CAPÍTULO 16

OS ÚLTIMOS ANOS:
O LEGADO DOS GENERAIS ROMANOS

A personalidade do general é indispensável, ele é a cabeça e tudo num exército. Os gauleses não foram conquistados pelas legiões romanas, mas por César. O veredito não surpreende, uma vez que ele se identificava muito fortemente com a ideia do “grande homem” moldando o mundo ao seu redor e via paralelos entre a sua carreira e as das grandes figuras da Antiguidade. A partir do Iluminismo, a educação, a arte e a cultura europeias foram dominadas por histórias do mundo clássico, e a história da Grécia e de Roma foi frequentemente contada como uma sequência de episódios dominados por um ou dois indivíduos – filósofos, estadistas ou generais, como Sócrates e Platão, Péricles e Demóstenes, Filipe e Alexandre, ou muitos dos romanos que discutimos nos capítulos precedentes. Os biógrafos da Antiguidade, como Plutarco, concentravam-se no caráter de um sujeito e em como as virtudes dele – sempre “dele”, já que os personagens significativos da Antiguidade celebrados nas fontes eram invariavelmente homens – levaram ao seu sucesso e em como suas falhas produziram fracassos. Numa época em que o aprendizado, combinado com a determinação de implementar suas lições, parecia oferecer um modo de compreender e melhorar o mundo, a ênfase sobre a força do indivíduo era muito atraente.

Para Napoleão, seu próprio talento e sua vontade – e mesmo sua boa estrela – determinaram sua ascensão da obscuridade ao poder supremo na França e lhe permitiram subjugar quase toda a Europa. Podemos listar outros fatores que tornaram isso possível – o caos político da revolução que criou um vácuo de poder; a introdução do recrutamento em massa, que lhe deu exércitos de tamanho anteriormente inimaginável; os reformadores militares que lançaram as fundações das estratégias e táticas que tornariam La Grande Armée tão formidável –, mas reconhecer sua importância não nos leva forçosamente à conclusão de que o caráter e os talentos de Napoleão foram irrelevantes. Ele não criou do nada o sistema dos corps d’armée, que permitiu a seus exércitos vantagens de manobra sobre oponentes mais desajeitados, ou os funcionários imperiais que coordenavam seus movimentos, porém certamente deixou uma marca característica. O quadro de oficiais, em particular, era baseado nele, e as ordens escritas eram elaboradas à sua maneira idiossincrática. Num sentido verdadeiro, o espírito de Napoleão imbuiu seu exército de uma maneira que poucos entre seus oponentes podiam igualar. O modo de fazer a guerra nesse período era obviamente moldado em grande parte por fatores mais práticos – número expressivo de soldados e a capacidade de treinar, transportar e suprir as tropas com alimentos, roupas, armas, munição, a qual custa dinheiro do Estado –, e Napoleão sempre teve consciência disso. Contudo, tal condição não altera o fato de que os conflitos desses anos não podem ser compreendidos sem considerarmos a personalidade do imperador[1].

De forma semelhante, há pelo menos um pouco de verdade na afirmação de que foi César que conquistou a Gália. Como vimos, houve um forte elemento de oportunidade na luta de César contra os gauleses, mais do que na guerra contra os dácios, e seu próprio desejo de glória com objetivos políticos influenciou muitas das suas decisões, mais notadamente o ataque à Britânia. Poder-se-ia argumentar que o impulso de expansão da república romana levou à conquista da Gália, de modo que, se César não tivesse começado a realizar essa tendência em 58 a.C., então alguém mais a teria realizado posteriormente. No entanto, isso não implica uma inevitabilidade quanto ao curso da História que retiraria dos seres humanos qualquer independência real de ação. Nesse esquema, tendências e pressões subjacentes – talvez sociais, ideológicas, econômicas ou condições criadas por desenvolvimentos tecnológicos, aumento ou declínio populacional ou mudanças climáticas ou ambientais – ditam o acontecimento dos eventos, removendo efetivamente o elemento humano da História.

Tal visão é extremamente difícil de esquadrinhar com a observação do mundo real, pois a vida é repleta de decisões conscientes e inconscientes, todas as quais têm consequências. Além do mais, as pessoas variam enormemente nas suas reações e habilidades, mesmo quando parecem vir de um cenário e de um ambiente muito similares. Na guerra, como talvez em nenhuma outra atividade, a capacidade de cada agente de influenciar os eventos é óbvia, uma vez que as consequências das suas decisões e ações tendem a ser dramáticas. Se César não tivesse conquistado a Gália, outro comandante romano poderia tê-lo feito, mas sua realização não se daria exatamente como os eventos entre 58 e 50 a.C. A personalidade de César e, de fato, a de todos envolvidos nos dois lados ajudaram a moldar o curso das suas campanhas, mas o homem no alto da organização hierárquica exerceu inevitavelmente mais influência do que qualquer outro indivíduo. Essencialmente, retornamos ao nosso estágio inicial para dizer que líderes e generais importam e que eles eram e continuam a ser um fator significativo, senão decisivo, para determinar a trajetória e o resultado de um conflito.

Neste livro, vimos vários conflitos e indivíduos durante séculos de expansão, consolidação e, finalmente, de esforço contra o colapso. A guerra e os generais sempre estiveram presentes na História romana. A ascensão e a queda de Roma teriam certamente ocorrido, mesmo se os quinze homens discutidos neste livro tivessem morrido na infância, como aconteceu com tantos outros dos seus contemporâneos, ou sido assassinados enquanto comandavam seus exércitos. Entretanto, suas carreiras e vitórias representaram importantes estágios nesse processo e fizeram muito para determinar a forma como isso ocorreu. Em várias ocasiões, o surgimento de líderes especialmente talentosos ou determinados injetou propósito e ânimo no modo como os romanos faziam guerra, mais do que acontecera em outros períodos. Homens como Marcelo, Fábio Máximo e Cipião Africano ajudaram Roma a enfrentar a ameaça de Aníbal e, finalmente, a derrotar Cartago. Pompeu e César podem ter dividido a república, mas também acrescentaram mais territórios ao império do que quaisquer outros líderes. Augusto justificou publicamente seu novo regime por conquistas, e pela afirmação de ter restaurado a paz e a estabilidade internas.

A guerra e a política continuaram inseparáveis, uma vez que não havia maior serviço para o líder do Senado do que derrotar um inimigo na guerra. No final da Antiguidade, a antiga tradição de uma carreira civil e militar mista tinha sido abandonada, mas mesmo assim Belisário foi feito cônsul pelo agradecido Justiniano ao retornar da África. A guerra era frequente no mundo antigo, e o Estado precisava de homens capazes para vencê-las. Em todos os períodos isso conferia prestígio, que podia ser transformado em vantagem política. A aristocracia senatorial que, durante tantos séculos, forneceu os generais de Roma orgulhava-se das virtus que qualificavam seus membros para o alto-comando, porém nunca se sentiu muito à vontade com indivíduos cujos feitos marciais obscureciam demais seus pares.

É instrutivo, a esta altura, verificar o destino dos nossos quinze comandantes. Dois foram mortos em escaramuças – Marcelo pelos cartagineses, e Juliano talvez por um de seus próprios homens – e Trajano morreu de causas naturais, embora em campanha, como Mário, logo depois de tomar Roma. Três foram assassinados – Sertório por um dos seus oficiais, Pompeu por ordem dos cortesãos de Ptolomeu, e César por uma conspiração de senadores – e outro, Córbulo, recebeu ordens de Nero para se suicidar. Cipião Emiliano e Germânico tiveram suas mortes cercadas por rumores de envenenamento, e Tito pode ter sido morto pelo irmão que o sucedeu. Fábio Máximo permaneceu na política, mas o final da sua longa vida foi tingido pelo ciúme da crescente fama de Cipião Africano. Este foi prematuramente forçado a sair da vida pública e amargar sua aposentadoria, de certa forma semelhante ao que ocorreu com Belisário. Os últimos anos de Emílio Paulo foram marcados pela oposição que ele teve de superar para celebrar seu triunfo e ainda mais pela morte de seus dois filhos. Nas batalhas, os comandantes romanos dirigiam suas tropas por trás da linha de combate, uma posição um tanto perigosa. Sobreviver a isso e conquistar glórias traziam outros perigos não menos reais.

DEPOIS DE ROMA

Devemos admitir que Alexandre, César, Cipião e Aníbal foram os guerreiros mais valorosos e famosos que já existiram; não obstante, tenha certeza [...] eles nunca teriam [...] conquistado países tão facilmente se estes tivessem sido fortificados, como a Alemanha, a França e os Países Baixos, entre outros, passaram a ser desde então.

Quando Sir Roger Williams escreveu o seu Breve discurso sobre a guerra, em 1590, e indicou que novos desenvolvimentos na arte bélica – notadamente as fortificações modernas e os canhões – tinham diminuído a relevância dos comandantes de sua época em comparação com os da Antiguidade, muitos outros teóricos militares buscavam ativamente aprender com os gregos e os romanos[2]. Isso não era inteiramente novo, já que o Epítome da ciência militar de Vegécio fora um dos manuscritos circulares copiados por toda a Idade Média. É difícil determinar até que ponto as ideias de Vegécio realmente influenciaram o comportamento dos capitães medievais em campanha, mas ele era sem dúvida estimado pela comunidade culta. Muitas das suas recomendações, como por exemplo, evitar a batalha a não ser nas circunstâncias mais vantajosas e retirar-se para fortificações bem provisionadas até o invasor ficar sem alimentos e bater em retirada, eram certamente características da guerra medieval. Contudo, os líderes que colocaram isso em prática podem ter baseado suas decisões na experiência, em vez de no conselho de um teórico romano.

Por volta do século VI, o modo romano de fazer a guerra havia se tornado caracteristicamente medieval, com exércitos relativamente pequenos, disciplina mais frouxa do que nos primeiros anos e a prevalência de incursões e outras operações de pequena escala em lugar de grandes batalhas. Os reinos medievais não tinham a riqueza, os recursos e o grau de centralização necessários para formar exércitos de campo semelhantes aos dos romanos no auge do império. Não foi até o final dos séculos XV e XVI que as condições começaram a se modificar, quando os Estados se tornaram mais sofisticados e passaram a ter exércitos ainda maiores. Os métodos tradicionais de controlar os exércitos não eram práticos quando o número de soldados aumentou, um problema que se agravou ainda mais pela grande necessidade de ordem para que fosse possível usar as novas armas de fogo leves de forma eficiente. A alfabetização tornou-se mais comum, e o acesso a livros e panfletos foi facilitado pela introdução da imprensa. Alguns autores antigos foram redescobertos, e muitos tornaram-se acessíveis por traduções para línguas modernas. Por volta do final dos séculos XVI e XVII, líderes como Maurício e Guilherme de Nassau, na Holanda, e Gustavo Adolfo, na Suécia, estavam buscando conscientemente transformar seus exércitos em forças baseadas na disciplina, na organização e no sistema tático das legiões romanas. Em 1616, John Bingham publicou uma tradução em inglês, The Tactics of Aelian, que incluía não apenas diagramas mostrando lanceiros com roupas do século XVII ao executar movimentos individuais, mas também uma seção sobre como os exercícios antigos haviam sido adaptados para aplicação no serviço holandês. A capa era ainda mais direta, ao mostrar Alexandre, o Grande, entregando sua espada a Maurício de Nassau.

Com os exércitos formados segundo o modelo romano – ou pelo menos segundo aquilo que os reformadores militares pensavam ser o modelo romano –, não é surpreendente que, de muitas maneiras, os comandantes possam ser observados atuando de um modo semelhante ao romano durante vários séculos. À frente de exércitos que raramente tinham mais do que trinta mil homens se movendo em formação cerrada, eles também podiam ver grande parte do campo de batalha. Muitas das condições nas quais o general operava, bem como sua capacidade de controlar suas tropas, não mudaram – os binóculos melhoraram a visibilidade, mas, ao mesmo tempo, as nuvens de fumaça produzidas pelas armas de fogo a reduziam. A comunicação ainda não era mais rápida do que a velocidade com que um mensageiro podia cavalgar. Os oficiais que assistiam o líder eram normalmente, do mesmo modo que nos tempos de Roma, selecionados entre familiares e amigos, comparativamente poucos em termos numéricos, não especializados e sem qualquer tipo de treinamento formal. Dificilmente César ou Pompeu teriam achado o campo de batalha de Gustavo Adolfo ou de Marlborough muito diferente dos seus, ou vice-versa.

O comandante dos séculos XVII ou XVIII ainda tinha mobilidade semelhante, indo a um ponto propício para observar, ou cavalgando atrás da linha de combate, tentando antecipar a crise ou a oportunidade que o colocaria na melhor posição para responder ao combate. Por meio de observação pessoal, enviando um oficial para escrutinar a situação, ou por relatórios a ele mandados por seus subordinados no controle de cada seção da linha, o general tentava compreender a batalha, empregando no momento apropriado as unidades que mantinha em reserva, como qualquer comandante romano. Por vezes, cavalgava à frente de seus homens liderando uma carga. Alguns comandantes, por temperamento ou senso de obrigação, faziam isso com mais frequência, embora a maioria dos homens que comandava dessa maneira, como Gustavo Adolfo, acabasse seriamente ferida ou morta. O desenvolvimento da artilharia moderna fez até os líderes que permaneciam por trás da linha de combate correrem ainda maior risco de serem feridos do que seus pares romanos. É fácil encontrar diversas ocasiões em que comandantes dos séculos XVII e XVIII agiram de modo muito similar aos líderes romanos – o gesto de agarrar um estandarte no esforço de reunir uma unidade em fuga tornou-se um clichê artístico dessa era, tanto quanto fora tema literário dos romanos. Também era, na verdade, um método prático de tentar deter os homens em fuga. É muito mais difícil dizer se agiam assim porque sua educação baseava-se nos clássicos e imitavam conscientemente os heróis do passado, como Juliano, o Apóstata, fizera, ou se condições semelhantes no campo de batalha simplesmente produziam reações semelhantes.

Contudo, em alguns aspectos a guerra do século XVIII diferia marcadamente dos conflitos romanos. Muito da formalidade, da manobra cautelosa e da relutância em arriscar batalha no século XVIII tinha mais em comum com as campanhas dos sucessores de Alexandre do que com a determinação implacável com a qual Roma normalmente fazia a guerra. Outra diferença estava no relacionamento entre o líder e seus soldados. A disciplina desenvolvida na revolução militar do início da era moderna foi moldada pelo problema de empregar armas de fogo manuais de forma eficiente. Os mosquetes tinham alcance limitado – sua introdução não havia de fato conferido à infantaria uma arma com eficiência maior do que o arco, mas era muito mais fácil treinar mosqueteiros do que arqueiros. Eles também eram muito pouco precisos e tomava-se tempo demasiado para carregá-los, de modo que uma única fileira de mosqueteiros podia facilmente ser esmagada por uma carga inimiga (especialmente da cavalaria), antes de poder atirar mais que uma vez. Assim, foram desenvolvidos métodos que formavam a infantaria em várias linhas, as quais disparavam e recarregavam cada qual de uma vez, quase sempre a segunda fileira passando para o lugar da primeira antes de disparar. Com o tempo, a melhoria nos métodos de recarga reduziu o número de fileiras necessárias para produzir disparos quase constantes contra o inimigo de a partir de dez para duas ou três fileiras, porém tais desenvolvimentos diminuíam a precisão. No século XVII, a linha de infantaria não mirava (a maioria dos mosquetes sequer tinha mira), porém simplesmente apontava suas armas e disparava. Assumia-se que uma rajada de uma fileira cerrada tendia a infligir perdas a uma formação semelhante desde que estivesse perto o bastante.

O treinamento tinha a intenção de tornar os movimentos da marcha em formação e a recarga do mosquete mecânicos, pois, a não ser que todos coordenassem suas ações, o resultado seria confusão e provavelmente muitas baixas acidentais. A disciplina era, portanto, extremamente rígida, uma vez que a intenção era transformar o soldado num autômato, quase um “mosquete ambulante”. Embora marchar juntos mantendo a formação fosse importante no exército romano, a vitória no combate singular não resultava puramente desses exercícios. A iniciativa e a agressão individual eram, sob as circunstâncias corretas, muito estimuladas pelos militares romanos, pois quase sempre as ações de alguns poucos homens representaram a diferença entre a vitória e a derrota. Uma das tarefas mais decisivas do general romano era atuar como testemunha e juiz do comportamento individual dos soldados. O sistema tático do exército conferia ao comandante papel vital na coordenação das unidades sob seu comando e o encorajava a intervir em diversos níveis se necessário. No entanto, isso nunca deveria desestimular a iniciativa dos oficiais subordinados de todas as patentes. O papel dos legados, tribunos, prefeitos e centuriões era fundamental. Um dos motivos pelos quais o general podia cavalgar ao longo da linha de combate, tentando coordenar as ações de onde julgava ser a seção mais crítica da luta, era sua confiança em que os oficiais subordinados agiriam de modo apropriado para controlar as tropas em outros setores do campo de batalha.

O objetivo dos romanos era ter alguém que inspirasse e dirigisse as tropas em todos os pontos – a autoridade e o prestígio do comandante do exército conferiam a ele potencial para instilar mais resolução nos acontecimentos do que qualquer outra figura, mas muitos outros eram capazes e desejavam assumir essa responsabilidade quando o general estava ocupado em outro lugar. Havia subordinados imprudentes tanto quanto existiam generais insensatos, e algumas iniciativas de oficiais menos graduados pioraram a situação ou levaram à derrota (e na Gergóvia, em 52 a.C., deram ao comandante do exército uma desculpa pelo fracasso). Apesar disso, de modo geral, as atividades do general e dos subordinados complementavam-se no sentido de conferir maior flexibilidade ao exército do que a de seus oponentes.

Foi apenas no final do século XVIII que parte dessa flexibilidade retornou aos exércitos europeus. Por meio do sistema de corps d’armée, Napoleão conseguiu controlar efetivamente os movimentos estratégicos de exércitos duas vezes maiores do que os que usavam métodos mais tradicionais ou que eram como o dos romanos. Por sua natureza, isso exigia conceder muito mais liberdade de ação aos seus subordinados e, sobretudo, aos comandantes dos corpos. Apesar disso, o exército não era tão grande a ponto de o imperador ser incapaz de ver e ser visto pela maioria de seus soldados. Em campanha, ele passava muito tempo sobre a sela, e suas visitas formais e informais às unidades normalmente culminavam na promoção ou condecoração imediata de certos indivíduos. Embora apenas um punhado de soldados da La Grande Armée tenha encontrado o bastão do marechal que supostamente levavam em suas mochilas, um número suficiente de homens teve carreira espetacular a ponto de convencerem o restante de que a coragem e a habilidade eram percebidas e recompensadas. A disciplina era importante, mas não havia por que ser tão rígida se a obediência cega sufocasse toda a iniciativa, um ethos que tinha muito em comum com o do exército romano.

A propaganda e a retórica de Napoleão eram marcadamente clássicas e particularmente romanas – arcos do triunfo, relevos mostrando o triunfo dos vitoriosos, águias como estandartes e capacetes inspirados na Antiguidade para algumas unidades. Napoleão tinha grande conhecimento da história militar, inclusive a do mundo antigo, e incluía César entre os grandes capitães de cujas campanhas ele derivara conhecimento do comando. A sua ordem do dia em Austerlitz – “Soldados, eu comandarei em pessoa todos os seus batalhões; ficarei ao alcance se, com sua costumeira bravura, vocês provocarem desordem e confusão nas fileiras inimigas; mas, se a vitória for incerta por um momento, vocês verão seu imperador se expor na primeira fileira” – poderia facilmente ter vindo de um general romano. Napoleão era mais ativo antes de uma batalha, organizando as circunstâncias pelas quais seu exército podia esmagar o inimigo, e deixava a maior parte do controle tático da luta aos subordinados. O grande tamanho dos seus exércitos, especialmente em alguma das últimas campanhas, estimulava isso, tornando importante que o quartel general imperial fosse um tanto estático, de modo que os mensageiros o pudessem localizar.

Wellington, que na maioria dos casos comandou forças menores e tinha um número de oficiais muito menos numeroso e eficiente para controlá-las, atuou durante uma batalha num estilo muito romano. Em Waterloo ele foi muito móvel, cavalgando ao longo da linha de frente, tentando estar sempre no ponto crítico, dando ordens e recebendo relatórios onde quer que estivesse e intervindo quando julgasse apropriado, mesmo que por vezes em nível muito baixo – “Agora, Maitland, agora é sua vez!”. Os relatos britânicos da batalha mencionam a súbita presença do duque, embora seu estilo de comando certamente não estimulasse a iniciativa de seus oficiais subordinados[3].

Depois de Waterloo, tornou-se impossível para o comandante dirigir a batalha de modo pessoal, ao menos na Europa, onde o crescente poder da nação-Estado, aliado aos desenvolvimentos como as ferrovias e o telégrafo, produziu exércitos de centenas de milhares e, posteriormente, de milhões de homens. Na mesma época, as melhorias nos armamentos tornaram as tradicionais formações cerradas impraticáveis e aumentaram o tamanho do campo de batalha. As lutas eram agora travadas a distâncias que impossibilitavam o comandante observar a ação inteira em pessoa. Ele podia comandar seus homens de forma apenas indireta, e muitas das tarefas de supervisionar de perto e inspirar os soldados enquanto lutavam ficaram unicamente nas mãos dos subordinados. Não obstante, os clássicos continuaram a ser parte central da educação, inclusive a militar ministrada aos jovens oficiais em diversos países, de modo que a maioria dos militares tinha alguma familiaridade com as grandes campanhas da Grécia e de Roma. É, porém, difícil provar uma influência direta em seu comportamento, uma vez que uma simples ação semelhante a algo que fizera Cipião ou Pompeu pode simplesmente indicar que os líderes bem-sucedidos agem de modo similar. A influência direta, embora distante, é difícil de avaliar, pois a tradição clássica fincou raízes profundas na cultura ocidental. Os diversos comandantes que buscaram copiar Napoleão, por exemplo Havelock, McClellan e até “Boney” Fuller, estavam se baseando num homem que se associara de perto com os grandes líderes da História.

Os teóricos militares da era pós-Waterloo ficaram tão divididos quanto os renascentistas com relação à relevância do modo grego e romano de fazer a guerra. Clausewitz via as batalhas formais da Antiguidade como tendo pouco em comum com a guerra moderna, no que é apoiado por outros estudiosos. Apesar da influência nos militares prussianos, e posteriormente alemães, o estudo da história militar, inclusive a da Antiguidade, tornou-se parte vital da educação dos oficiais. No caso extremo de Von Schlieffen, a tentativa de retirar lições práticas das antigas batalhas chegou a um nível próximo da obsessão. O interesse no passado foi especialmente profundo no exército alemão, e deve ser lembrado que, no mesmo período, os estudiosos da Alemanha dominavam a maior parte dos campos de estudo sobre o mundo antigo, embora não estivessem sozinhos. O influente teórico francês Ardant du Pick tirou muitos dos seus exemplos das batalhas romanas porque, segundo acreditava, os antigos desejavam mais do que as fontes modernas dizer a verdade sobre o comportamento dos homens em batalha.[4]

O mundo mudou desde o século XIX, e uma das maiores mudanças foi a diminuição do conhecimento maior dos clássicos. Mesmo assim, os escritores militares continuam a tirar das guerras de Roma lições para o presente. Num sentido, a maior probabilidade de que os exércitos ocidentais venham a lutar uma guerra assimétrica contra oponentes menos sofisticados, em vez de guerras contra oponentes com sistemas táticos e níveis de tecnologia equiparados, cria uma situação semelhante àquela enfrentada por Roma. Durante a maior parte da sua história, o exército romano foi mais bem equipado e, ainda mais importante, muito mais organizado e disciplinado do que seus inimigos. Em termos de terminologia vitoriana, inúmeras campanhas romanas foram “guerras menores”. Talvez as maiores lições para o presente estejam no modo como essas operações foram conduzidas, e não nas famosas batalhas contra cartagineses ou macedônios.