17
– Maude, Maude, miss Maude! — gritava a voz alegre, atrás da jovem que caminhava pelos jardins de Gamwell, pensativa e só… — Maude, adorável Maude — repetia a voz com impaciente ternura. — Onde está?
— Aqui, William, aqui — acenou miss Lindsay, encaminhando-se por sua vez na direção do rapaz.
— Que felicidade encontrá-la, Maude! — exclamou com alegria Will.
— Fico também contente, já que isso o deixa tão feliz — foi a resposta bem-humorada.
— Deixa-me mesmo muito feliz, Maude. Que belo fim de tarde, não é?
— De fato, William; mas não teria algo mais a dizer?
— Desculpe, tenho sim — ele respondeu rindo. — Mas a deliciosa tranquilidade desse crepúsculo me fez lembrar que o tempo está bom para um passeio pela floresta.
— Está querendo preparar as trilhas para ir caçar amanhã?
— Não, Maude. As intenções não são tão pacíficas, iremos… Ah, esqueci… não posso contar a ninguém. Mas vou fazer algo cujo resultado pode ser para mim uma perna quebr… Estou dizendo bobagens, Maude, não dê ouvidos. Vim só desejar boa e repousante noite, além de me despedir…
— Despedir-se? O que está querendo dizer? Parte para alguma expedição perigosa?
— Se assim fosse, com o arco e o bordão, firmes na mão, facilmente se consegue a vitória. Mas estou falando demais… são palavras à toa, não dê ouvidos.
— Está querendo me enganar, William, com tanto segredo para essa saída noturna.
— É o que exige a prudência, querida amiga. Uma só palavra inconsequente pode se tornar perigosa. Os soldados… Ah! Já ia falar, estou ficando louco… louco de amor por sua linda pessoa, Maude. Mas a verdade é que João Pequeno, Robin e eu vamos fazer uma incursão pela floresta. Antes disso quis me despedir de você bem afetuosamente, pois talvez não tenha mais a felicidade de… Estou dizendo só criancices, Maude, isso mesmo, são tolices. Vim me despedir somente por achar impossível me afastar do hall sem vê-la. Isso é verdade, Maude, pura verdade, posso garantir.
— Eu sei, Will, que é verdade.
— E por que estou sempre dizendo até logo ou me despedindo de você, Maude?
— Deve saber melhor do que eu, Will.
— Isso é verdade! — riu o rapaz. — Eu é que devo saber! Você mesma provavelmente ignora, Maude querida; ignora que a amo mais do que amo meu pai, meus irmãos, minhas irmãs e meus melhores amigos. Mesmo sabendo que vou passar semanas inteiras fora, posso deixar o hall sem me despedir de ninguém, com exceção talvez de minha mãe, mas é impossível me afastar de você, inclusive por poucas horas, sem apertar suas mãos branquinhas, sem levar comigo, como uma bênção, essas doces palavras: “Boa viagem e volte logo, Will.” E olha que você nem me ama! — acrescentou com tristeza o pobre enamorado.
Mas essa bruma não chegou a anuviar os bonitos olhos de William, que rapidamente voltou a falar e ainda mais animado:
— Espero que me ame um dia, Maude. Vou esperar, sou paciente, posso esperar até que se resolva. Não tenha pressa, não se aflija, não se obrigue a um sentimento que não quer. Isso virá por si só e um dia você vai se surpreender dizendo: “Veja só! acho que amo William. Um pouco… pelo menos um pouquinho.” Mas depois de uns dias, umas semanas, alguns meses, me amará mais. E isso vai progressivamente aumentar até se igualar, de maneira forte e apaixonada, à imensidão do meu amor. Mas, por mais que faça, não vai conseguir. Amo-a tanto que seria pedir demais ao céu querer que ponha em seu coração algo parecido. Haverá de me amar à sua maneira, seguindo seus gostos e caprichos e me dirá um dia: “Will, eu te amo!” Aí então responderei… Ai! Não sei o que responderei, Maude, mas darei pulos de alegria, beijos em minha mãe, vou ficar louco de felicidade. Ah, Maude! Tente me amar, comece com um pequeno sentimento de preferência, amanhã vai me amar um pouco, depois de amanhã um pouco mais e no final da semana vai dizer: “Will, eu te amo!”
— Realmente me ama, Will?
— O que preciso fazer para provar? — perguntou o rapaz falando sério. — O que quer que eu faça? Diga… Quero que saiba que a amo do fundo do coração, da alma, com todas as minhas forças; quero que saiba, pois não sabe ainda.
— Suas palavras e ações são provas que bastam, William, e a pergunta pretendia apenas abrir caminho para uma explicação mais séria, não dos seus sentimentos, que não ignoro, mas dos que ganharam espaço no meu coração. Você me ama, bem sei que sinceramente, mas se porventura chamei sua atenção, não se esqueça, foi sem querer, pois nunca procurei inspirar esse amor.
— É verdade, Maude, é verdade. Você é tão modesta quanto bonita. Amo-a porque a amo, só isso.
— Will — contrapôs a jovem, com certa ansiedade no olhar —, Will, nunca imaginou que eu pudesse ter entregado meu coração antes de conhecê-lo?
O horrível pensamento, que de fato nunca havia perturbado os sonhos de William nem abalado a suave tranquilidade do seu paciente amor, atingiu seu coração de forma tão dolorosa que ele empalideceu e, quase perdendo os sentidos, se encostou numa árvore.
— Não deu o seu coração, não é, Maude? — ele conseguiu murmurar com voz súplice.
— Fique tranquilo, amigo — voltou a falar com suavidade a jovem. — Acalme-se e ouça. Acredito no seu amor como acredito em Deus e gostaria muito de poder corresponder, querido e bom Will. Pagar afeto com afeto.
— Não me diga ser impossível me amar, Maude! — exclamou o rapaz com violência. — Não diga isso, pois sinto pelas batidas do meu coração e pelo calor do meu sangue, correndo nas veias como lava escaldante, sinto que não posso ouvir isso, não posso ouvir essas palavras.
— No entanto, precisa ouvir, Will, e peço que preste atenção por alguns minutos. Conheço a dor do amor desesperançado, meu amigo. Já sofri cada uma das suas torturas. Não existe no mundo dor que se compare à que fere o coração um amor desprezado. Quero muito poupá-lo dessa aflição, Will; ouça, por favor, sem amargura e, principalmente, sem raiva. Antes de conhecê-lo, antes de deixar o castelo de Nottingham, dei meu coração a alguém que não me ama, nunca me amou nem nunca me amará.
William estremeceu.
— Maude, se você quiser, esse homem vai amá-la. Vai amá-la — repetiu o pobre Will com os olhos cheios de lágrimas. — Pela santa missa! Ele precisa se pôr a seus pés, e fará isso ou vou espancá-lo todos os dias. Isso mesmo, Maude, vou bater nele até que a ame.
— Não vai bater em ninguém, Will — respondeu ela sem conseguir deixar de sorrir daquela estranha ideia. — Não só o amor não pode ser imposto, sobretudo de tão rude maneira, mas também a pessoa de quem falo de forma alguma merece um tratamento indigno. Entenda, Will, que não tenho a menor expectativa com relação a esse amor, mas sobretudo entenda que seria preciso eu não ter coração nem alma para permanecer insensível e indiferente às demonstrações do seu carinho. Profundamente tocada por suas generosas palavras, quero exprimir minha gratidão oferecendo minha mão e garantindo uma afeição que se esforçará ao máximo para conquistar, merecer e se igualar à sua.
— É agora a sua vez de ouvir, Maude — respondeu Will com a voz embargada. — Estou envergonhado por não ter compreendido os motivos da sua indiferença. Por favor me desculpe ter arrancado essa confissão dos seus sentimentos. Por bondade você quer aceitar o nome do pobre William, e por bondade ainda se sacrifica pela sua felicidade. Mas reflita, Maude, que essa felicidade significa a perda das suas esperanças, quem sabe até do seu sossego. Não posso nem devo aceitar um sacrifício assim. Não só não me acho digno, como também me constrangeria falar ainda do meu amor. Desculpe-me pelos incômodos que causei, desculpe-me por tê-la amado, por amá-la ainda, por favor, juro que não falarei mais dos meus sentimentos.
— William, William, onde está você? — ouviu-se de repente uma voz gritar alto e forte.
— Estão me chamando, Maude, adeus. Que a Virgem Maria a tenha sob os seus cuidados, que a sua divina proteção a guarde de todo mal! Seja feliz, Maude. Mas se não me vir mais, se eu não voltar, lembre-se do pobre Will, pense neste que a ama e sempre amará.
Terminando essas frases, murmuradas com uma voz que lutava contra as lágrimas, o jovem tomou Maude pela cintura, apertou-a palpitante contra o peito, beijou-a com paixão e partiu sem olhar para trás, sem responder à meiga voz que tentava fazer com que voltasse.
— Nem me deixou exprimir mais claramente a delicadeza da minha confissão — disse para si mesma Maude, triste com a brusca partida de William. — Amanhã direi que meu coração de forma alguma lamenta o passado, e ele ficará contente, meu caro Will.
Esse amanhã, infelizmente, seria precedido por longos dias de espera.
Uns vinte robustos vassalos armados de lanças, espadas, arcos e flechas se mantinham a respeitosa distância em volta de um grupo formado pelos filhos de sir Guy de Gamwell, o sobrinho João Pequeno e Gilbert Head.
— É estranho que Robin esteja atrasado — dizia o velho a seus jovens companheiros —, não está nos hábitos dele ser preguiçoso.
— Paciência, mestre Gilbert — acudiu João Pequeno, erguendo-se ao máximo para, do alto da sua grande estatura, lançar um olhar investigador. — E não é o único a faltar à chamada, também meu primo Will não chegou. Posso apostar que têm bons motivos para nos atrasar dois ou três minutos.
— Estão vindo! — gritou um dos homens.
Will e Robin se aproximavam correndo.
— Perderam a hora, meu filho? — perguntou Gilbert estendendo a mão aos dois rapazes.
— Não, pai. E peço desculpa pelo atraso.
— Vamos! — comandou Gilbert. — João Pequeno — acrescentou, dirigindo-se a ele —, explicou bem a seus amigos a finalidade da expedição?
— Expliquei, Gilbert, e juraram acompanhá-lo com coragem e fielmente servir.
— Posso contar com o pleno apoio de todos?
— Esteja certo disso.
— Muito bem. Uma última coisa: querendo chegar a Nottingham pelo caminho mais curto, os inimigos vão atravessar Mansfield e tomar a estrada principal, cortando pelo meio a floresta de Sherwood, e chegarão a uma encruzilhada, onde estaremos emboscados… Mais não preciso dizer. João Pequeno, sabe quais são as minhas intenções?
— Perfeitamente — e, dirigindo-se ao grupo, após um sinal do velho: — Rapazes! Estão dispostos a enterrar seus dentes saxões no corpo desses lobos normandos? Estão dispostos a vencer ou morrer?
Uma enérgica afirmação respondeu à dupla pergunta.
— Pois então, amigos, em frente!
— Hurra! Pela guerra! — bradou Will, que seguia com Robin o belicoso grupo.
— Hurra! Hurra! — exclamaram animadamente os outros e o eco da escura floresta ainda repetiu: — Hurra! Hurra! Hurra!
— O que você tem, amigo Will? — perguntou Robin pegando o braço do amigo, que parecia bem pensativo. — É como se uma nuvem de negra melancolia pesasse sobre você, em geral tão alegre. Os gritos do combate não soam mais agradáveis ao gentil William, ou será algum receio relativo ao nosso passeio?
— É uma estranha pergunta, Robin — respondeu o rapaz, virando para o amigo um olhar cheio de tristeza. — Pergunte ao cão de caça se ele gosta de perseguir o cervo, ao falcão se tem prazer ao mergulhar do alto das nuvens contra um simples passarinho, mas nunca a mim se temo o perigo.
— A pergunta era só para distraí-lo dos sombrios pensamentos que parecem oprimi-lo, amigo. Eles apagam o brilho dos seus olhos e deixam em seu rosto uma preocupante palidez. Alguma tristeza, Will? Se for realmente o caso, fale comigo; não sou seu amigo?
— Tristeza nenhuma, Robin. Sou como era ontem e como serei amanhã. Estarei na primeira linha do combate, como sempre me viu.
— De modo algum tenho dúvidas quanto à sua coragem, caro Will, mas quanto à sua tranquilidade: algo o entristece, tenho certeza. Seja franco comigo, talvez possa ajudar e carregar com você um pouco esse fardo, que com isso ficaria mais leve. Se foi uma briga com alguém, diga, e a briga será minha também.
— O motivo de minha tristeza não é importante nem sério o bastante, meu querido Robin, para ficar muito tempo em segredo. Se eu tivesse me dado ao trabalho de pensar um pouco, não teria ficado surpreso nem aflito com o que aconteceu… Desculpe tanta hesitação, algum sentimento me impede, mesmo contra a vontade, qualquer confidência. Ignoro se por orgulho ou timidez. Mas um amigo como você é como se fosse eu mesmo. Suas perguntas calam fundo em mim, sua amizade é maior do que o meu falso pudor, eu…
— De forma alguma, Will — apressou-se a interromper Robin. — Guarde o seu segredo: o sofrimento tem suas razões próprias, por favor perdoe a inconveniência das minhas perguntas, mesmo que feitas em nome da amizade.
— Eu é que me desculpo pelo egoísmo da minha dor, amigo — exclamou Will, juntando às palavras um riso ainda mais triste do que as lágrimas. — Estou sofrendo, sofrendo realmente, e quero que examine comigo o que me devora a alma. Será o confidente do meu primeiro sofrimento como foi o companheiro das primeiras brincadeiras, pois somos mais unidos pela amizade do que seríamos pelos laços de sangue. Que o diabo me carregue, Robin, se nossa amizade não for como a que têm os melhores irmãos.
— O que diz é verdade, Will; a amizade nos tornou irmãos. Onde estão os dias da nossa bela infância? A felicidade daquela época não voltará mais.
— Ela voltará para você, Robin, mas sob outra forma. Com outra roupagem, outro nome, mas será ainda felicidade. No meu caso, nada mais espero, nada desejo, tenho o coração partido. Você bem sabe, Robin, o quanto amei Maude Lindsay… Não tenho palavras para fazê-lo entender com clareza a invencível paixão que prendeu minha vida ao simples nome dessa moça. No entanto, agora sei, sei…
Um terrível receio atravessou o espírito de Robin, que perguntou ansioso:
— Sabe agora o quê?
— Quando veio me chamar no jardim do hall, eu estava com Maude. Acabava de repetir o que há muito tempo diariamente repito, que o meu maior sonho é dá-la como filha à minha mãe, como irmã às minhas irmãs. Perguntei se não queria tentar me amar um pouco e ela contou que antes de vir para o hall de Gamwell já havia comprometido seus sentimentos. Naquele momento, Robin, vi destruídas todas as minhas esperanças, senti que alguma coisa em mim se quebrava e era o meu coração. Meu coração, Robin. Como pode ver, estou bem infeliz.
— Maude disse o nome de quem ela ama? — perguntou receoso Robin.
— Não, disse apenas ser um amor não correspondido. Pode imaginar, Robin? Existe um homem que não ama Maude e é por ela amado! Um homem a quem o seu olhar procura e que evita esse olhar! Que insigne estúpido! Miserável! Ofereci procurá-lo e forçá-lo ao amor que recusa. Ofereci dar-lhe uma lição das boas. Ela não quis. Ah, ela o ama! Ela o ama! Depois dessa triste e penosa confissão — continuou William — a pobre e generosa Maude me ofereceu a mão. Recusei. A razão, a lealdade e a honra impuseram silêncio a meu amor… Pode se despedir do risonho e alegre Will, Robin, ele está morto, bem morto.
— O que é isso, William? Anime-se um pouco — disse com suavidade Robin. — Seu coração está mal, é preciso cuidar dele, curá-lo, e quero ser o seu primeiro médico. Conheço Maude até melhor do que você; ela o amará um dia, se é que já não o ama. Posso garantir que entendeu errado essas tais confissões: foram ditadas por um sentimento de extrema delicadeza, para que entendesse o acontecido e para ainda mais valorizar o seu oferecimento tão a contrassenso recusado. Acredite, William, Maude é ótima moça, tão correta quanto bonita, e realmente digna do seu amor.
— Tenho certeza disso! — exclamou o rapaz.
— Não exagere demais a profundidade das tristezas de miss Lindsay, meu amigo, nem se atormente o espírito com suposições quiméricas. Maude já o ama, tenho certeza, e um dia o amará ainda mais.
— Acha mesmo, Robin, querido amigo? — exclamou Will, agarrando-se a esse raio de esperança.
— Sim, acho, mas, por favor, deixe-me falar sem interromper. Repito e vou repetir quantas vezes for preciso, Maude o ama. Não lhe ofereceu a mão por abnegação nem por sacrifício, foi um impulso do coração.
— Acredito no que diz, Robin, acredito! — empolgou-se Will. — E amanhã mesmo perguntarei a Maude se não quer dar um filho a mais à minha mãe.
— Você é ótimo rapaz, William. Anime-se e vamos apertar o passo, pois estamos a um quarto de milha dos companheiros e essa lentidão nos dá um ar nada marcial.
— Tem toda razão, amigo. Já posso até ouvir a voz rigorosa do nosso comandante em chefe.
Quando a pequena tropa chegou ao local designado por Gilbert como ideal para a emboscada, o velho posicionou os homens, deu a cada um novas e breves explicações, ordenou completo silêncio a todos e foi se colocar atrás de um tronco de árvore, a poucos passos de João Pequeno, que se mantinha atento a todos os ruídos em volta.
O pio de um pássaro ainda acordado, o canto melodioso do rouxinol e o suspiro da brisa passando entre a folhagem era só o que vinha perturbar a silenciosa calma noturna. Mas a esses indistintos murmúrios logo se juntou um barulho ainda distante de passadas, quase imperceptível e que apenas o ouvido de homens da floresta poderia distinguir, entre os rumores harmoniosos dos queixumes do vento, dos pios dos pássaros e do farfalhar da folhagem.
— É um viajante a cavalo — disse Robin a meia voz —, e creio reconhecer a marcha curta e rápida de um pônei da nossa região.
— Sua observação é corretíssima — respondeu João Pequeno, com o mesmo tom de prudência. — Quem se aproxima é amigo ou, em todo caso, inofensivo.
— Mesmo assim, tenhamos cuidado!
— Cuidado! — repetiram entre si os homens.
O indivíduo que atiçava daquela maneira a curiosidade da pequena tropa continuava tranquilamente o seu caminho; cantava com voz potente uma balada homenageando a si mesmo, que provavelmente ele próprio compusera.
— Maldição! — exclamou de repente o cantor, dirigindo à sua montaria a amabilidade. — Que história é essa? Animal insensível, torrentes de harmonia desaguam dos meus lábios e nem por isso te manténs em silêncio embevecido! Em vez de esticar essas tuas orelhas compridas e ouvir-me como convém, giras a cabeça de um lado para o outro e misturas à minha a tua voz desafinada, gutural e desarmoniosa! Como és fêmea, és geniosa, contrariante, cabeçuda, birrenta. Se quero que marches para um lado da estrada é para o outro que imediatamente te diriges, o tempo todo é o que não deves que preferes fazer. Sabes que gosto de ti, teimosa, e somente pela certeza dessa estima é que queres mudar de dono. És como a outra, como todas as mulheres: caprichosa, inconstante, voluntariosa e cheia de vaidades.
— Por que fala mal assim das mulheres, amigo? — perguntou João Pequeno que, em silêncio havia saído do esconderijo e tomara as rédeas do cavalo.
Nada assustado, o desconhecido devolveu:
— Antes de responder, prefiro saber quem intercepta dessa maneira um homem de boa paz e inofensivo. Como se chama o indivíduo que acrescenta à atitude de salteador a impudência de chamar de amigo alguém que lhe é muito superior — acrescentou cheio de altivez o viajante.
— Saiba, sr. clérigo de Copmanhurst,51 pois pela barulheira da cantoria só pode ser o próprio, que foi parado não por um salteador, mas por um homem muito difícil de se intimidar. O qual, além disso, se situa acima de você a uma distância igual à que por enquanto lhe empresta o seu cavalo — respondeu de maneira calma e fria o sobrinho de sir Guy.
— Saiba você, sr. cachorro do mato, pois a grosseria dos seus modos também me revelou quem é, que interpela um homem pouco habituado a responder perguntas impertinentes, um homem que vai surrá-lo um bocado se não largar agora mesmo as rédeas do meu cavalo.
— Quem muito fala pouco faz — debochou João. — Vou responder a essas suas ameaças chamando um rapaz que o fará pedir misericórdia com o bastão.
— Pedir misericórdia com o bastão? — exclamou o outro, furioso. — Seria algo bem fora do comum, para não dizer impossível. Mande vir o seu amigo, que venha agora mesmo.
Depois de vociferar essas últimas palavras, o viajante desmontou do cavalo.
— E onde está esse brigador tão incrível? — continuou o homem, lançando a João Pequeno olhares furibundos. — Onde? Vou rachar-lhe a cabeça para depois ter o prazer de fazer o mesmo contigo, bobalhão de pernas compridas.
— Vá rápido, Robin — disse Gilbert. — Não temos muito tempo. Dê a esse falastrão desaforado uma rápida e boa lição.
Vendo o forasteiro, Robin puxou João pelo braço e disse em voz baixa:
— Não reconhece o viajante? É Tuck, aquele frade alegre.
— É mesmo?
— Tenho certeza, mas não diga nada, será engraçado trocar umas pauladas com esse bom Gilles. E o lusco-fusco vai permitir que eu me mantenha incógnito. Quero aproveitar a coincidência desse encontro.
As maneiras elegantes e delicadas de Robin fizeram o frade sorrir debochado:
— Meu jovem, acha mesmo que tem a cabeça dura o bastante para aguentar sem morrer a saraivada de pancadas que a sua impudência bem merece?
— Minha cabeça é dura, ainda que não tanto quanto a sua, sr. forasteiro — respondeu o rapaz, usando o sotaque de Yorkshire para disfarçar a voz. — Ela resiste às pancadas, se por acaso vierem com força e direção certa. Mas é algo que ponho em dúvida, ouvindo tanta fanfarronice.
— É o que vamos ver, filhote atrevido de corvo. Combinado então; chega de falatório. Em guarda!
Para assustar o jovem adversário, Tuck fez terríveis movimentos giratórios com o bordão, dando a impressão de que desferiria o primeiro golpe nas pernas de Robin. O jovem, porém, era suficientemente experiente para perceber as reais intenções do frade e neutralizou a pancada que firmemente o atingiria na cabeça. Não satisfeito com a hábil defesa, ele desferiu sobre os ombros, os rins e a cabeça de Tuck uma sequência de pauladas tão rápidas, violentas e metodicamente aplicadas que o religioso atordoado, moído e sem enxergar mais nada pediu não propriamente misericórdia, mas suspensão da luta.
— Maneja muito bem o bastão, jovem amigo — disse ele de fôlego entrecortado, tentando disfarçar o cansaço. — É como se os seus membros elásticos devolvessem como mola as pancadas, sem se machucar.
— Isso se as recebesse — respondeu com zombaria Robin —, mas até agora não tive contato com o seu bastão.
— É a voz do seu orgulho que ouvimos, meu jovem, pois certamente o atingi mais de uma vez.
— Então esqueceu, frei Tuck, que esse mesmo orgulho sempre me proibiu a mentira? — respondeu Robin com seu sotaque normal.
— Quem é você? — espantou-se o frade.
— Olhe bem para mim.
— Com a breca! Por são Bento, nosso bem-aventurado padroeiro! É Robin Hood, o excelente arqueiro.
— O próprio, alegre Tuck.
— Alegre Tuck, alegre Tuck… pode ser que fosse, até você me roubar a namorada, a bonita Maude Lindsay.
Mal essas palavras foram pronunciadas, uma mão de ferro segurou com violência o braço de Robin e uma voz furiosa murmurou surdamente:
— É verdade o que diz o monge?
Robin virou a cabeça e viu, pálido, com os lábios a tremerem e olhos injetados de sangue, o rosto transtornado de Will.
— Agora não, William — ele respondeu com calma. — Falaremos disso mais tarde. Meu caro Tuck — continuou —, de jeito nenhum roubei a quem tão inconsideradamente chama de namorada. Miss Maude, moça digna e honesta, rejeitou seu amor, que não podia compartilhar. O que motivou a sua saída do castelo de Nottingham não foi um erro, mas o dever de acompanhar sua ama, lady Christabel Fitz-Alwine.
— Não proferi os votos monásticos, Robin — respondeu o monge, querendo se desculpar —, e poderia dar um nome a miss Lindsay. Se o capricho a fez recusar meu amor foi mesmo por culpa desse seu rosto bonito, ou então pela inconstância natural do coração feminino.
— Basta, frei Tuck! Caluniar as mulheres é infame. Não diga mais nada! Miss Maude é órfã, miss Maude está infeliz, miss Maude merece todo o nosso respeito.
— Herbert Lindsay morreu? Que Deus o tenha! — apiedou-se Tuck com toda sinceridade.
— Exatamente, Tuck, morreu. Muitas coisas estranhas aconteceram; contarei tudo isso mais tarde. Por enquanto não podemos conversar muito, e vamos aos motivos que nos trouxeram aqui. Precisamos de você.
— Para quê?
— Explico rapidamente. O barão Fitz-Alwine mandou seus capangas incendiarem a casa do meu pai, como você sabe, matando minha mãe. E Gilbert quer vingar a sua morte. Estamos esperando o barão, que está voltando do exterior. Nossa intenção é a de em seguida penetrar de surpresa no castelo. Se quiser entrar numa briga, é boa ocasião.
— Ótimo! Nunca digo não ao prazer. Mas não está achando que minha ajuda baste para a vitória, pois nosso batalhão não irá longe com esses dois belos rapazes, você e eu.
— Meu pai e um bando de bons amigos estão emboscados no mato, a vinte passos de nós.
— Assim sendo, venceremos! — exclamou o monge, fazendo rodopiar o bordão entusiasmado.
— Por qual estrada veio nosso reverendo padre até a floresta? — perguntou João Pequeno.
— A de Mansfield a Nottingham, meu delicado amigo — respondeu o frade. — Minha cegueira é indesculpável, deixe-me satisfeito apertar suas mãos, João Pequeno.
O sobrinho de sir Guy respondeu polidamente aos efusivos cumprimentos do frade.
— Não viu soldados a cavalo? — continuou João.
— Um bando de homens vindos da Terra Santa descansava num albergue de Mansfield. Por mais disciplinados que fossem, estavam mortos de cansaço, parecendo ter passado por muitas privações. Acha que acompanhavam o barão Fitz-Alwine?
— Provavelmente. Vêm da cruzada e são esperados no castelo de Nottingham, são homens dele. Em breve então encontraremos os ilustres personagens. Temos que nos esconder no mato ou atrás de troncos de árvore, frei Tuck.
— Vamos; mas onde colocar essa égua teimosa? Tem tantos defeitos quanto uma mulh… deixa pra lá!… acabei me apegando a ela.
— Vou levá-la para um abrigo seguro; pode confiar. E escondam-se todos.
João Pequeno foi amarrar o animal numa árvore um pouco mais afastada da estrada e voltou para onde estavam os companheiros.
A agitação nervosa de Will não o deixou esperar ocasião mais propícia para explicações: sem desgrudar de Robin, de um jeito ou de outro o impetuoso rapaz forçou o amigo a contar em detalhe as circunstâncias em que se dera a fuga do castelo de Nottingham.
Robin foi sincero, correto e, sobretudo, procurou proteger Maude.
Will ouviu com o coração em disparada e, terminada a narrativa, perguntou:
— Só isso?
— Só isso.
— Obrigado!
Os dois excelentes rapazes se abraçaram.
— Para mim, é uma irmã — disse Robin.
— Para mim, esposa — afirmou William, acrescentando satisfeito: — Ao combate!
Pobre William!
A espera dos emboscados foi longa, em plena noite. Somente por volta das três da manhã o relincho de um cavalo soou nas profundezas da floresta. A égua de Tuck respondeu cordialmente àquela voz irmã.
— Minha mocinha está de flerte — disse Tuck. — Está bem amarrada, João Pequeno?
— Está sim — respondeu ele.
— Psiu! — fez Robin. — Estou ouvindo cavalos.
Minutos depois surgiu junto à encruzilhada uma tropa que não fazia o menor mistério da sua presença, com homens parecendo menos cansados do que dissera Tuck, aos risos, conversas e cantorias.
Nesse momento, a eguazinha de Tuck veio correndo de dentro do mato, passou voando à frente do seu dono e galopou decidida até os soldados.
O frade fez menção de correr atrás da desertora.
— Está louco? — murmurou João Pequeno, retendo o monge pelo braço. — Dê um passo e está morto.
— Mas eles vão pegar minha poneizinha — resmungou Tuck. — Deixe que vou sozi…
— Silêncio, infeliz! Assim vamos ser descobertos. Não faltam pôneis por aqui, meu tio lhe dará outro.
— Pode ser, mas não um que tenha recebido a bênção do nosso superior no convento, como a gentil Mary. Solte-me. Que violência é essa, grandalhão? Só quero o meu cavalo. Quero sim, quero mesmo!
— Pois então vá! Vá pegá-lo — exclamou João Pequeno empurrando o frade. — Vá, fanfarrão burro, cabeça descerebrada!
Tuck ficou vermelho de raiva. Os olhos dardejaram raios e ele disse com a voz trêmula:
— Ouça, varapau, campanário, torre ambulante, depois do combate vou surrá-lo de dar dó.
— Ou será surrado — respondeu João Pequeno.
Tuck partiu para a estrada e, correndo na direção dos soldados, viu sua égua empinar, corcovear, levantando em volta nuvens de poeira, resistindo aos que tentavam refrear suas alegres travessuras.
Um soldado atingiu o pônei com a lança, mas o golpe foi pago com juros altos, pois Tuck derrubou da montaria o pobre-diabo, que caiu com um grito de dor.
— Mary, Mary, calma, filha — gritou o padre. — Vem, menina, vem aqui.
A voz fez o animal pôr as orelhas de pé. Com um relincho alegre, Mary trotou na direção do seu dono.
— Como assim, patife? — enfureceu-se o chefe do grupo. — Acha que pode sair jogando meus homens no chão?
— Mais respeito com um membro da Igreja — respondeu Tuck, aplicando na cabeça do cavalo que o homem montava uma violenta bastonada.
O animal saltou para trás, o cavaleiro cambaleou e perdeu os estribos.
— Não enxerga o hábito que uso? — continuou Tuck, tentando manter um tom impositivo.
— Não! — urrou o chefe. — Não enxergo o hábito e só vejo o atrevimento. Vou é lhe abrir ao meio a cabeça, sem respeito nem piedade.
Um golpe de lança atingiu Tuck, e a dor o exasperou a tal ponto que o bom religioso se jogou em cima do homem, gritando a plenos pulmões.
— Ao ataque, pessoal Hood! Ao ataque, pessoal Hood! Ao ataque!
Os clamores não assustaram o chefe, que estava à frente de uns quarenta homens prontos para socorrê-lo ao menor sinal. Por mais brigão e vigoroso que fosse o frade, era alguém que ele facilmente venceria.
— Para trás, espertinho! — ele berrou forte. — Para trás! — e com a lança fez recuar Tuck, empinando violentamente o cavalo e fazendo-o ir contra o frade.
O beneditino deu um salto prodigioso e, com formidável porretada, abriu a cabeça do cavaleiro.
Vinte lanças e igual número de espadas ameaçavam a vida do intrépido religioso.
— Socorro, gente de Hood! Ajudem! — vociferava Tuck, acuado como um leão contra uma árvore.
— Hurra! Hurra para o bando de Hood — partiram com fúria os mateiros. — Hurra! Hurra!
E a tropa comandada por Gilbert surgiu como se fosse um só homem, indo em socorro do monge.
Vendo correr de encontro a eles aquele bando armado e visivelmente hostil, os soldados, aos gritos de reunir, entraram em formação que bloqueava a estrada de lado a lado e se prepararam para rechaçar o inimigo com as patas dos cavalos.
Uma revoada de flechas desmanchou essa primeira defesa e meia dúzia de soldados tombou, mortalmente ferida, no campo de batalha.
Percebendo que os inimigos eram bem mais numerosos do que o seu pequeno grupo, Gilbert ordenou que todos se mantivessem no plano inferior lateral da estrada, buscando proteção no escuro e nas árvores.
A hábil manobra deixou os soldados à mercê das mortais flechadas, pois os experientes arqueiros não erravam o alvo.
— Desmontar! — gritou aquele que, por conta própria, havia assumido o lugar do chefe.
Os cruzados obedeceram e a tropa de Gilbert se lançou bravamente contra eles. Travou-se então um combate corpo a corpo, combate mortal em que o vigor físico era rei.
— Hood! Hood! — gritavam os mateiros. — Vingança! Vingança!
— Sem piedade! Abaixo os cães saxões! Abaixo os cães! — vociferou um soldado.
— Cuidado com os dentes desses cães! — gritou Will, cravando uma flecha no peito do valentão.
João Pequeno, Robin e Gilbert lutavam lado a lado. Os Gamwell faziam maravilhas em termos de destreza e coragem. Já o vigoroso frade, cada golpe do seu prodigioso porrete punha um homem no chão.
William corria como um gamo de um lado para outro, derrubando um soldado aqui, quebrando a cabeça de outro ali, mas mais ainda atento aos amigos, sobretudo a Robin, que por duas vezes foi por ele salvo de perigo quase mortal.
Apesar de todo esse esforço, apesar da coragem de cada um e da força combinada da resistência geral, a vitória visivelmente pendia para o lado da tropa do barão. Bem disciplinada, acostumada às fadigas e duas vezes mais numerosa, ela a cada minuto ganhava o terreno que perdera no início do combate. João Pequeno avaliou com um olhar a situação quase desesperadora e, vendo que a efusão de sangue estava a caminho de se tornar uma desnecessária carnificina, achou ser preciso recuar. Não querendo fazer isso sem a autorização de Gilbert, partiu a sua procura.
As façanhas de William tinham atraído a atenção de quatro soldados que procuravam como neutralizar algum dos chefes dos mateiros. Juntaram-se então contra o meigo enamorado da bonita Maude e, apesar da enérgica resistência, conseguiram derrubá-lo. Robin viu o resultado do ataque e, guiado apenas por seu indomável coração, atravessou com a lança o peito de um dos homens, reergueu William com mão enérgica e, ajudando o amigo, tentou voltar para perto dos companheiros, já reunidos por João Pequeno em vitoriosa retirada.
Parecia afastado o perigo e os dois, Will ainda apoiado em Robin, alcançavam o grupo amigo que erguia uma muralha contra os soldados quando um grito de Robin, grito de furioso desespero, fez o jovem esquecer os inimigos que ainda lutavam:
— Meu pai! Meu pai! Vão matar o meu pai!
O destemido arqueiro se lançou em socorro de Gilbert, e William, arrastado junto, só teve mesmo tempo de ver Robin cair de joelhos diante de Gilbert, que tinha a cabeça aberta por uma machadada.
Entre os clamores provocados pela morte do velho e pela imediata vingança de Robin, que matou o soldado assassino, o rapto de Will passou despercebido.
O combate, que se acalmara por uns momentos, voltou a ficar furioso. Robin e Tuck derrubavam mortos todos que tentavam chegar perto, enquanto João Pequeno aproveitou o impulso desesperado do jovem para subtrair da cena de combate o corpo de Gilbert.
Quinze minutos depois dessa triste retirada, Robin gritou para os que ainda estavam com ele:
— Para o bosque, rapazes!
Os companheiros se espalharam como um bando de pássaros pegos em surpresa e os soldados partiram em perseguição gritando:
— Ganhamos! Ganhamos! Vamos atrás dos cães! Vamos matar os cães!
— Os cães não vão morrer sem morder — gritou Robin, e os arcos enviaram outra vez flechas mortais.
A perseguição se tornou impossível e os soldados tiveram o bom senso de desistir.
Faltavam ao todo seis homens na tropa de João Pequeno. Gilbert Head estava morto e William desaparecido.
— Não abandono William — disse Robin parando o grupo. — Continuem adiante, amigos, mas vou atrás de Will. Ferido, morto ou prisioneiro, preciso encontrá-lo.
— Acompanho você — disse imediatamente João Pequeno.
Os demais continuaram em frente e os dois jovens voltaram às pressas pelo trajeto que haviam feito.
O campo de batalha não oferecia ao olhar mais traço algum do combate. Os mortos, fossem mateiros ou soldados, tinham desaparecido. Pisoteadas de cavalos indicavam, aqui e ali, a passagem de uma tropa e nada mais: galhos quebrados, flechas e outros vestígios de luta tinham sido recolhidos e carregados.
Um ser vivo, no entanto, errava na encruzilhada, lançando para um lado e para outro olhares inteligentes de ansiosa busca: era o pônei do frade.
Ao ver os dois rapazes, o cavalo trotou satisfeito na direção deles. Reconhecendo, porém, quem o havia amarrado, relinchou, corcoveou e desapareceu.
— A gentil Mary declarou independência — observou João Pequeno. — Muito provavelmente antes do amanhecer será propriedade de algum outlaw.
— Vamos tentar pegá-la de volta — disse Robin. — Com ela será mais fácil alcançar os soldados.
— E ser morto por eles, meu amigo — respondeu ajuizadamente o sobrinho de sir Guy. — Posso garantir que seria coisa tão inútil quanto imprudente. Vamos voltar para o hall e amanhã vemos o que fazer.
— Está bem, voltamos ao hall — aceitou Robin. — Ainda tenho um doloroso dever a cumprir.
Dois dias depois dessa funesta noitada, o corpo de Gilbert, sob os cuidados religiosos de Tuck, foi preparado e estava pronto para ser levado à sua última morada.
Tendo pedido para estar por um momento sozinho com os restos queridos do morto, Robin fervorosamente rezou pelo repouso da alma de quem ele tanto amou.
— Adeus para sempre, pai querido. Adeus, você que recebeu em sua casa uma criança sem família; adeus, você que nobremente deu a essa criança uma mãe carinhosa, um pai dedicado, um nome sem mácula. Adeus, adeus, adeus! A separação mortal dos nossos corpos não afasta nossas almas. Ah, pai! Viverá para sempre no meu coração: amado, respeitado e considerado como amo, respeito e considero Deus. Nem o tempo, nem as misérias da vida e nem mesmo a felicidade diminuirão minha filial ternura. Você muitas vezes disse, venerando pai, que a alma das boas pessoas guarda e protege a quem amou. Cuide então deste seu filho, deste a quem você deu um nome, que ele manterá sempre digno. Juro, pai, segurando a sua mão e olhando para o céu, juro que Robin Hood jamais cometerá uma ação que não seja guiada por você se for boa, e temperada pela lembrança da sua leal justiça, se for má.
Minutos de calma seguiram essas palavras e, em seguida, o rapaz se ergueu, chamou os amigos e, de cabeça descoberta, seguido por todos os membros da família Gamwell, acompanhou os restos mortais do velho guarda-florestal.
Atrás do triste cortejo caminhava Lincoln, mais pálido do que o morto, e um cão manco, um pobre cão despercebido de todos, do qual ninguém se lembrava, um pobre cão fiel até no exílio da tumba.
Quando o corpo, vestido e amortalhado num lençol, foi estendido no seu último leito de repouso, quando as armas de Gilbert foram deixadas a seu lado, o bom e velho Lance foi de mansinho até a beira do fosso, uivou lamentosamente e se jogou sobre o corpo.
Robin tentou retirar o cachorro.
— Deixe-o com o seu dono, sr. Robin — disse com gravidade Lincoln. — Os dois estão mortos.
O velho estava certo, Lance não existia mais.
Fechada a tumba, Robin ficou só, pois os grandes pesares não pedem consolo nem testemunhas.
O sol se escondera num manto de púrpura, as primeiras estrelas cintilavam no céu e os suaves raios da lua já iluminavam a solidão de Robin quando duas sombras brancas surgiram a poucos passos dele.
O leve contato de duas mãos que simultaneamente tocaram seus ombros tirou o rapaz daquele torpor do desespero, que é mais triste do que o choro.
Ele ergueu a cabeça e viu a seu lado Maude em pranto e Marian pesarosa.
— A esperança, a lembrança e minha afeição continuam com você, Robin — disse Marian emocionada. — Deus provoca a dor, mas igualmente nos dá força para suportá-la.
— Cobrirei a sepultura com as flores da saudade, Robin — acrescentou Maude —, e falaremos daquele que não está mais entre nós.
— Obrigado Marian, obrigado Maude — respondeu Robin.
Sem poder exprimir com palavras sua profunda gratidão, ele se levantou, apertou as mãos de Maude, inclinou-se diante de Marian e se afastou precipitadamente.
As duas jovens se ajoelharam no lugar em que até então ele estava e puseram-se a rezar em silêncio.
51. Nome de uma capela abandonada em plena floresta, onde vivia um falso e fanfarrão monge, no romance Ivanhoé, de Walter Scott (ver nota 6). O pintor francês Eugène Delacroix retratou O eremita de Copmanhurst (1833).