CAPÍTULO 11

LEGADO IMPERIAL:
CÓRBULO E A ARMÊNIA

Cneus Domitius Corbulo
(morreu em 67 d.C.)

Domício Córbulo costumava dizer que o inimigo era conquistado com a picareta.[1]

Em última instância, o poder de Augusto e de seus sucessores repousava no controle que detinham sobre o exército. Um imperador precisava ter habilidade política para aplacar o Senado e evitar que a insatisfação popular se tornasse uma ameaça, mas nada disso importava se os generais pudessem imitar Sula ou César e usassem suas legiões para abrir caminho à força na conquista do poder supremo. Augusto pôde confiar à sua família estendida o comando das guerras mais importantes do seu principado, porém poucos dos que o sucederam puderam fazer o mesmo. No início, Tibério empregou Germânico e Druso, o Jovem, de modo semelhante, mas depois de suas mortes em 19 e 23 d.C., respectivamente, não houve ninguém que os substituísse nos catorze anos restantes do seu reinado. Calígula, Cláudio e Nero não tinham parentes homens para travar guerras em seu nome (e provavelmente não teriam confiado em tais pessoas, caso existissem). Diferentemente de Augusto e Tibério, que promoveram campanhas com grande sucesso, seus três sucessores não tinham experiência militar, o que os tornava ainda mais relutantes em permitir que qualquer um de seus generais obtivesse uma reputação distinta ou conquistasse a simpatia das suas tropas.

Um imperador não poderia se dar ao luxo de ser ofuscado por um senador, especialmente no campo das realizações militares, o que continuava a ser de importância central para a aristocracia romana. Não obstante, era entre os membros do Senado que os princeps precisavam arregimentar a imensa maioria dos homens que iriam governar as províncias e comandar as legiões lá estacionadas. Os senadores eram considerados – e não menos por eles mesmos – os homens mais adequados para essa tarefa, mas também era importante dar-lhes oportunidades para conquistar fama e distinção do modo tradicional. Um bom imperador garantia que houvesse tarefas importantes a serem dadas aos membros do Senado, encorajando essa instituição a sujeitar-se ao seu governo, de forma a reduzir o risco de conspirações contra ele. O ideal era um relacionamento de benefício mútuo para o imperador e os senadores, porém isso sempre trazia um elemento de risco de que os últimos amealhassem demasiado poder e viessem a se tornar rivais para o trono. Conta-se que Tibério teria comparado o trabalho do imperador a “segurar um lobo pelas olheiras”, por causa, em grande parte, dessa ligação instável[2].

Os exércitos romanos sob o principado foram quase todos comandados por senadores, assim como acontecera durante a república, mas esses generais operavam agora num ambiente profundamente distinto. Isso se reflete de maneira mais óbvia no seu título, pois não eram mais procônsules ou propretores, e sim legados ou representantes do imperador. Todas as legiões, salvo uma mantida por Augusto, foram estacionadas em províncias controladas pelo imperador, num arranjo semelhante ao governo indireto das províncias espanholas de Pompeu após seu segundo termo como cônsul (a exceção era a legião alocada à África, que era controlada por um procônsul, mas esse arranjo deixou de existir durante o reinado de Tibério). O imperador possuía imperium superior aos outros procônsules (maius imperium proconsulare), embora essa marca do regime de Augusto fosse raramente mencionada em público e nunca tenha feito parte de seus outros títulos, mais notadamente o fato de possuir os poderes de tribuno da plebe (tribunicia potestas). O representante do imperador empossado no governo de uma província recebia o título de Augusti pro praetore, e seu imperium era delegado e não seu por direito. Os soldados faziam e renovavam com regularidade um juramento de lealdade ao imperador, que não era, como em tempos anteriores, o de obedecer ao seu general e ao Senado e Povo de Roma, e era em nome do imperador que recebiam seu pagamento e quaisquer recompensas adicionais e condecorações. Além dos seus outros estandartes, cada unidade do exército levava agora um imago, que trazia o busto do princeps como uma lembrança adicional do fato de que pertenciam a esse homem.

A carreira senatorial sob o principado passava por ocupar, do modo tradicional, cargos civis e militares. No final da adolescência, o homem normalmente servia como tribuno (tribunus laticlavius) de uma legião entre um e três anos. Os outros cinco tribunos (tribuni angusticlavii) de cada legião eram equestres que seguiam um plano de carreira diferente, a qual envolvia o comando de unidades auxiliares. Aos 30 anos, um senador poderia esperar tornar-se legado no comando de uma legião (a nomeação ad hoc dos oficiais comandantes dessas unidades, que fora comum nos dias de César, transformou-se num cargo formal – legatos legionis – sob Augusto). Em média, um legado legionário servia nesse cargo por cerca de três anos. Finalmente, aos 40 anos ele podia tornar-se legatus Ausgusti pro praetore no comando de uma província, o que incluía o controle de até três legiões, e em alguns poucos casos quatro. O tempo nesse posto variava consideravelmente, embora a média fosse, de novo, três anos, e alguns homens podiam receber um segundo comando em outra província.

Em termos do amplo espectro de postos que tendiam a ser assumidos numa carreira, e também do escopo relativamente limitado da conquista de experiência militar, havia pouca diferença entre a república e o principado. Contudo, se antes o sucesso dependia de vencer eleições e ganhar influência no Senado, agora dependia do favor do imperador. Não só isso, mas em todos os postos militares que assumiam, especialmente no comando de uma legião ou de toda uma província, eles eram homens do imperador e não agentes com liberdade de ação. César parece ter expressado uma crença comum ao afirmar que a liberdade de ação de um legado era consideravelmente menor do que a do comandante do exército. Sob o principado, isso foi levado a um estágio além, e as atividades dos legados provinciais eram monitoradas e reguladas muito mais de perto do que as de qualquer governador nos tempos da república. Desse modo, afetou não só sua permissão de fazer guerra, mas também o que deveriam fazer. De acordo com Suetônio, Augusto “acreditava que nada era menos apropriado a um general do que a pressa e a imprudência, por isso sempre usava estes adágios: ‘Mais agilidade, menos velocidade’”, “É melhor um comandante a salvo do que um ousado” e “O que é feito no tempo certo é feito corretamente”[3]. Não se esperava que um legado assumisse riscos para conquistar uma vitória rápida antes de ser substituído, mas, em vez disso, que agisse conforme o interesse do imperador. Cada homem recebia instruções (mandata) do princeps e, embora o escopo e a frequência dessas instruções sejam debatidos ferozmente pelos estudiosos, está claro que nenhuma grande operação – sobretudo as ofensivas – era executada sem permissão específica[4].

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DIAGRAMA DE UMA LEGIÃO IMPERIAL (COORTE)

O imperador alocava homens para os comandos provinciais e decidia quanto tempo permaneceriam no posto. Ele também controlava suas atividades muito mais de perto do que o Senado jamais tivera capacidade de fazer.

Não obstante, a distância tornava impossível ao imperador dirigir o comportamento de seus legados em todos os detalhes, e o poder e a chance de demonstrar sua habilidade continuavam numerosos. Esperava-se que um governador comandasse suas tropas, movendo guerra em resposta a rebeliões internas ou à invasão da sua província, sem ter de buscar primeiro a aprovação de Roma. Uma inscrição registrando as realizações de Tibério Pláucio Silvano Eliano como legatus Augusti pro praetore de uma das províncias do Danúbio, na segunda metade do século I d.C., dá uma ideia do espectro das tarefas militares, e, principalmente, diplomáticas, que um governador deveria exercer:

Nesse cargo, ele fez mais de cem mil pessoas que vivem do outro lado do Danúbio pagarem tributo a Roma, juntamente com suas esposas e filhos, chefes e reis. Sufocou uma rebelião dos sármatas, embora tenha enviado grande parte do seu exército numa expedição à Armênia; e fez que reis anteriormente desconhecidos ou hostis ao povo romano venerassem os estandartes militares de Roma na margem do rio que estava protegendo. Ele devolveu aos reis dos bastarnas e dos roxolanos [...] seus filhos que tinham sido capturados pelo inimigo. Também tomou como hóspedes alguns deles, estendendo desse modo e fortalecendo a paz na província. E o rei dos citas foi vencido no cerco de Quersoneso, que fica além de Boristenos. Ele foi o primeiro a ajudar no abastecimento de grãos de Roma, enviando da sua província grande quantidade de trigo.[5]

A convite do imperador Vespasiano – e essa cortesia seria mantida por todos os bons imperadores –, o Senado concedeu honras triunfais (triumphalia) a Silvano para marcar seu muito bem-sucedido mandato como governador. A linguagem desse monumento não difere significativamente das celebrações aristocráticas tradicionais de realizações importantes. Muitas das ações, como a realocação de tribos, com o objetivo diplomático de instilar respeito pelo poder romano nos povos locais, sufocar rebeliões e defender aliados, eram as mesmas executadas pelos governadores desde que as primeiras províncias permanentes foram criadas. Esperava-se que o legado imperial realizasse bem tais tarefas, mas não as estendesse por iniciativa própria, menos ainda buscasse obter glória por novas e não autorizadas conquistas.

CÓRBULO NA GERMÂNIA

Cneu Domício Córbulo era um homem grande, viril, com aparência de soldado da cabeça aos pés, e tinha um talento instintivo para conquistar o respeito dos homens, especialmente dos legionários. Sabe-se relativamente pouco sobre os primeiros anos de sua vida, mas sua família era rica e bem-estabelecida. Seu pai foi cônsul (na verdade foi escolhido cônsul em eleição para completar o mandato do magistrado eleito anteriormente, que fora afastado em processo de impedimento), em 39 d.C., e tinha uma meia-irmã – sua mãe foi casada nada menos do que seis vezes –, Milônia Cesônia, a última esposa de Calígula. Em 47, Córbulo foi nomeado legado da Germânia Inferior por Cláudio. Antes da sua chegada, a província havia sido saqueada pelos caúcos. A partir de suas terras na costa do mar do Norte, esses guerreiros germânicos vinham em pequenos navios para atacar o norte da Gália, sempre que tinham acesso às comunidades por mar ou por rio. Era um tipo de atividade rotineira entre os povos da área, que em séculos vindouros se tornariam famosos como os vikings.

Os caúcos eram liderados por Ganasco, embora esse chefe guerreiro viesse originalmente de outra tribo, os cananefates, povo relacionado aos batavos. Ele era desertor de uma unidade auxiliar romana, sendo, portanto, outro dos vários inimigos considerados ainda mais perigosos, já que os romanos os tinham ensinado a lutar.

Ao chegar à Germânia Inferior, Córbulo respondeu com rapidez, empregando tanto o exército quanto esquadrões navais da frota que patrulhava o Reno e o mar do Norte, a classis Germanica. Pequenas tropas foram enviadas para interceptar quaisquer saqueadores que tivessem aportado, enquanto galés romanas perseguiam embarcações germânicas. Grupos de saque podiam atacar com rapidez e eram difíceis de ser detidos, porém tendiam a ser vulneráveis quando se retiravam levando seu espólio. Depois de um breve período de operações, os caúcos foram expulsos das províncias romanas e Córbulo concentrou seu exército, submetendo as tropas a um programa de treinamento de curta duração, mas muito rigoroso. Diz-se que ele executou dois legionários que trabalhavam construindo fortificações de um acampamento de marcha por terem deixado de lado suas espadas. Tácito, que conta a história, achou que podia ser um exagero, mas sentiu que, mesmo assim, ela indicava a dura disciplina imposta aos que serviam o exército. Como vimos, o general, cuja primeira tarefa era treinar um exército indisciplinado e inexperiente, era uma figura familiar da literatura romana, por isso deve-se sempre suspeitar que uma descrição dessa atividade fosse apenas um dos clichês inevitavelmente atrelados aos comandantes famosos. Contudo, como o exército do Reno parece ter realizado campanhas de menor seriedade por mais de uma década antes da chegada de Córbulo, é provável que muito soldados e unidades não tivessem experiência no serviço ativo. Também em 43 d.C., grande parte do exército das duas províncias germânicas, inclusive as três legiões e muitos auxiliares, tinha sido deslocada para formar a força de invasão da expedição à Britânia de Cláudio. Possivelmente as unidades mais bem preparadas para o combate foram selecionadas para esse fim, deixando para trás os soldados não tão bem treinados e talvez os oficiais menos ambiciosos e agressivos. De qualquer modo, era impossível manter os legionários e auxiliares num estado permanente de total prontidão para a guerra, especialmente porque havia muitas outras tarefas que os soldados tinham de realizar[6].

Quando sentiu que o exército estava pronto, Córbulo cruzou o Reno e avançou até as terras ao longo da costa do mar do Norte. A primeira tribo que encontrou foi a dos frisii, que atacara tropas romanas em 28 d.C. e não fora ainda subjugada. Impressionados com o tamanho e a confiança do exército de Córbulo, os líderes dos frisii imediatamente se renderam e permitiram que os romanos estabelecessem uma guarnição em seu território. O comandante romano seguiu, então, para leste, em direção às terras dos caúcos. À frente do exército, foram enviados emissários que exigiram a submissão da tribo. Esses homens também providenciaram o assassinato de Ganasco, que tinha escapado depois da derrota das suas forças.

Do mesmo modo que a traição a Jugurta e o assassinato de Viriato, este incidente demonstra uma vez mais o desejo dos romanos de empregar métodos dúbios e indignos para se livrar de líderes inimigos cuja existência prolongasse um conflito. Entretanto, neste caso, o assassinato levou os caúcos a resistir aos romanos com mais tenacidade, de modo que o exército de Córbulo avançou contra eles para o que se esperava ser uma grande campanha. A essa altura, ele recebeu instruções de Cláudio, ordenando-lhe que interrompesse as operações e retornasse com o exército à sua província. O relato de Tácito não deixa claro quanto o imperador sabia sobre onde ele estava e o que fazia, mas a fonte mais provável para essas informações seriam os próprios despachos de Córbulo. Cláudio não desejava que grandes operações a leste do Reno fossem retomadas, principalmente enquanto a conquista da Britânia ainda não se concluíra. Tácito também afirma que esse imperador sem inclinação militar, aleijado de nascença e considerado durante muito tempo mentalmente incapaz até por sua família, não desejava que Córbulo adquirisse fama com tal conquista. Cláudio já havia enfrentado a tentativa de rebelião de um governador provincial em 42 d.C. e não tinha intenção de criar um rival ainda mais perigoso.

Córbulo imediatamente obedeceu às ordens – do contrário arriscaria ser rapidamente executado –, porém seu comentário nost álgico, “como os generais romanos dos tempos antigos tinham sorte”, evocava a república, quando muito menos restrições eram impostas a um magistrado que buscava a glória. Apesar de ser chamado de volta à capital do império, ele ainda foi recompensado com honras triunfais. Quando todas as tropas, inclusive a guarnição estacionada entre os caúcos, foram enviadas para a margem ocidental do Reno, seu comandante ordenou que construíssem um canal entre aquele rio e o Mosa. Projetos assim contribuíam para manter os soldados ocupados e em forma, quando não no auge do treinamento militar, e tinham a vantagem adicional de beneficiar as províncias. O legado responsável era quase sempre honrado pelo imperador. Tácito continua seu relato sobre a campanha germânica de Córbulo contando um incidente que envolveu Cúrcio Rufo, o legado da província vizinha à Germânia Superior, que empregara seus legionários para explorar uma nova mina de prata. Muitos homens se acidentaram ou morreram durante esse projeto, e os lucros obtidos foram poucos; mesmo assim, Rufo recebeu honras triunfais (triumphalia). Tácito afirma com acidez que, depois disso, os legionários escreveram uma carta a Cláudio pedindo que concedesse tal honra automaticamente a cada legado que assumisse seu mandato, em lugar de esperar que ordenassem a seus homens a realização de trabalhos árduos e sem sentido[7].

ROMA, A PÁRTIA E A QUESTÃO ARMÊNIA

A ação de Córbulo na Germânia lhe garantiu considerável sucesso, mas foram suas campanhas posteriores no Oriente que estabeleceram sua reputação como um dos maiores generais romanos do século I d.C. Antes de examinar essas operações em algum detalhe, vale a pena rever a história das relações entre Roma e a Pártia.

A Pártia foi o reino mais poderoso que surgiu do esfacelamento do Império Selêucida no final do século II a.C. A dinastia arsácida veio a controlar uma grande área do território, que incluía parte significativa dos modernos Irã e Iraque. Nessa área havia uma população muito diversificada, variando de cidades helênicas como Selêucia e Ctesifonte a tribos pastorais e seminômades. A sociedade parta era essencialmente feudal, com boa parte do poder teoricamente nas mãos do rei, sendo, na prática, exercido pelos líderes de sete grandes famílias nobres. O exército era formado por uma combinação das próprias tropas do rei e dos nobres partidários, os quais, em outros tempos, poderiam facilmente tornar-se rivais na disputa pelo trono. Não era, portanto, inteiramente de interesse do rei permitir que qualquer aristocrata criasse uma força grande ou eficiente demais que pudesse voltar-se contra ele. A fraqueza interna da Pártia evitava que ela virasse um sério rival do Império Romano, mesmo no controle das províncias orientais, mas ela foi com certeza o poder independente mais forte encontrado por Roma durante o final da república e o principado.

Os exércitos partos eram essencialmente forças de cavalaria, que apresentavam um problema muito diferente para as legiões, comparado com os povos tribais a oeste de Roma. A maioria dos cavaleiros partos eram arqueiros montados que manipulavam arcos compostos muito eficientes; eles treinavam por meio de longa prática em disparar cavalgando, o que representava um alvo difícil para o inimigo, e nunca se aproximavam demais, exceto quando possuíam uma vantagem esmagadora. Os guerreiros de maior prestígio eram os catafractários, os quais, tanto eles como suas montarias, usavam armadura pesada. Tais homens pertenciam sobretudo à aristocracia, uma vez que o custo desse equipamento era muito alto, e por vezes atacavam em carga, cada homem armado com uma longa lança (kontos). Em combinação, os arqueiros desgastavam o inimigo antes de os catafractários atacarem; esses cavaleiros poderiam ser de uma eficiência devastadora, mas os exércitos partos não eram sempre liderados com habilidade ou bem equilibrados com relação ao tamanho das tropas desses dois tipos de cavaleiros. Não obstante, apesar da aparência de tropas semelhantes em exércitos de outras nações, nenhum outro povo desse período foi capaz de superar os melhores exércitos partos nesse estilo de combate[8].

Pompeu encontrou os partos perto do final das suas campanhas orientais e escolheu sabiamente a diplomacia em lugar de tentar obter ainda mais glória, a qual o confronto militar poderia lhe proporcionar. Contudo, em 54 a.C., Crasso, ansioso por rivalizar as realizações dos seus aliados Pompeu e César, invadiu a Pártia. Havia poucas justificativas para a guerra, mesmo pelos padrões romanos, embora essa opinião tenha se tornado dominante apenas quando a expedição terminou em desastre. Crasso tinha mais de 60 anos e sua última experiência no serviço ativo fora contra Espártaco. No primeiro momento, ele conduziu a campanha com letargia, pois deixou que grande parte do primeiro ano passasse sem pressionar o inimigo. Tanto os romanos como os partos estavam superconfiantes, já que seus exércitos eram acostumados a derrotar as forças de outros reinos da região com grande facilidade.

Em 53 a.C., Crasso encontrou um destacamento do exército parto principal, comandado por Surena (que pode ter sido um título, em vez de o nome de uma pessoa) em Carras. Era um bom terreno para a cavalaria, e os legionários romanos não conseguiram alcançar seus oponentes móveis, os quais lançaram uma chuva de flechas sobre eles. A cavalaria romana, grande parte da qual era composta por auxiliares gauleses, estava sob o comando do filho do general, Públio, que os levou para longe da força principal, onde foram cercados e aniquilados. Durante o resto do dia, os arqueiros a cavalo continuaram a disparar flechas no quadrado formado pelos legionários, e a esperança dos romanos de que o inimigo ficasse sem flechas mostrou-se vã, pois Surena tinha um comboio de suprimentos bem organizado sobre camelos que transportavam munição.

Muitos dos homens de Crasso foram feridos, a maioria no rosto, nas pernas ou no braço direito, que não estava protegido pelo escudo, apesar de as legiões não se reduzirem a ponto de ficarem vulneráveis a um ataque dos catafractários. Mesmo assim, Crasso, que depois da morte de Públio saíra da sua letargia e tentava supervisionar e encorajar seus homens ao melhor estilo romano, desesperou-se e ordenou a retirada. Retirar-se de um contato próximo com o inimigo sempre foi perigoso, mas, quando o inimigo possuía uma grande cavalaria e o terreno era aberto, era cortejar o desastre. A maior parte do exército romano foi rapidamente morta ou capturada (há uma teoria intrigante de que alguns dos prisioneiros foram subsequentemente vendidos como escravos, indo servir chineses, mas as evidências são inconclusivas). Crasso foi morto enquanto tentava negociar uma trégua, e sua cabeça foi levada para o rei parto. Apenas alguns poucos sobreviventes, comandados pelo questor Cássio Longino – um dos homens que, mais tarde, iria assassinar César –, fugiram para a Síria e conseguiram repelir alguns ataques débeis contra a província. Por algum tempo, os partos estiveram ocupados demais com problemas internos para aproveitar a grande vantagem que obtiveram com sua vitória. Nos meses seguintes, Surena foi executado pelo rei por ser um rival potencialmente perigoso. Sem dúvida, isso pouco fez para estimular o surgimento de outros comandantes igualmente talentosos[9].

Como Roma logo mergulhou na guerra civil, não houve oportunidade para vingar Crasso. César foi assassinado antes que pudesse lançar a invasão que planejava. Então, em 40 a.C., o rei Orodes da Pártia enviou um exército para conquistar a Ásia e a Síria; com eles, estava Quinto Labieno, filho do antigo legado de César, posteriormente seu inimigo, e alguns partidários de Pompeu que ainda não haviam sido eliminados. Esse foi um caso quase único de um aristocrata romano desertando para o lado de um inimigo, mas o acontecimento está um tanto ofuscado e o fato pode ser visto como uma continuação da Guerra Civil. Carras tinha confirmado a convicção de muitos partos de que seus guerreiros eram superiores a qualquer inimigo, inclusive os romanos. O excesso de confiança, combinado com a liderança fraca, resultou em pesadas perdas em 39 e 38 a.C., quando exércitos partos atacaram de maneira mal planejada forças romanas preparadas e bem comandadas que ocupavam posições fortes. Na segunda dessas derrotas, o filho do rei Pacoro foi morto, e a tentativa de invadir a Síria, abandonada. Marco Antônio não esteve presente a essa campanha, e o comando caiu nas mãos capazes do seu legado Públio Ventídio Basso. Outro de seus subordinados expulsou o regime apoiado pelos partos na Judeia, no ano seguinte. Em 36 a.C., o próprio Antônio lançou um grande ataque à Pártia. Conhecendo o destino de Crasso, ele apoiou seus legionários com uma cavalaria muito maior e com infantaria ligeira armada de arcos e fundas, mantendo-se, sempre que possível, em regiões que não eram adequadas às operações de cavalaria. O exército principal de Antônio deslocou-se através da Armênia até a Media Atropatene (moderno Azerbaijão), onde iniciou um cerco à cidade de Fraapsa. Uma tentativa dos partos de libertar a cidade foi frustrada – os legionários bateram suas armas contra os escudos e gritaram para assustar os cavalos –, mas o inimigo montado conseguiu fugir sem sofrer grandes perdas. Antônio impelira seu exército a avançar tão rapidamente durante a invasão, que seu comboio com equipamentos pesados de cerco ficou a alguma distância para trás. Conforme os partos voltavam a atenção para as linhas de suprimento romanas, uma força da sua cavalaria esmagou o comboio e sua escolta. Sem artilharia ou outro equipamento pesado, não havia perspectiva de tomar Fraapsa, e Antônio foi forçado a se retirar, ainda que relutante. Como de costume, os partos atacaram as colunas em marcha, infligindo pesadas perdas aos legionários. A expedição de Antônio não foi um desastre da escala de Carras, mas mesmo assim constituiu uma grande derrota. A crescente tensão entre Antônio e Otaviano impediu qualquer tentativa de retomar a guerra[10].

Augusto ignorou os partos por quase uma década depois de Áccio, porém, em 20 a.C., enviou o jovem Tibério ao Oriente para instalar um novo monarca no trono armênio e substituir o títere dos partos a quem fora dado o poder. Por meio de uma combinação de diplomacia com a ameaça do uso da força, os romanos conseguiram atingir todos os seus objetivos, inclusive a devolução dos seus estandartes, especialmente as preciosas águias legionárias, e prisioneiros tomados de Crasso e de Antônio. As águias foram levadas a Roma e depositadas com grande cerimônia no Templo de Mars Ultor (Marte, o Vingador), a parte central do novo Fórum de Augusto. Esse sucesso diplomático evitou o risco de uma guerra em grande escala com a Pártia num momento em que o exército de Augusto estava completamente comprometido em outro lugar. Tanto os romanos como os partos, na época, nutriam um respeito saudável pelo poderio militar do outro. A principal fonte de fricção entre as potências era a Armênia, que ambos consideravam estar dentro da sua esfera de influência. Para os romanos, era um entre vários reinos clientes, e esperavam que seu rei reconhecesse abertamente que seu poder dependia da aprovação dos romanos. Um dos principais motivos para enviar Germânico ao Oriente em 18 d.C. era conferir formalmente o poder ao novo rei armênio em Artaxata. Não obstante, em termos de cultura, a Armênia tinha muito mais em comum com a Pártia e era considerada um reino apropriado, bem como vantajoso, com o qual recompensar parentes leais do rei arsácida.

Em 35 d.C., um rei parto colocou um dos seus filhos no trono armênio, embora ele tenha sido rapidamente derrotado por um rival apoiado pelos romanos. Em 52 d.C., Vologases I da Pártia tirou vantagem de um período de confusão na Armênia, que se seguiu ao assassinato do rei pelo seu impopular sobrinho, para substituí-lo por seu irmão Tiridates. O idoso imperador Cláudio não respondeu de imediato a tal manobra, porém, após sua morte em 54, seu sucessor e filho adotivo Nero resolveu agir. No ano seguinte, Córbulo foi enviado para a região. A escolha foi extremamente popular, pois parecia indicar que o novo regime escolheria homens com base no mérito – e, claro, do ponto de vista dos senadores, também com base no nascimento e na riqueza[11].

CÓRBULO NA ARMÊNIA

Córbulo recebeu uma província extraordinária, que combinava a Capadócia e a Galácia. Eram províncias senatoriais regulares, mas o sistema de Augusto era extremamente flexível, e a nomeação de um legado imperial para controlar a área não trazia dificuldades. De fato, como os legados tinham funcionários para assisti-los e homens do exército para constituir seu grande corpo de auxiliares, eles tinham normalmente mais pessoal administrativo à sua disposição do que um procônsul senatorial. A certa altura, Córbulo recebeu o imperium proconsular em vez do propretoriano e contara com um legado que o auxiliava na execução da maior parte das tarefas administrativas diárias dessa grande província. A Capadócia contava com bom acesso à Armênia, enquanto a Galácia dispunha de uma população expressiva, grande parte da qual de descendentes das tribos gaulesas, ou gálatas, que invadiram a região no século III a.C., e era considerada um terreno fértil para recrutamento militar. A Capadócia tinha guarnições de unidades auxiliares, mas nenhuma dessas áreas possuía uma legião, e o núcleo das forças colocadas à disposição do novo legado era formado pelo exército da Síria. Córbulo recebeu duas das quatro legiões sírias, apoiadas por cerca de metade das unidades auxiliares da província. Tropas adicionais seriam fornecidas pelos reinos clientes da região. Desde o começo, houve alguma fricção entre Córbulo e o legado da Síria, Umídio Quadrato, que foi forçado a ceder boa parte do seu exército e sabia que seria ofuscado pelo seu colega mais famoso. No entanto, como Córbulo tinha imperium superior, a disputa poucas vezes produziu algo mais que pequenas altercações.

Desde o início, esperava-se que fosse possível uma solução diplomática, através da qual Tiridates concordaria em ir para Roma e receber o título de rei formalmente conferido a ele por Nero. Desse modo, Córbulo despachou embaixadores – quase sempre centuriões – a Vologases, mas, ao mesmo tempo, começou a preparar seu exército para a guerra, para o caso de esses arranjos serem rejeitados. Nero já tinha ordenado que as legiões sírias fossem reforçadas por alistamento (dilectus), embora o significado dessa ação não fique claro no contexto do principado. Em teoria, todo cidadão romano continuava apto para o serviço militar, porém as experiências de Augusto em 6 e 9 d.C. mostraram o quanto a convocação não era popular, em especial na Itália. A convocação nas províncias orientais pode ter assumido uma forma organizada, com o amplo uso de algo como um grupo de divulgação ou simplesmente o despacho de grupos de recrutamento maiores do que os normais para encontrar voluntários. Em meados do século I, o número de homens nascidos na Itália e que serviam nas legiões estava declinando, sendo que a maioria dos recrutas eram cidadãos das províncias. Desde muito cedo, parece realmente ter havido o desejo de alistar homens que não eram cidadãos de Roma, oriundos de algumas das regiões mais colonizadas do Oriente, que recebiam a cidadania quando entravam nas legiões. Augusto tinha formado uma legião inteira, a XXII Deiotariana, com soldados gálatas, e a província era considerada a que fornecia os recrutas de melhor qualidade. É interessante notar que a convocação para aumentar as forças das legiões ocorreu mais ou menos na mesma época da jornada missionária do apóstolo Paulo à Galácia, embora haja debates com relação à rota que ele tomou na província. Sua última carta às igrejas gálatas contém surpreendente quantidade de vocabulário e imagens marciais[12].

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AS CAMPANHAS DE CÓRBULO NO LESTE

Córbulo descobriu que as tropas sob seu comando estavam em mau estado. Tácito diz que as legiões sírias não estavam em boas condições e eram mal disciplinadas, pois o exército lá estacionado estivera ocioso por muitos anos. Ele afirma que alguns soldados antigos nunca tinham visto ou construído um acampamento de marcha e outros não possuíam couraça ou capacete. Depois de passar suas tropas em revista, o general ordenou a dispensa de todos aqueles cuja idade ou saúde os tornava inadequados ao serviço. Uma vez mais encontramos o clichê do grande comandante que chega e encontra um exército desmoralizado, ao qual rapidamente impõe disciplina e transforma num exército eficiente. Também é um tema literário comum que o longo serviço no Oriente, sobretudo nas maiores cidades, corrompia a moral e destruía a eficiência militar dos soldados. De acordo com a observação acertada dos estudiosos, as fontes que trazem essa sugestão demonstram que as legiões estacionadas no Oriente não eram quase sempre de má qualidade e que seus recrutas não eram de modo algum um material militar pior do que aqueles alistados nas províncias ocidentais. No entanto, isso não significa que, em 55 d.C., as tropas de Córbulo não precisassem de treinamento intenso. O exército sírio passou a maior parte do tempo no policiamento das províncias, com seus soldados distribuídos em muitos pequenos destacamentos. Isso conferiu às unidades poucas oportunidades de treinamento regular, especialmente em nível de legião ou até superior. A experiência de Córbulo na Germânia já demonstrara como a prontidão das tropas para entrar em combate numa província em paz tinha declinado, por isso não havia nada de exclusivo com relação ao exército sírio. Além disso, as legiões sob seu comando tinham acabado de dispensar muitos dos seus soldados mais antigos e recebido grupos de novos recrutas. Havia grande necessidade de treinar esses novos soldados e integrá-los completamente nas suas novas unidades. Dessa maneira, o rigoroso programa de treinamento que Córbulo impôs aos seus homens era uma preparação prática e normal para o que poderia vir a ser uma campanha árdua[13].

O general levou seus homens ao alto das montanhas para treinar em condições semelhantes às que poderiam encontrar nas frias terras altas da Armênia. Tácito conta histórias de numerosos casos de congelamento, como o de um homem cujas mãos caíram ao congelarem e grudarem num feixe de lenha, ou de sentinelas encontradas mortas ao serem expostas ao frio em seus postos. Durante todo o inverno, o exército permaneceu em barracas de lona, em vez de construir alojamentos mais adequados ao clima ou retornar a quartéis na cidade. Córbulo compartilhava as dificuldades com seus homens e, “vestindo roupas leves e de cabeça despida, movia-se continuamente pelas tropas da coluna em marcha, ou quando os homens trabalhavam, elogiava os que executavam o serviço com presteza, encorajando os que estavam cansados e atuando como um exemplo para todos”[14]. Além de tentar inspirar seus homens, o general também punia qualquer crime de modo mais severo que o usual. A deserção sempre foi um problema no exército profissional, onde os homens tinham de servir por 25 anos e eram sujeitos a punições brutais; nessas duras condições, muitos resolviam desertar. Córbulo ordenou que todos os desertores fossem executados, ignorando a prática de determinar uma pena mais branda para aqueles que fugiam pela primeira ou segunda vez. Alguns ainda desertavam, mas a severidade da ordem garantiu que seu exército perdesse menos homens do que a maioria das forças romanas. As duas legiões da guarnição síria, a III Gallica e a VI Ferrata, receberam uma terceira, muito provavelmente a IV Scythica, da Mésia, apesar de Tácito afirmar que a unidade estava estacionada a leste da Germânia. Não sabemos quando esse reforço chegou, mas parece mais do que provável que também essa unidade tenha passado por um período de treinamento a fim de se preparar para as batalhas. Mesmo assim, aparentemente não teve um papel de destaque nas operações até perto do final da guerra[15].

No primeiro momento, a impressão era de que apenas a diplomacia bastaria para garantir os objetivos de Roma, pois Vologases respondeu aos enviados dando-lhes reféns. A não ser por uma disputa menor entre o embaixador mandado por Quadrato e o enviado de Córbulo sobre quem deveria receber o crédito por escoltar esses aristocratas partos até o império, parecia que a crise tinha sido superada e assim o Senado votou por conceder honras a Nero. Entretanto, Tiridates se recusou a ir a Roma, no que foi apoiado por seu irmão, e a tensão voltou a crescer ao longo do ano seguinte.

A maior parte do exército estava estacionada perto da fronteira com a Armênia, e Córbulo construiu uma série de fortes ocupados sobretudo por auxiliares sob o comando de um certo Pácio Orfito, um centurião sênior, ou primus pilus. Sob o principado, um primus pilus era seguramente promovido à ordem equestre depois de assumir esse posto, e Orfito era agora, provavelmente, prefeito auxiliar ou tribuno legionário. Era também um oficial autoconfiante e agressivo, que reportou a Córbulo que as guarnições armênias próximas estavam em más condições e pediu permissão para começar o ataque. Apesar da ordem clara de evitar qualquer ação como esta, Orfito foi encorajado a lançar um ataque pelo entusiasmo de algumas tropas (turmae) de cavalaria auxiliar chegadas havia pouco. Os armênios se mostraram mais prontos do que ele previra e derrotaram a guarda avançada da tropa de ataque. As coisas pioraram quando seu pânico se alastrou às outras tropas, que imediatamente fugiram e retornaram a seus fortes. Uma derrota, mesmo numa escaramuça menor, era o pior começo possível para uma campanha, em especial para um exército inexperiente. Normalmente, um general esperava prosseguir o período de treinamento com algumas vitórias fáceis para aumentar a confiança dos homens. Córbulo se sentiu insultado com o ocorrido e passou uma severa reprimenda em Orfito e nos outros prefeitos. Quando eles e as unidades sob seu comando reuniram-se ao exército principal, receberam ordens de erguer suas tendas do lado de fora do baluarte do acampamento, uma humilhação simbólica infligida aos sobreviventes de uma unidade que fora dizimada.

Córbulo talvez tenha esperado que, ao isolar as tropas derrotadas dessa forma e expô-las ao desprezo do restante do exército, evitaria que a maioria dos soldados fosse afetada com a perigosa opinião de que o inimigo era poderoso. Mais tarde, o general se permitiu ser “persuadido” por uma petição de todo o exército – ou, mais provavelmente, dos seus oficiais – para permitir que as unidades voltassem ao acampamento. Ele também pode ter sentido que a lição objetiva sobre a importância de obedecer às suas ordens foi bem passada. É possível que, por volta da mesma época, tenha ocorrido uma história narrada por Frontino. De acordo com ela, Córbulo descobriu que um prefeito que comandava uma unidade de cavalaria auxiliar, a qual tinha sido derrotada pelo inimigo, não havia armado nem equipado seus homens de maneira apropriada. Como punição, ele mandou que esse homem, um certo Emílio Rufo, voltasse à sua tenda e que seus lictores o despissem. Rufo foi então obrigado a ficar nessa condição indigna até que o general resolvesse dispensá-lo[16].

Com o inimigo reunindo-se em grandes números na sua fronteira, Tiridates iniciou uma campanha ativa para reprimir as comunidades do seu reino que pareciam simpáticas a Roma. Além de suas próprias forças, ele havia recebido cavaleiros adicionais enviados por seu irmão. Córbulo avançou contra ele e, no primeiro momento, tentou interceptar os ataques lançados contra cidades amigas. No começo, esperava atrair o inimigo a uma batalha campal, mas Tiridates não tinha a intenção de arriscar-se em um encontro desse tipo e escolheu, em vez disso, usar sua mobilidade. Córbulo dividiu seu exército em várias colunas menores, esperando pressionar o inimigo em diversos pontos de modo simultâneo. Ele também instruiu o rei de Comagena a atacar as regiões da Armênia mais próximas da sua terra. As atividades diplomáticas conseguiram atrair os homens de Mosquia, uma tribo das fronteiras orientais da Armênia a alguma distância do império, e os persuadiram a atacar Tiridates a partir de outra direção. Enquanto isso, Vologases precisou enfrentar uma rebelião interna e não pôde enviar ajuda militar significativa. Tiridates mandou enviados perguntarem por que ele estava sendo atacado apesar de ter entregado reféns no início das negociações. Em resposta, Córbulo simplesmente exigiu que o rei fosse a Roma para que seu poder fosse concedido por Nero.

Uma reunião foi arranjada, mas o comandante romano ignorou a sugestão de Tiridates de levar apenas uma escolta de legionários sem armaduras para enfrentar seus mil arqueiros montados. Em vez disso, Córbulo levou todas as tropas consigo, inclusive a VI Ferrata reforçada com três mil homens da III Gallica, que desfilaram sob uma única águia para parecer que apenas uma legião estava presente. Ele também providenciou para que a reunião ocorresse num local que lhe oferecesse uma posição muito boa em caso de haver uma batalha. No evento, Tiridates, talvez não confiando numa força tão grande, recusou-se a se aproximar. Depois de algumas horas, os dois lados se retiraram para acampar naquela noite, porém o rei retirou-se sob a proteção da escuridão e, então, enviou grande parte das suas forças para atacar as linhas de suprimento romanas, que vinham do porto do mar Negro de Trapezus. Tal manobra era típica do modo parto de fazer guerra e, no passado, se mostrara bem-sucedida contra Antônio. Córbulo estava mais bem preparado, pois construíra uma série de fortes que guardavam a estrada através dos passos da montanha que levavam ao mar, e providenciara que cada comboio de suprimentos fosse escoltado por tropas[17].

É impossível reconstituir com certeza a cronologia das campanhas de Córbulo, pois Tácito, que fornece o único relato detalhado dessas operações, é vago a esse respeito. Para ele, a descrição de uma guerra, mesmo uma conduzida com tanto crédito por um verdadeiro herói senatorial, representava pouco mais que uma digressão útil para interromper seu relato sobre a vida política romana e os vícios do imperador e da sua corte. Não está claro se as operações descritas aconteceram em 56 ou 57 d.C., ou talvez em 58. Entretanto, depois de fracassar em atrair Tiridates a uma batalha decisiva nessas operações iniciais, Córbulo resolveu, em vez disso, atacar as cidades e fortalezas leais ao rei, que eram as mais importantes. Sua intenção era atrair as forças inimigas para longe das suas linhas de abastecimento e, talvez, até forçar o rei a arriscar uma batalha em sua defesa. As fortalezas controlavam as terras vizinhas e eram fontes determinantes de receita e recursos militares, tornando-as valiosas por si sós. Ainda mais importante, um rei que não pudesse defender as comunidades leais a ele e que observava impotente enquanto eram tomadas por meio de cercos perdia muito prestígio.

O exército romano atravessou o elevado planalto de Erzurum e entrou do vale do rio Araxes. O próprio Córbulo comandou uma força contra a fortaleza de Volandum (possivelmente a moderna Igdir), enquanto, ao mesmo tempo, dois dos seus subordinados atacaram cidades menores ou não tão bem defendidas. Após fazer pessoalmente o reconhecimento da posição e dar tempo para garantir que seus homens recebessem suprimentos suficientes, bem como todo o equipamento necessário à operação, ele deu ordens para o assalto, encorajando os soldados com a confiança que tinha em sua coragem e com a esperança de obter glória e espólios. Com o apoio da artilharia, de arqueiros e fundeiros, alguns legionários foram colocados na formação testudo – com os escudos acima da cabeça de modo a unirem-se uns aos outros, formando um telhado forte o bastante para resistir a todos os projéteis, exceto os mais pesados – e começaram a destruir a muralha com picaretas e pés de cabra. Outro grupo foi encarregado de colocar escadas contra o baluarte e invadir as muralhas. Volandum caiu em questão de horas sem que os romanos sofressem uma única baixa. Os defensores foram massacrados e as mulheres, filhos e outros não combatentes foram leiloados como escravos. O restante do butim foi dado como recompensa aos soldados. As duas outras fortalezas caíram num massacre semelhante no mesmo dia. Aterrorizados com a facilidade com que os romanos tomaram essas posições e temendo sofrer o mesmo destino que seus ocupantes, a maioria das cidades e aldeias vizinhas rendeu-se a Córbulo sem resistir[18].

O exército romano concentrou-se novamente e avançou contra Artaxata. Antes de iniciar o cerco, os legionários precisavam cruzar o Araxes, mas, como a ponte estava ao alcance das muralhas da cidade, Córbulo levou seus homens por uma rota mais longa, atravessando o rio por um vau. A ameaça à capital regional forçou Tiridates a trazer seu exército em seu socorro. Ele colocou as forças prontas para a batalha numa planície aberta, no caminho do exército romano, esperando ou combater nesse terreno, favorável à sua cavalaria numericamente superior, ou fingir que batia em retirada, atraindo desse modo os romanos a persegui-las e a sair de formação. O exército de Córbulo estava avançando na formação de quadrado com o centro vazio, cada uma das coortes em marcha pronta para entrar rapidamente em ordem de batalha. Ele tinha ganhado reforços de uma vexillatio – destacamento cujo nome se baseava na bandeira quadrada, vexillum, que levava como estandarte – de uma das legiões estacionadas na Síria, a X Fretensis, que formava a frente do quadrado. A III Gallica compunha a direita do quadrado e a VI Ferrata, a esquerda, cercando o comboio de bagagem no centro. A retaguarda era fechada por mil cavaleiros que tinham ordens estritas de não saírem de suas posições por nenhum motivo. Mais cavaleiros apoiados por arqueiros a pé foram empregados como alas. Vendo que o exército romano estava bem preparado para enfrentar um ataque direto, Tiridates enviou pequenos grupos de arqueiros a cavalo para enfraquecer o inimigo. Esses cavaleiros equipados com armas leves galopavam em direção aos romanos, disparando flechas contra eles, e então retiravam-se, quase sempre fingindo pânico na esperança de provocar uma perseguição desorganizada. Córbulo manteve seus homens sob rígido controle – a punição de Orfito era um lembrete do preço da desobediência. Contudo, um decurião ansioso por conquistar a fama atacou à frente de seus homens, apenas para cair sob uma chuva de flechas. Era um aviso adicional de que os partos aparentemente em fuga continuavam a ser um inimigo extremamente perigoso. Ao anoitecer, Tiridates retirou seu exército.

Córbulo montou seu acampamento onde estava e chegou a considerar mandar as legiões em marcha forçada contra Artaxata naquela mesma noite, suspeitando que o rei fora para aquela cidade e esperando surpreendê-lo antes que pudesse organizar sua defesa. Ele abandonou a ideia quando seus batedores (exploratores) reportaram que Tiridates tinha ido em outra direção e parecia estar fugindo para uma região distante. No dia seguinte, enviou sua infantaria ligeira ao amanhecer para cercar a cidade e impedir que seus habitantes fugissem, seguindo com a força principal logo depois. Abandonados pelo seu rei, os habitantes de Artaxata abriram os portões e se renderam aos romanos que se aproximavam. Eles receberam permissão de continuar em liberdade, mas sua cidade foi incendiada e suas muralhas foram derrubadas, pois Córbulo tinha poucas tropas para destacar uma guarnição para a cidade, e a grande distância das outras bases romanas tornaria sua posição precária. O exército romano vitorioso saudou formalmente Nero como imperator pelo sucesso conquistado por seu legado. Era um título que o imperador aceitou com prazer, como eram também as outras honras conferidas a ele por um Senado sicofanta[19].

Depois dessa vitória, Córbulo seguiu para Tigranocerta, provavelmente seguindo a mesma rota que o exército de Lúculo seguira mais de um século antes. As comunidades e pessoas que o receberam calorosamente foram poupadas, e aquelas que resistiram ou fugiram foram punidas. Num caso em que descobriu que os habitantes de uma localidade haviam se abrigado em cavernas nas montanhas com as posses que podiam levar, ele ordenou aos soldados que empilhassem lenha na entrada das grutas e ateou fogo à madeira, queimando ou sufocando seus ocupantes. Os ibéricos, que eram aliados de Roma, receberam instruções de saquear o território dos mardis, uma tribo das montanhas que se recusou a submeter-se. Córbulo, como todos os outros comandantes romanos, empregava a força ou a diplomacia de forma puramente pragmática, visando a obter vantagens. O bom tratamento daqueles que se submetiam a Roma estimulava que outras comunidades se rendessem e, desse modo, ajudassem a enfraquecer o inimigo.

Foi uma marcha árdua através de um terreno difícil, e, como Córbulo forçava o passo, as provisões começaram a escassear; ele provavelmente levou o menor comboio de bagagem possível. Durante algum tempo, a ração dos soldados consistiu quase que inteiramente em carne, em vez da usual alimentação equilibrada, até chegar às planícies férteis nos arredores de Tigranocerta, onde tiveram mais oportunidades para forragear. Naquele momento a resistência estava um pouco melhor organizada, e, enquanto uma cidade fortificada era invadida rapidamente, o ataque a outra era repelido e ela tinha de ser conquistada por meio de um cerco. Àquela altura, alguns nobres armênios que tinham desertado para unir-se aos romanos foram presos e executados, sob suspeita de tramarem o assassínio de Córbulo. Quando o exército de Roma finalmente chegou a Tigranocerta, os líderes da cidade não tinham certeza sobre se deveriam resistir ou não. Um proeminente aristocrata local, chamado Vadando, fora capturado num combate recente – ou talvez fosse um dos suspeitos de conspirar contra o comandante romano. Córbulo mandou que fosse decapitado e que sua cabeça fosse lançada por sobre as muralhas da cidade com uma ballista. Frontino afirma que “por acaso ela caiu no meio de um conselho que estava acontecendo com a presença dos bárbaros mais importantes: a visão daquele objeto, que parecia quase um presságio, os aturdiu tanto que eles correram para se render”[20]. Córbulo recebeu uma coroa de ouro de presente e, esperando que a clemência conquistasse a população de uma cidade tão importante, dirigiu-se aos cidadãos anunciando que não seriam punidos de nenhuma maneira.

Os combates continuaram; os romanos reduziram a guarnição de um local chamado Legerda, depois de um cerco e de um assalto cuidadosamente preparados. Tiridates não foi capaz de fazer muita coisa para defender seu reino, pois Vologases estava preocupado com uma séria rebelião dos hicarnianos, que viviam perto do mar Cáspio. Estes mandaram enviados a Córbulo e formaram uma aliança com Roma. Tiridates fez uma tentativa de retornar à Media, mas foi impedido por uma força de auxiliares sob o comando do legado legionário Verulano Severo. Sabendo que Córbulo e o exército principal aproximavam-se rapidamente daquele local, ele se retirou o mais depressa que pôde. Os romanos enviaram expedições punitivas a qualquer parte da Armênia que parecesse demonstrar lealdade ao rei arsácida, mas não enfrentaram mais uma oposição concentrada no país. Nero despachou um príncipe da casa real capadócia – que também era aparentado dos Herodes – para tornar-se o novo rei da Armênia. Esse homem, Tiridates, passara grande parte da vida como hóspede-refém em Roma e era considerado confiável pelo imperador. Córbulo e o exército principal retiraram-se do reino e foram à Síria, que, naquele momento, não tinha governador, pois Quadrato morrera alguns meses antes. Córbulo deixou para trás uma força de mil legionários, três coortes de infantaria auxiliar e duas alae de cavalaria para apoiar o recém-empossado Tiridates[21].

Os capadócios mostraram-se ousados, pois, em 61 d.C., uma das suas primeiras ações foi lançar um ataque à Adiabena, região controlada pela Pártia. As reclamações de Monobazo, governante da Adiabena, de que o rei parto não estava oferecendo a proteção devida aos seus súditos forçaram Vologases a agir para evitar a humilhação que quase certamente se seguiria à perda da terra. Fazendo uma declaração pública sobre a lealdade de Tiridates e reivindicando o trono armênio, ele lhe emprestou um destacamento da sua cavalaria sob comando de Monaeses e uma força arregimentada na Adiabena. Também firmou paz com os hircanianos para deixar Tiridates com maior liberdade na Armênia. Com esse reforço e o restante das suas tropas, Tiridates partiu para reconquistar o seu trono. Córbulo respondeu enviando duas legiões, a IV Scythica e a XII Fulminata, à Armênia. Embora ainda tivesse outras três legiões sob seu comando, ao que parece havia apenas uma disponível de imediato para defender o Eufrates, no caso de o rei parto resolver atacar a Síria. Essa unidade imediatamente recebeu a tarefa de preparar as defesas, o que incluía a construção de uma linha de fortes que controlava todas as fontes principais de água potável. Ele também escreveu a Nero pedindo a nomeação de um novo legado para controlar a guerra na Armênia, pois era difícil para apenas um homem supervisionar o conflito nesse reino e proteger a Síria[22].

Monaeses comandou seu exército contra Tigranocerta, mas descobriu que Tiridates estava bem preparado para defender a cidade, tendo armazenado grandes quantidades de provisões e reunido uma forte guarnição que incluía as tropas romanas deixadas por Córbulo. Os cavaleiros partos não gostavam dos trabalhos demandados por um cerco e não eram adequados para realizar as tarefas impostas; ao mesmo tempo, a necessidade de alimentar seus cavalos tornava-se uma grande carga para a forragem disponível localmente. A situação piorou porque grande parte da vegetação fora recentemente consumida por uma nuvem de gafanhotos. Por conta disso, o contingente da Adiebena assumiu o papel principal no ataque subsequente à cidade e pagou um alto preço em óbitos ao ser repelida e tentar fugir da força romana. Córbulo enviou um centurião como embaixador a Vologases, que levara sua corte e seu exército a Nisibis, a cerca de 37 milhas romanas de Tigranocerta. O fracasso do cerco e a escassez de provisões persuadiram o rei a ordenar a Monaeses que voltasse à Pártia. Depois das negociações, acordou-se que os embaixadores partos deveriam ser enviados a Nero em Roma e, entrementes, os romanos também se retirariam da Armênia. Tiridates parece ter ido com eles, pois os romanos ainda concordariam em reconhecê-lo como rei no lugar de Tigranes, desde que ele aceitasse admitir que governava com permissão do imperador. Contudo, os detalhes dessa condição mostraram-se inaceitáveis para os partos e a guerra foi reiniciada em 62 d.C.[23].

Um novo legado chegara para assumir o comando da Capadócia (e, provavelmente, também da Galácia), com responsabilidade pela guerra na Armênia. Esse homem era Lúcio Cesênio Peto. Correram rumores de que, no ano anterior, a notícia da sua nomeação tinha desestimulado Córbulo a lutar, em vez de negociar, pois ele não queria começar uma campanha e ser substituído para que outro a concluísse. Tácito não deixa de mencionar que, segundo algumas pessoas, Córbulo também temia o risco de sofrer algum revés que pudesse afetar sua lista de sucessos contínuos. Tão logo chegou, Peto assumiu o comando de duas das legiões sírias, a IV Scythica e a XII Fulminata, reforçadas pela V Macedonica, recentemente transferida da fronteira do Danúbio, enquanto Córbulo retinha o comando da III Gallica, da VI Ferrata e da X Fretensis. As duas forças eram apoiadas por auxiliares, mas é notável que Córbulo tenha mantido as legiões com as quais promovera campanhas nos anos recentes. Peto recebeu tropas que podem ter sido mal treinadas e certamente tinham muito menos experiência. Ele errou ao não ordenar – e pode não haver tido tempo – um programa de treinamento comparável àquele com que Córbulo preparara seus homens para a guerra. Do mesmo modo que ocorrera na relação entre Córbulo e Quadrato, não havia simpatia entre os dois legados de Nero. Peto ansiava por mostrar que era um homem independente e não apenas mero subordinado, capaz de igualar ou superar as realizações do seu colega de maior fama, enquanto Córbulo demonstrava pouco entusiasmo em auxiliá-lo nessa tarefa[24].

Pouco se sabe sobre Peto, porém a maneira como conduziu a campanha subsequente foi inepta. Começou bem, quando levou seu exército à Armênia em resposta a uma invasão dos partos comandada por Tiridates. Levou apenas duas legiões, deixando a V Macedonica para trás (talvez por não ter tido tempo suficiente desde sua chegada para integrá-la ao exército). A força marchou através dos montes Tauro e dirigiu-se a Tigranocerta, mas os preparativos foram feitos às pressas e não havia suprimentos em quantidade adequada. Diversas fortalezas foram tomadas, mas a falta de alimentos forçou o exército a se retirar de volta à região na fronteira da Capadócia, em vez de passar o inverno na Armênia central. No primeiro momento, os partos parecem ter planejado dirigir seu ataque principal contra a Síria, mas Córbulo construíra uma ponte de barcos no Eufrates para dar cobertura a grupos de trabalho com a artilharia instalada em navios, e também colocara suas tropas numa posição forte na outra margem. Barrado por sua confiança e por sua potência evidentes, o inimigo enviou a maior das suas forças à Armênia. Peto não estava preparado para enfrentá-la, tendo dispensado suas legiões e concedido grande quantidade de licenças, provavelmente a maior parte delas aos seus oficiais. Quando Vologases e o exército principal chegaram, a disposição de Peto mudou rapidamente da autoconfiança para o pânico. Primeiro ele avançou com ousadia, cruzando o rio Arsânias até uma posição perto de Randeia, contudo, após ser derrotado em algumas escaramuças menores, achou melhor desistir de travar uma batalha campal. Boa parte do exército foi contagiada pelo nervosismo de seu comandante e, como resultado, vários destacamentos afastados foram derrotados de modo vergonhoso. Houve outro choque quando uma força da cavalaria auxiliar panoniana, considerada tropa de elite, foi vencida pelos partos. Num terreno que deveria oferecer boas posições defensivas para um exército de infantaria, Peto foi superado pelas manobras do inimigo e cercado no seu acampamento construído às pressas e mal defendido.

Mensagens com pedidos de ajuda cada vez mais desesperados foram enviadas a Córbulo, mas, antes da chegada do auxílio, o general romano com o rei parto iniciou negociações, que se concluíram com uma rendição humilhante. De acordo com Tácito, houve rumores de que os soldados de Peto foram obrigados a passar por baixo da canga, e é certo que o romano concordou com a evacuação da Armênia por parte de todas as forças de Roma, cedendo os suprimentos e as posições fortificadas aos partos. Os legionários até construíram uma ponte através do Arsânias, de forma que Vologases pudesse atravessá-la de elefante para celebrar seu triunfo. Nessa ocasião, espalhou-se o rumor de que os soldados tinham construído a ponte para que ela cedesse sob o peso do animal, por isso o rei fez o elefante cruzar o rio no vau. A retirada do exército se pareceu mais com uma fuga desorganizada, pois a coluna foi saqueada com entusiasmo pelos armênios. Os romanos cobriram uma distância de cerca de quarenta milhas romanas num dia, abandonando os feridos e doentes que não podiam acompanhá-los. Córbulo, que levara uma vexillatio de mil homens de cada uma das três legiões reforçada com tropas auxiliares, estava, naquele momento, muito perto e começou a encontrar os fugitivos quando cruzava o Eufrates. A sua coluna era acompanhada por grande número de camelos de carga transportando grãos, de forma que poderia deslocar-se com maior rapidez e evitar a necessidade de forragear.

Mais tarde, nos seus Comentários, hoje infelizmente perdidos, mas disponíveis a Tácito, Córbulo afirmou que os homens de Peto queimaram grandes reservas de alimentos quando deixaram seu acampamento, e que os partos estiveram prestes a desistir do cerco porque seus suprimentos tinham acabado completamente. Na época, alguns sugeriram que o comandante veterano havia se atrasado deliberadamente na expedição de resgate, esperando aumentar o drama da sua chegada. Não obstante, se esse era o caso, a situação desastrosa fora criada por Peto. Rejeitando os apelos deste para lançar uma invasão conjunta, uma vez que ele era agora legado da Síria e não tinha ordens de invadir a Armênia, e lamentando o que tinha acontecido com o trabalho que realizara, Córbulo marchou de volta à sua província. Peto retornou para passar o inverno na Capadócia. Nos meses seguintes, Vologases exigiu que Córbulo abandonasse a cabeça de ponte que tinha estabelecido no Eufrates e se retirasse para a margem síria. Em resposta, afirmou que todas as tropas partas deveriam primeiro deixar a Armênia e só então ele abandonaria sua posição. Outra embaixada dos partos foi despachada para Roma. Suas exigências, conjugadas às interrogações do centurião que a acompanhava, deixaram claro que o despacho oficial de Peto tinha ocultado a extensão da sua derrota. O legado foi imediatamente chamado de volta a Roma, mas Nero anunciou que ele não receberia nada além de uma reprimenda, comentando causticamente que, se um homem tão nervoso fosse mantido em suspenso quanto ao destino que o aguardava, provavelmente morreria de ansiedade[25].

Tácito tinha poucas coisas boas a dizer a respeito de Nero, mesmo sobre o começo do seu reinado, quando seu governo não era tirânico. Entretanto, ele aprovou a decisão do imperador de arriscar “uma guerra incerta” em vez de submeter-se a uma “paz vergonhosa”. Um novo governador, Caio Céstio Galo, foi enviado como legado à Síria, de modo que Córbulo ficou uma vez mais encarregado da situação armênia, com autoridade de fazer a guerra se isso fosse necessário para os objetivos de Roma. Seu imperium era maior que o de todos os outros governadores da região, o que fez Tácito comparar sua posição à de Pompeu durante a guerra contra os piratas. Ele também recebeu reforços de uma legião adicional, a XV Apollinaris, enviada da Germânia. Isso deu a ele sete legiões, porém a IV Scythica e a XII Fulminata foram consideradas inaptas para o serviço e mandadas de volta à Síria. Um exército de campo foi formado, constituindo-se da III Gallica, da V Macedonica, da VI Ferrata e da XV Apollinaris, juntamente com vexillatio das legiões do Egito e da fronteira do Danúbio, além de uma grande força de infantaria e cavalaria auxiliares. Antes da invasão da Armênia começar, ele realizou as cerimônias religiosas apropriadas para purificar o exército e discursou para os soldados, recontando suas vitórias iniciais e culpando Peto pelo desastre de Randeia.

A chegada da grande e bem treinada força romana logo fez Vologases e Tiridates tentarem negociar, e os dois exércitos encontraram-se perto de Randeia. Córbulo delegou ao filho de Peto, que servia como tribuno em uma das legiões, o encargo de levar um pequeno grupo e enterrar os restos mortais dos homens tombados em 62. Após um período de negociações, o general romano e o rei armênio encontraram-se com uma escolta de vinte homens entre as linhas e desmontaram para se saudarem como prova de respeito, firmando o tratado. Tiridates depositou seu diadema real em frente a uma estátua de Nero e concordou em ir para Roma a fim de receber o poder da mão do imperador. Os dois lados fizeram uma demonstração de força, desfilando seus exércitos e ordenando que estes realizassem uma série de manobras. No meio da força romana, estava o tribunal do comandante, sobre o qual fora colocada uma estátua de Nero, sentada na cadeira do magistrado. Quando Tiridates e seus seguidores foram convidados para um banquete, Córbulo explicou em detalhes a rotina do acampamento romano, sempre enfatizando a organização e a disciplina do exército. Tais demonstrações do poderio romano tinham sido, e continuariam a ser, a base da sua diplomacia durante muitos séculos. No que dizia respeito aos romanos, esses encontros nunca foram uma reunião de iguais, mas celebrações visíveis da supremacia de Roma[26].

No final, os romanos atingiram seu objetivo de fazer Tiridates reconhecer formalmente que seu direito ao trono dependia da aprovação do imperador romano. Quando isso foi deixado claro, considerou-se o conflito apropriadamente concluído. Córbulo não recebeu permissão de ocupar a Armênia e criar uma nova província, nem mesmo de lançar uma invasão em larga escala à Pártia. Ao longo dessas campanhas, sua liberdade de ação foi limitada pelas instruções do imperador. Não obstante, a supervisão de Nero e de seus conselheiros também possibilitou transferir reforços de outras províncias para aumentar as forças no Oriente. Córbulo também recebeu permissão para permanecer no comando por um período mais longo do que qualquer outro general republicano, exceto Pompeu e César, conseguiram em circunstâncias normais. Embora tenha tido muito menos liberdade para tomar decisões estratégicas mais determinantes, por outro lado Córbulo controlou e inspirou seu exército de modo semelhante ao dos comandantes republicanos. Apesar de agora operarem num ambiente político diferente, os aristocratas romanos continuaram a buscar glória para si e para suas famílias. A rivalidade entre Córbulo e seus colegas que governavam as províncias vizinhas, quando cada um tentava ofuscar os outros, é muito similar à existente entre governantes republicanos.

Esperava-se que um legado imperial executasse suas tarefas com competência, e a maioria dos imperadores procurou homens com talento genuíno para comandar as campanhas mais importantes, uma vez que as derrotas repercutiam mal para o próprio imperador. No entanto, ao contrário dos comandantes republicanos, que raramente tinham suas ações limitadas até deixarem o cargo e retornarem a Roma, os legados eram supervisionados tão de perto quanto a distância e a velocidade das comunicações permitia.

Em 60 d.C., grande parte da província da Britânia havia se rebelado sob o comando da rainha dos icenos, Boadiceia. Quando a revolta começou, o legado Caio Seutônio Paulino, com duas das quatro legiões estacionadas na província, tinha acabado de capturar a ilha de Mona (a moderna Anglesey), o centro principal do culto druídico. Essa foi uma das poucas religiões ativamente perseguidas pelos romanos, que não aprovavam o papel de relevo dos sacrifícios humanos nos rituais druídicos e também tinham consciência de que a religião promovera a união de elementos contrários aos romanos na Gália e na Britânia.

Enquanto Paulino estava ocupado com a invasão de Mona e o massacre dos druidas e dos seus seguidores, a rebelião se intensificou no leste da província. A colônia de Camuloduno (Colchester) foi o primeiro alvo dos rebeldes, pois os locais ressentiam o confisco das suas terras para serem dadas aos veteranos romanos lá estabelecidos no final do serviço militar. Alguns dos veteranos conseguiram resistir durante dois dias no grande Templo de Cláudio, mas a colônia não tinha fortificações apropriadas nem condições de se defender daquela força. Furiosos, os bretões cometeram atos de tortura e mutilação quando massacraram toda a população da cidade. Nas semanas seguintes, Verulamium (St. Albans) e Londinium (Londres) sofreram o mesmo destino. Os arqueólogos descobriram uma considerável camada de material resultante de incêndio nesses locais, datada da época da revolta de Boadiceia.

A primeira resposta significativa do exército romano foi dada quando uma grande vexillatio da Legio IX Hispana marchou direto para o lugar de onde a rebelião se irradiava, esperando quebrar a resistência dos bretões com uma demonstração de força. Em vez disso, os romanos encontraram um exército muito mais poderoso do que anteciparam. Talvez numa emboscada ou possivelmente num ataque noturno ao seu acampamento, quase todos os legionários foram mortos e apenas o legado e alguns membros da cavalaria conseguiram fugir do desastre. Paulino pôde chegar a Londinium antes de a cidade cair, porém contava apenas com um pequeno corpo da cavalaria sob seu comando, pois tinha deixado a maior parte do exército para trás. Alguns refugiados conseguiram alcançar a proteção do governador e da sua cavalaria, mas a maior parte da população foi massacrada. Quando se retirou para encontrar o exército principal, Paulino reuniu algo em torno de dez mil homens. A Legio IX tivera muitas baixas para continuar na campanha, no entanto o governador enviara mensageiros com ordens de chamar a outra legião estacionada na Britânia, a II Augusta, da sua base no sudoeste para reunir-se a ele. Seu comandante, o prefeito Poênio Póstumo, por algum motivo desconhecido, recusou-se a obedecer às ordens de Paulino. Desse modo, foi apenas com suas próprias tropas – a maior parte da Legio XIV Gemina e parte da Legio XX, mais algumas unidades auxiliares – que foi forçado a confrontar Boadiceia, cujo exército era muitas vezes maior.

Paulino escolheu um local – que não pôde ser identificado com certeza – onde um desfiladeiro coberto por um bosque oferecia proteção aos seus flancos e à retaguarda. A maneira como colocou suas forças em formação, com as legiões no centro, a infantaria auxiliar nos flancos e a cavalaria nas alas, era totalmente convencional. Como Mário em Águas Sêxtias e César contra os helvéticos, ele manteve seus homens parados e silenciosos enquanto a massa de bretões avançava em sua direção. Só no último minuto ordenou que seus homens arremessassem seu pila e atacassem. A chuva dos dardos pesados diminuiu a velocidade dos bretões, mas os guerreiros entraram numa formação tão densa ao penetrar no desfiladeiro para atacar seus inimigos que não puderam se retirar. Como o exército romano em Canas, tinham se tornado uma grande massa incapaz de manobrar ou combater com eficiência. Lenta e continuamente, foram abatidos pelos romanos, embora estes tenham pagado um alto preço pela vitória. Pouco menos de 10% dos homens de Paulino foram mortos ou feridos – uma taxa de baixas muito elevada para um exército vitorioso do mundo antigo. Num único dia de luta, a espinha dorsal da rebelião foi rompida. Boadiceia fugiu, mas logo depois suicidou-se tomando veneno. Paulino e seus homens promoveram uma campanha cruel ao longo do inverno para extinguir todas as brasas que ainda restavam da resistência; o ódio resultante das atrocidades cometidas pelos bretões era profundo.

A derrota de Boadiceia foi um dos grandes triunfos do reinado de Nero, as unidades que tomaram parte na luta foram recompensadas com novas honras. A Legio XIV recebeu o título de Martia Victrix (Vitoriosa de Marte) e a Legio XX também pode ter recebido o título Victrix pelo seu serviço na campanha. Na época, a imaginação popular colocou Paulino e Córbulo como rivais em termos de glória. Contudo, apesar do seu feito em 61 d.C., Paulino foi chamado de volta a Roma depois de o relatório de um representante imperial afirmar que ele foi tremendamente brutal nas medidas que tomou para sufocar a resistência. A preocupação foi menos pelo bem dos habitantes da província e mais pela promoção da clemência, que tendia a proporcionar paz e estabilidade à Britânia no longo prazo. Córbulo manteve-se dentro dos limites da ação e do comportamento exigidos por um imperador e serviu como legado por um período muito maior do que o normal. Outro homem que conseguiu manter a confiança imperial foi Cneu Júlio Agrícola, sogro do historiador Tácito, que foi legado na Britânia por sete anos, entre 78 e 84 d.C. Durante esse tempo, recebeu permissão para expandir a província até o norte, construindo fortes no território recém-conquistado. A biografia de Tácito refere-se sobretudo a esses anos, tentando mostrar como um senador ainda podia conquistar fama e respeito de modo apropriadamente aristocrático, mesmo sob um regime repressivo. Os últimos anos do comando de Agrícola foram passados sob o reinado de Domiciano, que iria mais tarde ordenar a execução de outro governador da Britânia, Salústio Lúculo, simplesmente para nomear um novo governador[27].

Córbulo e Agrícola conseguiram demonstrar capacidade sem levar seus governantes a suspeitar que tivessem ambições imperiais, o que teria lhes privado de comandos importantes. Ambos mostraram-se leais e venceram guerras em nome do imperador. No processo, também conquistaram glória e o respeito de outros senadores. Córbulo é o único general do principado de fora da família imperial a figurar no Estratagemas de Frontino, uma coletânea de planos inteligentes elaborados por comandantes e escritos pelo predecessor de Agrícola como legado da Britânia. Não obstante, quando tais homens conquistavam suas vitórias e eram incluídos entre os senadores de maior destaque, podiam ser vistos como grande ameaça a um imperador que não tivesse realizações militares. A proeminência durante o principado, particularmente sob certos imperadores, era acompanhada de alto risco. Em 67 d.C. – ou possivelmente desde 66 –, Nero embarcou numa viagem à Grécia. Era basicamente uma oportunidade de demonstrar seus talentos artísticos, embora ele também tenha participado dos Jogos Olímpicos e se tornado o único competidor na história a vencer todos os eventos, inclusive aqueles que não chegou a completar. Antes de Nero e seus acompanhantes deixarem a Itália, uma série de execuções marcou a descoberta de uma conspiração senatorial – se real ou imaginária, é impossível de dizer. Um dos líderes alegados era o genro de Córbulo, Lúcio Ânio Viniciano, que também fora legado da Legio V Macedonica na Armênia e escoltara Tiridates a Roma. Córbulo foi chamado a se reunir com Nero na Grécia, onde recebeu permissão de evitar sua execução suicidando-se, um gesto que normalmente concedia à família do condenado a herança de suas propriedades. Pouco depois, os legados das duas províncias germânicas receberam instruções para suicidar-se. A posição do legado imperial era, de muitas maneiras, ainda mais precária do que a do comandante de um exército romano durante as guerras civis que marcaram a queda da república[28].