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Dias depois do enterro da infortunada Marguerite, Allan Clare contou aos amigos as circunstâncias inesperadas que fizeram com que lady Christabel lhe fosse uma vez mais arrebatada.

Halbert, enviado ao castelo pelo infeliz enamorado tão fatalmente decepcionado em suas esperanças, voltou para contar que Fitz-Alwine fora a Londres com a filha, para de lá fazer a travessia rumo à Normandia, onde negócios particulares o chamavam.

A fulminante notícia daquela viagem tão súbita e imprevista causou ao principal interessado uma dor profunda e tão violenta que Marian, Robin e os filhos de sir Guy tiveram de usar todos os recursos do carinho e da amizade. Um conselho do jovem Hood, unanimemente aprovado pelos membros da família Gamwell, trouxe um brilho de esperança ao coração de Allan.

Disse Robin:

— Vá a Londres, e de Londres à Normandia, só parando onde o furioso barão, ele próprio, parar.

A ideia logo se transformou em projeto e o projeto em ação. Allan se preparou para a viagem e, a pedido seu, a meiga e conciliadora Marian aceitou esperar por ele no agradável isolamento do hall de Gamwell.

Mas vamos deixar o sr. Allan seguir por Londres e Normandia os passos de lady Christabel e continuar com Robin Hood ou, melhor dizendo, com o jovem conde de Huntingdon.

Antes de dar início às minúcias legais para uma demanda delicada como a que devia ser empreendida no interesse do filho adotivo, Gilbert achou que seria útil levar a questão a sir Guy de Gamwell e o fez conhecer em seus mínimos detalhes a estranha história contada por Ritson, pouco antes de morrer. Quando terminou a narrativa daquela odiosa usurpação de direitos, sir Guy, por sua vez, contou que a mãe de Robin seria, na verdade, filha de seu irmão Guy de Coventry. O rapaz, consequentemente, era sobrinho do baronete e não seu neto, como as palavras de Ritson haviam dado a entender. Infelizmente, sir Guy de Coventry não vivia mais e o filho dele, único rebento dessa geração mais nova da família, se encontrava longe, participando da cruzada.

— Porém — acrescentou o generoso baronete —, a ausência desses dois parentes não deve ser obstáculo para suas pretensões, caro Gilbert. Meu coração, minha força, minha fortuna e meus filhos estão com Robin. Espero ser útil e vê-lo tomar posse, aos olhos de todos, de uma fortuna que a ele pertence, aos olhos de Deus.

A justa reclamação de Robin foi levada aos tribunais, sendo aberto um processo. O abade de Ramsey, adversário do rapaz, membro riquíssimo da todo-poderosa Igreja, repeliu energicamente a demanda, chamando de impostura fabulosa e mentirosa o relato de Gilbert. A autoridade a quem o sr. de Beasant tinha confiado o dinheiro necessário para o sustento do sobrinho foi chamada à presença dos juízes. Porém, vendido que era, de corpo e alma, ao atrevido detentor dos bens do conde de Huntingdon, ele negou a entrega do dinheiro e sequer reconheceu Gilbert.

O pai adotivo, tratado de louco visionário, era então a única testemunha a favor do rapaz, seu único protetor — convenhamos que um apoio bem frágil naquela luta contra adversário em tão boa situação social, como o abade de Ramsey. É verdade que sir Guy de Gamwell confirmou, por meio de juramento, que a filha de seu irmão havia desaparecido de Huntingdon na época indicada por Ritson, mas era ao que podia se limitar o depoimento do ancião sobre o seu conhecimento dos fatos. E mesmo que Robin conseguisse interessar os juízes, conseguisse dirimir qualquer dúvida moral quanto à legalidade dos seus direitos, seria muito difícil, para não dizer impossível, vencer os obstáculos materiais que se opunham ao triunfo da sua causa.

A distância que separa Huntingdon de Gamwell e a falta de efetivos armados impediam que Robin recuperasse pela força os seus direitos, como se permitia — ou pelo menos se tolerava — naquela época. Foi então obrigado a aguentar as insolentes bravatas do inimigo e forçado a buscar um meio pacífico e legal, uma vez que julgamento nenhum já fora pronunciado, para entrar sem combate direto no usufruto dos seus bens. Sir Guy foi quem sugeriu essa alternativa, aconselhando que o rapaz se dirigisse diretamente à justiça de Henrique II. Enviada a demanda, ele esperou, antes de tomar qualquer outra decisão, a resposta favorável ou não de Sua Majestade Real.

Seis anos se passaram, seis anos na expectativa de um processo ora abandonado ora retomado, segundo os caprichos dos juízes e dos advogados. Devorados pelas angústias da espera, esses seis anos duraram como um só dia para os moradores do hall de Gamwell.

Robin e Gilbert não haviam mais deixado a hospitaleira casa de sir Guy, mas apesar do carinho e cuidados do filho, Gilbert, aquele feliz Gilbert de sempre, mais parecia uma sombra de si mesmo. Marguerite havia levado consigo a alma e a alegria do velho.

Marian ficara também como hóspede de Gamwell. As rosas das suas vinte primaveras plenamente haviam desabrochado e a amável mocinha parecia ainda mais encantadora do que no dia em que o apaixonado Robin tanto e tão ingenuamente se extasiara com o seu lindo rosto. Respeitosamente amada pelos homens, querida pelas mulheres com abnegada ternura, só mesmo a ausência do irmão comprometia a felicidade de Marian. Allan se encontrava na França e em suas cartas, que eram raras, ele não mencionava felicidade alguma no presente nem expectativa de próximo retorno.

Melhor do que ninguém no hall, e sobretudo mais do que qualquer um, Robin admirava, apreciava e valorizava as perfeições físicas e morais de Marian. Mas esse embevecimento, que beirava a idolatria, não transparecia em olhares, palavras nem gestos. O isolamento da jovem impunha tanto respeito quanto a presença de uma mãe. Além disso, a incerteza do seu futuro não permitia ao rapaz — seria indelicado — confessar um sentimento que a sua posição atual não sustentava, visando os laços mais sérios do casamento.

Como poderia, a nobre irmã de Allan Clare, descer até Robin Hood?

Por outro lado, nem mesmo um observador mais atento podia se dar conta dos pensamentos íntimos da jovem, sendo impossível perceber nas suas ações, palavras e olhares o lugar que Robin ocupava em seu coração, e até mesmo se ela intuía o ardente amor com que a cercava o silencioso e devotado rapaz.

A suave voz de Marian se dirigia indistintamente a todos, com as mesmas modulações musicais. A ausência de Robin não a deixava mais pálida nem mais sonhador o seu olhar. A chegada repentina do rapaz não a fazia corar. Não havia, entre os dois, conversas particulares nem encontros fortuitos. Melancólica sem ser triste, Marian parecia viver com a eterna lembrança do irmão e esperando que, amado por Christabel, Allan, sim, pudesse deixar transparecer no rosto o orgulho e a alegria que causam o amor.

Os moradores do hall de Gamwell formavam ao redor de Marian uma espécie de corte, pois sem se mostrar fria nem altiva, a jovem involuntariamente se pusera acima deles. A irmã de Allan Clare parecia ser a rainha ali. Reinava pela beleza, mas era como se algum título maior lhe desse direitos, título esse que se apoiava em incontestável superioridade, reconhecida e respeitada. As maneiras aristocráticas da jovem, sua conversação espirituosa e séria, muito visivelmente a colocavam acima dos seus anfitriões e eles, em sua sincera e rústica franqueza, eram os primeiros a reconhecer o seu mérito.

Maude Lindsay, cujo pai havia morrido há cinco anos, não pôde voltar ao castelo nem acompanhar sua ama à França. Morava também no hall de Gamwell, procurando ser útil na medida do que podia.

Seu irmão de leite, o prestativo Hal, manteve no castelo a função de guardião. Mais de uma vez, é preciso que se diga, a vontade de mandar às favas a libré do barão havia tomado conta do rapaz, mas uma razão mais poderosa, razão solidamente apoiada no coração, o mantinha sob as garras do velho tirano: essa razão se chamava Graça May, e a força daqueles belos olhos a brilharem a poucos passos de Nottingham sempre aniquilava os impetuosos projetos de emancipação. O apaixonado Hal assim então suportava a servidão que misturava alegria e tristeza, consolando-se às vezes com uma demorada visita a Gamwell. Os alegres filhos de sir Guy já haviam notado que as primeiras palavras do rapaz ao entrar no hall eram, invariavelmente:

— Querida irmã Maude, a minha bela Graça lhe envia um beijo.

O beijo era aceito. O dia se passava com brincadeiras, risos, refeições e conversas. Na hora de ir embora, Hal voltava a dizer, com o mesmo tom de quando chegava:

— Querida irmã, dê um beijo dos seus lábios para Graça May.

Maude dava o beijo de despedida, igual ao que havia recebido horas antes, e Hal ia embora satisfeito.

Como amava a noiva, o correto e bom rapaz!

Nosso amigo Gilles Sherbowne, o alegre frei Tuck, convencera-se enfim da indiferença sentimental da bonita Maude e aceitara suas maneiras educadas, mas frias. Nos primeiros dias que se seguiram à desoladora constatação, Tuck ficou a se lamentar sobre a inconstância das mulheres em geral e de Maude em particular. Quando afinal as queixas, lamúrias e mágoas acalmaram o rebuliço da dor, Tuck jurou desistir para sempre do amor, prometendo que, dali em diante, amaria apenas a bebida, os prazeres da mesa e as pauladas bem aplicadas — acrescentando in petto49 que eternamente preferiria dá-las a recebê-las. A jura foi reforçada por um bom almoço e absorção de prodigiosa quantidade de cerveja, à qual se acrescentou ainda uma meia dúzia de copos de bom vinho. Depois de gloriosamente terminar a copiosa refeição, Tuck se retirou da sala hospitaleira sem sequer erguer os olhos para Maude, que olhava pensativa por uma janela, esqueceu-se de apertar a mão generosa do anfitrião e, agasalhado em sua decisão como num manto, majestosamente se foi do hall de Gamwell.

Maude havia amado — e amava ainda — Robin Hood. Mas depois de conhecer Marian, e depois do convívio diário que veio com o tempo, ela reconheceu as qualidades raras da irmã de Allan Clare, entendeu melhor a fidelidade de Robin e perdoou sua indiferença. E não só perdoou, boa e dedicada que era, não só percebeu a própria inferioridade, mas aceitou-a, resignando-se a desempenhar sem segundas intenções, sem expectativas futuras, talvez até sem pesar, o seu papel de irmã. Com a perspicaz sutileza de uma mulher realmente apaixonada, adivinhou o segredo de Marian. Em sigilo, inclusive para aquele a quem diretamente interessava, o mistério não se sustentou por muito tempo para Maude, que soube ler nos olhos calmos e ares tão indiferentes de Marian esse pensamento que, com duas palavras, teria feito a felicidade do rapaz: “Amo Robin.”

Maude tentou sufocar seu sonho sob o peso esmagador da realidade; procurou afastar do coração a imagem querida e tão dedicadamente cultuada da chamada felicidade, que, em seu caso particular, tinha o nome de Robin Hood. Esforçou-se para passar, aos olhos de todos, por despreocupada e alegre: quis esquecer e tudo que conseguiu foi chorar e se lembrar. A luta interior e sem trégua, o constante confronto entre o sentimento e a razão, acabou deixando marcas na aparência de Maude. A jovial e risonha filha do velho Lindsay em pouco tempo mostrava de si apenas uma imagem um tanto apagada em que os amigos procuravam, com comovida surpresa, seu belo e sorridente rosto. Manifestando-se na aparência, o sofrimento moral imprimira palidez tocante em suas faces, mas todos atribuíam o aspecto doentio à tristeza pela morte do pai.

Entre os que procuravam afastá-la de sua dor, entre os que se mostravam compreensivos e bons, sobressaía-se um amável rapaz de personalidade viva e alegre, de maneiras ternas e dedicadas que, sozinho, se empenhava mais em distraí-la do que provavelmente um anfitrião o faria para distrair sessenta convidados. O dia inteiro era visto a correr da casa aos jardins, dos jardins aos campos, dos campos à floresta, o tal amigo devotado de Maude. Esse permanente vaivém, com incansáveis idas e vindas, não tinha outro propósito senão a busca de alguma coisa preciosa ou nova para dar a Maude, outra meta senão a de descobrir algo agradável a lhe oferecer, uma surpresa a fazer. Esse amigo tão carinhoso, tão satisfeito e tão empenhado era o nosso antigo conhecido, o bom Will Escarlate.

Uma vez por semana, e isso com uma regularidade e constância que mereceriam melhor sorte, William declarava seu amor. Com igual regularidade e constâncias, Maude rejeitava a declaração.

Pouco intimidado e, sobretudo, pouco desanimado com a persistente recusa, Will em silêncio a amava de segunda a domingo; nesse dia, porém, seu amor, mudo ao longo da semana inteira e não podendo mais se conter, se expressava. A maneira tranquila da rejeição jogava um pouco de água fria naquele fogaréu incendiário e Will se calava até o domingo seguinte, dia de descanso que o permitia deixar, sem constrangimento algum, que o coração transbordasse.

O jovem Gamwell não compreendia a sutil delicadeza de sentimentos que fazia com que Robin não confessasse seu amor por Marian. William considerava sonsa tal delicadeza e, longe de imitar tanta reserva, punha-se à espreita de qualquer oportunidade para uma declaração, mesmo que fosse a centésima, para a confidência de uma palavra que tinha como intuito provar a Maude o seu amor, o afetuoso amor de Will de Gamwell.

Maude tornou-se para William o ímã da vida, a única mulher que ele podia amar. Era o ar que ele respirava, a alegria, a felicidade, os prazeres, seus sonhos e a esperança. Ele deu o nome de Maude a seu cão de caça preferido. Suas armas favoritas tinham o mesmo nome; o arco se chamava Maude; a lança era a alva Maude; as flechas, as preciosas Maude. Insaciável na dedicação ao nome da amada, ambicionava ter o cavalo do enamorado de Graça May e isto unicamente pelo fato de o animal ter o nome do seu ídolo. Hal rejeitou categoricamente as somas fabulosas oferecidas e nosso amigo foi então a Mansfield, comprou uma magnífica égua e batizou-lhe Incomparável Maude. O nome de miss Lindsay logo se tornou muito conhecido nos arredores de Gamwell, pois não saía dos lábios de Will. Ele o pronunciava vinte vezes por hora e sempre com crescentes expressões de ternura. Não contente de dar aos objetos em volta, e dos quais ele diariamente se servia, o nome da amiga, William passou a empregá-lo também para tudo que lhe agradava.

Maude era de tal maneira idealizada no coração do ingênuo rapaz que nem se mostrava mais sob forma de mulher, mas como anjo, deusa, um ser superior a todos os demais seres, menos próximo da terra do que do céu. Resumindo, miss Lindsay era a religião de Will.

Forçados somos a reconhecer que o impetuoso filho do baronete de Gamwell amava de maneira bastante rude, mas franca. Da mesma forma, devemos também dizer que esse amor, tão bizarro em sua expressão, não deixava de ter certa influência sobre os sentimentos da jovem.

As mulheres raramente chegam a detestar quem as ama, e quando encontram um coração realmente dedicado acabam retribuindo uma parte do amor que inspiram. Cada novo dia trazia à tona um cuidado, uma gentileza, uma amabilidade por parte de Will, sempre tendo como objeto e recompensa a satisfação de Maude. Um dia, então, todo esse ruidoso carinho, misturando paixão, respeito e platonismo, fez brotar no coração amado uma viva gratidão. As demonstrações amorosas de William não vinham cercadas da delicadeza habitual que as almas sensíveis consideram essencialmente necessária para a sua manifestação, mas isso se devia exclusivamente ao fato de a brusquidão natural do rapaz, com suas maneiras próprias, não conceber nem possibilitar tal delicadeza.

Maude conhecia o gênio fogoso e arrebatado de Will. Aliás, qual mulher não compreende de imediato a força e a grandeza de uma bondade que tem sua origem no coração?

Por gratidão, e talvez também por generosidade, procurou merecer os sentimentos de Will, e isso sem empregar seduções mascaradas. Não, tal comportamento seria indigno daquela moça. Tratava William com desvelo de jovem mãe, atenções de amiga, zelo de irmã. Infelizmente essa gentileza foi mal-interpretada por Will que, à primeira palavra de afeto, diante de um mínimo olhar de cordial amizade, caía em êxtase de adoração, em transportes insensatos de paixão.

Depois de jurar amor eterno, depois de oferecer nome, coração e fortuna, Will invariavelmente terminava suas loucas declarações com essa paciente e ingênua pergunta:

— Maude, acha que pode me amar um dia? Acha possível?

Não querendo dar esperanças nem fazer o rapaz acreditar numa mudança futura, ela se esquivava da pergunta.

O comportamento de miss Lindsay de forma alguma se deixava guiar, como foi dito, por qualquer vontade de sedução e menos ainda por desejo, sempre agradável à vaidade feminina, de conservar seu adorador. Sabendo-se apaixonadamente amada e por alguém de temperamento tão impulsivo, ela com razão temia os perigosos resultados de uma recusa séria e irrevogável. Num primeiro momento de dor, Will poderia cruelmente sofrer pelo fracasso amoroso. Aliás, deve-se com toda franqueza dizer que a possibilidade de uma recusa sem apelação jamais havia passado por seu coração nem por seu entendimento. O pobre rapaz acreditava firmemente que se a amada hoje recusava o seu amor, amanhã o aceitaria. Trezentas vezes já havia perguntado à jovem se em breve o amaria, seiscentas vezes dissera adorá-la, sendo sempre delicadamente rejeitado. Isso pouca importância tinha, uma vez que estava certo de poder insistir trezentas vezes mais.

O coração de Maude, no entanto, não era de natureza que exigisse cerco tão prolongado, pois era um coração bom, franco e sincero. Disso sabia William, que esperava então que numa bela manhã, ouvindo a milésima declaração de amor, Maude lhe estenderia sua mãozinha branca, a fronte pura, e diria, enfim: “William, eu te amo.”

Mas esquecemos de mencionar os olhares que, com afetuosa gratidão, Maude dirigia àquele que apaixonadamente se punha a seus pés. Tanto no plano físico quanto no psicológico, nosso amigo tinha imperfeições que em geral não são apanágio dos heróis dos nossos romances modernos, mas tais imperfeições não tinham o direito nem o poder de afastar o amor. Will era alto e forte; o rosto ovalado de traços finos não se enfeava com o tom avermelhado do frescor juvenil, realçado pelos cabelos, de fato muito ruivos. Esse detalhe particular já lhe valera o apelido de Escarlate e podia ser visto como um defeito, devemos reconhecer, ou até mesmo um grande defeito. Diga-se, porém, que caíam naturalmente cacheados por cima dos ombros, com uma graça digna de admiração. A mãe de Will havia esperado, afagando a cabeça do filho ainda pequeno, que o tempo desse à estranha cor da cabeleira uma tonalidade mais escura, mas, em vez disso, o tempo maldosamente a cobriu com uma camada de carmim ainda mais viva, e William se tornou uma segunda edição de Guilherme o Ruivo.50

Outras belezas físicas e preciosas qualidades morais amplamente compensavam aquele estranho capricho da natureza, pois Will tinha olhos azuis amendoados e expressão às vezes meiga, outras vezes cheia de malícia. E a esse olhar se acrescentava um ar de tão franco, afetuoso e amável bom humor que consideravelmente atenuava a aparência geral um tanto avivada do nosso amigo.

Admirada pela família Gamwell, adorada por Will, desejando agradar a todos, Maude acabou finalmente se apegando ao rapaz, mas já havia tão frequentemente rejeitado o seu amor que, mesmo querendo em seguida aceitá-lo, não sabia mais o que fazer para isso.

Aí temos, então, o resumo da situação em que se encontravam nossos personagens no ano 1182, o sexto depois da morte da pobre Marguerite.

NUM BELO ANOITECER dos primeiros dias do mês de junho, uma expedição noturna foi preparada por Gilbert Head. A expedição tinha como finalidade a captura de um grupo de soldados do barão Fitz-Alwine e, tendo sucesso, facilitaria os planos de vingança de que, de forma alguma, o viúvo de Marguerite havia desistido.

Pelas informações obtidas, os soldados atravessariam a floresta de Sherwood, acompanhando seu amo ao castelo de Nottingham. O que queria Gilbert era se apoderar das librés envergadas pela tropa para com elas vestir seu próprio grupo de seguidores que, assim disfarçado, mais facilmente penetraria no castelo. Somente então se concluiriam as represálias, represálias sem misericórdia, pagando morte com morte, incêndio com incêndio.

De língua solta e pouco prudente, Hal havia respondido às perguntas de Gilbert. O ingênuo rapaz sequer percebeu as pesadas nuvens que obscureciam os olhos do já sombrio e sempre atento velho, ouvindo suas respostas indiscretas.

Robin e João Pequeno haviam prometido ajudar nessa punição ao barão. Fiéis à palavra dada, puseram-se à disposição. A pedido de Gilbert, João Pequeno armou uma tropa de homens ousados e corajosos, tendo em suas fileiras os filhos de sir Guy, e o grupo se pôs sob o comando do velho guarda-florestal.

Seu intuito era o de matar o barão Fitz-Alwine com as próprias mãos, pois, no exagero da dor, via esse assassinato como tributo que devia aos restos queridos da desafortunada companheira.

Com relação a essa morte, Robin não pensava da mesma maneira que o pai adotivo e, sem achar que descumpria a promessa feita sobre o tão pranteado cadáver, tinha a intenção de defender o barão da fúria paterna.

Um pensamento de amor deveria então se interpor como um escudo entre a arma de Gilbert e o peito do barão Fitz-Alwine.

“Meu Deus”, dizia-se mentalmente Robin, “conceda-me a graça de preservar esse homem da ira de meu pai. A doce criatura que se encontra junto ao senhor não espera vingança. Conceda-me a graça de sensibilizar o coração de Fitz-Alwine, de descobrir com ele o paradeiro de Allan Clare, para levar alguma alegria a quem amo.”

Minutos antes da hora marcada para a partida, Robin se dirigiu a um quarto vizinho dos aposentos de Marian para se despedir.

Ao entreabrir a porta sem fazer barulho, viu a amiga apoiada em uma janela, conversando consigo mesma, como acontece às vezes às pessoas que vivem em devaneios no isolamento.

Confuso e emocionado, Robin manteve-se silenciosamente, o chapéu na mão, na soleira da porta.

— Santa mãe do Salvador — murmurava a moça com a voz entrecortada —, ajude-me, proteja-me, dê-me forças para suportar a esmagadora monotonia da minha existência! Allan, irmão querido, único protetor, único amigo, por que me deixou? Suas esperanças de felicidade eram a minha maior alegria. Você e Christabel eram toda a minha vida! Há seis anos você se foi, irmão, e como flor esquecida no jardim de uma casa deserta, cresci longe de você. As pessoas às quais o seu carinho me deixou entregue são boas, boas até demais, pois tanta generosidade pesa, faz sentir ainda mais o isolamento, o abandono. Sinto-me infeliz, Allan, muito infeliz e, para cúmulo da infelicidade, uma devoradora paixão veio preencher todo o meu ser: meu coração já não me pertence mais.

Terminando essas dolorosas palavras, Marian mergulhou o rosto nas alvas mãos e chorou amargamente.

— “Meu coração já não me pertence mais” — repetiu Robin, estremecendo de angústia, ao mesmo tempo em que um profundo rubor o fazia compreender sua indiscrição por assistir ao pranto de uma jovem… — Marian — chamou ele com firmeza, avançando até o meio da sala —, posso ter um minuto seu?

— Com prazer — ela respondeu com brandura, depois de se refazer do susto.

— Sem querer, acabo de cometer uma falta imperdoável — explicou-se ele de olhos baixos e voz trêmula. — Peço que seja indulgente e não me queira mal. Estou aqui nesta porta há alguns instantes e suas palavras tão profundamente tristes tiveram um ouvinte.

Marian ficou vermelha.

— Ouvi sem prestar atenção — apressou-se a acrescentar, aproximando-se timidamente.

Um doce sorriso entreabriu os lábios da encantadora lady.

— Mas permita-me comentar algumas palavras suas — continuou ele, encorajado pelo sublime sorriso. — Milady não tem pais, está longe do irmão e quase só no mundo. Não são as mesmas aflições que tenho em minha vida? Sou órfão e poderia igualmente lamentar meu destino. E também chorar, não ausências, mas desaparecimentos definitivos. No entanto, não é o que faço, porque o futuro e Deus são minhas esperanças. Coragem, Marian, tenha confiança e esperança: Allan vai voltar e com ele a nobre e bela Christabel. O dia desse feliz regresso provavelmente não está longe, mas, enquanto não vier, conceda-me a graça de lhe servir de irmão. Não recuse, Marian, e logo verá ter confiado em alguém que daria a própria vida para vê-la feliz.

— Você é boa pessoa, Robin — ela respondeu, com a voz profundamente comovida.

— Confie então em mim, lady querida. Não creia que ofereço meu coração, minha vida e dedicação sem ter muito refletido… Entenda — acrescentou de forma expressiva e voz menos trêmula —, o que quero dizer é que a amo desde o primeiro dia em que a vi.

Uma exclamação que misturava surpresa e alegria escapou dos lábios de Marian.

— Faço-lhe hoje essa confissão — continuou Robin com voz emocionada —, abro meu coração há seis anos fixado na sua imagem, não com a esperança de obter a sua afeição e sim com a de fazê-la entender o quanto sou dedicado à sua pessoa querida. As palavras que involuntariamente ouvi torturaram-me o coração. Não estou pedindo que diga a quem ama… diga-o somente quando me achar digno de substituir o seu irmão. Mas acredite, Marian, respeitarei a escolha e saberei reprimir minha inveja… Conhece-me há seis anos e pode facilmente me julgar, por minhas ações. Mereço o título sagrado de seu protetor. Não chore, Marian, dê-me a sua mão e confirme que serei um dia seu amigo, seu confidente.

Marian estendeu, ao jovem inclinado à sua frente, as duas mãos trêmulas.

— É com tão viva admiração que o ouço, Robin, que me sinto incapaz de exprimir minha felicidade. Há vários anos o conheço e a cada dia aprendi mais a apreciá-lo. Na ausência de Allan, foi você que preencheu a meu lado os deveres do melhor dos irmãos, e sempre discretamente, em silêncio, quase sem agradecimento. Fico profundamente sensibilizada, amigo, com o generoso sacrifício dos próprios sentimentos a que se dispõe a favor do desconhecido a quem pertence meu coração. Mas não me agrada ser superada em grandeza de alma, mesmo por você. Assim sendo, serei tão franca quanto você é dedicado.

Um vivo rubor subiu às faces da jovem, que se manteve em silêncio por alguns minutos.

— Não faça má opinião de meu recato feminino — continuou com a voz embargada pela emoção — se eu disser que, motivada por tantas atenções suas, é a você que meu coração pertence! Aliás, não vejo por que me envergonhar com a confissão, pois só comprova minha gratidão e lealdade.

Não repetiremos aqui a torrente de palavras abrasadoras que transbordou daqueles dois jovens corações; seis anos de amor represado haviam acumulado tesouros de ternura.

De mãos dadas, olhos inundados de lágrimas e sorriso nos lábios, juraram amor recíproco, constante e eterno: amor que só se dissiparia no ar depois do último suspiro de suas vidas.


49. De coração, no fundo do coração; em italiano no original.

50. Guilherme II (c.1056-1100), dito Guilherme o Ruivo, filho de Guilherme o Conquistador (ver nota 7) e segundo rei inglês da dinastia normanda. Morto por uma flechada nas costas durante uma caçada, foi sucedido por seu irmão Henrique I.