A expressão “legislação tributária” é adotada pelo CTN, em seu art. 96, para referir-se aos instrumentos pelos quais as normas tributárias são veiculadas (leis, tratados internacionais, medidas provisórias, resoluções, decretos, portarias etc.). A doutrina, muitas vezes, utiliza outros termos para significar o mesmo, como “fontes formais do direito tributário”.
No entanto, antes de estudarmos os instrumentos a que se refere o CTN, é importante termos em mente que as normas básicas da tributação encontram-se veiculadas pela própria Constituição Federal.
De fato, a Constituição Federal rege o sistema tributário nacional. É na Constituição que encontramos as normas definidoras das competências tributárias, como já vimos. É também a Lei Maior que dá as características básicas de todos os tributos, orientando a criação, modificação e extinção das normas infraconstitucionais. Finalmente, toda interpretação da legislação tributária dar-se-á em conformidade com as disposições constitucionais.
Assim, toda normatização tributária, seja ela veiculada por leis, decretos, portarias, decisões judiciais ou administrativas, convênios, e mesmo tratados e convenções internacionais, será interpretada à luz da Constituição Federal.
O Congresso Nacional tem competência para alterar a Constituição, mediante quorum qualificado, na forma do art. 60 da CF, ressalvadas as chamadas cláusulas pétreas (§ 4.º desse artigo).
Como exemplo de cláusula pétrea em matéria tributária, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de julgar inconstitucional Emenda Constitucional que pretendeu reduzir o alcance do princípio da anterioridade (trata-se de garantia individual) e da imunidade recíproca (garantia da forma federativa de Estado).1
CTN – Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
Abaixo da Constituição Federal e subordinadas, de certa forma, às normas nacionais, em específico às normas gerais veiculadas por lei complementar (veremos adiante), cada um dos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) veicula normas tributárias próprias, que integram a “legislação tributária”.
Para rememorarmos, veja a tabela ao final do capítulo em que tratamos das competências tributárias.
As leis (ordinárias, em regra), produzidas pelos Legislativos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são o veículo básico de instituição, modificação e extinção de tributos. Trata-se de postulado do princípio da legalidade estrita (art. 150, I, CF).
Assim, os aspectos básicos dos tributos, como fato gerador, sujeito passivo, sujeito ativo, alíquota e base de cálculo devem ser definidos por lei, conforme o art. 97 do CTN. Da mesma maneira, majorações de alíquotas, reduções, perdões (anistias e remissões), parcelamentos, compensações etc. devem ser previstos por lei.
Embora haja alguma discussão doutrinária e jurisprudencial, entende-se que as obrigações acessórias (escriturar livros, apresentar declarações etc.) também devem ser previstas por lei, embora se admita que os detalhes (tamanho do livro, formulários, padronização das declarações etc.) sejam veiculados por normas infralegais (decretos, portarias etc.).
Em regra, basta lei ordinária para tratar das matérias tributárias. No entanto, há exceções em que a Constituição Federal exige lei complementar, de natureza federal (relativa à competência da União), para instituição, alteração e extinção de determinados tributos federais (nunca para estaduais ou municipais). É o caso dos empréstimos compulsórios (art. 148), impostos da competência residual (art. 154, I) e contribuições sociais adicionais às previstas na Constituição (art. 195, § 4.º). Entende-se que o imposto sobre grandes fortunas exige lei complementar para definir o que são grandes fortunas, para que a União possa instituí-lo, posteriormente, por lei ordinária.
Cabe, ainda, à lei complementar cumprir a função de veicular norma nacional, a que se subordinam todos os entes federados.
É importante ter bem claro este conceito: o Congresso Nacional pode produzir leis complementares de natureza federal, que se referem à competência tributária da União, mas também pode aprovar leis complementares de natureza nacional, a que se submetem todos os entes federados (União, Estados, DF e Municípios).
Quando a União aprova uma lei complementar instituindo um empréstimo compulsório, por exemplo, está criando uma norma federal. Significa que a União exerceu sua competência tributária, prevista constitucionalmente. Os Estados, o DF e os Municípios não têm qualquer relação com esta norma federal, que não diz respeito às suas próprias competências.
Por outro lado, quando a União aprova uma lei complementar que altera o CTN, incluindo uma nova regra geral relativa à definição da prescrição, por exemplo, trata-se de norma nacional. Ou seja, essa norma é aplicada não apenas à tributação federal, mas também aos Estados, DF e Municípios.
As funções da lei complementar, enquanto norma nacional, estão relacionadas, principalmente, nos arts. 146 e 146-A da Constituição Federal. É importante que o leitor estude atentamente estes dispositivos, dada a sua relevância para o sistema tributário nacional:
CF – Art. 146. Cabe à lei complementar:
I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as micro-empresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
(...)
É lei complementar, nos termos do art. 146 da CF, que (i) dispõe sobre conflitos de competência, (ii) regula as limitações constitucionais ao poder de tributar e (iii) fixa as normas gerais em direito tributário.
Assim, cabe à lei complementar fixar as regras tendentes a afastar os conflitos de competência entre os entes políticos. É o CTN (recepcionado como lei complementar) que, por exemplo, define o que são imóveis urbanos, a serem tributados pelos Municípios (IPTU), distinguindo-os dos imóveis rurais, que se subordinam à tributação federal (ITR). Note-se que, caso não houvesse essa norma nacional tratando do assunto, haveria atrito entre os entes federados na delimitação e no exercício de suas competências tributárias (= conflito).
Os princípios constitucionais e as imunidades previstas nos arts. 150 a 152 da CF estão situados na seção denominada “das limitações constitucionais ao poder de tributar”. De fato, as imunidades, como vimos, são normas negativas de competência, ou seja, afastam a possibilidade de os entes políticos tributarem determinadas situações. De maneira semelhante, os princípios da legalidade e anterioridade, por exemplo, impõem um forte limite à pretensão tributária da União, dos Estados, do DF e dos Municípios. Ocorre que determinados princípios e imunidades, previstos constitucionalmente, dependem de normas infraconstitucional para terem eficácia, ou seja, precisam ser regulamentados. Cabe à lei complementar veicular tais normas regulamentadoras.
Como exemplo, o art. 150, VI, “c”, prevê a imunidade de instituições educacionais e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. Esta lei será, necessariamente, lei complementar (atualmente, o art. 14 do CTN).
A CF prevê que cabe à lei complementar veicular as normas gerais em direito tributário. Dentre elas, o art. 146 da CF especifica, em seu inciso III, a definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos definidos na Constituição Federal. O inciso III prevê também, como norma geral, a legislação acerca da prescrição e da decadência, e do adequado tratamento tributário à atividade das cooperativas.
Quanto à prescrição e à decadência (art. 146, III, “b”, in fine, da CF), o STF recentemente confirmou que não cabe à lei ordinária tratar do assunto (Súmula Vinculante 8 do STF). Assim, os prazos prescricionais e decadenciais são de cinco anos, previstos pelos arts. 173 e 174 do CTN (lembre-se de que o CTN vige com força de lei complementar). Não subsistem prazos prescricionais e decadenciais veiculados por simples lei ordinária, como é o caso daqueles fixados pela legislação previdenciária (de dez anos).
Reiteramos: embora a Constituição Federal fixe as competências tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e que essas pessoas políticas, no exercício dessas competências, instituam os tributos, alterem-nos e extingam-nos por lei ordinária (em regra), há uma categoria de normas produzidas pelo Congresso Nacional que se aplicam a todos os entes federados (normas nacionais), numa posição intermédia, entre a Constituição Federal e as legislações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. É nessa posição de norma nacional que se encontram as leis complementares que determinam as bases de cálculo e os contribuintes dos impostos previstos na CF.
Exemplificando, o art. 155, inciso II, da CF fixa a competência estadual para tributar as circulações de mercadorias (ICMS). A Lei Complementar 87/1996 veicula as normas gerais relativas ao ICMS, vinculando todos os Estados (é norma nacional), definindo, em especial, o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte do imposto, em conformidade com o art. 146, III, da CF. Finalmente, cada Estado da federação, por lei ordinária estadual, institui o ICMS, fixando as regras específicas para a tributação das circulações de mercadorias dentro de seu território (observando as regras gerais da LC 87/1996).
Como outro exemplo, o art. 156, I, da CF prevê a competência municipal para tributar a propriedade imobiliária urbana (IPTU). No entanto, são os arts. 33 e 34 do CTN (natureza de lei complementar federal) que definem a base de cálculo e os contribuintes do tributo. Cada Município pode instituir seu IPTU por lei ordinária municipal, respeitando sempre as definições gerais fixadas pela norma nacional (CTN).
Considera-se norma geral de direito tributário, a ser veiculada por lei complementar, a definição de tratamento diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive com previsão de regime especial ou simplificado para pagamento do ICMS e contribuições sociais a cargo do empregador e equiparados, além do PIS.
É prevista também a instituição do chamado “Supersimples” (já estudado no capítulo das competências tributárias), nos termos do parágrafo único do art. 146 da CF:
CF, art. 146, parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:
I – será opcional para o contribuinte;
II – poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III – o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV – a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.
O art. 146-A, por sua vez, prevê que lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação para intervir no ambiente concorrencial (prevenindo desequilíbrios da concorrência), sem prejuízo da legislação federal específica.
Vejamos a seguinte tabela, para memorização dos casos em que a Constituição exige Lei Complementar:
Casos em que a CF exige Lei Complementar Federal |
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Norma federal (exercício da competência tributária da União) |
Norma nacional (aplica-se indistintamente à União, Estados, DF e Municípios) |
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- Empréstimos compulsórios |
Art. 148 |
- Disposições sobre conflitos de competência |
Art. 146, I |
- Imposto sobre grandes fortunas (definição do que sejam grandes fortunas) |
Art. 153, VII |
- Regulamentações das limitações constitucionais ao poder de tributar |
Art. 146, II |
- Impostos da competência residual |
Art. 154, I |
- Norma gerais em matéria de legislação tributária (ex.: fato gerador, base de cálculo e contribuintes dos impostos, obrigação, lançamento e crédito tributário, prescrição, decadência, tributação diferenciada do ato cooperativo e das micro e pequenas empresas, supersimples) |
Art. 146, III e parágrafo único |
- Outras contribuições sociais além das previstas nos incisos do art. 195 |
Art. 195, § 4.º |
- Critérios especiais de tributação com o objetivo de prevenir desequilíbrios na concorrência |
Art. 146-A |
Pode ocorrer de o Congresso Nacional aprovar uma lei complementar para alterar um tributo federal quando, pela Constituição, bastaria uma lei ordinária. Seria uma lei formalmente complementar, mas materialmente ordinária. O entendimento pacificado pelo STF é de que essa lei formalmente complementar pode ser modificada ou extinta por simples lei ordinária posterior.
Finalmente, cabe referirmo-nos às leis delegadas, previstas pelo art. 68 da CF. O Congresso Nacional pode, atendendo à solicitação do Presidente da República, delegar-lhe (por meio de resolução) o poder para produzir leis, inclusive em matéria tributária. Importante salientar que essa delegação somente pode se referir a matérias que exijam simples lei ordinária, nunca complementar.
CF – Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
(...)
§ 2.º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II [Imposto de Importação, Imposto de Exportação, IPI, IOF, extraordinários] só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
Hoje, com o § 2.º do art. 62 da CF (redação dada pela Emenda Constitucional 32 de 2001), não há maior discussão quanto à possibilidade de a União instituir ou majorar tributos por meio de medida provisória. Conforme o dispositivo constitucional, no caso de majoração do imposto de renda por medida provisória, por exemplo, somente poderá ser exigido o valor correspondente ao aumento se a MP for convertida em lei até o último dia do exercício em que foi editada, produzindo efeitos a partir do ano seguinte.
Bom destacar que a restrição do § 2.º do art. 62 aplica-se apenas à instituição ou à majoração de determinados impostos. Assim, a instituição ou a alteração de uma contribuição, por exemplo, não se submete a tal regra. Da mesma forma, a redução de um imposto tampouco se limita à anterioridade prevista pelo dispositivo constitucional.
Finalmente, o entendimento jurisprudencial é de que os Estados e o DF podem ter suas medidas provisórias (pelo princípio da simetria), desde que previstas em suas respectivas Constituições e Lei Orgânica.
Os tratados e convenções internacionais são celebrados pelo Presidente da República (art. 84, VIII, da CF), muitas vezes por meio do plenipotenciário. Posteriormente, submetem-se ao referendo do Congresso Nacional (art. 49, I, da CF), que pode aprová-los por meio de decreto legislativo. A seguir, o Presidente ratifica o tratado ou a convenção, manifestando, aos demais países, o consentimento. Finalmente, o Presidente promulga o tratado por decreto, cuja publicação insere-o no sistema jurídico nacional.
1.º |
O Presidente da República celebra o tratado, muitas vezes por meio de plenipotenciário – art. 84, VIII, da CF |
2.º |
O Congresso Nacional referenda o tratado, aprovando-o por decreto legislativo – art. 49, I, da CF |
3.º |
O Presidente ratifica o tratado, manifestando o consentimento aos demais países |
4.º |
O Presidente promulga o tratado, por decreto, cuja publicação insere-o no sistema jurídico interno |
O entendimento do STF é de que os tratados e convenções em geral têm paridade normativa com as leis ordinárias federais produzidas pelo Estado Brasileiro. Assim, uma lei ordinária federal posterior pode revogar um tratado ou uma convenção internacional. A consequência é que o Estado Brasileiro responderia perante os outros signatários no plano do direito internacional. Essa é a regra geral, repito. Há exceções nos casos de tratados e convenções sobre direitos humanos (ver art. 5.º, § 3.º, da CF) e, para muitos, em matéria tributária.
No que se refere aos tributos, o art. 98 define a primazia dos tratados internacionais sobre as normas internas. Ou seja, um tratado internacional em matéria tributária não poderia ser revogado por simples lei posterior:
CTN – Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.
Embora haja discussão doutrinária, se entendermos que o art. 98 do CTN foi recepcionado pela atual Constituição, uma norma tributária veiculada por tratado internacional não poderia ser alterada ou extinta por norma interna, mas apenas em conformidade com o Direito Internacional (ab-rogação, denúncia, desuso etc.).
Quanto à possibilidade de tratados e convenções concederem isenções e benefícios nos âmbitos estadual e municipal, a discussão é ainda mais acalorada (por exemplo, um tratado firmado pela União que fixe isenção do ICMS estadual). É bastante forte o entendimento de que não é possível tal interferência, dadas as autonomias estaduais e municipais e a vedação expressa no art. 151, III, da CF.
São comuns tratados internacionais (por ex. GATT e Mercosul) que garantem ao bem importado o mesmo tratamento dado ao similar nacional, o que é plenamente possível. Por exemplo, se um peixe é isento de ICMS em determinado Estado (por força da legislação local), o tratado internacional pode garantir o mesmo benefício fiscal em favor do similar importado.
Entretanto, é importante destacar que a FGV afirmou, em gabarito oficial, “que o STF entende que a concessão de isenção na via do tratado não se sujeita à vedação à concessão de isenção heterônoma, pois o âmbito de aplicação do art. 151, III, da CRFB é o das relações das entidades federadas entre si, não alcançando a União quando esta se apresenta na ordem externa” (XI Exame da OAB Unificado).
No sistema tributário nacional, o Senado Federal, além de participar da elaboração das leis federais (ordinárias e complementares) compondo o Congresso Nacional com a Câmara dos Deputados, expede resoluções que têm força de norma nacional, aplicando-se a toda a federação.
Cabe ao Senado, por resolução, fixar alíquotas máximas do ITCMD (art. 155, § 1.º, IV, CF), definir alíquotas interestaduais, mínimas e máximas de ICMS (art. 155, § 2.º, IV e V, CF) e definir alíquotas mínimas do IPVA (art. 155, § 6.º, I, CF).
CTN – Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com a observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.
Abaixo das leis, o instrumento normativo mais comum é o decreto. Pelo decreto, que é produzido pelo chefe do Executivo, regulamenta-se a lei, dentro de seus estritos limites. O decreto pode, por exemplo, regulamentar o preenchimento de guias para o recolhimento do tributo, a forma como os recursos administrativos serão encaminhados, os vencimentos das obrigações etc.
O decreto não pode criar, alterar ou suprimir direitos e obrigações, apenas regular a matéria veiculada pela lei tributária.
Excepcionalmente, o decreto pode, dentro de limites legais, alterar alíquotas de determinados tributos (art. 153, § 1.º, da CF – II, IE, IPI, IOF, e art. 177, § 4.º, I, b, da CF – CIDE sobre combustíveis).
Caso o chefe do Executivo extrapole os limites de sua competência, expedindo um decreto que invada a competência legislativa, alterando a base de cálculo de um tributo ou modificando o fato gerador, como exemplo, este ato será inconstitucional e ilegal. O Legislativo deverá sustar a aplicação desse decreto, nos termos do art. 49, V, da CF.
Por fim, destacamos que o art. 212 do CTN prevê que cada ente político publicará anualmente decreto consolidando sua legislação tributária.
Para melhor visualização, atente-se para a seguinte tabela, em que listamos os casos em que se exige lei e aquilo que pode ser veiculado por decreto:
CTN – Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
O legislador do CTN resolveu criar uma classificação de normas complementares, que são todas as outras que não as leis, tratados e convenções internacionais, e decretos.
Todas as normas complementares submetem-se aos ditames da lei e dos decretos expedidos pelo chefe do Executivo.
Embora a definição do que sejam as normas complementares seja razoavelmente arbitrária (excluindo os decretos, por exemplo), é importante que o estudante fixe o conceito, muito exigido em exames da OAB.
Os atos normativos previstos pelo art. 100, I, são aqueles produzidos pelos órgãos inferiores ao chefe do Executivo (Ministros, Secretários, Diretores etc.). São as portarias ministeriais ou secretariais, os atos normativos, as circulares etc.
Determinadas decisões expedidas em processos administrativos têm caráter normativo definido em lei. Tais decisões, nessa condição, são consideradas normas complementares pelo art. 100, II, do CTN.
As práticas reiteradas da administração tributária (não dos contribuintes!) são também consideradas normas complementares. Assim, se um contribuinte recolhe seus tributos conforme a prática reiterada do fisco, estará agindo em conformidade com a legislação tributária (conforme norma complementar prevista pelo art. 100, III), com as consequências previstas pelo parágrafo único do dispositivo acima transcrito.
Finalmente, são comuns os convênios entre os entes políticos, em especial os relativos ao ICMS, firmados pelos Estados e Distrito Federal. Tais convênios são normas complementares, nos termos do art. 100, IV, do CTN.
De se notar que a observância às normas complementares pelos contribuintes não afasta a obrigação de recolhimento do tributo posteriormente, no caso de tais normas serem revistas. É que somente a lei pode afastar a tributação, e nunca uma norma complementar.
Exemplificando: imagine que a prática reiterada da administração tributária, ou mesmo uma portaria ministerial, é pelo não pagamento do tributo em determinada situação. Num momento futuro, a administração percebe que se enganara, pois a lei prevê a incidência tributária nessa situação. O fisco, corrigindo seu erro, publica nova portaria e revê sua prática, exigindo o tributo, inclusive com relação a fatos passados. Em tal situação, observado o prazo decadencial (veremos mais adiante), o contribuinte deverá recolher o tributo devido, mas sem multas ou juros, conforme o disposto no parágrafo único do art. 100 do CTN. Entender de maneira diferente seria admitir que a prática reiterada ou uma portaria ministerial, que são simples normas complementares, poderia afastar a tributação, fixando uma isenção ou remissão, o que é inadmissível.
1. (OAB 2010.2 – FVG) Em Direito Tributário, cumpre à lei ordinária:2
a) estabelecer a cominação ou dispensa de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos.
b) estabelecer a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos em matéria de ISS.
c) estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre a definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte.
2. (OAB 2010.2 – FVG) Caso determinado município venha a atualizar o valor monetário da base de cálculo do IPTU, tal hipótese3
a) deve vir regulada por lei.
b) deve vir regulada por lei complementar.
c) enquadra-se como majoração de tributo.
d) poderá ser disciplinada mediante decreto.
3. (OAB/Nacional 2008.I) Não constitui matéria de direito tributário reservada pela Constituição Federal (CF) à lei complementar a4
a) definição das espécies tributárias.
b) definição dos contribuintes e das alíquotas dos impostos discriminados pela CF.
c) definição de tributos.
d) definição dos fatos geradores e da base de cálculo dos impostos discriminados pela CF.
4. (OAB Nacional 2008 – III) A instituição, pela União, de benefício fiscal relativamente ao imposto de renda poderá ser feita5
a) somente em lei que trate do imposto de renda.
b) somente em lei que estabeleça benefícios fiscais.
c) tanto em lei que trate de benefícios fiscais quanto em lei que trate do imposto de renda.
d) em qualquer lei que disponha a respeito de matéria tributária.
5. (OAB Nacional 2008 – III) Para que um município crie um tributo, é necessário, além da competência para fazê-lo, o atendimento às normas limitadoras, que lhe são impostas6
a) pela CF, pela Constituição do respectivo Estado, pelas normas gerais tributárias e pela lei orgânica do próprio município.
b) pela CF e pela Constituição Estadual, apenas.
c) pela CF e pela lei orgânica do próprio município, somente.
d) pela CF, apenas.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.
________________
1 Ver ADI 939/DF.
2 Estude os arts. 146, III, e 156, § 3.º, III, da CF e o art. 97 do CTN.
3 Ver o art. 97, § 2.º, do CTN e a Súmula 160/STJ.
4 Ver art. 146 da CF.
5 Art. 150, § 6.º, da CF.
6 Art. 6.º do CTN.