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Assim como Maude dissera, o impetuoso barão fora à cela de Allan Clare, seguido por seis soldados armados.

Nada de prisioneiro!

— Ah, ah! — riu ele como um tigre, caso os tigres rissem. — Ah, ah! É assim que obedecem às minhas ordens, estou verdadeiramente encantado! Para que servem carcereiros e torreão fortificado? Por santa Griselda!39 Vou passar a exercer meus direitos de alta e baixa justiça sem tanto aparato, trancando os prisioneiros no viveiro de pássaros da minha filha… Onde está o carcereiro com as chaves, Egbert Lanner?

— Está aqui, monsenhor — respondeu um soldado. — Bem seguro, ou já teria fugido.

— Pois se tivesse fugido você é que seria enforcado no lugar… Chegue aqui, Egbert. Está vendo a porta da cela? Está trancada. Está vendo o postigo? É estreito. Pois me explique então como o prisioneiro, que não é tão pequeno assim para passar por essa abertura, nem tão volátil como o ar para se evaporar pelo buraco da fechadura, pode ter escapado?

Mais morto do que vivo, Egbert se mantinha calado.

— Vai me dizer por qual vil interesse ajudou a evasão do criminoso? Faço a pergunta sem raiva, responda sem medo. Sou bom e justo. Se confessar o erro, quem sabe posso perdoar…

O barão fazia-se de magnânimo, mas à toa; Egbert o conhecia o suficiente para não acreditar. Apavorado, continuou em silêncio.

— Aliás, estúpidos escravos que são todos vocês! — lembrou-se de repente Fitz-Alwine. — Aposto que ninguém teve a presença de espírito de avisar o encarregado dos portões do que está acontecendo. Rápido, um de vocês, corra e mande Hubert Lindsay manter erguida a ponte levadiça e fechar todas as portas, por ordem minha.

Um soldado partiu imediatamente, mas se perdeu nos corredores escuros da prisão e caiu de cabeça do alto de uma escada que descia para um subterrâneo. A queda foi mortal. Ninguém se deu conta e foi graças ao desconhecimento dessa catástrofe que os fugitivos puderam deixar o castelo.

— Milorde — disse um dos soldados —, vindo para cá tive a impressão de ver o bruxuleio de uma tocha numa extremidade da galeria que leva à capela.

— E só agora me diz isso? — esbravejou o barão. — Realmente esses cretinos resolveram me liquidar a fogo brando. Só que vão morrer antes de mim, com certeza — acrescentou, sufocando de raiva. — Isso mesmo, vão morrer antes de mim, e vou inventar suplícios terríveis para vocês também, se não prenderem o herege que Egbert, para início de conversa, já vai substituir no cadafalso.

Terminando de dizer essas palavras, Fitz-Alwine arrancou uma tocha das mãos de um soldado e correu para a capela. Christabel estava de pé, diante do túmulo da mãe, parecendo mergulhada em profunda meditação.

— Vasculhem todos os cantos possíveis e imagináveis. Tragam-no vivo ou morto! — ordenou o barão.

Os soldados obedeceram.

— E você, minha filha, o que faz aqui?

— Rezo, meu pai.

— Por acaso não reza por um indivíduo sem fé e que merece a corda?

— Rezo por você, diante do túmulo de minha mãe, como pode ver.

— Onde está o seu cúmplice?

— Que cúmplice?

— Aquele traidor, Allan.

— Não sei dizer.

— Está me enganando, sei que está aqui.

— Nunca o enganei, meu pai.

O barão perscrutou o rosto pálido da filha.

— Não encontramos nem um nem outro — veio dizer um dos soldados.

— Nem um nem outro? — repetiu Fitz-Alwine, já achando que Robin também devia ter fugido.

— Exatamente, senhor, nem um nem outro. Não foram dois prisioneiros que fugiram?

Irritado por só assim descobrir que Robin escapulira, o insolente Robin que o havia enfrentado cara a cara e de quem ele esperava conseguir mais tarde, pela tortura, algumas informações sobre Allan, o barão aplicou sua mão pesada no ombro do soldado indiscreto e disse:

— Nem um nem outro? Explique para mim o valor dessas quatro palavras.

O soldado se assustou com a pressão violenta daquela mão, sem saber o que responder.

— Aliás, antes de tudo: quem é você?

— Com a permissão de Sua Senhoria, chamo-me Gaspar Steinkoff e estava de sentinela na muralha…

— Miserável! Era então quem estava de guarda atrás da porta da cela daquele filhote de lobo de Sherwood? Não me diga que o deixou fugir, ou vai sentir a ponta do meu punhal.

Vamos nos abster de continuar mencionando as variadas gradações da ira do barão; basta ao leitor saber que esse estado de cólera se tornara habitual e necessário, e que ele deixaria de respirar se deixasse de estar colérico.

— Confessa então que ele escapou durante o seu turno na muralha leste? — voltou o barão após um curto silêncio. — Vamos, responda!

— Milorde acabou de me ameaçar com o punhal se eu confessar — respondeu o pobre-diabo.

— E executarei a ameaça.

— Prefiro então me calar.

O barão já erguia o punhal sobre o infeliz quando lady Christabel o deteve, gritando:

— Por favor, pai, não macule de sangue esse túmulo!

O pedido foi atendido. O barão empurrou Gaspar, guardou o punhal e disse à filha, em tom severo:

— Volte para seu quarto, milady. E vocês, montem a cavalo e vasculhem de cima a baixo a estrada de Mansfieldwoohaus. Os prisioneiros devem ter tomado essa direção. Podem facilmente alcançá-los. Quero-os aqui! Custe o que custar, estão ouvindo? É urgente!

Os soldados obedeceram. Christabel ia se afastar quando Maude entrou na capela, foi até ela e, colocando um dedo nos lábios, disse baixinho:

— Salvos! Salvos!

A jovem lady juntou devotamente as mãos para agradecer a Deus e foi embora, seguida por Maude.

— Voltem! — gritou o barão, que havia notado o cochicho da camareira. — Srta. Hubert Lindsay, gostaria de conversar consigo por um momento. Aproxime-se, vejamos! Tem medo de que a devore?

— Não sei — respondeu Maude muito assustada. — Parece tão irritado, tão colérico, monsenhor, que a nada me atrevo.

— Srta. Hubert Lindsay, sua astúcia é conhecida e sabemos que não se assusta com cara feia. Mas tome cuidado, pois havendo motivo, posso realmente fazê-la tremer. Cuide então de não me motivar… Mas, aliás, diga, quem está salvo? Ouvi o seu cochicho, pequena desavergonhada!

— Não disse que alguém está salvo, monsenhor — respondeu Maude, brincando candidamente com as amplas mangas do vestido.

— Que boa comediante! Não disse “está salvo”… deve ter dito “estão salvos”. Não um, mas vários.

A camareira balançou negativamente a cabeça.

— Como mente! Mesmo pega em flagrante delito!

Maude olhou fixamente o barão, afetando ares de perfeita estupidez, como se não compreendesse a expressão: flagrante delito.

— Não me engana com essa sonsa imbecilidade — continuou o barão. — Sei que participou da fuga dos prisioneiros, mas não cante vitória; não estão ainda suficientemente longe do castelo e meus homens podem capturá-los. Vamos ver, dentro de uma hora, se vai impedir que sejam amarrados de costas um para o outro e jogados no fosso, do alto da muralha.

— Para amarrá-los assim, monsenhor, será preciso trazê-los até aqui — observou Maude, ainda insistindo numa ingenuidade idiota, que a vivacidade dos olhos cheios de malícia desmentia.

— Antes, porém, de fazer esse mergulho no fosso, haverão de confessar. Se ficar provada a sua cumplicidade, tentaremos fazer com que também trema um pouco, mocinha Hubert Lindsay.

— Como for do seu agrado, monsenhor.

— Provavelmente não será do seu… não perde por esperar.

— Por são Valentim,40 monsenhor! Gostaria de ser informada com antecedência sobre o que pensa fazer comigo. Pelo menos terei tempo de me preparar — disse ela, fazendo uma reverência.

— Insolente!

— Milady — continuou a camareira em tom perfeitamente calmo e se aproximando de sua ama que, imóvel, mais parecia uma estátua personificando a dor —, se milady der ouvidos a meus conselhos, deveria voltar a seus aposentos. A noite vai esfriando… Milady não atravessa uma crise de gota, mas…

O irascível barão, desarmado diante de tanto sangue-frio e ironia, interrompeu a jovem e perguntou pela última vez o que quisera dizer com “Salvos! Salvos!”.

A pergunta foi feita quase sem raiva aparente e Maude entendeu ser hora de responder, de algum modo. E fez isto como se desistisse, diante de tanta insistência do barão:

— Já que assim exige monsenhor, vou dizer. É verdade, pronunciei essas palavras, “Está salvo!”. E fiz isso em voz baixa para que os soldados não percebessem minha agitação. Mas quem conseguiria ocultar alguma coisa de monsenhor? De fato, então, disse a milady: “Está salvo, está salvo!” E me referia ao pobre Egbert, que o senhor acabou não mandando enforcar, louvado seja Deus! — acrescentou Maude, desmanchando-se em lágrimas.

— Essa é muito boa! — reagiu o barão. — Acha que sou idiota? É um absurdo, está abusando da minha paciência! Pois saiba que Egbert será enforcado, e já que gosta tanto dele, será enforcada junto.

— Muito, muito obrigada, monsenhor — retrucou a camareira com uma gargalhada e, fazendo uma reverência, seguida por uma pirueta, correu atrás de Christabel, que acabava de deixar a capela.

Lorde Fitz-Alwine seguiu Maude, improvisando um longo monólogo cheio de objurgações contra a malícia das mulheres. A risonha insolência da moça exacerbara os instintos ferozes do barão, que não via em quem nem como descontar a raiva. De bom grado daria a metade da sua fortuna para quem lhe entregasse, naquela hora, Allan e Robin. Para fazer o tempo passar até a volta dos soldados enviados atrás dos fugitivos, o barão resolveu tentar diminuir o mau humor na companhia de lady Christabel.

Percebendo que o barão vinha um pouco mais atrás e temendo alguma violência da sua parte, Maude apressou o passo, se distanciando com a tocha, de modo que ele de repente se viu imerso em profunda escuridão, despejando uma nova série de maldições contra Maude, e contra o universo inteiro.

— Estrila, barão, pode estrilar à vontade! — ia dizendo baixinho a camareira, enquanto se afastava.

Na verdade, porém, Maude era mais petulante do que má e foi tomada por remorsos ao pensar no velho enfermo abandonado no escuro das galerias. Parou e achou ouvir pedidos de socorro.

— Ajudem! Ajudem! — gritava uma voz surda e abafada.

— Tenho a impressão de ouvir a voz do barão — exclamou Maude, voltando corajosamente atrás. — Monsenhor? Monsenhor? Onde está? — chamou ela.

— Aqui, miserável, aqui! — respondeu Fitz-Alwine, com voz que parecia vir de dentro da terra.

— Deus do céu! Como desceu até aí? — assustou-se Maude parando no alto da escada e vendo, com a claridade da tocha, o barão estendido nos degraus, tendo sido bloqueado na queda por um objeto atravessado.

O furibundo personagem havia tomado caminho errado, como o infeliz soldado que morrera pouco antes, indo transmitir a ordem para que se fechassem as portas do castelo. Graças, porém, à couraça que sempre usava por baixo do gibão, o fidalgo apenas escorregara degraus abaixo sem se machucar e tinha os pés enganchados no cadáver do soldado.

O acidente causou nele o mesmo efeito que produz a chuva numa grande ventania.

— Maude — disse, se levantando com dificuldade e apoiado na mão da jovem —, Maude, Deus a punirá pela falta de respeito, a ponto, inclusive, de me abandonar sem luz no escuro.

— Sinto muito, monsenhor. Fui atrás de milady e imaginei que um dos soldados o acompanharia com uma tocha. Que Deus seja louvado, está são e salvo! Não permitiu a Providência que ficássemos sem nosso bom amo… Apóie-se em mim, monsenhor.

— Maude — disse o barão, evitando tomar seus ares de louco furioso, pelo menos enquanto necessitava de ajuda. — Maude, lembre-me mais tarde de que o bêbado que dorme na escada do meu subterrâneo deve ser acordado com cinquenta chicotadas.

— Fique tranquilo, monsenhor, não esquecerei.

Eles sequer imaginavam que o bêbado em questão era, na verdade, um cadáver. Os clarões da tocha o iluminavam muito pouco e o barão estava preocupado demais com o acidente ocorrido à sua preciosa pessoa para notar que os degraus da escada não estavam sujos de vinho e sim de sangue.

— Aonde vamos, monsenhor? — Maude perguntou.

— Aos aposentos da minha filha.

“Pobre milady!” pensou a camareira. “Assim que estiver confortavelmente sentado numa boa poltrona, ele volta a torturá-la.”

Sentada diante de uma mesinha iluminada por uma lamparina de bronze, Christabel contemplava com toda atenção um pequeno objeto que tinha na palma da mão. Escondeu-o assim que ouviu o barulho do barão entrando.

— O que é isso que você se apressou tanto a esconder de mim? — perguntou o barão, escolhendo a poltrona mais macia do cômodo.

— Não demorou muito — murmurou Maude para si mesma.

— O que disse, Maude?

— Disse que monsenhor não parece estar bem.

O desconfiado barão lançou à jovem um olhar carregado de raiva.

— Não respondeu, minha filha: que bugiganga era aquela?

— Não é uma bugiganga, meu pai.

— Não pode ser outra coisa.

— Nossas opiniões, nesse caso, diferem — concluiu Christabel tentando sorrir.

— Uma boa filha não tem outras opiniões senão as do pai. Que bugiganga é essa?

— Pois garanto que não é uma.

— Minha filha — recomeçou o barão com voz excepcionalmente calma, mas bem severa —, se o objeto que você acaba de subtrair às minhas vistas nada tem a ver com alguma falta cometida nem se remete a qualquer lembrança censurável, mostre-o. Sou seu pai e, como tal, devo zelar por seu comportamento. Se, pelo contrário, for alguma espécie de talismã, por cuja posse devesse se ruborizar, mostre-o também. Além dos direitos, tenho deveres a cumprir: impedir que tombe no abismo à beira do qual caminha, e retirá-la dele, caso já tenha caído. Insisto então, filha, que objeto é este que escondeu na blusa?

— É um retrato, milorde — respondeu a jovem trêmula e vermelha de emoção.

— É um retrato de?…

Christabel baixou os olhos sem responder.

— Não abuse de minha paciência… estou tendo muita, é verdade, no dia de hoje, mas não abuse. Responda, é o retrato de…

— Não posso dizer, meu pai.

As lágrimas abafaram a voz de Christabel, mas ela rapidamente retomou tom mais firme:

— Tem todo direito, meu pai, de me interrogar, mas atrevo-me ao de não responder, pois minha consciência nada tem a me censurar no referente à minha ou à sua dignidade.

— Bah! Sua consciência não a censura, mas é por estar de conluio com os seus sentimentos. É muito bonito e moral o que está dizendo, filha!

— Acredite, pai. Nunca haverei de desonrar o seu nome, lembro-me o bastante de minha pobre e santa mãe.

— O que significa que sou um notório patife… É o que há muito tempo cochicham por aí — esbravejou o barão —, mas não vou tolerar que o digam à minha frente.

— Não foi o que fiz, pai.

— Mas pensou. Se quer saber, interesso-me muito pouco pela preciosa relíquia que tanto quer esconder. É o retrato do malfadado indivíduo que você teima em amar, contra a minha vontade. E já estou farto de ver aquela diabólica fisionomia. Mas ouça bem, lady Christabel: não se casará com Allan Clare, jamais! É mais fácil eu matá-los com minha própria mão do que dar meu consentimento. Darei sua mão a Tristam de Goldsborough… Não é tão moço, concordo, mas tem alguns anos a menos que eu, e não me considero velho… Não é bonito, também concordo, mas desde quando a beleza garante felicidade no casamento? Eu mesmo não era bonito e, no entanto, milady Fitz-Alwine não me teria trocado nem pelo mais brilhante cavaleiro da corte de Henrique II. A feiura de Tristam de Goldsborough é inclusive boa garantia para sua futura tranquilidade… ele não será infiel. Mas saiba também que é imensamente rico e muito influente na corte. Resumindo, é o homem que me… que melhor lhe convém, sob todos os aspectos. Enviarei amanhã o seu consentimento e ele em quatro dias virá pessoalmente agradecer. Antes do final da semana, milady será uma grande dama.

— Jamais me casarei com esse homem, milorde — gritou a jovem. — Nunca! Jamais!

O barão deu uma gargalhada.

— Não estou pedindo seu consentimento, milady. Mas me encarrego de fazer com que obedeça.

Christabel, que até então estampava mortal palidez, ficou vermelha e, apertando convulsivamente as mãos, pareceu tomar uma decisão irrevogável.

— Deixo-a entregue a seus pensamentos, filha — disse o barão —, se achar mesmo necessário pensar tanto. Mas lembre-se: quero e exijo da sua parte obediência integral, passiva, absoluta.

— Deus! Meu Deus! Tende piedade! — exclamou dolorosamente Christabel.

O barão se afastou dando de ombros.

Por toda uma hora, Fitz-Alwine andou de um lado para o outro no seu quarto, pensando nos últimos acontecimentos.

As ameaças de Allan Clare haviam assustado o barão e a vontade da filha pareceu-lhe indomável.

— Talvez seja melhor — ele concluiu — tratar essa questão do casamento com mais tato. É minha filha, meu sangue, e é claro que a amo. Não quero que se imagine vítima das minhas exigências; só quero a sua felicidade, mas quero também que se case com o velho amigo Tristam, meu antigo companheiro de armas. Pois bem, vamos tentar a coisa com mais tato.

De volta à porta de Christabel, o barão parou e um choro doído chegou até ele.

— Pobre menina — pensou o barão, abrindo devagar a porta do quarto. A filha escrevia.

— Ah, ah! — exclamou o barão, que nunca entendera bem por que a filha se dera ao trabalho de aprender a escrever, habilidade reservada, naquela época, exclusivamente ao clero. — Foi ainda coisa daquele tolo do Allan Clare essa ideia de aprender a rabiscar papel.41

E Fitz-Alwine se aproximou da mesa sem fazer barulho.

— Para quem tanto escreve a senhorita? — perguntou, muito irritado.

Christabel assustou-se, deu um grito e tentou esconder o papel como havia escondido o precioso retrato. O barão, porém, mais rápido, tomou-o. Apavorada, sem se lembrar de que o nobre pai jamais se dera ao trabalho de abrir um livro ou segurar uma pena e que, consequentemente, não sabia ler, ela tentou fugir do aposento. O barão segurou-a pelo braço e, erguendo-a como se fosse a coisa mais leve do mundo, impediu que escapasse. Christabel perdeu os sentidos. Com os olhos brilhando de raiva, ele tentou decifrar os caracteres desenhados no papel. Sem conseguir, desceu os olhos até o rosto descorado da pobre criança inanimada em seus braços.

— Ai, as mulheres, as mulheres! — resmungou, levando Christabel até a cama.

Feito isso, abriu a porta e chamou alto:

— Maude! Maude!

A jovem veio correndo.

— Dispa a sua ama! — ordenou o barão, que se afastou esbravejando.

— Estou sozinha, milady! — disse Maude, procurando fazer Christabel voltar a si. — Não tenha medo.

Ela abriu os olhos e procurou assustada em volta. Confirmando haver somente a fiel camareira ao lado da cama, abraçou-a quase chorando:

— Ah, Maude! Estou perdida!

— Querida ama, diga o que a preocupa.

— Meu pai tomou de mim uma carta que eu escrevia a Allan.

— Mas seu nobre pai não sabe ler, milady.

— Vai pedir a seu confessor que a leia.

— Se deixarmos que tenha tempo para isso. Dê-me rápido outro papel, que se pareça com o anterior.

— Aqui está, acho que é mais ou menos como este…

— Fique tranquila, milady. Enxugue seus belos olhos; as lágrimas embaçam o brilho.

Maude intrepidamente foi aos aposentos do barão e entrou no momento em que ele se preparava para ouvir seu venerável confessor, que já tinha em mãos, para ler, a carta de Christabel a Allan.

— Monsenhor — interrompeu firmemente a camareira, aproximando-se do padre lépida como uma gata —, milady mandou-me pedir o papel que Sua Senhoria tomou da sua mesa.

— Minha filha enlouqueceu, por são Dunstan! Ousou encarregá-la desse recado?

— Exatamente, monsenhor. E considero transmitido! — exclamou, arrancando com ligeireza o papel que o monge já tinha à ponta do nariz para decifrar o escrito.

— Atrevida! — vociferou o barão, lançando-se atrás da camareira, que saltou como uma corça até a porta, mas deixou que ele a alcançasse.

— Devolve o papel ou te estrangulo!

Maude baixou a cabeça, fingiu morrer de medo e o barão arrancou do bolso do avental, em que ela mantinha as mãos mergulhadas, um papel muito parecido com o que o confessor devia ler.

— Sua estúpida, bem merece um par de bofetadas! — disse o barão, erguendo a mão contra Maude, enquanto, com a outra, entregava o papel ao padre.

— Tudo que fiz foi obedecer às ordens de milady.

— Pois diga a minha filha que aguarde o castigo por suas insolências.

— Com toda humildade cumprimento monsenhor — respondeu Maude, acrescentando à frase uma reverência das mais sarcásticas.

Satisfeitíssima com a própria esperteza, a moça entrou feliz da vida no quarto de milady. Lorde Fitz-Alwine, por sua vez, dizia a seu confessor:

— Pronto, meu padre, estamos tranquilos. Leia o que minha indigna filha escreveu àquele pagão do Allan Clare.

O frade começou, com voz nasalada:

— Quando o inverno está menos rigoroso e permite que se abram as violetas/ Quando as flores desabrocham e as campânulas anunciam a primavera/ Quando teu coração anseia por meigos olhares e meigas palavras/ Quando sorris de alegria, pensas em mim, meu amor?

— O que está lendo aí, meu reverendo? — estranhou o barão. — São apenas balelas, por Deus!

— Leio, palavra por palavra, o que está no papel, meu filho. Devo continuar?

— Com certeza, padre. Minha filha estava preocupada demais para que se trate apenas de uma canção idiota.

O religioso retomou a leitura.

— Quando a primavera cobre a terra de rosas perfumadas/ Quando o sol sorri no céu/ Quando os jasmins florescem sob as sacadas/ Envias a quem te ama um pensamento de amor?

— Com os diabos! — praguejou o barão. — E chamam isso versos! Ainda tem muitos, meu padre?

— Apenas algumas linhas mais.

— Procure mais para o final.

Quando o outono…

— Chega, chega! — exasperou-se Fitz-Alwine. — A romança passa em revista as quatro estações do ano. Chega!

Mesmo assim, o velho continuou:

Quando as folhas mortas cobrem a relva/ Quando o céu se turva de nuvens/ Quando caem a geada e a neve/ Pensas em quem te ama, meu amor?

— Meu amor, meu amor! — repetiu o barão. — Não é possível! Não pode ser o que Christabel escrevia quando a surpreendi. Fui enganado, bem enganado. Mas, por são Pedro! Não será por muito tempo. Meu reverendo, preciso ficar sozinho. Boa noite, durma bem.

— Esteja em paz, meu filho! — desejou o frade se retirando.

Deixemos o barão matutar seus planos de vingança e voltemos a Christabel e à irrequieta Maude.

A jovem ama escrevia a Allan dizendo dispor-se finalmente a deixar a casa paterna, pois os projetos do barão de casá-la com Tristam de Goldsborough tornavam urgente a cruel determinação.

— Deixe que me encarrego de fazer com que a carta chegue ao sr. Allan — garantiu Maude, que dobrou o papel e foi acordar um rapazinho de dezesseis ou dezessete anos, seu irmão de leite:

— Halbert, pode me fazer um grande favor, isto é, a lady Christabel?

— Com prazer — ele respondeu.

— Prefiro, desde já, avisar que há certo perigo na tarefa.

— Melhor ainda, Maude.

— Sei que posso confiar em você — ela acrescentou, passando um dos braços pelo pescoço do rapaz e olhando-o fixamente com seus belos olhos negros.

— Pode confiar como em Deus — respondeu Halbert com ingênua presunção. — Como em Deus, querida Maude.

— Sabia que poderia contar com você, meu irmão. Obrigada.

— O que tenho que fazer?

— Levantar-se, vestir-se e montar a cavalo.

— Nada mais fácil.

— Pegue o animal mais rápido da cocheira.

— Também é fácil. Minha égua, que batizei Maude em sua homenagem, é a primeira trotadora do condado.

— Sei disso, mano. Corra e, assim que puder, venha me encontrar no pátio junto à ponte levadiça. Estarei esperando.

Dez minutos depois, segurando sua égua pela rédea, Halbert ouvia atentamente as instruções da astuciosa camareira.

— Atravesse a cidade e parte da floresta, e chegará a uma casa situada a poucas milhas do burgo de Mansfieldwoohaus. É onde mora um guarda-florestal chamado Gilbert Head. Dê a ele esse bilhete, pedindo que o faça chegar ao sr. Allan Clare. E deixe para o filho dele, Robin Hood, esse arco e essas flechas, que lhe pertencem. É só isso, deu para entender?

— Perfeitamente, minha bela Maude. Nada mais? Nenhuma outra ordem?

— Nada, quer dizer, estava esquecendo… Diga a Robin Hood, o dono do arco e das flechas, diga… que logo será avisado de quando vai poder vir ao castelo sem correr risco, pois há alguém aqui que espera ansiosamente a sua volta. Entendeu, Hal?

— Entendi, sem problema.

— E evite encontrar os soldados do barão.

— Por quê?

— Conto quando voltar. Se a fatalidade os colocar no mesmo caminho, invente um pretexto que justifique o passeio noturno, sem mencionar o motivo da viagem. Vá com Deus, meu bravo irmão!

Halbert já tinha o pé no estribo, quando Maude acrescentou:

— Mas se encontrar três pessoas, sendo uma delas um frade…

— Frei Tuck, não é?

— Isso mesmo e, nesse caso, não precisa mais continuar. Os dois outros são Allan Clare e Robin Hood. Tudo, então, se resolve ali mesmo e você pode voltar correndo. Vá! Diga a meu pai, pois ele vai perguntar por que está deixando o castelo, que está indo à cidade chamar um médico para lady Christabel, que está doente. Até a volta, Hal, até a volta! Direi a Graça May que você é o rapaz mais gentil e corajoso de toda a cristandade.

— Dirá mesmo, Maude? — perguntou Halbert se pondo em sela. — Pode contar tudo isso a Graça?

— Com certeza. Além disso, pedirei que pague por mim todos os beijos que lhe devo pelo favor.

— Ótimo! Perfeito! — gritou o rapazote esporeando a montaria. — Viva Maude, e viva Graça!

A ponte foi baixada e Hal desceu a colina a galope. Mais leve do que uma andorinha, Maude voou até os aposentos de lady Christabel para contar que o mensageiro já estava a caminho.


39. Não se trata de santa canonizada, mas o nome era popular no folclore inglês, significando a virtude da paciência. Foi imortalizada no séc.XIV pelo Decamerão de Boccaccio, e Vivaldi, séculos depois, também escreveu uma ópera em sua homenagem.

40. O mais popular dos três santos com esse nome, padroeiro dos namorados, foi bispo romano no séc.III e descumpria a ordem imperial que proibia a realização de casamentos (cujo objetivo era manter os homens mais livres para o exército). Enquanto aguardava a decapitação, muitos jovens jogavam flores e bilhetes diante do local onde ele se encontrava preso, dizendo ainda acreditarem no amor. São Valentim foi excluído do rol da Igreja católica em 1969 (assim como o padroeiro da Inglaterra, são Jorge, e outros) por falta de comprovação histórica da sua existência.

41. Era relativamente recente a disseminação, na Europa, do uso do papel, feito de massa de vegetais fibrosos e, em seguida, a partir também de trapos de pano. Fabricado na China desde épocas anteriores ao cristianismo, só bem mais tarde, no séc.VII, passou à Coreia e ao Japão, daí ganhando a Turquia, a Síria e a Espanha.