CAPÍTULO 7

UM ALEXANDRE ROMANO:
POMPEU, O GRANDE

Gnaeus Pompeius Magnus
(c. 106-48 a.C.)

De relevância para a glória do Império Romano, se fôssemos mencionar um homem neste ponto, seria, então, o nome e os triunfos de Pompeu, o Grande, pois ele se igualava em seu brilho às realizações de Alexandre, o Grande, e quase que ao próprio Hércules.[1]

Desde os primeiros dias da república, os exércitos romanos eram comandados por magistrados eleitos ou homens que recebiam o imperium outorgado pelo Senado. A decisão de conceder o comando espanhol para Cipião Africano, em 210, era excepcional devido à sua pouca idade, mas foi feita legalmente por voto da Comitia Centuriata. Era um exemplo extremo da flexibilidade do sistema político romano, que permitia o relaxamento das regulamentações normais que governavam os cargos públicos em tempos de crise. Os múltiplos consulados de Marcelo e Fábio Máximo e a eleição do Africano e de Emiliano à magistratura maior quando eram tecnicamente jovens demais foram outras instâncias desse desejo de flexibilizar as regras por conta do interesse de vencer uma guerra. Não obstante, uma vez que a vitória fosse conquistada, a vida pública retornava rapidamente ao normal e carreiras como essas tornavam-se impossíveis, ao menos até a próxima emergência.

Mesmo assim, isso era reservado apenas a uns poucos indivíduos talentosos e populares, em nome dos quais o padrão convencional de regulamentação de cargos públicos poderia ser alterado. Mário concorreu cinco vezes ao cargo de cônsul, o que não tinha precedentes, mas, essencialmente, confirmava o princípio de que magistrados e, logo, comandantes eram escolhidos pelo eleitorado, mesmo que em geral não pudessem eleger o mesmo indivíduo repetidamente. Nenhum outro senador foi capaz de imitar Mário e ser reeleito cônsul, nem mesmo em dois anos consecutivos, pelo menos até as condições da Guerra Civil terminarem efetivamente com as eleições abertas. A esse respeito – o fato de um homem conquistar cargos públicos de modo extraordinário não implicava que todos os senadores pudessem fazer o mesmo –, a série de comandos outorgados a Pompeu, o Grande conformava-se ao espírito das medidas de emergência que haviam concedido posições a Cipião, embora fosse jovem demais. Em todos os aspectos, sua carreira foi uma subversão radical das tradições da vida pública, pois ignorou o cursus onorum e trilhou seu próprio caminho para a fama[2].

Isso começou quando Pompeu, aos 23 anos, formou um exército para combater na Guerra Civil. Ele não tinha autoridade para tanto, pois não possuía patente nem cargo militar e era apenas um cidadão civil. Em 210, Cipião tinha ao menos sido edil e era, provavelmente, membro do Senado, o que Pompeu sem dúvida não era, enquanto o comando de Africano foi formalmente passado a ele pelo Senado e pelo povo de Roma. Pompeu agia inteiramente por sua própria iniciativa, equipando seu exército e pagando seus soldados com sua fortuna pessoal. Uma vez que essa força existia, nem ela nem seu comandante podiam ser ignorados. Por mais de uma década, Pompeu foi empregado, primeiro por Sula e depois pelo Senado, em uma série de campanhas, culminando na guerra com Sertório. Em nenhuma ocasião durante esses anos, demonstrou desejo algum de embarcar numa carreira mais convencional, preferindo as responsabilidades maiores que tinha assumido por meio de suas ações. Em 70 a.C., começou a participar do Senado e tornou-se cônsul simultaneamente, tendo já recebido dois triunfos. Ainda com apenas 36 anos de idade, permaneceu, ativo e recebeu comandos ainda mais significativos nos anos seguintes. Depois de uma carreira tão heterodoxa, é ainda mais surpreendente que Pompeu tenha terminado sua vida como o defensor aparente das instituições contra o dissidente Júlio César.

UM GENERAL NÃO ELEITO

Pompeu não era um “homem novo” – seu pai Cneu Pompeu Estrabão tinha sido questor em 104, pretor em 92 e cônsul em 89 –, nem sua família fazia parte da bem-estabelecida aristocracia plebeia, mas era, decerto, extremamente rica, com grandes propriedades em Piceno. Como Mário, Pompeu começou a vida com apenas dois nomes, pois Estrabão, “Estrábico”, era apenas um apelido que recebera devido à aparência do pai. Estrabão teve um papel destacado na Guerra Social, tomando Ásculo por meio de um cerco, durante seu consulado. Embora sua capacidade fosse muito respeitada, nunca foi um homem popular, nem com seus soldados nem com os outros senadores, e a distribuição dos espólios de Ásculo reforçou sua reputação de avarento. Quando a Guerra Civil irrompeu, em 88 a.C., Pompeu Estrabão não tinha ligação próxima com os líderes de ambos os lados e sua atitude foi, durante muito tempo, ambivalente. O Senado, presumivelmente com apoio de Sula, decidira substituir Estrabão por outro cônsul naquele ano, Quinto Pompeio Rufo, que talvez fosse um parente distante. Rufo foi impedido de assumir o cargo de imediato, o que conseguiu apenas com o apoio do exército, e, ainda assim, por pouco mais de um dia, antes de ser assassinado por uma multidão de soldados. Acreditou-se que o linchamento fora orquestrado por Estrabão, que reassumiu o comando do exército imediatamente. No ano seguinte, ele finalmente aliou-se a Cina e a Mário, mas, após uma batalha não decisiva, morreu repentinamente. Uma tradição afirma que foi atingido por um raio durante uma tempestade, outra, que contraiu uma doença que se alastrara pelo acampamento, mas é possível que sua morte não tenha sido natural. Ele era tão impopular que seu cortejo funerário foi atacado por uma turba, e seu corpo, profanado[3].

O adolescente Pompeu tinha servido como auxiliar de seu pai desde 89. Pouco se conhece sobre suas atividades durante a campanha, mas ele realmente frustrou uma tentativa de assassinato a Estrabão impetrada por um dos partidários de Cina. Na confusão que se seguiu ao atentado fracassado, o acampamento foi tomado por um tumulto, e foi Pompeu, então com 18 anos de idade, quem mais fez para reagrupar os homens e restabelecer a ordem. De acordo com Plutarco, ele implorou aos soldados, com lágrimas nos olhos, que se acalmassem e obedecessem às ordens, e, quando a multidão de soldados começou a abandonar o acampamento, atirou-se no chão, junto ao portão de entrada, desafiando os fugitivos a pisoteá-lo. O jovem tornou-se consideravelmente mais popular do que seu pai, e a maioria dos soldados foi tomada de vergonha e retornou às suas barracas. Depois da morte de Estrabão, Pompeu retornou a Roma, onde foi processado pela apropriação indevida de grande parte do espólio obtido em Ásculo. No final, revelou-se que um dos escravos libertos de seu pai tinha sido o principal responsável, mas a absolvição de Pompeu se deveu mais à habilidade de seus advogados, sua boa aparência, confiança, suas respostas precisas e, acima de tudo, um noivado secreto com a filha do juiz, Antistia. O rumor sobre isso espalhou-se rapidamente, de modo que, quando o veredito foi finalmente anunciado, a multidão que observava o julgamento imediatamente berrou “talassio!” – termo equivalente ao atual “agora os noivos podem se beijar”. A atmosfera em Roma era muito tensa nos anos nos quais não havia certeza se Sula iria retornar, e a cidade era um lugar especialmente incômodo para um homem cujo pai lutara contra o regime vigente. Pompeu logo retirou-se para a propriedade da família em Piceno e lá permaneceu durante algum tempo[4].

Por volta de 84, Cina tinha iniciado preparativos mais urgentes para enfrentar a invasão de Sula. Pompeu decidiu unir-se ao seu exército, porém, foi tratado com desconfiança e logo voltou a Piceno. Pouco depois, Cina foi assassinado durante um motim por alguns de seus próprios soldados, e o comando supremo foi assumido pelo cônsul Cneu Papírio Carbão. Em 83, chegaram notícias de que Sula retornava, finalmente, à Itália; Pompeu resolveu não arriscar outra rejeição do partido de Mário e aliou-se ao procônsul que retornava. Vários dos jovens aristocratas, especialmente aqueles que tinham perdido parentes nos expurgos de Mário e de Cina, também uniramse a Sula depois que ele chegou a Bríndisi, mas Pompeu estava determinado a destacar-se e a não voltar de mãos vazias. De início cauteloso, o jovem de 23 anos começou a recrutar tropas em Piceno. Sua popularidade e, sem dúvida, a relutância generalizada em aborrecer o mais rico proprietário local garantiram-lhe uma resposta entusiástica tanto das comunidades como dos indivíduos. Os agentes de Carbão não foram capazes de impedir a maré de recrutas e foram logo forçados a fugir. Em pouco tempo, Pompeu conseguiu organizar uma pequena cavalaria e uma legião inteira, nomeando centuriões e organizando-a em coortes, da maneira apropriada, além de usar sua fortuna pessoal para adquirir o equipamento necessário e pagar os salários dos legionários. Ele também comprou alimentos e os meios de transporte necessários para carregar os suprimentos. Em algum tempo, duas outras legiões foram formadas e financiadas do mesmo modo. Tudo foi feito com cuidado e aprovação, a não ser pelo detalhe essencial de que Pompeu não tinha autoridade legal para arregimentar nenhuma tropa.

Quando estava pronto, Pompeu colocou seu exército em marcha em direção ao sul para reunir-se a Sula. Diversos exércitos inimigos tentaram interceptá-los, mas as forças que se opunham a Sula eram, como sempre, prejudicadas por lideranças divididas e incompetentes. Também deve ser lembrado que, enquanto Carbão e seus aliados tinham arregimentado um número enorme de soldados – Ápio afirma que eram cerca de 250 coortes –, a imensa maioria deles não era treinada como os homens de Pompeu. Ameaçado por três forças, do mesmo tamanho ou maiores do que as suas, Pompeu reuniu sua legião e atacou o inimigo mais próximo, do qual fazia parte um contingente da cavalaria auxiliar gaulesa. O jovem general autointitulado começou a ação quando liderou pessoalmente a cavalaria ao ataque. Derrubando o líder da cavalaria gaulesa que veio ao seu encontro, Pompeu esporeou o cavalo e golpeou o seu chefe, da mesma forma como Marcelo matara Britomaro. A morte do seu líder deixou em pânico os gauleses, os quais fugiram para a retaguarda, espalhando confusão ao restante do exército, que, por sua vez, saiu de formação e fugiu.

Essa foi a primeira de várias vitórias que Pompeu conquistou antes de alcançar Sula e seu exército principal. A recepção com que foi saudado superou suas próprias expectativas, pois o procônsul desmontou para cumprimentar o jovem general, aclamando-o imperator, termo tradicionalmente reservado apenas a um comandante vitorioso. Pompeu tornou-se um dos oficiais diretamente subordinados a Sula de maior confiança; sempre que seu jovem aliado aparecia, Sula se levantava da cadeira ou descobria a cabeça em sinal de respeito, honrarias que ele não estendia a muitos outros homens de distinção[5].

Nenhum dos lados em guerra estava dando muita atenção a precedentes e à lei, pois Carbão elegeu mais uma vez um cônsul para o mandato de 82 a.C., escolhendo como colega o filho de Mário, que ainda não tinha 30 anos de idade. Na primavera, Pompeu foi enviado à Gália Cisalpina para ajudar outro homem de Sula, o procônsul Metelo, com quem iria servir, posteriormente, na Hispânia. Os dois homens venceram diversas batalhas no norte da Itália, enquanto o próprio Sula tomou Roma. Alguns dos aliados samnitas de Carbão o enganaram e quase reconquistaram a cidade, mas ele conseguiu retornar a tempo de obter uma vitória difícil na Batalha de Porta Colina. A certa altura, durante o combate, Sula fora à sua ala esquerda, que estava sob muita pressão, e destacou-se como alvo para dois inimigos. Buscando controlar a batalha, ele não percebeu a ameaça e poderia ter sido morto caso seu ajudante de ordens não tivesse sido mais alerta do que ele e chicoteado o cavalo branco do general, de modo que o animal arrancou para a frente, desviando-o, assim, dos dardos que foram lançados em sua direção. O estilo romano de comando expunha o general a um perigo considerável, mesmo quando ele ficava afastado da luta propriamente dita[6].

Com o poder de Roma firmemente em suas mãos, Sula nomeou-se dictator reipublicae constituendae (“ditador para restaurar a república”), revivendo a antiga magistratura suprema, mas determinando um limite de seis meses para o cargo. A vingança que infligiu aos seus inimigos não foi menos brutal do que a imposta por Mário e Cina, mas foi, de muitos modos, mais organizada. Os samnitas aprisionados em Porta Colina foram chacinados em massa, porém em Roma Sula seguiu um processo mais formal e afixou listas de nomes no Fórum. Os homens listados nesses documentos eram “proscritos”, imediatamente perdendo seus direitos de cidadãos e tornando legal que fossem mortos por qualquer pessoa. O cadáver, ou, mais frequentemente, a cabeça decepada do homem tinha de ser levada às autoridades como prova da morte, e muitos desses horrendos troféus logo passaram a decorar o Fórum e os espaços públicos de Roma. A maior parte das propriedades das vítimas passaram para Sula e para o Tesouro, mas o ditador foi generoso na distribuição dos lucros entre aqueles que o apoiavam, e muitos dos homens tornaram-se extremamente ricos. Mais tarde, haveria muitos rumores sobre nomes acrescidos às listas de proscritos simplesmente para satisfazer diferenças pessoais ou por pura ganância.

A maioria dos proscritos mortos eram senadores e membros da classe equestre, por conta tanto do seu relevo político quanto de sua riqueza. Posteriormente, Sula nomeou muitos novos membros ao Senado, dobrando o número de senadores para seiscentos. Ao longo do ano seguinte, ou pouco mais, ele introduziu um programa de legislação, reduzindo o poder dos tribunos da plebe e tornando esse cargo menos atraente aos ambiciosos, ao proibi-los de serem nomeados para outros magistérios depois que cumprissem seus mandatos como tribunos. Os tribunais foram reformados e as restrições tradicionais às nomeações de cargos e as atividades dos magistrados e governadores foram reformuladas ou endossadas. O programa de reformas de Sula como ditador foi o maior até Júlio César assumir o mesmo posto, depois de sua vitória numa guerra civil posterior.

Não obstante, o mais surpreendente é que Sula procurou mudar muito pouco da natureza básica da república. Apesar de toda a selvageria com que os líderes das lutas internas de Roma enfrentavam-se uns aos outros, esses conflitos raramente tinham base ideológica significativa. Os homens combatiam para tomar o poder ou para evitar que este passasse a um rival odiado. Embora alguns revolucionários fizessem promessas de doar terras ou perdoar dívidas para conseguir apoios, ao que parece ninguém planejou mudar de alguma forma fundamental o modo como a república funcionava. O principal objetivo era sempre que o líder e seus associados suplantassem aqueles que, naquele momento, dominavam o Estado. Sula conquistou tal vitória, e o resultado das suas reformas foi encher o Senado com seus partidários.

Apesar de a Guerra Civil ter virtualmente findado na Itália, os simpatizantes de Mário continuavam a lutar em algumas das províncias. Sula enviou Pompeu à Sicília no outono de 82, e, pela primeira vez, recebeu certo poder oficial quando o Senado lhe conferiu o imperium propretoriano. A campanha não durou muito – pois o propretor partidário de Mário, Perperna, fugiu rapidamente –, e foi completada pela captura e execução de Carbão. Pompeu caiu no opróbrio por conta da maneira como tratou o líder inimigo, embora este tenha sido desprezado por não ter enfrentado a execução com a coragem esperada de um aristocrata romano. Há outras histórias do jovem comandante deleitando-se com a licença advinda de um poder quase irrestrito, mas, de forma geral, acredita-se que Pompeu comportou-se com mais restrições do que muitos dos homens de Sula[7].

Depois da Sicília, foi enviado para a África, comandando uma enorme força de invasão de seis legiões. Aportou em Útica, próxima a Cartago, que era uma nova colônia romana. Logo depois, um grupo de soldados desenterrou um tesouro em moedas púnicas, provocando rumores que se espalharam rapidamente pelo acampamento, segundo os quais, durante a guerra com Roma, muitos cartagineses ricos tinham enterrado seus bens em busca de segurança. Durante muitos dias, a disciplina ruiu, uma vez que os legionários foram tomados por um frenesi de caça ao tesouro. Era uma indicação da disciplina questionável de muitas das legiões formadas durante a confusão da guerra civil. Seu comandante percebeu que nada poderia ser feito para restaurar a ordem e simplesmente vagou pela planície próxima, rindo dos legionários que labutavam furiosamente. Não foi encontrado mais nenhum ouro, e, no final, os homens desistiram de sua busca. Pompeu anunciou que a fadiga autoimposta por eles próprios era punição suficiente e, então, colocou o exército em marcha contra o inimigo. Um combate confuso ocorreu durante uma tempestade, com os homens de Pompeu ganhando vantagem, mas sem conseguir explorá-la. Depois dessa ação, o jovem comandante foi quase morto ao não responder o desafio de uma sentinela nervosa – um risco nada incomum durante toda a História, e que era especialmente grande entre as tropas arregimentadas às pressas. Uma vitória decisiva foi obtida em seguida, e Pompeu fez questão de travar a batalha de cabeça descoberta para evitar tornar-se alvo de seus próprios homens. Ele fechou a campanha africana com uma enorme expedição de caça, declarando que até os animais deveriam ter uma mostra do poder e da habilidade romanos[8].

Pompeu recebeu um despacho de Sula que o instruía a permanecer na província com uma única legião e enviar o restante do exército de volta à Itália. Seus soldados viram isso como uma desconsideração ao seu amado comandante e exigiram que ele os liderasse pessoalmente na marcha à Itália. Pompeu reuniu o tribunal, o qual era sempre montado em um acampamento ocupado durante algum tempo, e tentou sem sucesso restaurar a disciplina. Depois de um período, desistiu e, com lágrimas correndo pelo rosto, retirou-se à sua barraca, mas foi imediatamente arrastado pelos seus homens e colocado de volta na plataforma. Foi só depois de ter jurado se matar, se os legionários não desistissem de suas exigências, que a confusão finalmente terminou, e mesmo assim ele precisou acompanhar as tropas no retorno à Itália.

No primeiro momento, Sula ficou temeroso de que a guerra civil recomeçasse, contudo os relatos que recebeu logo deixaram claro que a lealdade de Pompeu não havia esmorecido. O ditador recebeu o seu jovem protegido de modo caloroso, conferindo-lhe o título Magnus – “o Grande” –, apesar de Plutarco afirmar que Pompeu só o usou muitos anos depois. Sula pode ter ficado um tanto relutante em conceder ao jovem comandante o triunfo que ele havia requisitado, mas no final cedeu. Os planos de Pompeu eram grandiosos e, provavelmente, demonstram sua imaturidade, pois ele queria desfilar numa carruagem puxada por elefantes e só desistiu dessa ambição ao descobrir que tal parelha não passaria pelos portões principais no percurso da procissão. Um problema adicional surgiu quando os soldados ainda indisciplinados resolveram que, caso não recebessem um quinhão suficientemente generoso do butim, dissolveriam o desfile. Para contê-los, Pompeu ameaçou renunciar ao triunfo e negar a eles a honra de marchar em procissão através da cidade. A ameaça funcionou, e, dessa vez, a agitação rapidamente viu seu fim. No final, a cerimônia ocorreu sem incidentes, mas o que realmente se lembrou foi menos o esplendor da ocasião do que o fato de Pompeu ter realizado o que realizou quando ainda tinha menos de 30 anos, e sem nunca ter assumido uma magistratura. Cipião Africano não recebera um triunfo depois da sua vitória na Hispânia[9].

POLÍTICA E GUERRA

Pompeu decidiu não se tornar senador, embora pareça certo que Sula o teria feito membro do Senado caso o desejasse. Teria sido difícil para ele começar, agora, o tradicional cursus e assumir cargos menores como o de questor ou edil; assim, em lugar disso preferiu permanecer afastado da política convencional. Isso certamente não significa que ele não tivesse ambição de tornar-se uma figura dominante na república, mas simplesmente que buscava realizar seu intento de modo único. Seu casamento com Antistia havia sido contraído com vistas a vantagens políticas imediatas, e, em 82, o ditador decidiu que uma ligação semelhante era necessária para unir o jovem Pompeu a ele. Dessa forma, o jovem foi instruído a se divorciar de Antistia e casar-se com a enteada de Sula, Emília, que já estava grávida de seu marido de então. O golpe foi especialmente duro para Antistia, cujo pai fora assassinado por conta da sua ligação com Pompeu e cuja mãe tinha se suicidado logo depois. Não obstante, as alianças matrimoniais eram parte tradicional da vida política romana, e era apenas com relação ao grau de cinismo que isso diferia de muitos casamentos aristocráticos. A iniciativa partiu de Sula, mas Pompeu parece demonstrar pouca relutância em obedecer, pois a união era certamente vantajosa para os dois lados. O casamento, porém, foi de breve duração, pois Emília morreu pouco depois do parto. Os senadores raramente continuavam solteiros por muito tempo e, em 80 a.C., ele se casou com Múcia, que pertencia à distinta família Múcio Cévola (Mucii Scaevolae), forjando, desse modo, outra útil conexão política.

Para os senadores, o casamento era quase sempre uma questão de expediente político, e a afeição maior era frequentemente dedicada mais às amantes do que às esposas. Plutarco nos conta que, durante um tempo, Pompeu manteve um caso com a cortesã Flora, cuja beleza era tão grande que ela fora escolhida modelo para um retrato que Metelo Pio colocou no templo de Castor e Pólux – um dos primeiros exemplos de uma prática que se tornaria comum durante o Renascimento. Diz-se que Flora gabava-se de que a paixão do jovem general por ela era tão grande que sempre podia mostrar as marcas de seus dentes em seu corpo, depois de terem feito amor. Entretanto, mesmo nesse caso, Pompeu revelou a ambição de um político que, mais do que tudo, queria que os outros lhes devessem favores, pois, no final, passou Flora adiante, a um dos seus amigos que também estava apaixonado por ela, mas a quem ela rejeitara para favorecer o jovem general. Seu sacrifício foi considerado ainda maior porque, segundo se acreditava, ele ainda estava apaixonado por ela.

Às vezes o comportamento do jovem Pompeu era mais próximo de um príncipe helênico do que de um aristocrata romano. Ele era considerado extremamente belo, sempre com um sorriso no rosto e talento para despertar afeição. Muitos o igualavam ao jovem Alexandre, uma comparação que o agradava imensamente. Apesar de não deter nenhum poder formal e permanecer de fora do Senado, ele, não obstante, tinha considerável influência. No final de 79, apoiou a campanha eleitoral de Marco Emílio Lépido, que, por conta desse apoio, venceu a eleição para cônsul no ano seguinte, batendo o candidato apontado por Sula. Este, por sua vez, renunciou ao cargo de ditador e logo iria se retirar da vida pública para viver na sua propriedade rural. Sua saúde estava fraca, e ele teria apenas alguns poucos meses mais de vida, porém as más línguas afirmavam que ele se rendera à devassidão. Lépido tinha proclamado abertamente sua intenção de rejeitar grande parte da legislação de Sula, sobretudo a diminuição do poder do tribunato.

O julgamento que Pompeu fazia a respeito do caráter dos homens que o cercavam era, quase sempre, sofrível, e sua confiança na própria habilidade de controlar o comportamento dessas pessoas era exagerada. Os motivos de apoiar Lépido não são claros, mas a decisão logo mostrou-se um erro. Quando Sula contraiu uma doença que, de acordo com nossas fontes, as quais dão detalhes macabros, fez sua carne apodrecer e seu corpo ficar coberto por chagas infestadas de piolhos, Lépido tentou impedir que ele recebesse um funeral público, tão importante para os senadores. Pompeu, fosse pela afeição que nutria pelo seu antigo líder, fosse pelas amargas memórias do mau tratamento ao qual o corpo de seu pai fora submetido, foi um dos que garantiu a Sula um funeral apropriado e sem perturbações. As cinzas foram enterradas no Campo de Marte, num monumento que trazia inscrita uma citação do próprio morto, declarando que nenhum homem havia trazido maiores benefícios aos amigos, nem tanto mal aos seus inimigos.

Poucos meses depois de assumir o cargo de cônsul, Lépido colocou-se à frente de um exército, em revolta aberta contra o Senado. Fosse qual fosse a relação entre os dois homens, ela desapareceu, pois Pompeu não se uniu ao cônsul rebelde nem demonstrou relutância em responder à convocação do Senado, desesperado para marchar contra Lépido. Ele rapidamente arregimentou soldados em várias partes – uma vez mais, principalmente na sua região natal de Piceno, e a maioria às próprias custas – e, em uma campanha de curta duração, suprimiu a rebelião. Ele capturou e executou o legado principal de Lépido, Marco Júnio Bruto (pai do homem que iria liderar a conspiração contra Júlio César em 44). Lépido fugiu para a Sardenha, onde caiu em abatimento e morreu logo depois. Dizem que ficou mais deprimido ao descobrir a repetida infidelidade da esposa do que pelo fracasso da sua revolução. Muitos dos rebeldes, inclusive Perperna, fugiram para a Hispânia, onde se uniriam a Sertório. A Itália estava, mais uma vez, em paz, porém Pompeu demonstrou relutância marcante em dissolver suas legiões e retornar à vida privada. Lúcio Márcio Filipo, um dos seus mais antigos aliados no Senado, sugeriu que o jovem comandante vitorioso fosse enviado para auxiliar Metelo na Hispânia. Seu caso foi muito fortalecido quando os dois cônsules eleitos no ano seguinte não demonstraram entusiasmo algum para assumir o comando. No final, o Senado aceitou que tinha poucas opções além de conferir a província da Hispânia Citerior e o imperium proconsular a Pompeu, então com 28 anos, pois era a melhor oportunidade de derrotar Sertório. Filipo enfatizou que Pompeu não estava sendo enviado como procônsul (pro consule), mas, “em vez disso, como ambos os cônsules” (pro consulibus)[10].

Como vimos, Pompeu enfrentou, na Hispânia, um oponente muito mais difícil do que qualquer outro em suas campanhas anteriores. O “Pupilo de Sula” recebeu árduas lições ao estilo de Mário, em especial nos primeiros encontros. Não obstante, Pompeu aprendeu com essas experiências e demonstrou superioridade sobre os subordinados de Sertório. No final, ele e Metelo gradualmente forçaram o seu oponente a uma seção cada vez menor da península. As vitórias de Sertório tornaram-se menos frequentes, na medida em que foi incapaz de repor perdas e em que seus aliados, tanto romanos como espanhóis, começaram a trair sua aliança. A campanha da Hispânia foi uma sangrenta guerra de atrito, travada com crueldade pelos dois lados. Escavações em Valência revelaram um nível datado da época em que a cidade foi capturada pelos homens de Pompeu. Nessa camada, onde há vestígios de incêndios, foram encontrados vários esqueletos. Alguns morreram das feridas infligidas durante a luta, mas pelo menos um – um homem mais velho que pode bem ter sido um oficial – foi torturado, encontrado com um pilum trespassado no reto. A guerra na Hispânia foi longa e causou muita devastação e problemas à vida das províncias. Após sua conclusão, Pompeu devotou considerável esforço a reorganizar a província, fundando cidades como Pampaelo (a moderna Pamplona) para estimular algumas das tribos montesas mais rebeldes a adotar uma existência mais estável e pacífica. Foi só em 71 que ele, por fim, levou seu exército de volta à Itália[11].

ESPÁRTACO, O GLADIADOR QUE SE TORNOU GENERAL

Embora livre de conflitos intestinos desde a derrota de Lépido, a Itália não estava totalmente em paz. Em 73 a.C., um grupo de cerca de oitenta gladiadores escapara de uma escola da profissão em Cápua e se refugiara nas encostas do monte Vesúvio. Atacando e saqueando a área vizinha, receberam reforços de muitos escravos fugitivos, até que o seu líder, Espártaco, viu-se no comando de um grande exército, sempre em crescimento. Pouco se sabe sobre esse homem notável, a não ser que era trácio. Várias fontes afirmam que havia lutado contra os romanos e fora capturado ou servira como auxiliar nas legiões romanas. As duas versões podem ser verdadeiras, apesar de a segunda afirmação ser mais duvidosa, pois os romanos orgulhavam-se de declarar que seus inimigos mais perigosos eram sempre aqueles que tinham treinado, exatamente como Jugurta aprendera a combater quando servira com Emiliano em Numância.

Seja qual for a verdade sobre suas origens, ele demonstrou ser um gênio de táticas, liderança e organização, transformando seu bando desigual de germânicos, trácios, gauleses e escravos de outras nacionalidades num exército formidável. Os romanos enviaram primeiro pequenas forças contra eles, mas foram derrotados. Então, reuniram exércitos completos sob comandantes consulares, apenas para serem vencidos por Espártaco, que, a cada vitória, capturava mais armas e armaduras para equipar seus homens. Com o tempo, os escravos construíram oficinas para fabricar equipamento militar, trocando o espólio que obtinham das ricas propriedades rurais por ferro, bronze e estanho. Depois que os dois cônsules eleitos para o ano de 72 foram derrotados, o Senado passou o comando principal da luta contra os escravos a Marco Licínio Crasso, que fora pretor no ano anterior. Crasso era outro homem que apoiara Sula durante a Guerra Civil – seu pai e seu irmão mais velho tinham sido mortos no expurgo de Mário. Ele serviu Sula com distinção, embora não de forma espetacular como Pompeu, e comandou uma das alas do exército na Batalha de Porta Colina. O ditador, agradecido, deu muitas propriedades confiscadas das vítimas das proscrições a Crasso, que, rapidamente, converteu tais ganhos numa enorme fortuna, por meio de investimentos audaciosos e atividades mercantis.

Crasso iniciou o seu comando na Guerra Servil ordenando que as legiões derrotadas sob seus predecessores sofressem a arcaica punição da decimação (ou dizimação). Um de cada dez soldados foi sorteado para ser espancado até a morte pelos colegas. Os 90% dos sobreviventes das legiões sofriam um castigo mais simbólico, recebendo uma ração de cevada em vez de trigo, e – ao menos em alguns casos – eram forçados a armar as barracas fora das paliçadas do acampamento do exército. Tal medida brutal era uma indicação do medo que tinham dos escravos, bem como da determinação implacável de Crasso em vencer. A essas duas legiões, ele acrescentou outras seis recém-arregimentadas. O pretor derrotou um grupo que se afastara do exército principal de Espártaco e construiu uma imensa linha de fortificações, isolando o restante dos escravos no extremo sudoeste da Itália. Espártaco conseguiu romper a linha de defesa, mas foi, finalmente, obrigado a travar batalha em 71, sendo derrotado após um combate muito encarniçado. No início da ação, o antigo gladiador cortara a garganta do seu próprio cavalo – o animal fora capturado de um comandante romano derrotado e era de grande valor – para demonstrar a seus homens que não iria fugir, mas lutar e morrer com eles. O gesto foi semelhante à decisão de Mário de colocar-se à frente do pelotão em Águas Sêxtias.

Plutarco afirma que Espártaco foi morto quando tentava alcançar Crasso, tendo já matado dois centuriões que o enfrentaram juntos. A maioria dos escravos foi executada, mas seis mil prisioneiros adultos foram capturados. Crasso mandou que todos fossem crucificados a intervalos regulares ao longo da Via Ápia, de Roma a Cápua, como uma tétrica demonstração do destino que aguardava os escravos rebeldes. Com uma sociedade que dependia tanto da escravatura, a ideia de que os escravos podiam se voltar contra seus mestres, estes em número inferior, era um dos maiores temores dos romanos. Contudo, exatamente porque Espártaco tinha se mostrado um oponente tão formidável quando estava vivo, a ameaça que ele representou foi diminuída depois da sua morte. Crasso teve seu pedido de receber um triunfo negado e precisou contentar-se com a honraria menor de uma ovação[12].

Quando o exército de Pompeu retornou à Itália, ele encontrou por acaso e aniquilou um grupo de vários milhares de escravos que tinham fugido da derrota de Espártaco. Demonstrando um ciúme trivial, devido à escala das suas realizações e ao segundo triunfo que logo iria celebrar, Pompeu afirmou ter sido o homem que pôs fim à Guerra Servil. Isso apenas aumentou a animosidade que já existia entre os dois generais, a qual datava da época em que Pompeu recebera uma posição mais proeminente de Sula, despertando a inveja de Crasso. Pompeu estava agora com 35 anos e havia decidido, depois de muito tempo, participar da política formal, buscando eleger-se cônsul. Crasso, que era oito ou nove anos mais velho e cuja carreira desde a Guerra Civil tinha sido deveras convencional, também estava ansioso por obter o posto mais alto da magistratura. Os dois homens estacionaram seus exércitos perto de Roma sob o pretexto de esperar para marchar em seu triunfo e receber sua ovação. Talvez isso fosse simplesmente uma ameaça velada, talvez refletisse a suspeita que nutriam um do outro, mas, em algum momento dos últimos meses de 71, os dois comandantes vitoriosos enterraram sua animosidade e anunciaram que se uniriam numa campanha eleitoral conjunta. O Senado rapidamente percebeu que tal combinação não poderia ser enfrentada e permitiu que Pompeu concorresse, embora ainda não tivesse a idade mínima estabelecida pela lei de Sula, e os dois homens concorreram in absentia, uma vez que nenhum deles recebeu permissão para entrar na cidade até o dia de seu triunfo e ovação. A popularidade de Pompeu e o dinheiro de Crasso, combinados com suas realizações genuínas e, possivelmente, com o medo dos seus exércitos, resultaram numa vitória estrondosa. Em 29 de dezembro de 71 a.C., Pompeu cavalgou em triunfo pela Via Sacra, iniciando seu consulado e tornando-se senador, tudo no mesmo dia[13].

Havia um último ato na transição de Pompeu para o que se aproximava de uma posição legítima na vida pública romana – uma peça do teatro político do tipo que os romanos adoravam. Era tradição que os censores eleitos a cada cinco anos fizessem um registro formal de qualquer membro da classe equestre que tivesse chegado ao fim do seu serviço militar, detalhando suas ações e formalmente louvando ou condenando seu comportamento. Por volta do século I a.C., essa prática era considerada arcaica, uma vez que os membros da classe equestre não mais forneciam a cavalaria para as legiões e apenas uma parte dessa classe escolhia servir como tribuno ou em outros cargos. Contudo, a diminuição da relevância raramente levava os romanos a abandonarem as cerimônias tradicionais.

Conforme os censores iniciaram essa tarefa, surgiu o rumor de que Pompeu estava chegando, acompanhado pelos doze lictores que seguiam os cônsules e montado num cavalo que simbolizava o antigo papel militar dos equites. O cônsul ordenou que seus lictores abrissem caminho para ele chegar até os censores, mas estes ficaram tão chocados que levou um momento para articularem as palavras tradicionais, inquirindo se o homem tinha cumprido suas obrigações com a república. Pompeu respondeu, com uma voz que alcançou a multidão em torno, que servira sempre que o Estado lhe pedira e sempre obedecera ao seu comando. Entre hurras e aplausos, os censores formalmente acompanharam o cônsul até sua casa como prova de respeito[14].

OS PIRATAS

A aliança entre Pompeu e Crasso não durou muito, e o mandato de ambos não produziu nada de significativo. Pompeu cumpriu a promessa de restaurar o poder do tribunato, retirando as restrições que Sula havia estabelecido durante seu mandato, que fizera quando estava em campanha. Como os dois cônsules tinham concluído uma guerra bem-sucedida, nenhum demonstrou desejo de tomar uma província após a conclusão do seu ano no cargo. Pompeu havia, agora, conferido legitimidade política à sua riqueza e ao seu prestígio e estava contente, naquele momento, com a posição que conquistara, a de um dos membros mais proeminentes do Senado. Logo descobriu, como Cipião Africano mais de meio século antes, que a juventude passada no campo de batalha e à frente do exército resultava em falta de educação formal e tropeçou na política romana.

No começo do seu consulado, pedira a Marco Terêncio Varro – descendente do homem que perdera a Batalha de Canas e sábio notável que escrevera vários estudos abrangentes – que lhe preparasse um manual sobre os procedimentos e convenções senatoriais. Agora que não podia mais exigir obediência nem derrotar seus oponentes em batalha, Pompeu encontrou dificuldades em conseguir o que queria ao transformar seu prestígio e riqueza em influência política real. Crasso usou seu dinheiro com grande habilidade, emprestando-o a muitos senadores que lutavam para bancar os altos custos da carreira política, e, com o tempo, conseguiu fazer que a imensa maioria do Senado ficasse lhe devendo. Pompeu não tinha nem experiência, nem instinto para fazer a mesma coisa. Sua oratória era medíocre e, conforme o tempo corria, ele ficava cada vez menos no Senado e raramente intervinha a favor de quem quer que fosse nos tribunais. Ele parece ter sido muito sensível a críticas e hostilidades, preferindo evitar qualquer dano ao seu prestígio e afastando-se da vida pública. Entretanto, após alguns anos, começou a frustrar-se porque os grandes feitos que realizara não lhe garantiram a proeminência permanente que acreditava merecer. Como Mário, lembrou-se da adulação do povo quando retornara à cidade vitorioso, e percebeu que apenas quando estivesse travando uma grande guerra eclipsaria verdadeiramente o restante do Senado. Pompeu começou a procurar outra guerra importante para travar e, em 67 a.C., achou a oportunidade.

A pirataria foi traço marcante da vida no Mediterrâneo durante a maior parte do período clássico. Quando havia reinos com poderosas marinhas, os piratas eram normalmente reduzidos a um mínimo e até, por curto período, erradicados. Contudo, a derrota da Macedônia e do Império Selêucida por Roma, aliada ao inexorável declínio do Egito Ptolomaico, deu fim às armadas que tinham controlado a pirataria no Mediterrâneo. Muitas das comunidades costeiras da Ásia Menor, especialmente na Cilícia, em Creta e em ilhas menores, começaram a fazer incursões marítimas que propiciavam altos lucros no saque e no pagamento de resgates, uma adição bem-vinda às magras recompensas da pesca e da agricultura. A propagação da pirataria foi estimulada quando Mitridates, do Ponto, deu aos chefes piratas dinheiro e navios de guerra para auxiliá-lo na sua guerra contra Roma. Apesar de virem de muitas comunidades diferentes e de não possuírem hierarquia política, os piratas raramente lutaram entre si e, quase sempre, enviavam forças ou dinheiro para auxiliar seus pares sob ameaça. Viajar tornou-se difícil – o jovem Júlio César foi apenas um dos romanos proeminentes a ser tomado como refém e a ter pagado resgaste aos piratas –, e o comércio começou a ser afetado. A população da Itália e, em especial, da cidade de Roma já tinha havia muito se expandido além do nível no qual podia ser abastecida apenas por produtos cultivados ou produzidos localmente, e agora dependia maciçamente da importação de grãos da Sicília, do Egito e do norte da África. As atividades dos piratas começaram a afetar essa linha de abastecimento, fazendo que os estoques de grãos diminuíssem e os preços aumentassem.

Em 74, o Senado enviou o antigo pretor Marco Antônio para combater os piratas. Antônio recebeu amplos poderes e consideráveis recursos, mas, diferentemente do seu filho mais famoso, Marco Antônio, teve pouca habilidade e foi derrotado numa batalha naval travada nas costas de Creta em 72. Ele morreu pouco depois da sua derrota, e, em 69, o cônsul Quinto Cecílio Metelo foi enviado para derrubar as fortalezas de Creta. Ele demonstrou ser um comandante competente, mas a campanha envolvia sitiar uma cidade murada após outra, e o progresso foi lento. Apesar do seu sucesso, o problema provocado pelos piratas tornou-se ainda pior, e, em uma ocasião, dois pretores foram sequestrados juntamente com os seus lictores e toda a sua escolta quando viajavam pela região costeira da Itália, ao mesmo tempo em que a cidade de Óstia era atacada[15].

Por volta de 67, a escassez de grãos tornou-se crítica e o tribuno Aulo Gabínio propôs a recriação da grande província e o restabelecimento dos extraordinários poderes que haviam sido outorgados a Antônio. De início, Gabínio não fez menção a Pompeu, a pessoa mais obviamente qualificada para receber tal comando, mas está claro que já havia uma forte associação entre os dois homens. Cícero afirma que Gabínio estava muito endividado, e é muito possível que Pompeu tenha conquistado seu apoio ao ajudá-lo financeiramente. A Lex Gabinia foi aprovada pela Assembleia Popular e Pompeu recebeu o imperium proconsular não apenas do Mediterrâneo, como também de um trecho de oitenta quilômetros da costa até o interior. Não está bem claro se seu imperium era igual ou superior ao dos outros procônsules cujas províncias coincidiam com a sua, mas era provavelmente superior.

Para assisti-lo, Pompeu recebeu 24 legados – todos os quais tinham exercido um comando militar no passado ou, pelo menos, haviam sido pretores –, cada qual auxiliado por dois questores. Suas forças viriam a consistir em uma armada de quinhentos navios de guerra, apoiada por um exército composto por uma infantaria de 120 mil homens e uma cavalaria de cinco mil cavaleiros, além de dinheiro e recursos em alimentos e outros materiais essenciais para manter tal força. Muitas dessas tropas não eram, provavelmente, bem treinadas e disciplinadas, mas arregimentadas às pressas entre a população local. Esses números também podem ter incluído guarnições já existentes nas províncias abrangidas pelo imperium estendido de Pompeu, sob seu controle por toda a duração da campanha. Apesar da escala vasta, essa seria uma ação essencialmente policial. Pompeu precisava de grande quantidade de soldados, de modo a poder pressionar os piratas a partir de todas as direções simultaneamente, sendo que apenas uma pequena fração das suas forças deveria enfrentar combates árduos[16].

Embora Antônio tenha recebido um imperium semelhante, foi o prestígio de Pompeu que garantiu que tantos recursos fossem colocados à sua disposição, tornando esse comando completamente sem precedentes em termos de escala. De maneira surpreendente, ele lhe fora outorgado pelo tribunato, cujos poderes havia restaurado durante seu mandato como cônsul. O modo como essa província foi outorgada a ele conformava-se com a forma pela qual Mário fora nomeado para lutar contra Jugurta, os cimbros, os teutões e Mitridates. Apenas uns poucos generais tinham apoio popular suficiente para subverter o processo senatorial comum de alocação de províncias e recursos como fez Pompeu. A fé que o povo tinha nele era tanta que o preço dos grãos no Fórum caiu logo que ele foi nomeado. Mesmo os muitos senadores que eram relutantes em conceder tantos poderes a um único homem – quanto mais um homem cujo prestígio e riqueza suplantavam o de todos os seus rivais – parecem ter reconhecido que essa era a melhor maneira de enfrentar o flagelo da pirataria. Os legados de Pompeu formavam um grupo muito distinto, constituído basicamente de homens vindos de famílias nobres, tradicionais e estabelecidas.

A estratégia de Pompeu teve sucesso graças às enormes forças sob seu comando, mas também se deveu ao seu gênio organizacional. O Mediterrâneo era dividido em treze zonas – seis na região ocidental e sete na oriental, cada uma comandada por um legado com recursos militares e navais à sua disposição. Os comandos ocidentais foram alocados a Aulo Mânlio Torquato, Tibério Cláudio Nero, Marco Pompônio, Públio Atílio, Lúcio Gélio e Aulo Plótio, que haviam recebido a responsabilidade sob a costa italiana. A leste estavam Cneu Lêntulo Marcelino, Cneu Cornélio Lêntulo Clodiano, Marco Terêncio Varro (o mesmo homem que escreveu o manual sobre procedimentos senatoriais), Quinto Cecílio, Metelo Nepos, Lúcio Sisena, Lúcio Lólio e Marco Púpio Piso. Esses homens receberam ordens expressas de não perseguir nenhum inimigo para além das fronteiras das suas áreas. Pompeu não estava fixo em nenhuma região específica e mantinha uma esquadra de sessenta navios de guerra à sua disposição imediata. O papel dos outros legados não é especificado nas nossas fontes antigas. Alguns podem ter se envolvido na supervisão do enorme exercício logístico necessário para manter esse esforço colossal. Também é mais do que provável que os outros tenham recebido esquadras móveis como aquelas comandadas por Pompeu para perseguir navios piratas de uma região a outra.

No começo da primavera de 67, iniciou-se a campanha nas regiões ocidentais, as quais Pompeu livrou dos piratas em apenas quarenta dias. Os piratas, que tinham exercido suas atividades sem serem molestados durante muitas décadas, não estavam preparados para a investida de Pompeu, e cederam com pouca resistência. Depois de uma breve interrupção em Roma, onde um dos cônsules eleitos para o ano de 67 buscava minar sua autoridade e havia ordenado a desmobilização de algumas das suas tropas, Pompeu levou o seu comando móvel para leste a fim de enfrentar o núcleo central dos piratas. Aqui esperava-se que a luta fosse mais renhida, mas os piratas pareciam estar completamente desorientados e, apesar de todo o trabalho em equipe das épocas mais fáceis, agora tendiam a responder individualmente. Alguns tentaram escapar, porém, um número cada vez maior começou a se render. A atitude romana com relação à brutalidade era pragmática, e não era hora de execuções em massa. Os piratas e suas famílias não foram maltratados, e muitos deles começaram a atuar como informantes, fornecendo a Roma informações valiosas para o planejamento de operações contra outros líderes piratas.

Conforme a notícia sobre a recepção a esses homens se espalhava, mais e mais inimigos se rendiam. Pompeu tinha preparado equipamento para sitiar as fortalezas ao longo da costa montanhosa da Cilícia, mas quase todas capitularam assim que ele chegava. Ocasionalmente os piratas lutavam e eram derrotados, mas sua resistência logo ruiu. Floro descreve as tripulações largando os remos e as armas e batendo palmas – gesto que os piratas usavam para se render –, quase sempre quando avistavam as galeras romanas aproximando-se. Dessa vez a campanha demorou 49 dias. As forças de Pompeu capturaram 71 navios em combate e receberam mais 306 que se renderam. Cerca de noventa dessas embarcações foram classificadas como navios de guerra e receberam aríetes. Uma inscrição produzida para marcar o triunfo e para conformar-se à tradição que exigia que a vitória fosse quantificada tanto quanto possível afirmava que 846 navios foram capturados em toda a campanha, apesar de essa estatística provavelmente incluir até as menores embarcações.

O tratamento que Pompeu dispensou aos seus vinte mil cativos demonstrou perspicácia na compreensão das causas da pirataria, pois ele sabia que retomariam sua profissão rapidamente se tivessem permissão de retornar às comunidades costeiras às quais pertenciam. As antigas fortalezas piratas foram demolidas ou destruídas, e os prisioneiros, enviados para regiões mais férteis. Muitos foram transferidos para a cidade costeira de Soli, na Cilícia, que foi rebatizada como Pompeiópolis e tornou-se uma próspera comunidade comercial. A remoção em massa dos guerreiros problemáticos e de suas famílias para regiões melhores fora empregada pelos romanos antes, na Ligúria e na Hispânia, e mostrou-se tão eficiente com relação aos piratas como fora nessas áreas. A pirataria e os ataques navais não foram erradicados definitivamente do Mediterrâneo, mas não voltaram a ocorrer em tão grande escala até as primeiras décadas do século I a.C. Sob os imperadores romanos, uma marinha seria estabelecida de maneira mais permanente e preencheria o vácuo deixado pelo declínio das potências helênicas[17].

Na guerra contra os piratas, a república romana tinha mobilizado enormes recursos e, sob o hábil comando de Pompeu, conquistara uma vitória rápida e quase sem derramar sangue sobre inimigos numerosos, embora desunidos. Isso foi uma realização notável em termos de planejamento e logística, tanto quanto em termos de estratégia de combate, e foi uma infelicidade que tivesse terminado com um incidente que repercutiu mal para Pompeu. Em 67, Metelo ainda estava em operação contra os piratas de Creta, na campanha que lhe valeu o título honorário de Crético. Tendo ouvido sobre o generoso tratamento que Pompeu dispensava aos prisioneiros, representantes de uma fortaleza que estava sendo sitiada pelas legiões de Metelo foram enviados a ele, na Cilícia, oferecendo a rendição. Pompeu aceitou prontamente, vendo nisso uma oportunidade de aumentar sua grande fama, mas Metelo ressentiu a interferência na sua guerra e se recusou a aceitar tal decisão. Pompeu enviou um dos seus legados, Lúcio Otávio, que, segundo se diz, até combateu ao lado dos piratas contra os homens de Metelo, apesar de não conseguir evitar sua derrota. O desejo, tanto de Pompeu como de Metelo, de conquistar o crédito por vencer a guerra, o que era mais importante para eles que os interesses do Estado, era típico da mentalidade da elite senatorial. Não obstante, no caso de Pompeu, isso indica um ciúme e uma recusa em conferir a outro qualquer crédito, dada a escala de suas próprias realizações, que eram já maiores que as de Metelo ou de qualquer outro[18].

MITRIDATES E AS GUERRAS ORIENTAIS

Pompeu passou o inverno com seu exército principal na Cilícia. No começo de 66, outro comando extraordinário lhe foi conferido pela Assembleia Popular, com direito a um triunfo, dando-lhe o controle do Mediterrâneo oriental e o comando da guerra com Mitridates, do Ponto, que Sula tinha derrotado mas não destruído. O mandato de um ano como cônsul de Gabínio terminara, e logo ele assumiu como um dos legados de Pompeu, de modo que, dessa vez, a lei foi apresentada por um dos novos tribunos, Caio Manílio. Havia apoio considerável à Lex Manilia tanto dos senadores quanto, em especial, da classe equestre. Marco Túlio Cícero, que mais tarde publicou o discurso que fez a favor do projeto de lei, declarou que Pompeu possuía em abundância os quatro atributos principais de um grande general, ou seja: “conhecimento militar, coragem, autoridade e boa sorte” (scientam rei militaris, virtutem, auctoritatem, felicitatem). Quando Pompeu ouviu sobre sua nomeação, lamentou em público que o Estado não lhe dava oportunidade para descansar e passar tempo com sua família. Mesmo seus amigos mais próximos julgaram que essa relutância fingida tinha sido inoportuna, pois havia muito tempo que ele desejava lutar contra Mitridates e tinha, com certeza, encorajado, ou até engendrado as manobras políticas que lhe garantiram essa chance[19].

Em 74, Mitridates invadiu a província romana da Bitínia e rumou para a vizinha Ásia. Seu oponente foi Lúcio Licínio Lúculo, o homem que, quando tinha sido questor em 88, fora o único senador a seguir Sula em sua marcha sobre Roma. Lúculo era um estrategista e tático de talento verdadeiramente excepcional, que, apesar de contar com recursos limitados, superou Mitridates por meio de manobras e derrotou seus exércitos em batalha, ou interrompendo suas linhas de suprimento e condenando suas forças à fome. Os invasores foram expulsos das províncias romanas e o Ponto foi atacado quando o rei forjou uma aliança com Tigranes, da Armênia – tendo o exército romano penetrado profundamente no território do último. Tanto a Armênia como o Ponto formavam exércitos excepcionalmente grandes em termos de número de soldados, mas possuíam poucas unidades com verdadeira habilidade de combate. Conta-se que Tigranes fez piada sobre o fato de os homens de Lúculo serem “poucos para um exército, mas muitos para uma embaixada”; pouco depois, em questão de horas, as legiões fizeram as forças do rei em pedaços.

Por volta de 68, a guerra parecia ter praticamente terminado, mas, apesar de sua perícia como general, Lúculo não tinha aptidão para conquistar a afeição de seus soldados e era muito pouco popular no exército. Muitos grupos influentes de Roma tampouco o apreciavam, em particular os negociantes da classe equestre, cujas empresas operavam nas províncias. Lúculo restringiu significativamente as atividades legais de muitos de seus agentes, medida que muito contribuiu para reconquistar a lealdade dos nativos das províncias para Roma. Em 69, a Ásia foi retirada da província de Lúculo, e um ano depois a Cilícia também foi removida da sua responsabilidade e passada para o comando de outro. No momento da vitória total, o general romano tinha extrema necessidade de tropas e recursos, de modo que seus legionários se amotinaram. Conforme a pressão romana diminuiu, o inimigo contra-atacou e, em 67, o legado triário foi derrotado por Mitridates. As perdas foram pesadas: nada menos do que 24 tribunos e 150 centuriões mortos. Tal número de mortos entre oficiais pode indicar a necessidade de oficiais de menor escalão assumirem os riscos envolvidos no esforço de inspirar soldados sem motivação. Na sequência da batalha, Mitridates quase foi morto por um centurião que se misturou à comitiva real e o feriu na coxa, antes de ser cortado em pedaços pelos enfurecidos guardas pessoais do rei.

No final do ano, tanto Mitridates como Tigranes haviam recuperado a maior parte de seus reinos, e Lúculo ficara reduzido a comandar o lamentável remanescente daquilo que eram as forças que uma vez controlara. Mesmo esses homens não nutriam grande afeição por ele e recusaram seus apelos para desobedecer à ordem para que essas legiões se unissem ao recém-chegado Pompeu. Plutarco descreve o comandante romano perambulando pelo acampamento com lágrimas nos olhos, implorando para que seus homens ficassem com ele. Era um final deveras patético para a carreira militar de um soldado muito capaz. A reunião na qual Pompeu formalmente assumiu o comando parece ter degenerado em bate-boca. De modo maldoso, seu sucessor permitiu que Lúculo recebesse apenas 1.600 soldados – homens tão amotinados que Pompeu os considerou totalmente inúteis para o serviço ativo – para acompanhá-lo no seu triunfo[20].

A província de Pompeu incluía a Bitínia, o Ponto e a Cilícia, e ele recebeu todos os recursos que haviam faltado ao seu predecessor, em especial porque continuava a deter o comando do Mediterrâneo, que lhe fora outorgado pela Lex Gabinia. Também tinha poder para iniciar uma nova guerra ou firmar a paz conforme julgasse necessário. Uma das leis de Sula havia proibido que governadores comandassem suas tropas além das fronteiras das suas províncias sem a permissão expressa do Senado, e a invasão não autorizada da Armênia por Lúculo provocara críticas em Roma, mesmo que fizesse todo o sentido em termos militares. Desde o começo, Pompeu recebeu muito mais liberdade de ação. Enquanto sua esquadra – exceto as frotas que ainda estavam designadas a regiões específicas – patrulhava a costa mediterrânea e o Bósforo, Pompeu formou um exército com uma infantaria de trinta mil homens e uma cavalaria com dois mil. A infantaria de Mitridates tinha aproximadamente o mesmo número de soldados, mas possuía mil cavaleiros a mais sob seu comando na fronteira ocidental do seu reino.

Essa região havia sido muitas vezes palco de batalhas durante as campanhas de Lúculo e fora devastada e saqueada, de modo que o exército do Ponto teve dificuldade em encontrar alimentos, enquanto esperava pela invasão romana. A deserção era punida crucificando, cegando o desertor ou queimando-o vivo, mas, apesar dessas penas brutais, o rei perdeu grande número de homens. Questionando-se se o tratamento clemente que Pompeu dispensara aos piratas poderia ser estendido a ele, Mitridates enviou embaixadores ao acampamento romano, os quais receberam como resposta a exigência de rendição incondicional. Conforme o problema de abastecimento piorava, o rei retirou-se para o interior do seu reino. Os romanos estavam mais bem preparados e, enquanto Pompeu seguia o exército do Ponto, suas legiões eram abastecidas por comboios que transportavam alimentos obtidos na província. Mitridates enviou sua cavalaria para atacar as linhas de comunicação romanas, mas, embora isso tenha causado alguma escassez de suprimentos, não foi suficiente para deter seus perseguidores[21].

A essa altura, os exércitos tinham alcançado uma região do reino de Ponto conhecida como Armênia Menor. Era uma área fértil, na maior parte intocada pela guerra, mas os esquadrões de forrageamento de Pompeu tiveram dificuldade em operar devido à confiante cavalaria inimiga, e também porque seus depósitos de suprimentos estavam a grande distância. Mitridates montara seu acampamento em terreno elevado, o que tornava improvável que um ataque direto contra uma tal posição bem defendida tivesse êxito. Pompeu mudou o seu acampamento para uma região mais florestada, onde a cavalaria do Ponto teria menos liberdade de operar. A mudança encorajou Mitridates, que julgara que seu oponente havia extrapolado seus limites e agora admitia sua fraqueza. Ele aceitou de imediato o desafio que Pompeu propôs na manhã seguinte ao enviar sua cavalaria e colocá-la à frente do acampamento do exército do Ponto. Os cavaleiros de Mitridates atacaram e perseguiram a cavalaria romana quando esta começou a retirar-se. As tropas do Ponto receberam ordem de avançar, e Pompeu pôs em ação a emboscada que tinha preparado. Uma força de infantaria leve composta por três mil homens e quinhentos cavaleiros fora escondida durante a noite em um vale recoberto por arbustos entre os dois acampamentos. Essa força atacou de repente a cavalaria de Mitridates pela retaguarda. Alguns dos cavaleiros do Ponto foram detidos pela infantaria romana e, sem as vantagens principais da cavalaria, isto é, a velocidade e o ímpeto, foram massacrados. Essa breve ação – semelhante em muitas maneiras às táticas usadas por Sertório contra Pompeu na Hispânia – esmagou o moral da orgulhosa cavalaria de Mitridates e a confiança que o rei depositava nela[22].

A cronologia exata da campanha é incerta, porém, em algum momento, Pompeu recebeu reforços de três legiões que haviam pertencido à guarnição da Cilícia, aumentando sua força para mais de quarenta mil homens, apesar do atrito que sofrera na campanha. Essa condição conferiu a ele uma vantagem numérica marcante sobre o rei, mas este não demonstrou inclinação por arriscar uma batalha que não fosse travada no terreno elevado que lhe dava vantagem. Assim, Pompeu resolveu interromper as linhas de abastecimento do inimigo, deixando-o faminto e obrigando-o sair da sua posição, e, usando seu grande número de homens, construiu um anel de fortes ligados por uma vala e uma muralha ao redor do exército inimigo. O sistema completo media cerca de trinta quilômetros (150 estádios) e é comparável às linhas construídas por Crasso no sul da Itália e por César na Gália.

O exército romano obtia suprimentos de Acilisene, no Eufrates Superior, enquanto os grupos de abastecimento do rei operavam com grande risco de sofrer ataque e emboscada. Logo, os soldados do Ponto foram obrigados a abater os animais de carga e alimentar-se deles. Fosse porque a linha de fortificações romanas estivesse incompleta, fosse porque tinha alguns vãos por conta das dificuldades apresentadas pelo relevo, Mitridates foi capaz de fugir ocultado pela escuridão, escondendo a manobra ao deixar fogueiras acesas em seu acampamento. Como parte do embuste, ele arranjara várias reuniões com aliados em potencial no futuro imediato. Tendo feito isso com habilidade, o rei marchou em direção ao reino vizinho da Armênia, esperando unir forças com seu antigo aliado Tigranes. Ao que parece, deslocou suas forças principalmente à noite, confiando no conhecimento das trilhas e acampando a cada dia numa posição forte demais para que Pompeu desejasse atacar. O terreno era montanhoso, com várias posições facilmente defensáveis.

Seguindo o rei, mas sem conseguir alcançar seu exército em movimento, Pompeu enviou patrulhas a uma distância considerável para reconhecer as rotas através das montanhas. Esses homens descobriram uma passagem que levava de volta ao caminho seguido por Mitridates. Pompeu ordenou uma marcha forçada a seu exército ao longo do novo caminho, apostando que conseguiria mover-se rápido o bastante para chegar atrás do rei. Como de costume, ele marchava de dia, obrigando seus homens a caminhar sobre um terreno acidentado sob o sol quente. Seus legionários deviam estar muito desgastados quando começaram a assumir posições de emboscada numa passagem estreita, através da qual passava a estrada principal. Mitridates desconhecia a manobra romana e pode ter nutrido esperanças de que os romanos tivessem desistido da perseguição. Ao cair da noite, seu exército continuava a se retirar da maneira costumeira, e a coluna, uma desorganizada mistura de unidades, indivíduos e bagagens, sobrecarregada com as esposas, os servos e outras pessoas que seguiam o acampamento, não estava de modo algum preparada para resistir a um ataque.

Logo que o exército inimigo ocupou totalmente a passagem estreita, Pompeu executou sua emboscada, ordenando a seus trombeteiros que soassem o desafio, ao mesmo tempo em que os legionários berravam seu grito de guerra, batendo as armas contra os escudos, e os servos do exército batiam panelas com qualquer metal que pudessem encontrar. O dilúvio de barulho foi seguido imediatamente por uma barragem de projéteis – pila, dardos, flechas e até pedras atiradas ou roladas da colina onde se encontravam os soldados de Pompeu. Então, os romanos atacaram em massa, causando pânico. A lua estava às suas costas e sua estranha luz projetava longas sombras à frente dos legionários, fazendo que os poucos inimigos que tentaram resistir não pudessem avaliar a distância entre eles e os romanos e arremessassem seus dardos antecipadamente. Em alguns locais, a multidão estava tão cerrada que os homens não podiam nem escapar, nem lutar, e foram mortos a cutiladas onde estavam.

Alguns poucos soldados do Ponto resistiram com bravura, mas a vitória dos romanos não foi ameaçada e o exército de Mitridates quase foi destruído. Plutarco e Ápio dizem que dez mil homens foram mortos, e outros capturados juntamente com o comboio de bagagem. O rei fugiu com um pequeno corpo da cavalaria e, mais tarde, encontrou-se com alguns milhares de soldados da infantaria que se uniram a ele; Plutarco afirma que, a certa altura, Mitridates tinha apenas três acompanhantes, um deles sua concubina Hipsícrates, cujo apelido masculino lhe havia sido dado por conta da bravura com que combatera a cavalo em batalha. O rei fugiu à sua fortaleza em Sinora, onde havia armazenado grandes valores, alguns dos quais usou para recompensar os seguidores que ainda lhe eram leais. Como Tigranes se recusou a receber os fugitivos na Armênia e ofereceu um prêmio por sua cabeça, Mitridates fugiu para uma região do extremo norte do seu reino, a Crimeia, tomando a rota terrestre ao longo da costa do mar Negro, a fim de evitar a frota romana que patrulhava suas águas[23].

Pompeu enviou apenas uma pequena força atrás do rei, com a qual logo perdeu contato. Sua prioridade, agora, era Tigranes e a Armênia. Uma invasão dos partos, estimulada pela diplomacia romana e apoiada pelo seu filho rebelde, que também se chamava Tigranes, impedira o rei de ajudar seu aliado e genro Mitridates. Apesar da idade – ele tinha mais de 70 anos –, Tigranes havia rechaçado os invasores quando eles atacaram sua principal fortaleza, Artaxata. Contudo, quando o exército de Pompeu avançou contra ele, Tigranes parece ter rapidamente resolvido que era melhor buscar a paz, mesmo que isso significasse abrir mão de terras e poder. Depois das negociações iniciais, o rei foi em pessoa ao acampamento romano para render-se. Obedecendo à instrução de caminhar, em vez de cavalgar, até o tribunal onde estava Pompeu, Tigranes então atirou ao chão seu diadema real e sua espada. Tal admissão aberta de total impotência diante do poder romano e do desejo de confiar na misericórdia que o inimigo escolhesse lhe conceder era uma conclusão muito apropriada a uma das guerras de Roma, e Pompeu logo aproveitou a oportunidade de demonstrar sua clemência na vitória. O rei recebeu ordens de pagar a Roma uma indenização de seis mil talentos, mas teve permissão de continuar com todo o território que ainda controlava. O resultado agradou a Tigranes, que pagou, por iniciativa própria, uma recompensa a cada um dos soldados de Pompeu, com somas consideravelmente mais elevadas para os centuriões e tribunos. Seu filho se unira a Pompeu após o fracasso da invasão dos partos, mas ficou desanimado ao receber apenas o governo de Sofena. Logo depois, rebelou-se e foi aprisionado pelos romanos[24].

Pompeu havia expulsado Mitridates do seu reino e recebido a rendição de Tigranes no seu primeiro ano de operações. Se a velocidade com que obteve tais sucessos devia-se muito às vitórias conquistadas por Lúculo nos anos anteriores, isso não diminuía a habilidade com que comandara a campanha. No final da estação de campanha de 66, quando seu exército principal foi dividido em três e construiu acampamentos para o inverno, o general romano começou a considerar como poderia utilizar da melhor forma a abundância de recursos à sua disposição para conquistar ainda mais glórias em prol da república. Em dezembro, os quartéis de inverno do exército foram atacados repentinamente pelo rei Oroeses, da Albânia. Os ataques fracassaram e Pompeu enviou uma coluna para perseguir o inimigo que se retirava, infligindo-lhe pesadas perdas quando alcançou sua retaguarda cruzando o rio Ciro. Tendo resolvido que, por ora, essa punição bastava e relutante em promover novas operações de inverno para as quais não tivera tempo de se preparar, ordenou que seus homens retornassem ao acampamento.

Na primavera seguinte, descobriu que o vizinho de Oroeses, o rei Artoces, da Ibéria, também estava se preparando para atacá-lo e resolveu lançar um ataque imediato. Atravessando o vale do rio Ciro, alcançou a poderosa fortaleza de Harmozica antes que o exército de Artoces chegasse para apoiar a posição. Com apenas uma pequena força à sua disposição imediata, o rei retirou-se, incendiando a ponte sobre o rio Ciro depois de cruzá-la, uma manobra que obrigou a guarnição de Harmozica a render-se depois de breve resistência. Deixando uma força para controlar tanto a cidade como a passagem, Pompeu seguiu até as terras mais férteis além daquela posição. Artoces continuou a retirar-se, em um dos casos mesmo depois de ter iniciado negociações com os romanos. Numa repetição da campanha do verão anterior contra Mitridates, Pompeu ordenou às suas legiões uma marcha forçada para alcançar o rei e cortar sua retaguarda. O resultado foi uma batalha em vez de uma emboscada, mas a vitória romana foi completa. O exército ibérico tinha grande número de arqueiros, porém Pompeu ordenou que seus legionários atacassem sem demora, ignorando a perda de formação, diminuindo rapidamente a linha de alcance e eliminando os arqueiros inimigos. Artoces perdeu nove mil homens, mortos, e mais dez mil capturados ou que se renderam[25].

Da Ibéria, Pompeu retornou à Cólquida e à costa do mar Negro. A natureza, mais do que qualquer inimigo humano, foi o principal obstáculo nesse estágio da campanha, quando seu exército marchou através das acidentadas montanhas Mesquianas. Estrabão nos conta que seus homens construíram 120 pontes para cruzar o rio que circundava o vale. Uma das diferenças mais marcantes entre as legiões profissionais do final do período republicano e suas predecessoras produzidas pelo antigo sistema de milícia era a sua competência técnica e de engenharia, consideravelmente maior. Feitos espetaculares de construção de estradas por terrenos aparentemente impossíveis de atravessar e de pontes sobre rios eram celebrados quase tanto quanto as vitórias do exército em batalha. Ao chegar ao mar Negro, Pompeu descobriu que Mitridates havia alcançado a Crimeia e, sem ser intimidado pelos repetidos fracassos que sofrera, estava uma vez mais buscando reerguer suas forças para reiniciar a guerra contra Roma. Julgando que a esquadra era suficiente para conter e bloquear o rei, o exército romano principal pôs-se novamente em movimento. Pompeu tinha decidido que os albaneses mereciam outra demonstração ainda maior do poder romano e invadiu os domínios do rei Oroeses. As legiões cruzaram o vau do rio Ciro, com uma linha de animais da cavalaria estacionada rio acima para proteger os homens a pé e os animais de carga da rápida corrente. O avanço ao obstáculo seguinte, o rio Cambises, mostrou-se difícil, sobretudo porque os guias locais fizeram o exército desnortear-se – um perigo constante quando se operava em terreno desconhecido. Havia poucos mapas no mundo antigo, e quase nenhum deles trazia informação detalhada o bastante para que os exércitos planejassem seus deslocamentos. Entretanto, o rio foi, finalmente, alcançado e cruzado sem oposição do inimigo.

Oroeses tinha formado um grande exército, com cerca de sessenta mil soldados a pé e 22 mil a cavalo, de acordo com Estrabão, embora Plutarco afirme que a cavalaria tinha doze mil homens. Os números romanos não são informados nas nossas fontes, mas podem ter sido substancialmente menores do que os quarenta mil ou cinquenta mil que Pompeu arregimentara contra Mitridates no ano anterior. Muitas tropas eram necessárias para atuar como guarnições ou para eliminar os últimos fragmentos de resistência no território conquistado recentemente, enquanto os problemas de abastecer homens e animais no terreno quase sempre difícil desestimulava o uso de uma força demasiadamente grande. Pompeu possivelmente comandou um exército com a metade do tamanho daquele que liderara em 66 a.C., em número consideravelmente menor do que os albaneses. Estes sem dúvida tinham a vantagem apresentada pela cavalaria, com alguns cavalos equipados com armadura pesada, e Pompeu precisava encontrar um modo de enfrentá-la, enquanto o rei, obviamente com a intenção de forçar uma batalha campal, avançava ao seu encontro.

Dispondo seus cavaleiros de modo a formar uma proteção, ele avançou até uma planície flanqueada por colinas. Alguns dos seus legionários foram escondidos nos desfiladeiros que ficavam no terreno elevado, os soldados cobrindo seus capacetes de bronze com tecido para evitar que o sol se refletisse no metal e denunciasse suas posições. Outras coortes de legionários ajoelharam-se por trás da cavalaria, de modo que não podiam ser vistos de frente. Oroeses atacou o que parecia ser apenas uma linha de cavaleiros. Pompeu repetiu outra tática que usara contra Mitridates, ordenando que sua cavalaria atacasse com audácia e, então, fingindo pânico, batesse em retirada. A cavalaria albanesa perseguiu os cavaleiros romanos auxiliares com ansiedade, confiando em sua vantagem numérica e superioridade individual e, ao fazê-lo, saiu de formação. Os cavaleiros romanos retiraram-se através dos espaços deixados entre as coortes de infantaria, que em seguida puseram-se de pé. De repente, os albaneses viram-se frente a frente com uma linha de infantaria descansada e bem ordenada, que veio contra eles berrando seu grito de guerra. Atrás dos legionários, a cavalaria romana entrou novamente em formação e moveu-se por trás da linha de batalha para atacar os flancos do inimigo, ao mesmo tempo em que mais coortes emergiam dos desfiladeiros escondidos para ameaçar a retaguarda do inimigo. A posição do exército albanês estava irremediavelmente comprometida, mas, apesar disso, os guerreiros lutaram com ardor. Um relato afirma que Pompeu enfrentou o irmão do rei em combate singular e o matou, na melhor tradição de Alexandre, o Grande, ou de Marcelo. Embora tenha sido uma luta difícil, a batalha foi decisiva, pois Oroeses logo aceitou os termos de paz impostos a ele[26].

Depois da vitória na Albânia, Pompeu começou a marcha rumo ao mar Cáspio, mas, segundo as fontes, voltou quando estava a apenas três dias das suas praias, de acordo com Plutarco, detido em terras infestadas por cobras venenosas. Assim, retornou ao Ponto, onde ainda restava a maior parte das fortalezas de Mitridates, as quais foram tomadas ou persuadidas a se render, produzindo um enorme espólio. Juntamente com o ouro, a prata e os trabalhos artísticos, uma das fortalezas continha relatos detalhados de assassinatos de membros da família e coleções de cartas de amor apaixonadas escritas às concubinas, bem como a coleção do rei do Ponto de espécimes biológicos e seus estudos científicos, os quais o general ordenou a um de seus escravos libertos que fossem traduzidos para o latim. Depois disso, Pompeu anexou a Síria, removendo os últimos remanescentes da monarquia selêucida, que haviam retornado brevemente ao poder depois que Tigranes se retirara da área. Uma guerra civil que varria o reino hasmoneu de Jerusalém levou à intervenção romana, e Pompeu capturou a cidade após um cerco de três meses, sendo que grande parte das lutas ocorreu no Grande Templo de Jerusalém e nas suas vizinhanças. O primeiro homem a escalar as muralhas no bem-sucedido assalto final foi Fausto Cornélio Sula, filho do ditador. Depois da invasão, seguindo a instância romana de ser o primeiro a tomar qualquer coisa, Pompeu entrou no Santo dos Santos, no Templo, com seus oficiais de patentes mais elevadas, porém, por respeito, não removeu nada do local.

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A CAMPANHA DE POMPEU NO LESTE

A isso seguiu-se, em 63, uma campanha contra os árabes nabateus, cuja capital era Petra, mas, a caminho de sitiar a cidade, Pompeu foi detido pela notícia da morte de Mitridates, trazida por um mensageiro. O exército ainda não havia completado a construção do acampamento e não havia tribuna de onde o comandante pudesse dirigir-se a seus homens. Em lugar disso, os soldados empilharam as selas dos animais de carga de modo que Pompeu pudesse elevar-se acima da multidão e anunciar a notícia aos legionários, que o aplaudiam e saudavam como imperator por ter completado sua vitória. Mitridates buscara desesperadamente reconstituir suas forças e recuperar a glória e o poder que antes tivera, mas a maioria dos seus oficiais e seu próprio filho voltaram-se contra ele. Assim, o rei ordenou a um guarda-costas gálata que o matasse, uma vez que, após anos tomando contravenenos, havia ficado imune a seus efeitos[27].

A guerra a que Pompeu fora enviado no Oriente estava, agora, terminada. Durante os dois anos anteriores, ela tinha fornecido efetivamente um pretexto para outras operações contra povos da mesma região, mas Pompeu parece ter realizado tudo o que desejava. Ele tinha, por exemplo, recusado oportunidades de iniciar uma guerra contra a Pártia, talvez ciente de que esse império era mais poderoso e militarmente mais forte do que qualquer um dos oponentes que enfrentara até então, e só poderia ser derrotado por meio de uma guerra longa. Pompeu havia conquistado fama e glória suficientes numa região associada a Alexandre, o maior conquistador entre todos. Embora a luta estivesse no fim, sua tarefa não estava completa. Mais de um ano deveria ainda se passar para efetivar a reordenação do Mediterrâneo oriental. Províncias foram organizadas, cidades fundadas ou refundadas – como Nicópolis, dedicada a Niké, a deusa grega da vitória, com a intenção de celebrar a derrota de Mitridates –, e reinos clientes foram regularizados. Muitos aspectos das colônias de Pompeu iriam durar até o final do governo romano na região. A escala da sua atividade foi enorme e, uma vez mais, um testamento do seu gênio de organização. Num sentido, Pompeu personificou o imperialismo romano, no qual o esforço de guerra feroz e destrutivo era seguido pela construção de um império estável e pelas suas leis. Mais tarde, no século I a.C., o poeta Virgílio faria o deus Júpiter declarar que era destino de Roma “poupar os conquistados e superar os orgulhosos na guerra” (parcere subiectis et debellare superbos), impondo lei e ordem ao mundo. A partir da perspectiva romana, isso era, essencialmente, o que Pompeu havia feito[28].

O RETORNO A ROMA E O “PRIMEIRO TRIUNVIRATO”

Em 62, Pompeu aportou em Bríndisi. Nos meses anteriores à sua chegada, alguns senadores preocuparam-se com a possibilidade de ele querer tomar o poder à força, como Sula fizera após sua guerra contra Mitridates. Crasso, obviamente, deixou Roma e levou sua família para uma propriedade rural, embora esse pareça ter sido um gesto cuja intenção era aumentar a já crescente histeria, e não uma resposta motivada por medo genuíno. Não obstante, as circunstâncias não eram, de modo algum, semelhantes às de 83, pois não havia oponentes armados esperando Pompeu, e o general, em seu retorno, logo deixou claro que não tinha desejo de tornar-se ditador. Em lugar disso, voltou a Roma e, depois de celebrar um espetacular triunfo que durou dois dias no fim de setembro, comemorando tanto a campanha contra os piratas como suas guerras orientais, dissolveu suas legiões. Nos últimos anos, ele usaria parte dos espólios da guerra para construir o primeiro teatro de pedra de Roma – um complexo de edifícios maior em escala do que qualquer monumento triunfal anterior. Suas realizações como general obscureceram as de qualquer senador vivo e, com efeito, de todas, exceto algumas poucas, gerações anteriores. Ele fez notar que seus três triunfos celebravam vitórias em continentes diferentes: África, Europa e Ásia.

Entretanto, o retorno de Pompeu a Roma não foi de todo feliz. Quase de imediato, ele se divorciou da esposa, a qual fora escandalosamente infiel durante sua ausência, mas durante um tempo não conseguiu encontrar uma substituta com as boas relações que lhe fossem adequadas. O temor que havia precedido o retorno do comandante vitorioso logo transformou-se em hostilidade, uma vez que os senadores começaram a se ressentir de um indivíduo que obtivera tanto prestígio, e buscavam meios de lhe restringir as ações. Foi criticado por tentar subornar o eleitorado a votar em um dos seus antigos legados, Lúcio Afrânio, na disputa pelo consulado do ano seguinte e, ainda mais importante, não conseguiu assegurar a ratificação formal da sua colônia oriental, nem garantir que os veteranos de seu exército que não tinham se estabelecido na Ásia recebessem terras. Nenhuma das suas propostas era, de modo algum, desarrazoada ou contrária aos melhores interesses da república, porém a maioria dos senadores mais influentes decidiu frustrá-las e, uma vez mais, a inexperiência de Pompeu como político dificultou que ele realizasse o que queria em Roma.

No final, foi forçado a tomar medidas mais desesperadas e, entre os anos 61 e 60 a.C., formou uma aliança política secreta com seu antigo rival Crasso e com Caio Júlio César. Para fortalecer essa relação, Pompeu casou-se com a filha de César, Júlia, e, apesar da enorme diferença de idade, o casamento foi extremamente feliz. No primeiro momento, a associação política foi igualmente bem-sucedida. Contando com o apoio garantido pelo dinheiro e pela influência dos outros dois, César venceu as eleições para cônsul de 59 e, durante o seu mandato de um ano, confirmou a colônia oriental por lei e distribuiu terras aos veteranos de Pompeu. Ele também tomou a estrada para emular a riqueza e os feitos militares de Pompeu. Apenas uma década mais tarde, a república romana novamente mergulharia na guerra civil, quando esses dois antigos aliados lutariam pela supremacia.