INTRODUÇÃO

DO COMEÇO: DE LÍDER TRIBAL E HERÓI
A POLÍTICO E GENERAL

O dever do general é cavalgar ao lado dos soldados, mostrar-se diante dos que enfrentam o perigo, elogiar os corajosos, ameaçar os covardes, encorajar os preguiçosos, preencher as lacunas, reposicionar uma unidade se necessário, levar auxílio aos exaustos, antecipar a crise, o momento e o resultado[1].

A descrição de Onassandro do papel de um general no campo de batalha foi escrita no século I d.C., mas reflete um estilo de comando que persistiu por pelo menos setecentos anos e que era caracteristicamente romano. O general deveria orientar o combate e inspirar seus soldados, mostrando que estavam sendo observados de perto e que os atos de bravura seriam recompensados, da mesma forma que as ações covardes seriam punidas. Não se esperava que estivesse no centro da luta, de espada ou lança na mão, lado a lado com seus homens e arriscando-se como eles. Os romanos sabiam que Alexandre, o Grande havia conduzido os macedônios à vitória desse modo, mas não se esperava que os comandantes liderados por ele imitassem tais atos heroicos. Onassandro era grego, um homem sem experiência militar, escrevendo num estilo estabelecido ainda na era helênica; contudo, apesar dos estereótipos literários contidos em sua obra, a figura do comandante retratado em seu O general era, decididamente, romana. O livro foi escrito em Roma e dedicado a Quinto Verânio, senador romano que viria a morrer à frente de um exército na Britânia, em 58 d.C. Os romanos vangloriavam-se de haver copiado dos inimigos grande parte de suas táticas e de seu equipamento militar, mas a dívida para com os outros é muito menor quando se trata da estrutura básica do seu exército e das funções executadas por seus líderes.

Este é um livro sobre generais e, especificamente, a respeito de quinze dos comandantes romanos mais bem-sucedidos do final do século III a.C. a meados do século VI d.C. Alguns desses homens ainda são relativamente bem conhecidos, ao menos entre os historiadores militares – Cipião Africano, Pompeu e César certamente seriam considerados para figurar numa lista dos comandantes mais capazes da História –, enquanto outros caíram no esquecimento. Todos, com a possível exceção de Juliano, foram generais muito competentes que amealharam sucessos significativos, e, mesmo que em última instância tenham sido derrotados, eram extremamente talentosos. A seleção baseou-se na sua importância tanto na história geral de Roma quanto no desenvolvimento da arte romana da guerra, bem como na disponibilidade de fontes suficientes para descrevê-los em detalhe. Há apenas um único tema dos séculos II, IV e VI d.C. e nenhum do III ou do V, simplesmente porque as evidências desse período são pobres. Pelo mesmo motivo, não podemos discutir minuciosamente as campanhas de nenhum comandante romano antes da Segunda Guerra Púnica. Não obstante, as informações remanescentes ilustram bem as mudanças na natureza do exército romano e a relação entre o Estado e o general no campo de operações.

Mais do que pesquisar a carreira completa de um homem, cada capítulo enfoca um ou dois episódios específicos das campanhas desses generais, observando em detalhe como cada um interagiu com seu exército e o controlou. A ênfase principal é sempre no que o comandante fez em cada estágio de uma operação e o quanto isso contribuiu para o resultado final. Tal abordagem, com elementos biográficos e uma concentração no papel do general – seja na estratégia, nas táticas e em sua implementação ou na sua liderança –, representa um estilo muito tradicional de história militar. Inevitavelmente, envolve o forte elemento narrativo e descritivo dos componentes mais dramáticos das guerras, das batalhas, dos cercos, do soar de trompetes e o uso de espadas. Embora seja familiar para o leitor comum, esse tipo de história tem prescindido, nas décadas recentes, de respeito acadêmico. Em lugar disso, os estudiosos têm preferido olhar o panorama geral, esperando perceber fatores econômicos, sociais ou culturais mais profundos, os quais acredita-se que tenham influência maior e mais importante nos resultados dos conflitos do que eventos ou decisões individuais durante a guerra. Para tornar o tema ainda menos moderno, este livro trata, essencialmente, de aristocratas, pois os romanos consideravam que apenas os bem-nascidos e privilegiados mereciam exercer o alto-comando. Mesmo um “homem novo” (novus homo) como Mário, ridicularizado por sua origem vulgar pela elite dos senadores até quando forçava seu caminho para juntar-se a eles, surgia das margens da aristocracia e não representava, em nenhum sentido real, a maior parte da população.

Pelos padrões modernos, todos os comandantes romanos também eram, em essência, soldados amadores. A maioria passou apenas parte da carreira – normalmente menos da metade da vida adulta – a serviço do exército. Nenhum recebeu treinamento formal para comandar suas forças, e foram indicados para tal função com base no sucesso político, o qual, por sua vez, dependia muito do nascimento e da riqueza. Mesmo um homem como Belisário, que serviu como oficial a maior parte da vida, foi promovido por conta de sua lealdade ao imperador Justiniano e nunca passou por um sistema organizado de treinamento e seleção. Em nenhum momento da história de Roma houve algo semelhante a uma escola de oficiais para treinar comandantes e seus subordinados. As obras de teoria militar foram comuns em alguns períodos, mas a maioria não era nada além de manuais de exercícios (quase sempre descrevendo as manobras nas falanges helênicas, cuja tática já era obsoleta havia séculos), e todas careciam de detalhes. Acreditava-se que alguns generais romanos prepararam-se para o alto-comando puramente pela leitura dessas obras, embora isso nunca tenha sido considerado a melhor forma de aprendizado. Os aristocratas romanos deviam aprender a comandar um exército da mesma forma que aprendiam a comportar-se na vida política: observando os outros e por meio da experiência pessoal[2].

Para o observador moderno, a seleção de generais com base em sua influência política, considerando-se que eles saberiam o bastante para assumir a tarefa de comandar, parece absurdamente aleatória e ineficiente. Sempre se afirmou que os generais romanos eram, em geral, homens de talento extremamente limitado. No século XX, o major-general J. F. C. Fuller classificou os generais romanos de “instrutores militares”, enquanto W. Messer declarou que eles adquiriram um nível razoavelmente consistente de mediocridade. (Talvez, a esta altura, devamos lembrar o comentário de Moltke de que “na guerra, com sua enorme fricção, até mesmo atingir a mediocridade é uma realização”.) Sempre se considerou que o inegável sucesso do exército romano por tantos séculos foi conquistado apesar de seus generais, não por causa deles. Para muitos comentaristas, o sistema tático das legiões procurava tirar a responsabilidade do comandante do exército, colocando-a na mão dos oficiais subordinados. Os mais importantes eram os centuriões, tidos como altamente profissionais e, portanto, bons em seu trabalho. Ocasionalmente surgiam homens como Cipião e César, que eram muito mais talentosos que o típico general aristocrata. Contudo, suas habilidades eram, em grande parte, reflexo de um gênio instintivo que não permitia imitação. Os personagens deste livro podem ser vistos como aberrações desse tipo, a minúscula minoria de comandantes verdadeiramente capazes produzidos pelo sistema romano, a par da vasta maioria de nulidades e incompetentes. De forma muito semelhante, o sistema de compra e patronato do exército britânico do século XVIII e do início do XIX produziu líderes excepcionais como Wellington ou Moore, em meio a medíocres como Whitelocke, Elphinstone e Raglan[3].

No entanto, uma observação mais detalhada das evidências indica que a maioria dessas suposições é, na melhor das hipóteses, exagerada e, quase sempre simplesmente incorreta. Longe de tirar o poder do general, o sistema tático romano concentrava-se nas suas mãos. Os oficiais menores, como os centuriões, tinham papel de importância vital, mas pertenciam a uma hierarquia que tinha o comandante do exército no topo e permitia que ele tivesse maior controle sobre os eventos. Alguns comandantes eram, certamente, melhores em seu trabalho do que outros, mas as atividades em campanha de Cipião, Mário ou César não parecem ter sido profundamente diferentes das dos seus contemporâneos. Os melhores generais romanos lideravam e controlavam seus exércitos do mesmo modo que qualquer outro aristocrata. A diferença está, essencialmente, na habilidade com que cada um realizou essa tarefa. Na maior parte dos períodos, o padrão do comandante médio era, na verdade, muito bom para a sua falta de treinamento formal. Ao longo dos séculos, os romanos produziram sua cota de incompetentes que levaram suas legiões a desastres desnecessários, porém isso se mostra verdadeiro para todos os exércitos ao longo da História. É extremamente improvável que mesmo os mais sofisticados métodos modernos de selecionar e preparar oficiais para os altos escalões evitem que, por vezes, um indivíduo inadequado para o alto-comando seja escolhido. Outros, por sua vez, podem parecer possuir todos os atributos necessários para tornarem-se generais bem-sucedidos, mas irão fracassar devido, principalmente, a fatores que estão além de seu controle. Muitos generais romanos vitoriosos afirmaram abertamente que tiveram sorte, reconhecendo que (como escreveu César) a sorte tem papel ainda mais central na guerra do que em outras atividades humanas.

Estudar a condução da guerra e o papel do comandante pode não ser uma tendência moderna, mas isso não significa que tal atividade seja insignificante ou desprovida de proveito. A guerra teve grande impacto na história de Roma, pois o sucesso militar criou o império e o preservou por muito tempo. Outros fatores – a atitude com relação à condução da guerra e a capacidade e o desejo dos romanos de devotar enormes recursos humanos e materiais à atividade bélica – permeiam a eficiência militar de Roma, sem, porém, tornar seu sucesso inevitável. Na Segunda Guerra Púnica, esses fatores permitiram que a república resistisse à série de desastres que Aníbal lhe infligiu, mas a guerra não pôde ser vencida até que se encontrasse um meio de derrotar o inimigo no campo de batalha. Os eventos de uma campanha – especialmente as batalhas e os cercos – eram, de modo óbvio, influenciados por um contexto maior; no entanto, seus resultados ainda eram, conforme os romanos bem sabiam, imprevisíveis. Em nenhuma batalha – e a maioria delas era travada com armas de gume – se tinha certeza do resultado, o qual era determinado por muitos fatores, sobretudo o moral dos soldados. A não ser que o exército romano pudesse derrotar seu oponente no campo, as guerras não podiam ser ganhas. Compreender como eles conseguiam ou não vencer não é uma simples questão de certezas aparentes, representadas por recursos, ideologia, equipamentos e táticas, pois requer uma apreciação maior do comportamento dos seres humanos tanto quanto indivíduos como membros de um grupo.

Toda a História, inclusive a militar, trata em última instância de pessoas – suas atitudes, emoções, ações e interações umas com as outras –, e isso é melhor percebido ao se estabelecer o que, de fato, aconteceu antes de se explicar o porquê de os fatos terem ocorrido. Uma concentração demasiada em outros elementos pode obscurecer essa percepção, a exemplo do que ocorre com as descrições antiquadas de batalhas, nas quais os combatentes são símbolos num mapa e a vitória vai para o lado que se vale, de modo mais fiel, das táticas baseadas em “princípios de guerra” fixos. As táticas mais imaginativas eram de pouco valor, caso o comandante não fosse capaz de colocar seu exército – que consistia em milhares, ou dezenas de milhares, de soldados – nos lugares certos e no momento certo para acioná-las. A atividade prática de controlar, manobrar e abastecer um exército ocupava muito mais o tempo do comandante do que a elaboração de estratégias ou táticas inteligentes. Mais do que as de qualquer outro indivíduo, as ações do general influenciavam o curso da campanha ou da batalha. Para o bem ou para o mal, o que o comandante fazia ou deixava de fazer era significativo.

FONTES

De longe, a maior parte das evidências de que dispomos sobre as carreiras dos generais romanos deriva dos relatos literários gregos e latinos sobre suas ações. Por vezes, podemos complementá-los com esculturas ou outros retratos artísticos dos comandantes, com descrições que registram realizações e, em raras ocasiões, com evidências escavadas nos locais das operações de seus exércitos, como, por exemplo, relíquias encontradas nos cercos militares. Embora esses achados sejam valiosos, apenas nos relatos escritos sabemos o que os generais realmente faziam e como seus exércitos operavam. Conforme já observamos, a seleção dos personagens para os capítulos seguintes deve muito à sobrevivência das descrições adequadas de suas campanhas. Apenas uma fração minúscula das obras escritas na Antiguidade sobreviveu. Muitos outros livros são conhecidos apenas pelo nome ou por fragmentos tão pequenos a ponto de ter sua importância reduzida. Somos extremamente afortunados por termos os Comentários de Júlio César, que narram suas campanhas na Gália e na Guerra Civil. Obviamente, o relato é muito favorável ao seu autor, porém a riqueza de detalhes que o texto fornece com relação às atividades de César nos proporciona uma valiosa imagem de um general no campo de batalha. De forma significativa, a obra também enfatiza esses atributos e realizações, os quais o público romano da época acreditava serem os mais admiráveis num comandante do exército. Muitos outros generais romanos também escreveram seus comentários, talvez a maioria, mas nenhum relato sobreviveu de forma que pudesse ser utilizado. Na melhor das hipóteses, podemos encontrar traços dessas obras perdidas nas narrativas de historiadores que escreveram posteriormente e que os utilizaram como fonte.

As operações de César são compreendidas, basicamente, a partir da sua própria descrição, a qual é apenas ocasionalmente complementada pelas informações de outros autores. As grandes vitórias de seu contemporâneo e rival Pompeu, o Grande são narradas com algum detalhe por autores que escreveram mais de um século depois da sua morte. Essa lacuna entre os eventos e seus relatos mais antigos é comum em grande parte da história grega e romana. É facilmente esquecido o fato de que as fontes mais aprofundadas de que dispomos sobre Alexandre, o Grande foram escritas mais de quatrocentos anos após seu reinado. Às vezes temos sorte e encontramos uma obra produzida por uma testemunha dos muitos acontecimentos registrados. Políbio acompanhou Cipião Emiliano em Cartago, em 147-146 a.C., e pode ter estado em Numância, embora, com efeito, sua descrição das operações militares esteja preservada sobretudo em passagens escritas por outros autores. Mais diretamente, Flávio Josefo acompanhou Tito durante o cerco de Jerusalém. Amiano esteve brevemente com Juliano, o Apóstata na Gália e na expedição persa, enquanto Procópio seguiu Belisário em todas as suas campanhas. Por vezes, outros autores referem-se a relatos de testemunhas que foram perdidos, mas não era costume dos antigos historiadores registrar as fontes da informação que apresentavam. Na maioria dos casos, temos apenas uma narrativa escrita muitos anos depois do evento em questão, cuja autenticidade normalmente é impossível de provar ou contestar.

Diversos historiadores antigos abrem suas obras protestando a intenção de serem fiéis aos fatos. No entanto, era muito mais importante para eles produzir um texto que fosse dramático e atraísse leitores, pois a História devia entreter tanto quanto – senão mais que – informar. Às vezes, a inclinação política ou pessoal levava a distorções conscientes da verdade, enquanto, em outras ocasiões, fontes inexistentes ou inadequadas eram complementadas pela invenção, quase sempre se empregando temas retóricos tradicionais. Em outras instâncias, a ignorância militar do autor o levava a compreender mal sua fonte, como quando Lívio traduziu erroneamente a descrição de Políbio sobre o momento em que a falange macedônia baixou as lanças em posição de combate, escrevendo que os soldados as largaram no chão e lutaram com as espadas. Esse é um dos raros casos em que tanto os textos originais como a versão posterior sobreviveram. Contudo, apenas raramente temos esse prêmio. Para algumas campanhas, contamos com mais de uma fonte descrevendo os mesmos acontecimentos e, assim, podemos comparar seus detalhes, mas na maioria das vezes temos apenas uma única fonte. Se rejeitarmos seu testemunho, provavelmente não haverá com que substituí-lo. Em última instância, podemos fazer pouco mais do que verificar a plausibilidade de cada relato e, talvez, registrar vários graus de ceticismo.

POLÍTICA E GUERRA DO COMEÇO ATÉ 218 A.C.

Os romanos só vieram a escrever sua história no final do século III a.C. e foram virtualmente ignorados pelos escritores gregos até aproximadamente essa mesma época. Foi só após a derrota de Cartago, em 201 a.C., que as histórias de Roma começaram a ser relatadas. Antes, porém, alguns registros formais de leis, eleições anuais de magistrados e celebrações de festivais foram, por vezes, produzidos, mas nada de substancioso. Havia, além disso, a tradição oral dos contos folclóricos, poemas e canções, a maioria dos quais celebravam os feitos das grandes casas aristocráticas. Mais tarde, essa rica cultura oral ajudou a inspirar as histórias que Lívio e outros autores contaram sobre os primeiros anos de Roma, a fundação da cidade por Rômulo e os seis reis que o sucederam até o último ser expulso e Roma tornar-se república. Pode haver muitos fios de verdade no tecido desses contos, entrelaçados com criações românticas, mas agora é impossível separar as duas vertentes. Em lugar disso, deveremos apenas pesquisar as tradições relativas à liderança militar em Roma[4].

Fundada, segundo a tradição, em 753 a.C., Roma foi por séculos somente uma pequena comunidade (ou, provavelmente, diversas pequenas comunidades que com o tempo fundiram-se numa única). As guerras movidas pelos romanos nesse período foram de pequena escala, consistindo, quase sempre, em saques menores e roubo de gado, com ocasionais contendas. A maioria dos líderes romanos era formada por chefes guerreiros de molde heroico (embora as histórias sobre a sabedoria e a piedade do rei Numa indiquem outros atributos dignos de respeito). Tais reis e chefes eram líderes porque, em tempos de guerra, lutavam com notável coragem. Em muitos aspectos, assemelham-se aos heróis da Ilíada de Homero, os quais lutavam de tal forma que outros comentavam: “De fato, esses nossos reis, que se alimentam do carneiro gordo e bebem o raro vinho doce, não são homens ignóbeis como os senhores da Lícia; pois têm, deveras, valor, uma vez que combatem nas linhas de frente dos lícios”[5].

A revolução que levou Roma da monarquia à república parece ter contribuído pouco para mudar a natureza da liderança militar, pois ainda se esperava que as figuras mais proeminentes do novo Estado lutassem de modo notável. O ideal heroico determinava que corressem à frente dos outros guerreiros e se engalfinhassem com os chefes inimigos, lutando e vencendo à vista de todos. Em algumas ocasiões, esses duelos poderiam ser combinados formalmente com o inimigo, como quando os três irmãos Horácios combateram os três irmãos Curiácios, da vizinha Alba Longa. De acordo com a lenda, dois dos romanos foram rapidamente abatidos, não sem antes ferir seus oponentes. O último Horácio, então, fingiu fugir, levando os Curiácios a segui-lo até separarem-se. Quando isso ocorreu, Horácio voltou-se e matou cada um dos inimigos isoladamente. Ao retornar a Roma, em meio às aclamações do exército e dos cidadãos, o vencedor assassinou sua própria irmã por ela não o receber com suficiente entusiasmo, uma vez que estava noiva de um dos Curiácios. Essa é apenas uma história de heroísmo individual – mesmo que sua sequência seja brutal e tenha sido usada para ilustrar a regulação gradual do comportamento de homens violentos por parte da comunidade maior. Outra diz respeito a Horácio Cocles, o homem que deteve todo o exército etrusco enquanto a ponte sobre o Tibre era demolida logo atrás e, em seguida, nadou para a segurança dos seus. Independente de haver ou não verdade nessas lendas, o fato é que testemunham a forma prevalente de guerra travada em muitas culturas primitivas[6].

Uma característica das histórias sobre o começo de Roma era o desejo de aceitar estrangeiros na comunidade, algo raro no mundo antigo. Roma cresceu em tamanho e população e, enquanto se expandia, também aumentava o número de guerras que travava. Os bandos de guerreiros que seguiam líderes heroicos foram substituídos por soldados recrutados que tinham meios para adquirir o equipamento necessário à luta. Com o tempo – não compreendemos direito esse processo, no caso de Roma ou, na verdade, de qualquer cidade italiana ou grega –, os romanos começaram a combater como hoplitas em formação de bloco, mais conhecida como falange. Os hoplitas portavam um largo escudo redondo revestido de bronze, alguns com cerca de um metro de diâmetro, usavam capacete, couraça e caneleiras, e sua arma principal era a lança. A falange hoplita dava pouca oportunidade de um ato de heroísmo notável, pois os guerreiros densamente unidos tinham a visão limitada a poucos metros de sua posição. Conforme o pequeno número de heróis deixou de dominar as batalhas e o resultado passou a ser decidido por centenas, às vezes milhares, de hoplitas lutado ombro a ombro, o equilíbrio político da comunidade mudou. Do mesmo modo que os reis e os chefes guerreiros haviam justificado sua autoridade ao destacar-se na guerra, agora a classe hoplita exigia um grau de influência no Estado correspondente ao seu papel no campo de batalha. Logo começaram a eleger seus próprios líderes para presidir o Estado em tempos tanto de guerra como de paz. A maioria desses homens ainda vinha de um grupo de famílias relativamente pequeno; descendiam, principalmente, da velha aristocracia guerreira, que não cedeu o poder de imediato. Depois de algumas experiências com diferentes sistemas de magistratura, tornou-se prática estabelecida escolher por meio de eleição dois cônsules para atuar como oficiais executivos da república. A votação ocorria em uma assembleia conhecida como Comitia Centuriata, na qual os cidadãos votavam em grupos determinados por sua função no exército[7].

Os cônsules tinham igual poder de imperium, pois os romanos temiam conceder a autoridade suprema a qualquer indivíduo, embora, normalmente, cada um recebesse um campo de comando independente. Ao redor do século IV a.C., poucos inimigos exigiam a atenção de todos os recursos militares de Roma sob os dois cônsules. O fato de que, na maioria dos anos, os romanos combatiam dois inimigos simultaneamente também indicava o crescente tamanho da república e o maior número de guerras. A palavra legio (legião) originalmente significava apenas “[força] recrutada” e referia-se à força total arregimentada pela república em tempo de guerra. Provavelmente desde os primeiros dias do consulado tornou-se prática normal dividir a força recrutada em duas e, assim, fornecer a cada magistrado um exército para comandar; com o tempo, “legião” veio a ser o nome dessa subdivisão. Posteriormente, o número aumentou novamente e a organização interna de cada legião ficou mais sofisticada. A república romana continuou a crescer, derrotando os etruscos, os samnitas e a maioria dos povos italianos antes de submeter as colônias gregas na Itália, no início do século III a.C.

Entretanto, de muitas maneiras, a Itália era um centro militar os romanos, como outros povos da península, eram um tanto primitivos no que se refere aos métodos de fazer guerra. No final do século V a.C., a Guerra do Peloponeso, travada entre Atenas e Esparta e seus aliados, eliminou muitas das convenções da estratégia hoplita. Por volta do século IV a.C., a maior parte dos Estados gregos empregava pequenos grupos de soldados profissionais ou de mercenários em lugar da tradicional falange, arregimentada quando necessário entre os cidadãos que podiam custear o equipamento dos hoplitas. Os exércitos tornaram-se mais complexos, contendo diferentes tipos de infantaria e, por vezes, cavalaria, enquanto as campanhas tinham maior duração que no passado e com mais frequência envolviam cercos. Esse modo de fazer a guerra colocava mais responsabilidade nas mãos dos generais, em comparação com a época em que duas falanges lançavam-se uma contra a outra numa planície descampada e o comandante simplesmente tomava seu lugar na frente das linhas para inspirar seus homens.

Apesar de a maioria dessas inovações ter aparecido primeiro nos Estados gregos, foram os bárbaros reis macedônios do norte que criaram um exército muito mais eficiente, no qual a infantaria e a cavalaria lutavam em apoio mútuo, marchando rapidamente para surpreender os oponentes e sendo capazes, também, de tomar cidades muradas. Filipe II e Alexandre derrotaram toda a Grécia e, em seguida, Alexandre cruzou o mar em direção à Ásia, conquistando a Pérsia e chegando à Índia. Diz-se que Alexandre dormia com uma cópia da Ilíada debaixo do travesseiro e, de modo consciente, buscava ligar-se ao grande herói de Homero, Aquiles. Antes de uma batalha, Alexandre tomava grande cuidado para manobrar e empregar seu exército de forma a avançar e coordenadamente pressionar todo o front inimigo. Então, nos momentos críticos, liderava seu esquadrão de cavalaria numa carga contra a parte mais vulnerável da linha oponente. Dessa forma, inspirava seus soldados a realizarem feitos valorosos, porém, uma vez que a luta começava, não podia exercer muita influência no curso da batalha. Em vez disso, confiava em que seus oficiais pudessem controlar as tropas em outros setores do campo, embora seja notável que tenha feito muito pouco uso de reservas, especialmente por não poder enviar uma ordem a essas tropas uma vez que a luta tivesse começado. Alexandre foi um líder excepcionalmente destemido, pagando o preço do seu estilo de comando com um longo catálogo de ferimentos, muitos dos quais recebidos em combate singular[8].

Poucos dos seus generais, que dividiram o império de Alexandre nas décadas seguintes à sua morte, eram tão ousados. No entanto, mesmo assim a maioria sentia-se obrigada a, em algum momento, liderar um ataque em pessoa. O rei Pirro, do Épiro, que afirmava ser descendente direto de Aquiles, foi um daqueles que travavam combates singulares, tendo morrido ao liderar seus homens numa carga. Também era um soldado pensante que produziu um manual de liderança militar, o qual, infelizmente, não sobreviveu. Em batalha, Plutarco afirma que ele “[...] expunha-se em combate pessoal e repelia todos os que encontrava, acompanhava o progresso da batalha e nunca perdia a presença de espírito. Dirigia a ação como se a estivesse observando à distância, surgindo, porém, em todos os lugares e sendo sempre capaz de estar presente para apoiar seus homens onde a pressão era maior”[9]. O heroísmo ainda era considerado uma característica apropriada e admirável num comandante do exército, especialmente se fosse um monarca, mas, além disso, esperava-se que também fosse capaz de liderar suas forças de perto. As maiores vitórias de Alexandre foram conquistadas sobre inimigos muito menos eficientes em combate do que seus macedônios, porém seus sucessores passaram grande parte do tempo lutando um contra o outro e, por isso, foram confrontados por exércitos quase idênticos aos deles em termos de equipamento, tática e doutrina. Sem a superioridade sobre seus inimigos, os comandantes tinham de buscar alguma vantagem especial para garantir a vitória. A teoria militar que floresceu nesse período preocupava-se com as condições corretas sob as quais um comandante deveria conduzir a batalha.

Os romanos só enfrentaram um exército helênico em 280 a.C., quando Pirro veio em auxílio da cidade grega de Tarento, no sul da Itália, em seu conflito com Roma. Depois de dois grandes reveses, os romanos puderam, enfim, derrotar o rei do Épiro em 275, em Malevento, mas o sucesso se deveu mais à obstinada resistência dos legionários romanos do que à inspiração dos seus generais. Em muitos aspectos, o estilo romano de comando pertencia a um período mais antigo, mais simples, com menos expectativas de manobras prolongadas antes da batalha, quando ambos os lados buscavam qualquer vantagem que fosse. Não obstante, quando a refrega começava, o comportamento do general romano diferia marcadamente do de seu correspondente helênico. Mais magistrado do que rei, o romano não tinha lugar fixo no campo de batalha, nem uma guarda especial em cuja frente deveria liderar o ataque. O cônsul colocava-se onde acreditava ser a posição mais importante e, durante a batalha, movia-se por trás da linha de combate, encorajando e orientando as tropas. Os exércitos helênicos raramente empregavam forças reservas, mas, no início da luta, a formação básica da legião romana mantinha entre metade e dois terços de seus homens atrás da linha de frente. O general tinha a tarefa de servir-se dessas forças quando julgasse necessário.

Roma não havia abandonado de todo as tradições heroicas, e, às vezes, os generais participavam do combate. Muitos aristocratas vangloriavam-se das ocasiões em que haviam se engajado em combate singular e vencido, apesar de que, por volta do século III a.C., era mais provável que tivessem realizado esses feitos ao servir em uma patente mais baixa. Em Sentino, em 295 a.C., um dos dois cônsules com um exército – uma força excepcionalmente grande para enfrentar a confederação dos samnitas, etruscos e gauleses – celebrou um ritual arcaico, no qual “ofereceu-se” em sacrifício à Terra e aos deuses do Mundo Subterrâneo para salvar o exército do povo romano. Tendo completado tal rito, esse homem, Públio Décio Mus, esporeou o cavalo em direção às linhas gaulesas e foi rapidamente morto. Segundo Lívio, ele passou formalmente o comando a um subordinado antes desse sacrifício ritual (um gesto que era uma tradição familiar, pois seu pai havia feito a mesma coisa em 340 a.C.). A batalha de Sentino terminou com a vitória romana[10].

Um dos atributos mais importantes de um aristocrata romano era a virtus, palavra da qual deriva o termo moderno “virtude” – uma tradução pobre do original. A virtus compreendia todas as qualidades marciais importantes, não só a coragem física e a habilidade com as armas, mas também a coragem moral e outros dons de um comandante. Esperava-se que o nobre romano fosse capaz de colocar um exército em ordem de combate e controlá-lo durante a luta, atento aos pequenos detalhes das unidades individuais e a seu comprometimento na batalha. Deveria possuir confiança e ser arguto para tomar as decisões apropriadas, sustentando-as firmemente ou tendo a coragem de confessar um erro quando fosse o caso. Mais que tudo, nunca deveria duvidar da vitória final de Roma. Esse ideal permitia um largo espectro de interpretações. Alguns homens continuaram, obviamente, a conferir grande importância ao heroísmo individual, mas na época da Primeira Guerra Púnica, quando podemos ter os primeiros vislumbres do comportamento dos comandantes romanos, eram a franca minoria. Mesmo aqueles que aspiravam a feitos pessoais de valor não sentiam que isso pudesse tirá-los do comando dos seus exércitos, pois tais atos eram simplesmente uma fonte adicional de glória e não alteravam o papel mais importante a ser exercido pelo comandante[11].

O CONTEXTO DO COMANDO

A guerra e a política eram inseparáveis em Roma, e esperava-se que os líderes tanto conduzissem a vida pública no Fórum quanto comandassem um exército em campanha quando necessário. Como os inimigos estrangeiros representavam uma grande ameaça à prosperidade do Estado e, por vezes, à sua existência, a derrota dos antagonistas na guerra era considerada a maior realização de qualquer líder, e a que lhe conferia a maior glória. Devido ao fato de, por muitos séculos, o Senado fornecer todos os comandantes e principais magistrados do Estado, a capacidade de prover liderança militar tornou-se parte central da autoimagem da classe senatorial. Posteriormente, mesmo os imperadores menos militares – e devemos lembrar que nossa palavra “imperador” deriva do latim imperator, ou “general” – alardeavam o sucesso de seus exércitos e sofriam séria queda de prestígio quando as guerras não iam bem. Até o final da Antiguidade, os homens que comandavam os exércitos de Roma seguiam uma carreira, o cursus honorum, que lhes oferecia postos na vida civil e militar. Os governadores das províncias deveriam administrar e fazer justiça ou mover guerra, dependendo da situação. Contudo, é um erro grave ver o sistema romano com olhos modernos e afirmar que seus comandantes não eram realmente soldados, mas políticos, pois esses homens sempre exerciam ambos os papéis. A glória militar impulsionava a carreira política e poderia ser fonte de futuras oportunidades de comando nas guerras. Até aqueles cujos talentos eram mais inclinados para a guerra ou para a política deveriam ter a mínima proficiência nas duas áreas, se quisessem uma chance de mostrar sua capacidade.

Os generais bem-sucedidos em geral lucravam financeiramente em suas campanhas, mas, sob certos aspectos, os dividendos em prestígio eram ainda maiores. Após uma vitória no campo de batalha, um comandante de exército seria saudado como imperator. Ao retornar a Roma, podia contar com o direito de celebrar um triunfo, momento em que ele e suas tropas marchariam pela Via Sacra até o coração da cidade. O general ia numa carruagem puxada por quatro cavalos, com o rosto pintado de vermelho e vestido de forma a lembrar as velhas estátuas de terracota que representavam Júpiter Ótimo Máximo. A partir desse dia, ele era tratado quase como um deus, apesar de um escravo ficar atrás dele na carruagem murmurando, continuamente, que não se esquecesse de que era um mortal. Um triunfo era uma grande honra, algo que a família continuaria a comemorar por gerações. Muitos dos maiores edifícios de Roma foram erguidos ou restaurados por generais vitoriosos usando espólios que obtiveram na guerra, enquanto a casa da família seria permanentemente decorada com os símbolos da conquista. Apenas uma minoria entre os senadores teve a honra de um triunfo, e mesmo esse grupo esforçava-se para provar que seu triunfo fora maior que todos os outros. Inscrições registrando as realizações dos comandantes tendiam a incluir seus menores detalhes e, mais que tudo, a quantificar o sucesso, listando o número de inimigos capturados ou escravizados, de cidades invadidas ou navios de guerra capturados. Para um aristocrata romano, era sempre importante ter vitórias maiores e melhores que os outros senadores.

O cursus honorum variou na sua forma e flexibilidade ao longo dos séculos, mas sempre seguiu um ciclo político anual. À época da Segunda Guerra Púnica, devia começar com dez campanhas ou dez anos completos de serviço militar na cavalaria, a serviço de um membro da família ou amigo, ou com uma patente de oficial como um tribuno militar. Depois, o pretendente poderia candidatar-se a ocupar a posição de quaestor, que tinha essencialmente reponsabilidades financeiras, porém também podia atuar como segundo homem em comando de um cônsul. Outros postos após um ano como questor, como tribuno da plebe e edil, não pressupunham responsabilidades militares, mas por volta de 218 a.C. a função de pretor por vezes envolvia comando de campo. Contudo, as campanhas mais importantes eram sempre passadas aos cônsules anuais. Todos esses magistrados detinham suas posições por apenas doze meses e não deveriam ser reeleitos para o mesmo cargo antes de um intervalo de dez anos. Os magistrados que recebiam um comando militar tinham imperium, o poder de dar ordens aos soldados e de fazer justiça. Quanto maior a magistratura, maior era o imperium do indivíduo. Ocasionalmente, o Senado resolvia estender o comando de um cônsul ou pretor por mais um ano, e seu título passava a ser procônsul e propretor, respectivamente. As eleições em Roma eram acirradas, e muitos dos cerca de trezentos membros do Senado nunca chegaram a ocupar qualquer magistratura. O sistema de votação conferia peso desproporcional às classes mais ricas e tendia a favorecer os membros das famílias nobres mais abastadas e antigas. Um pequeno número de famílias senatoriais tendia a dominar o consulado, e assim eram poucos os homens que alcançavam esse posto. No entanto, o sistema político romano não era totalmente rígido. No entanto, sempre houvesse uma elite interna de famílias, a composição desses grupos alternava-se ao longo das décadas, uma vez que alguns membros morriam e eram substituídos por outros. Também era sempre possível que um homem cuja família nunca tivesse ocupado cargos importantes conseguisse a posição de cônsul.

Num livro desta natureza, não é possível descrever em detalhe o desenvolvimento do exército romano, mas, da mesma forma, é obviamente importante fornecer alguma indicação da força à disposição do general. No início da nossa pesquisa, o exército romano era recrutado entre todos os cidadãos do sexo masculino que tinham possibilidade de equipar-se para a guerra. Os mais ricos serviam como cavaleiros, já que tinham meios para comprar cavalo, armadura e armas. O núcleo do exército era formado pela infantaria pesada, composta, em sua maior parte, pelos donos de pequenas propriedades. Os pobres formavam a infantaria leve, que não precisava de armadura, e também podiam servir como remadores na esquadra de guerra. Cada legião consistia nesses três elementos – trezentos cavaleiros, três mil soldados de infantaria pesada e 1.200 homens de infantaria leve (velites). A infantaria pesada era subdividida em três linhas, com base na idade e na experiência militar. Os 1.200 mais jovens eram conhecidos como hastati e combatiam na linha de frente. Aqueles no início da vida pública eram conhecidos como principis e ficavam postados em uma segunda linha, enquanto seiscentos veteranos, ou triarii (triários), ficavam na retaguarda.

Image

DIAGRAMA DE EXÉRCITO MANIPULAR

Cada linha era composta de dez unidades táticas, ou manípulas, consistindo em duas unidades administrativas, ou centúrias, cada qual liderada por um centurião. O centurião da centúria à direita era mais velho e comandava toda a manípula, caso os dois homens estivessem presentes. As manípulas de cada linha eram arranjadas em intervalos iguais entre a unidade à frente e a seguinte. Os intervalos eram preenchidos pelas manípulas da próxima linha, de forma que a formação da legião lembrava um tabuleiro de xadrez (quincunx). Em campanha, cada legião era apoiada por uma ala de aliados latinos ou italianos, composta pelo mesmo número de soldados de infantaria, mas também por um número até três vezes maior de cavaleiros. Normalmente, o cônsul recebia o comando de duas legiões e duas alas. A posição-padrão dispunha as legiões no centro com uma ala em cada flanco – chamadas, por esse motivo, de ala esquerda e direita. Algumas das tropas aliadas – em geral um quinto da infantaria e um terço da cavalaria – eram retirados das alas para formar os extraordinarii, os quais eram colocados à disposição imediata do comandante do exército. Os extraordinarii eram, com frequência, empregados para liderar a coluna durante um avanço ou atuar como retaguarda durante as retiradas[12].

Os soldados romanos não eram profissionais, mas homens que serviam no exército por um dever à república. O exército também era visto como força de milícia; contudo, provavelmente é melhor pensar nele como um exército recrutado, pois os homens costumavam passar alguns anos consecutivos com a legião, embora ninguém devesse ficar por mais de dezesseis anos. O serviço militar era um interlúdio à vida normal, apesar de, aparentemente, serem uma obrigação ressentida pelos que serviam. No exército, os cidadãos submetiam-se a um sistema de disciplina extremamente árduo, perdendo a maior parte de seus direitos legais até serem dispensados. Mesmo as menores infrações podiam ser punidas de modo brutal, enquanto as mais sérias eram passíveis de pena de morte. O exército romano se constituía, em essência, em uma força impermanente, e as legiões eram desmobilizadas quando o Senado decidia que não eram mais necessárias. Embora os soldados pudessem ser convocados a servir a república de novo, não voltariam às mesmas unidades nem sob os mesmos comandantes. Cada exército e cada legião formados eram únicos e aumentavam gradualmente sua eficiência conforme submetiam-se aos treinamentos. As legiões vistas em serviço ativo tendiam a ser bem treinadas e disciplinadas, mas, logo que eram dispensadas, o processo tinha de recomeçar com novos exércitos. Havia, portanto, uma estranha mistura de disciplina e organização, tão rígidas como a de muitos exércitos profissionais, com a impermanência de um ciclo contínuo de recrutamento, treinamento e desmobilização, antes de reiniciá-lo.

Finalmente, vale mencionar alguns dos fatores que restringiam a atividade de um general durante o período estudado. Um dos mais importantes era o limite da agilidade com que a informação podia ser comunicada. Em todos os aspectos práticos, ela nunca era maior que a velocidade de um mensageiro a cavalo. Há exemplos registrados de indivíduos que fizeram jornadas muito longas em pouco tempo e, sob o principado, criou-se o correio imperial, com mensageiros e cavalos descansados em intervalos regulares. Era sempre mais fácil transmitir mensagens dentro do império através de províncias com estradas bem mantidas. A rede de estradas construída pelos romanos possibilitava tal comunicação, bem como o movimento de homens e suprimentos, mas tinha apenas valor nas províncias. Operações ofensivas além das fronteiras eram, usualmente, conduzidas por meio de uma rede de vias e caminhos muito mais simples. Por vezes, o exército romano também criava sistemas de sinalização usando bandeiras ou, mais frequentemente, faróis, porém esses sinais podiam apenas comunicar as mensagens mais simples e não eram adequados a um exército estacionado numa posição fixa, ao longo de uma linha de fronteira ou fazendo um cerco.

A consequência mais importante disso era que o general em campo tinha, quase sempre, considerável liberdade de ação, uma vez que era impraticável dirigir operações em detalhe a partir do centro de poder em Roma. Também era extremamente difícil controlar as divisões de um exército que se estendia por distâncias, mesmo as modestas, o que encorajava os comandantes a manter suas forças concentradas na maioria dos casos. O mundo antigo quase não tinha mapas e, certamente, os que havia não eram detalhados o bastante para auxiliar o planejamento das operações militares. Os comandantes podiam reunir informações sobre a geografia local usando várias fontes – se a luta fosse dentro de uma província, a quantidade e a qualidade de informações eram, obviamente, melhores –, mas na prática enviavam um batedor para observar. Os generais muitas vezes faziam, eles mesmos, o reconhecimento do terreno, da mesma forma que quase sempre interrogavam os prisioneiros e questionavam mercadores ou membros da população local para amealhar informação. O curto alcance das armas, que ligado essencialmente ao poder dos músculos humanos, era muito limitado, o que, aliado ao tamanho dos exércitos, permitia que o general estivesse em posição de observar tudo por si próprio, bem como escrutinar o exército inimigo durante a batalha. A visibilidade era apenas limitada pelo terreno, e o alcance, sem o benefício de equipamentos que maximizam a visão, restringia-se à capacidade do olho humano.

Os comandantes romanos eram, assim, capazes de dirigir as operações de forma muito mais imediata e pessoal do que nas guerras modernas. Em campanha ou durante batalhas e cercos, os generais romanos eram deveras ativos, passando muito tempo perto do inimigo, arriscando-se a ferir-se ou a morrer vitimados por projéteis ou pelo ataque repentino do adversário. Embora não fossem mais líderes moldados no heroísmo como Alexandre, estavam, de certo modo, mais próximos dos seus homens, enfrentando com eles os extremos da campanha de uma maneira que veio a ser louvada como caracteristicamente romana. Qualquer que fosse a realidade social e política, persistiu o ideal do general como um cidadão e soldado comum (commiles) que compartilhava com o restante do exército uma tarefa comum.