitantes das províncias de forma justa e generosa, insistindo em que suas tropas e oficiais fizessem o mesmo. Tomou cuidado particular com as aristocracias locais, normalmente garantindo sua liberdade e restaurando as propriedades àqueles que tinham se oposto a ele, quando capitulavam. Em Osca (possivelmente a moderna Huesca), ele fundou e pagou uma escola para os filhos dos homens ricos e influentes, onde os alunos, vestidos de togas, recebiam uma educação romana apropriada. Ainda que as crianças também servissem de reféns para manter sua fidelidade, a aristocracia hispânica continuava entusiasmada com essa declaração aberta de boa vontade em admitir suas famílias na elite da província romana, uma vez que Sertório sempre declarava ser um magistrado empossado adequadamente pela república de Roma. Aproveitando os muitos exilados que fugiam da Itália dominada por Sula em busca da sua proteção na Hispânia, ele formou um “Senado” e todos os anos promovia eleições de magistrados[5].

Apesar dessa composição eclética, Sertório também impôs os padrões de disciplina romana ao seu exército. Todos os seus soldados eram organizados em coortes. A maioria era equipada do modo romano e todos eram bem treinados, tanto individualmente como para atuar em formação. Os soldados eram estimulados a usar armas e armaduras bem decoradas, o que servia para desencorajar os inimigos e aumentar o orgulho pessoal. Esperava-se que obedecessem às ordens, e o mau comportamento era punido com rigor. Em um incidente que ocorreu com os bardieos, diz-se que Sertório executou todo um destacamento de romanos que adquirira reputação de extrema brutalidade no tratamento aos civis locais. Em pelo menos um caso, ele lançou mão da tradição militar nativa e formou uma guarda pessoal composta por celtiberos. Esses homens eram ligados ao seu líder por um juramento solene, de modo que não deveriam sobreviver caso ele fosse morto, e, em troca, Sertório lhes daria armas, alimentos e a possibilidade de conquistar glória. A prática era razoavelmente comum entre as tribos da Hispânia, bem como da Gália e da Germânia, e colocava nas mãos de alguns chefes a lealdade fanática de grupos de seguidores. Ao que parece, era muito normal para os guerreiros unirem-se a chefes de outras tribos, e assim a transferência da mesma relação a um comandante romano não era incomum. Júlio César, mais tarde, teria uma guarda semelhante, composta por novecentos cavaleiros germânicos e gauleses[6].

Por vezes, suas forças eram engrossadas por contingentes de guerreiros espanhóis aliados, os quais não tinham tido tempo de receber treinamento apropriado, forçando o comandante a conceber meios de restringir o entusiasmo que os levava a combater mesmo em circunstâncias desfavoráveis. Uma lição objetiva foi preservada em diversos relatos. Sertório trouxe dois cavalos, um saudável e outro pequeno e em más condições. Então, ordenou que um dos seus homens mais fortes arrancasse a cauda do cavalo menor, enquanto, ao mesmo tempo, instruiu um soldado diminuto a remover a cauda do cavalo grande, um pelo de cada vez. No final, depois de muito esforço infrutífero, o soldado forte foi forçado a desistir do seu intento, enquanto seu pequeno colega completava, vagarosamente, sua tarefa. Sertório declarou que isso mostrava como até o oponente mais perigoso podia ser derrotado, se fosse gradualmente desgastado em pequenas escaramuças, pois a pressão contínua é mais eficiente do que a mera força bruta[7].

Assim como Mário fizera a sua adivinha figurar numa procissão e o Africano falara aos soldados sobre as mensagens transmitidas a ele pelos deuses em seus sonhos, Sertório adicionou um elemento místico à sua liderança. Em algum momento, um caçador o tinha presenteado com um filhote de gamo, o qual o general passara a alimentar com suas próprias mãos até ele se tornar completamente domesticado. Depois de um tempo, ele começou a afirmar que o animal lhe fora enviado pela deusa Diana e lhe trazia mensagens. Às vezes, Sertório anunciava notícias trazidas pelos batedores ou mensageiros como se as tivesse recebido do gamo, que era também enfeitado com guirlandas de vitória sempre que sabia de um sucesso obtido por outros destacamentos do seu exército. Nossas fontes acreditavam que esses métodos impressionavam imensamente os supersticiosos espanhóis[8].

As fontes que relatam as campanhas de Sertório são escassas e não permitem a reconstrução de uma narrativa detalhada sobre a guerra na Hispânia e, menos ainda, uma análise das ações individuais. Em lugar disso, elas nos dão uma visão global e trazem muitas histórias sobre sua habilidade como comandante e general. De modo geral, os relatos sobreviventes apresentam um retrato desfavorável de Metelo, que é mostrado como um líder idoso e letárgico. Mais complexa é a descrição de Cneu Pompeu, que foi nomeado pelo Senado para governar a Hispânia Citerior em 77 a.C., e que já tinha reputação de ser um dos comandantes mais bem-sucedidos da república, mais tarde também sendo conhecido como oponente de César na Guerra Civil. A carreira nem um pouco ortodoxa de Pompeu é tema do próximo capítulo, mas a esta altura vale enfatizar que, aos 29 anos de idade, ele era muito jovem para um general romano. O desejo de contrastar sua energia juvenil com a cautela do idoso Metelo pode ter estimulado nossas fontes a tratar o último de modo menos favorável. Diz-se que Sertório apelidou Pompeu de “pupilo de Sula”. Metelo o chamava, de forma ainda mais desdenhosa, “aquela velha”[9].

Ao redor da mesma época, Sertório recebeu alguns reforços da Itália. Em 78, um dos cônsules, Marco Emílio Lépido, liderou uma rebelião contra o Senado, trazendo muitos partidários de Mário insatisfeitos à sua causa. Ele foi derrotado, mas alguns daqueles que o apoiavam, liderados por Marco Perperna Vento, fugiram para a Hispânia. Perperna vinha de uma família bem-estabelecida, embora não fosse tão proeminente, e se orgulhava mais do que devia de sua capacidade, pois sua carreira militar era uma série contínua de derrotas, muitas das quais infligidas por Pompeu. De início, ele desprezou ficar sob o comando de um homem novo como Sertório, mas finalmente o problema se resolveu quando seu exército recebeu a notícia de que Pompeu estava indo à Hispânia e o forçava a unir-se ao general vitorioso. Pompeu não pôde enfrentar Sertório até 76, uma vez que foi obrigado a combater algumas das tribos locais quando marchou pela província da Gália Transalpina. Em celebração às vitórias conquistadas durante a viagem no seu novo comando, ele, mais tarde, erigiria um monumento triunfal nos Pireneus[10].

Em 77, Sertório e seu questor, Lúcio Hirtuleio, infligiram diversas derrotas a Metelo, frustrando sua tentativa de capturar a cidade principal de Langobritae. Eles não só conseguiram levar água para abastecer a cidade, a despeito do bloqueio inimigo, como também evacuaram um grande número de não combatentes do local. Logo, as legiões de Metelo ficaram sem provisões e, depois de uma tropa encarregada de conseguir mantimentos ter sido emboscada e quase destruída, foi forçado a se retirar. Antes dessa operação, Sertório tinha desafiado Metelo a enfrentá-lo num combate singular, uma ideia pela qual os soldados do último demonstraram considerável entusiasmo, pois seu moral tinha caído demais. A chegada de Pompeu fez muito para revigorar o exército e seu comandante. Sertório decidiu medir a força do seu novo oponente antes de arriscar-se em batalha campal e deu instruções estritas aos seus subordinados para evitarem uma grande ação contra o exército principal, tanto de Metelo como de Pompeu. Dois legados de Pompeu, que comandavam pequenos destacamentos, foram derrotados individualmente, mas o jovem general avançou com grande confiança ao saber que o próprio Sertório estava sitiando a cidade de Lauron (provavelmente próxima da moderna Valência).

Orósio – uma fonte muito posterior, que deve ser tratada com considerável cautela – afirma que Pompeu tinha trinta mil soldados de infantaria e uma cavalaria composta por mil cavaleiros contra as forças de Sertório, que contava com uma infantaria duas vezes maior e uma cavalaria de seis mil homens montados – mas uma vantagem numérica tão superior parece improvável. A corrida para controlar o terreno elevado que dominava a cidade foi vencida por Sertório, mas Pompeu aproximou-se por trás, aparentemente encurralando seu inimigo entre suas legiões e a cidade. Sua confiança era tamanha que, diz-se, enviou mensageiros à cidade convidando seus habitantes a subirem nas muralhas e assistirem enquanto ele esmagava o inimigo. Só então descobriu que Sertório tinha deixado seis mil homens no seu antigo acampamento, em terreno elevado, os quais estavam agora à retaguarda da posição de Pompeu. Se ele lançasse seu exército num ataque à força principal de Sertório, seria atacado na retaguarda. Em lugar de concluir a guerra com uma rápida vitória, Pompeu foi forçado a assistir, impotente, a Sertório continuar o cerco, pois sentia que retirar seu exército seria admitir abertamente a superioridade do inimigo.

Esse foi apenas o começo da lição que Sertório resolveu dar ao “pupilo de Sula” em Lauron. Durante o cerco, havia apenas duas áreas das quais o exército de Pompeu podia retirar forragem para os animais e lenha. Uma delas era perto do seu acampamento, mas essa posição estava sendo continuamente atacada pela infantaria ligeira de Sertório. Depois de certo tempo, Pompeu resolveu que as equipes encarregadas de obter forragem deveriam voltar a atenção a outra área mais distante, a qual seu oponente tinha deliberadamente deixado livre. O tempo necessário para ir até esse local, retirar forragem e retornar exigia mais de um dia de ausência de qualquer expedição. Entretanto, de início, isso não parecia ser um risco sério, uma vez que não havia sinal de atividade do inimigo nessa área. Finalmente, quando os homens de Pompeu já não esperavam ser atacados, Sertório decidiu emboscar uma expedição que tinha observado sair do acampamento de seus oponentes. Ele enviou Otávio Grecino com uma grande força de dez coortes armadas como legionários – não sabemos se essas tropas eram espanholas ou romanas, ou uma composição das duas – e dez coortes de infantaria ligeira espanhola, caetrati, apoiadas por dois mil cavaleiros comandados por Tarquício Prisco.

Deslocaram-se à noite, evitando ser vistos pela força principal de Pompeu, e assumiram posição ao longo do caminho que, segundo sabiam, o comboio teria de tomar em seu retorno. Esses oficiais recompensaram sobremaneira a confiança que receberam de Sertório, reconhecendo cuidadosamente o terreno antes de colocar suas tropas em posição. A força de emboscada foi escondida num bosque com os caetrati à frente e a infantaria pesada próxima, para lhes dar apoio. A cavalaria se estacionou à retaguarda para evitar que os relinchos dos cavalos revelassem sua posição. Os homens, então, esperaram pelo amanhecer, mas não foi antes da terceira hora que o comboio de Pompeu começou a surgir na trilha. A disciplina em marcha era ruim, e muitos dos homens que deveriam servir de escolta tinham se dispersado para conseguir forragem ou saque. O ataque repentino dos caetrati – combatendo do modo tradicional de muitos povos espanhóis – lançou a coluna inteira numa confusão, e diversos soldados foram isolados e trucidados. Os oficiais de Pompeu começaram, então, a reagir e tentaram reunir a escolta e formar uma linha de combate, porém, antes de conseguirem completar a manobra, as coortes de Sertório emergiram do bosque e atacaram. A força de Pompeu fugiu, e seu caminho foi interrompido por Prisco e seus dois mil cavaleiros.

Em qualquer período da História, uma infantaria desordenada ficava à mercê de uma cavalaria bem treinada. Prisco certamente parecia entender do ofício. Ele tinha destacado 250 homens e os enviara a outra passagem, de maneira a surgir à frente dos fugitivos, impedindo-os de chegar à segurança do acampamento principal de Pompeu. As notícias da emboscada fizeram Pompeu enviar uma legião sob o comando de Décimo Lélio para resgatar o comboio. A cavalaria de Prisco parece ter cedido diante dessa nova força, tendo de mover-se à direita, mas seus oficiais mantiveram os soldados sob rígido controle, levando-os a manobrar e a ameaçar a retaguarda da legião. Logo, Lélio ficou sob ataque de Otávio e da força principal, à frente, e de Prisco, à retaguarda. Vendo que a situação piorava, Pompeu rapidamente comandou todo o seu exército a deslocar-se para o resgate. Conforme saíam do acampamento, o mesmo fez a força principal de Sertório, a qual se colocou em formação nas encostas das colinas do lado oposto. Se Pompeu avançasse para auxiliar Lélio, seria exposto a um ataque maciço vindo da retaguarda e, muito provavelmente, sofreria uma derrota catastrófica. Ele foi, portanto, forçado a observar enquanto a emboscada varria tanto o comboio como a maior parte das forças de Lélio. Frontino, nossa principal fonte sobre o episódio, refere-se a uma passagem perdida de Lívio, a qual afirma que Pompeu sofreu aproximadamente dez mil baixas nesse confronto[11].

Quando os habitantes de Lauron perceberam que seu aliado não era capaz de ajudá-los, renderam-se a Sertório. Ele permitiu que a população partisse em liberdade, mas arrasou a cidade, demolindo-a até o chão, num esforço para completar a humilhação de Pompeu. Foi um grande desapontamento para a primeira campanha de Pompeu na península, um duro golpe no homem que gostava de se referir a si próprio como um segundo Alexandre, o Grande, mas que agora devia ter percebido que, pela primeira vez, enfrentava um comandante com habilidade real. Seu único consolo era, talvez, o fato de Sertório ter relutado em travar uma batalha campal contra ele.

As coisas melhoraram para Pompeu em 75, pois, então, ele encontrou uma força comandada por subordinados de Sertório, entre os quais o inepto Perperna, e rapidamente a derrotou. Apesar de ter planejado juntar forças com Metelo antes de confrontar o próprio Sertório, essa vitória fácil parece tê-lo imbuído de confiança extrema e relutância em dividir o crédito da vitória. Pompeu apressou-se em atacar o exército principal inimigo, que estava acampado perto do rio Sucro. Sertório, sabendo que Metelo se aproximava e preferindo lutar contra um único oponente em vez de esperar pela união dos dois, dessa vez aceitou o desafio para o combate. Tanto Pompeu como Sertório estacionaram seus exércitos, no início da luta, com suas tropas no flanco direito – que era o lugar de honra – e deixaram os subordinados encarregados do resto da linha. Depois de um tempo, Sertório recebeu informações de que os homens de Pompeu estavam rechaçando a ala esquerda do seu exército. Rapidamente, cavalgou àquela parte do campo e tentou restaurar a situação, reunindo unidades em fuga e comandando as tropas reservas que tinham permanecido de prontidão.

Sua presença conferiu novo ímpeto a seus homens, que detiveram o inimigo e, em seguida, contra-atacaram, colocando-os em fuga. Em meio ao caos, Pompeu foi ferido na coxa e quase capturado, mas conseguiu fugir a pé quando seus perseguidores foram distraídos pela cara equipagem do seu cavalo e começaram a disputar o saque. No entanto, na sua ausência, o flanco direito de Sertório fora desbaratado pelo legado de Pompeu, Afrânio. Como sempre nas batalhas antigas, essas tropas não fizeram esforço para explorar o avanço e destruir o resto da linha inimiga, mas simplesmente continuaram a pilhar o acampamento de Sertório. Mais tarde, no mesmo dia, Sertório conseguiu reunir tropas suficientes para atacar o inimigo disperso e lhe infligir pesadas perdas, ao mesmo tempo em que recuperava seu acampamento. No dia seguinte, as legiões de Metelo chegaram, dissuadindo Sertório mais uma vez de travar batalha. Ele teria afirmado que acabaria com “aquele garoto” se a “velha” não tivesse chegado[12].

Com seus exércitos unidos, Metelo e Pompeu eram fortes demais para Sertório atacar, mas o grande número de soldados representava um sério problema, já que as tropas precisavam ser abastecidas. Como operavam nas planícies ao redor de Sagunto, viram suas tropas encarregadas de obter forragem continuamente sob ataque e, no final, foram forçados a aceitar a batalha nos termos de Sertório. Ele havia recebido as forças de Perperna, aumentando seu poder de combate. Um estímulo adicional ao moral de seus homens – e especialmente dos espanhóis – aconteceu quando seu gamo branco, que estava perdido, foi reencontrado e curado de seus ferimentos. A ação subsequente foi travada perto do rio Turia, e as legiões de Metelo e Pompeu foram surpreendidas separadamente. Sertório derrotou Pompeu mais uma vez, rechaçando suas tropas e matando seu legado e cunhado, Mêmio. Metelo também ficou sob pesada pressão e foi ferido por um dardo. Cercado por um grupo formado por seus homens, foi levado a um local seguro, e o incidente serviu para aumentar a resolução de seus comandados. As tropas de Sertório estavam provavelmente cansadas e devem ter saído de ordem durante seu bem-sucedido avanço, pois agora estavam sendo repelidas, e apenas a habilidade de seu comandante evitou uma fuga completa. No dia seguinte, ao que parece, ele lançou um ataque-surpresa ao acampamento de Metelo, e, embora essa ação fosse rechaçada, repeliu, de fato, a perseguição do inimigo.

Entretanto, Metelo e Pompeu ainda sentiam o cheiro da vitória e seguiram com ansiedade o inimigo enquanto este se retirava para as montanhas. Sertório parou quando chegou à cidade de Clunia. Acreditando que o tinham encurralado, finalmente, seus dois oponentes iniciaram um bloqueio, mas Sertório havia despachado mensageiros a comunidades aliadas, instruindo-as a arregimentar reforços e os enviar o quanto antes. Quando a grande força recrutada se aproximou, ele atacou e rompeu o bloqueio para juntar-se aos aliados. Em vez de enfrentar a força principal do inimigo, Sertório começou a atacar suas linhas de suprimento, fustigando e emboscando qualquer destacamento isolado. Logo, os dois generais foram forçados a retirar-se e a voltar às regiões costeiras, mas, mesmo nessa região, o apoio naval assediou e interceptou comboios de navios que transportavam suprimentos. Havia poucas dessas embarcações, pois o Senado em Roma dera pouca assistência aos comandantes na Hispânia desde o início da guerra.

Embora Sertório sempre precisasse encarar o problema de estabelecer um esforço de guerra subsidiado apenas pela receita gerada pelo controle de algumas partes da península e não tivesse acesso a novos recrutas romanos em lugar dos locais, seus inimigos não estavam em condições muito melhores. No inverno de 75-74, Pompeu escreveu ao Senado reclamando da falta de apoio, afirmando que os suprimentos e o dinheiro mal eram suficientes para uma campanha de um ano, e aquela já durava três. Seus próprios fundos, os quais gastara com liberalidade para manter o exército, tinham se exaurido, e as legiões estavam agora a ponto de passar fome, com seu pagamento em enorme atraso. O historiador Salústio fornece uma versão da carta, a qual termina com a ameaça de Pompeu de levar seu exército de volta à Itália. Se tal ameaça estava explícita ou meramente implícita no original, o resultado desejado foi atingido, e um reforço de duas legiões, juntamente com fundos consideráveis, foi rapidamente despachado em seu auxilio[13].

Ao mesmo tempo, Sertório recebeu uma embaixada de Mitridates do Ponto. Derrotado por Sula e obrigado a aceitar a paz em 85, diversos incidentes, notadamente a anexação da Bitínia pelos romanos, convenceram o rei de que apenas a derrota de Roma podia evitar a contínua erosão do seu poder. Assim, ele ofereceu a Sertório uma aliança, prometendo enviar navios de guerra e dinheiro; em troca, receberia conselheiros militares romanos para treinar seu exército nos modos de operação das legiões e o reconhecimento do seu direito sobre territórios, inclusive as províncias da Ásia e da Bitínia. Sertório colocou o problema diante de seu Senado, no qual a maioria dos membros estava inclinada a concordar com ele, já que a perda de terras que não estavam sob seu controle parecia ser um preço baixo a pagar pelo auxílio. A atitude de Sertório foi diferente e, uma vez mais, ele enfatizou que via a si próprio – em primeiro lugar e principalmente – como um servo da república, pois daria a Mitridates o direito a tudo, exceto à Ásia, que era uma província romana antiga e bem-estabelecida. Ao ouvir essa resposta, Mitridates teria se perguntado quais termos seriam exigidos por Sertório se ele estivesse no controle de Roma, em vez de circunscrito a um canto distante da Hispânia. Não obstante, o tratado foi confirmado, e quarenta galés e a grande quantia de três mil talentos de prata foram enviados pelo rei[14].

Nos anos seguintes, Metelo e Pompeu cooperaram novamente durante as estações de campanha, mas sua estratégia era agora muito mais metódica e consistia na captura sistemática de fortalezas leais ao inimigo. Às vezes, Sertório conseguia frustrar seus ataques, como quando substituiu as fortificações de madeira que Pompeu havia incendiado em Pallantia antes da sua chegada e, então, seguiu adiante para enfrentar e derrotar uma força inimiga nas vizinhanças de Calagurris, infligindo três mil mortes ao adversário. O destino era indeterminado, mas a derrota final de Sertório não parecia estar próxima. Metelo estava desesperado o bastante para oferecer um enorme prêmio pela cabeça de seu inimigo, prometendo não apenas terra e riquezas, mas o direito de qualquer exilado voltar a Roma se assassinasse Sertório[15].

Contudo, se Sertório não estava vencendo a guerra, agora era claro que não podia vencê-la. Apenas na Hispânia sob seu comando havia romanos que ainda lutavam contra o Senado estabelecido por Sula, quando este fora ditador. Sula havia se retirado da vida pública em 79 e falecera menos de um ano depois. A maior parte de seus inimigos estava morta, e o Senado que ele tinha engrossado com seus partidários já dirigira a república tempo bastante para convencer literalmente cada cidadão da sua legitimidade. Certamente, conforme os anos passavam, as possibilidades de Sertório e de seu Senado serem reconhecidos como líderes legítimos da república diminuíam quase que totalmente. Com Sula morto, o principal motivo da guerra tinha desaparecido, pois, como em todas as guerras civis de Roma, as causas desse conflito foram as rivalidades pessoais de políticos. Mesmo apesar de o Senado ser lento em destinar recursos à guerra contra os rebeldes na Hispânia, não havia mais dúvidas de que ele iria, no final, vencer. Sertório parece ter percebido isso, e Plutarco nos diz que, depois de diversas vitórias conquistadas por ele, mandou enviados a Metelo e Pompeu oferecendo depor as armas. Sua única condição era receber permissão para retornar a Roma e lá viver retirado da vida pública como um cidadão. Tais ofertas eram sempre recusadas. A mesma motivação para obter a vitória absoluta que tornava tão difícil derrotar os romanos nas guerras estrangeiras implicava que suas lutas intestinas eram sempre travadas até a morte. Os compromissos e termos firmados entre inimigos eram muito raros e nunca permanentes. Foi, talvez, o crescente sentimento de desespero que levou Sertório a abandonar seus hábitos antes frugais e dar-se a bebedeiras e tornar-se mulherengo.

Sertório continuou a lutar, mas o mesmo senso de futilidade alastrou-se aos romanos do seu exército. Havia crescente ressentimento pelo fato de ele manter uma guarda pessoal de celtiberos e pelos rumores de que não confiava em seus próprios conterrâneos. Perperna promoveu uma campanha de boatos para subverter a autoridade do seu comandante. Os oficiais romanos do seu exército tornaram-se cada vez mais brutais no tratamento que dispensavam aos nativos, apesar de Sertório estar consciente da necessidade de manter sua lealdade. Tal comportamento levou a rebeliões, depois das quais ele se viu forçado a infligir punições selvagens às comunidades. Vários dos rapazes que frequentavam a sua escola foram executados em resposta aos atos de deslealdade de seus pais. Com o tempo, a justa admiração dos habitantes da província degenerou em ódio ao despotismo, e a boa vontade que crescera ao longo dos anos desapareceu com rapidez. Desertores, tanto romanos como espanhóis, começaram a passar em número considerável para o lado do inimigo. Os romanos possivelmente foram estimulados pela legislação aprovada em Roma a conceder perdão àqueles que tinham apoiado Lépido, caso se rendessem. Perperna não tinha intenção de se render e queria, em vez disso, arrebatar para si o comando supremo. Em 72, ele ofereceu um banquete a Sertório e a alguns membros da sua guarda pessoal e, quando estavam bêbados, ordenou a seus soldados que matassem a todos. Apesar de sua ambição ter aumentado demasiadamente, a habilidade de Perperna como líder não melhorara, e ele foi rapidamente derrotado por Pompeu, que, desse modo, pôs fim à guerra[16].

Sertório foi uma figura trágica, quase romântica, que teve a infelicidade de apoiar o lado perdedor na guerra civil. Pelos padrões da elite política romana, foi um homem decente e extremamente capaz. Apesar de ter sido um “homem novo”, ele deveria, sob circunstâncias normais, ter feito uma carreira de sucesso. Seus dons como líder, administrador e comandante eram da mais alta ordem – Frontino conta muito mais sobre seus estratagemas do que sobre os de outros generais romanos – e continuam a brilhar, apesar da escassez de fontes sobre suas campanhas.