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Como já dissemos, o barão Fitz-Alwine havia trazido de volta ao castelo de Nottingham sua bela e graciosa filha, lady Christabel.

Alguns dias antes do desaparecimento do pobre Will, o barão encontrava-se em seus aposentos, sentado diante de um velho esplendidamente vestido com um traje todo enfeitado e bordado a ouro.

Se houvesse riqueza na feiura, poderíamos dizer que o convidado do barão Fitz-Alwine era riquíssimo.

A julgar pelo rosto, o vaidoso ancião devia ter bem mais idade que o barão, mas parecia não querer absolutamente se lembrar da vetustez da sua certidão de nascimento.

Enrugados e careteiros como são os macacos quando envelhecem, nossos dois personagens conversavam a meia voz e era evidente que, graças a espertezas e adulações, tentavam obter, um do outro, a solução definitiva para algum importante negócio.

— Está sendo duro demais comigo, barão — disse o horrível velhote sacudindo a cabeça.

— Garanto que não! — respondeu ligeiro lorde Fitz-Alwine. — Quero apenas estar certo da felicidade de minha filha, só isso. E duvido que encontre qualquer segunda intenção por trás do que peço, meu caro sir Tristam.

— Sei que é bom pai, Fitz-Alwine, e que tem a felicidade de lady Christabel como sua única preocupação… O que pensa dar como dote à querida criança?

— Já disse, cinco mil moedas de ouro no dia do casamento e outro tanto mais tarde.

— Mais tarde quando, barão? É preciso fixar uma data — resmungou o velho.

— Digamos cinco anos.

— É um longo espaço de tempo, uma vez que o dote é modesto.

— Sir Tristam — disse o barão secamente —, o senhor faz minha paciência passar por rude e demorada prova. Lembre-se, por favor, que minha filha é jovem e bela, não tendo o senhor as vantagens físicas que eventualmente possuiu há cinquenta anos.

— Ora, não se zangue, Fitz-Alwine, também minhas intenções são boas. Posso casar um milhão ao lado das suas dez mil moedas de ouro. O que digo? Um milhão, mas talvez dois.

— Sei o quanto é rico — interrompeu o barão. — Infelizmente, não chego a tanto, mas quero colocar minha filha em pé de igualdade com as maiores damas da Europa. Espero para lady Christabel posição comparável à de uma rainha. O senhor não desconhece minha paternal ambição e, mesmo assim, se nega a me confiar a soma que possibilitaria sua realização.

— Não estou entendendo, meu caro Fitz-Alwine, que diferença pode haver para a felicidade de sua filha que eu mantenha em minhas mãos esse dinheiro, que representa a metade da minha fortuna. Garanto a renda de um milhão, ou de até dois, para lady Christabel, mas guardo a propriedade do capital. Não se preocupe, darei à minha esposa uma existência de rainha.

— Tudo isso é ótimo… em palavras, meu caro Tristam. Permita-me porém lembrar que, havendo grande desproporção de idade entre os consortes, o desentendimento facilmente toma conta do lar. Nada impede que os caprichos de uma jovem esposa acabem por se tornar insuportáveis e que o senhor tome de volta o que deu. Estando a metade da sua fortuna em minhas mãos, me sentirei mais tranquilo com relação à felicidade de minha filha. Ela não terá o que temer e poderão brigar à vontade.

— Brigar? Não está falando sério, caro barão! Nunca acontecerá algo assim. Amo com tanto carinho a bela pombinha que não vou correr o risco de desagradá-la. Há doze anos aspiro à sua mão e acha que posso me incomodar com seus caprichos? Que os tenha quanto quiser! Será rica e vai poder satisfazê-los.

— Permita-me acrescentar, sir Tristam, que se recusar outra vez meu pedido, retiro por inteiro a palavra que lhe dei.

— Está sendo rude, barão, rude demais — resmungou o velho. — Discutamos um pouco o negócio.

— Já disse sobre o assunto tudo que tinha a dizer. Minha decisão está tomada.

— Não seja teimoso, Fitz-Alwine. Vamos achar uma solução; e se eu colocar cinquenta mil moedas de ouro em suas mãos?

— Eu perguntaria se o que quer é me insultar.

— Insultá-lo? Que opinião tem a meu respeito, Fitz-Alwine? Que tal duzentas mil moedas de ouro?

— Sir Tristam, vamos parar por aqui. Conheço sua imensa fortuna e o que está oferecendo é verdadeiro deboche. O que faço com suas duzentas mil moedas de ouro?

— Eu disse duzentas mil, barão? Quis dizer quinhentas mil. Quinhentas, ouviu? Há de concordar, é uma bela soma, não é? Uma belíssima soma.

— É verdade — respondeu o barão. — Mas disse ainda há pouco poder dispor dois milhões ao lado das modestas dez mil moedas de ouro de minha filha. Dê-me um milhão e minha Christabel será sua mulher já amanhã, se assim quiser, meu bom Tristam.

— Um milhão! Está querendo, Fitz-Alwine, que lhe confie um milhão? Sinceramente, é um pedido absurdo. Não posso, em sã consciência, colocar em suas mãos a metade da minha fortuna.

— Põe em dúvida minha honra e meus escrúpulos? — exclamou o barão se irritando.

— De forma alguma, querido amigo.

— Acha que posso ter outro interesse, além da felicidade de minha filha?

— Sei o quanto ama lady Christabel, mas…

— Mas o quê? — interrompeu o barão com veemência. — Decida-se agora mesmo ou anulo para sempre os compromissos que assumi.

— Não me deixa sequer tempo para pensar.

Nesse momento, uma discreta batida à porta anunciou a chegada de algum criado.

— Entre — disse o barão.

— Milorde — começou o recém-chegado —, um mensageiro do rei trouxe notícias urgentes e aguarda Vossa Senhoria ter a bondade de recebê-lo.

— Mande-o subir — respondeu o barão. — Agora, sir Tristam, se não atender à minha proposta antes da chegada do mensageiro, em dois minutos, não terá lady Christabel.

— Ouça, Fitz-Alwine, imploro, ouça.

— Não o ouvirei mais. Minha filha vale um milhão, uma vez que disse amá-la.

— Da forma mais carinhosa — gaguejou o horrível velho.

— Pois sofrerá grande frustração, sir Tristam, vai estar separado dela para sempre. Conheço um jovem senhor, nobre como um rei, rico, riquíssimo e de agradável aparência, que aguarda apenas minha permissão para pôr seu nome e fortuna aos pés de minha filha. Se hesitar por um segundo mais, amanhã mesmo, saiba, aquela que o senhor diz amar, minha filha, a bela e encantadora Christabel, será esposa do seu feliz rival.

— Está sendo implacável, Fitz-Alwine!

— Ouço os passos do mensageiro, responda: sim ou não?

— Mas… Fitz-Alwine!

— Sim ou não?

— Sim, sim — balbuciou o velho.

— Sir Tristam, meu caro amigo, pense na sua felicidade. Minha filha é um tesouro de graça e beleza.

— É verdade, é muito bonita — disse o velho apaixonado.

— E vale um milhão de moedas de ouro — acrescentou o barão rindo. — Sir Tristam, minha filha é sua.

FOI COMO O BARÃO Fitz-Alwine vendeu a filha, a bela Christabel, a sir Tristam de Goldsborough, por um milhão de moedas de ouro.

Assim que entrou, o mensageiro anunciou ao barão que um soldado havia matado o capitão do seu regimento e fora seguido até Nottinghamshire. O rei ordenava que o barão Fitz-Alwine prendesse o criminoso e o enforcasse sem piedade.

Dispensado o mensageiro, lorde Fitz-Alwine apertou com as duas mãos as do futuro esposo da filha — que tremiam — e desculpou-se por ter que deixá-lo em momento tão auspicioso, mas as ordens do rei eram precisas, e era necessário obedecê-las prontamente.

Três dias depois da conclusão do digno negócio ajustado entre o barão e sir Tristam, o soldado perseguido foi preso e trancado no torreão do castelo de Nottingham.

ROBIN HOOD CONTINUAVA a intensa procura por William que, infelizmente, era o tal soldado capturado por capangas do barão.

Desesperado com a frustração das suas buscas por todo o condado de Yorkshire, Robin Hood voltou à floresta, esperando conseguir com os homens do bando, sempre a postos nas estradas de Mansfield a Nottingham, alguma informação que pudesse ajudar a descobrir o paradeiro do amigo.

A uma milha de Mansfield, encontrou Much, o filho do moleiro. Estavam ambos com boas montarias e o rapaz galopava a rédeas soltas na direção que Robin acabava de deixar.

Percebendo seu jovem chefe, Much saudou-o alegre e deteve o cavalo.

— Que bom que o encontrei, caro amigo — apressou-se a dizer. — Estava indo a Barnsdale, tenho notícia do rapaz que o acompanhava quando nos encontramos.

— Você o viu? Estamos à procura dele há três dias.

— Vi sim.

— Quando?

— Ontem à noite.

— Onde?

— Em Mansfield, para onde estava voltando, depois de passar quarenta e oito horas com meus novos companheiros. Chegando à casa do meu pai, vi diante da porta alguns cavalos e, num deles, um homem com as mãos bem amarradas. Reconheci o seu amigo. Os soldados descansavam um pouco as pernas, e o deixaram por conta apenas das amarras que o prendiam ao cavalo. Sem chamar atenção, consegui fazer o pobre prisioneiro entender que eu iria imediatamente a Barnsdale avisá-lo da desgraça ocorrida. Isso reanimou o seu amigo, que agradeceu com um olhar. Sem perder tempo, peguei um cavalo e, já indo embora, perguntei a um dos soldados o que pretendiam fazer com o prisioneiro. Ele respondeu que tinham ordens do barão Fitz-Alwine para conduzi-lo ao castelo de Nottingham.

— Agradeço muito a rapidez da ajuda, caro Much. Acaba de me contar tudo que precisava saber e conseguiremos remediar as más intenções de Sua Senhoria normanda, se tudo correr bem. Em sela, amigo, vamos voltar rápido à floresta. Precisamos organizar uma expedição, sem nos expor ao perigo.

— E João Pequeno?

— Está indo também para o esconderijo, mas por outro caminho. Achamos que assim tínhamos maiores chances de conseguir notícias. A sorte sorriu para mim, já que tive a alegria de encontrá-lo, bravo Much.

— A satisfação é toda minha, capitão — respondeu Much jovialmente. — Sua vontade passou a guiar todas as minhas ações.

Robin sorriu, fez um sinal com a cabeça e partiu a toda velocidade, seguido de perto pelo companheiro.

Chegaram ao habitual ponto de encontro, onde João Pequeno já aguardava. Depois de comunicar as últimas notícias trazidas por Much, Robin mandou que reunisse os homens espalhados pela floresta, formasse uma única tropa e os conduzisse à orla do bosque que se avizinhava do castelo de Nottingham. Lá, abrigados pelas árvores, deviam esperar um aviso, prontos para o combate. Feitas as combinações, Robin e Much voltaram a montar e tomaram a toda a brida o caminho de Nottingham.

— Caro amigo — disse Robin, quando alcançaram os limites da floresta —, chegamos ao fim do trajeto. Não posso entrar em Nottingham. Imediatamente notariam minha presença e saberiam por quê. Compreende isto, não é? Se os inimigos de William souberem que estou nos arredores, ficarão de sobreaviso e será muito difícil libertar nosso companheiro. Vá sozinho a uma casinha a curta distância da cidade. Procure Halbert Lindsay, um bom amigo nosso. Caso ele não se encontre, uma encantadora jovem com o nome de Graça, que perfeitamente combina com ela, dirá onde se encontra o marido. Vá então atrás dele e traga-o aqui. Alguma dúvida?

— Nenhuma.

— Pois então corra! Vou ficar sentado aqui mesmo, aguardando-o e vigiando as redondezas.

LOGO QUE FICOU SOZINHO, Robin escondeu o cavalo no mato, deitou-se à sombra de um carvalho e pôs-se a engendrar um plano de ação para ajudar o pobre Will da melhor maneira. Apelava a toda sua criatividade, mas não deixava de prudentemente vigiar a estrada. Foi quando viu surgir, vindo de Nottingham na direção da floresta, um jovem cavaleiro ricamente vestido.

— Por Deus! — pensou Robin. — Se esse sujeito despreocupado e elegante for da raça normanda, que ótima ideia teve de passear por aqui e respirar o ar perfumado do campo. Parece ter sido tão bem tratado por dama Fortuna que será um prazer tirar da sua bolsa o valor das flechas e dos arcos que amanhã serão necessários para resgatar William. Tem trajes suntuosos e andar altivo. Certamente é um bom achado, esse simpático senhorzinho. Venha, venha, meu amigo, vai se sentir ainda mais leve depois de travarmos conhecimento.

Rapidamente ele deixou a posição horizontal de até então e se pôs no caminho do viajante que, provavelmente na expectativa de uma simples saudação de praxe, parou com toda cortesia.

— Bem-vindo seja, belo cavaleiro — disse Robin, levando a mão ao gorro. — O tempo está tão nublado que confundi tão graciosa aparição com algum mensageiro do sol. Sua sorridente fisionomia ilumina a paisagem e se permanecer por mais alguns minutos nesse antigo bosque, as flores à sombra acharão se tratar de um quente raio de luz.

O estranho riu satisfeito.

— Por acaso é do bando de Robin Hood? — ele perguntou.

— Está se deixando impressionar pela aparência, senhor — respondeu o rapaz. — Só porque me vê usando roupas de mateiro imagina que pertenço ao bando de Robin Hood. Mas está enganado, nem todos os moradores da floresta estão ligados ao chefe proscrito.

— É possível — continuou o outro com visível impaciência. — Achei ter encontrado um membro daquela alegre associação de homens e me enganei; é pena.

A resposta do desconhecido despertou a curiosidade de Robin.

— Cavalheiro — disse então. — Seu rosto exprime tão franca cordialidade que, apesar do ódio profundo que há anos meu coração reserva aos normandos…

— Não sou normando, sr. mateiro — interrompeu o viajante. — E posso dizer, repetindo o que disse, que se deixa impressionar pela aparência: meus trajes e modo de falar o induziram ao erro. Sou saxão, mas é verdade que há gotas de sangue normando em minhas veias.

— Todo saxão é para mim um irmão, senhor. E quero demonstrar minha simpatia e confiança. Pertenço ao bando de Robin Hood. Como deve saber, em geral usamos meios bem menos desinteressados quando nos apresentamos a viajantes normandos.

— Tenho conhecimento dessas maneiras, ao mesmo tempo cordiais e proveitosas — riu o estranho. — Já ouvi muito falar delas. E me encaminhava a Sherwood exatamente pelo prazer de encontrar o seu chefe.

— E seu eu lhe disser, companheiro, que se encontra na presença de Robin Hood?

— Eu lhe estenderia a mão — devolveu com vivacidade o desconhecido, já acompanhando as palavras com o gesto amigo. — E diria: caro Robin, será que se esqueceu do irmão de Marian?

— Allan Clare! É Allan Clare! — exclamou Robin radiante de alegria.

— Exatamente, Allan Clare. E a sua fisionomia, querido Robin, estava tão bem gravada em meu coração que o reconheci assim que o vi.

— Como fico contente de vê-lo, Allan! — continuou Robin Hood, apertando com as duas mãos a do amigo. — Marian não esperava essa surpresa da sua vinda à Inglaterra.

— Minha pobre e querida irmã! — disse Allan com expressão de profundo carinho. — Ela está bem? Não se sente infeliz?

— Perfeitamente bem de saúde, Allan; e tem como única tristeza a sua ausência.

— Voltei e não vou mais embora. Minha boa irmã vai poder então ficar totalmente feliz. Chegou a saber, Robin, que entrei para o serviço do rei da França?

— Soube sim. Alguém ligado ao barão e o próprio barão, num ímpeto de franqueza provocado pelo medo, me falou da sua situação junto ao rei Luís.56

— Uma circunstância favorável me permitiu prestar um grande favor ao rei da França — continuou o cavaleiro. — Grato, ele procurou saber das minhas intenções e demonstrou muita solicitude. Sua bondade me levou a desabafar e contei a dolorosa situação dos meus sentimentos. Falei do confisco dos meus bens e implorei que me permitisse voltar à Inglaterra. Sua Majestade teve toda boa vontade do mundo e satisfez meu pedido. Imediatamente me entregou uma carta para Henrique II e, sem perder um minuto, fui a Londres. Com o pedido do rei da França, Henrique II me devolveu os bens de meu pai e o Tesouro deve me pagar com bons escudos de ouro as rendas das minhas propriedades, desde a época do confisco. Além disso, consegui juntar uma boa soma que, entregue ao barão, deve fazê-lo ceder a mão de minha querida Christabel.

— Sei da existência desse contrato — confirmou Robin. — Os sete anos previstos devem estar perto de expirar, não?

— Exatamente, amanhã é o último dia do prazo.

— Pois então precisa apressar sua visita ao castelo. Uma hora de atraso pode ser fatal.

— Como soube da existência desse contrato e as suas condições?

— Por meu primo João Pequeno.

— O gigantesco sobrinho de sir Guy de Gamwell? — perguntou Allan.

— Ele mesmo, provavelmente se lembra do digno amigo?

— Com certeza.

— Pois está hoje em dia maior do que nunca e tem uma força ainda mais descomunal. Foi quem me falou do acordo feito com o barão.

— Lorde Fitz-Alwine contou a ele? — perguntou Allan com um sorriso.

— Exatamente. João Pequeno conversava com Sua Senhoria, é verdade que com um punhal na mão e a ameaça na boca.

— Entendo melhor tanta comunicabilidade do barão.

— Caro amigo — retomou Robin com seriedade. — Não confie em lorde Fitz-Alwine; ele não gosta de você e se puder violar a promessa feita, não pensará duas vezes.

— Se ele tentar alguma querela pela mão de lady Christabel, juro que se arrependerá terrivelmente.

— Tem como fazer o barão temer suas ameaças?

— Tenho. E mesmo que não fosse o caso, conseguiria obter o cumprimento da promessa. Seria capaz de sitiar o castelo de Nottingham, para não perder minha bem-amada Christabel.

— Se precisar de ajuda, estou inteiramente às suas ordens, meu caro Allan. Posso de imediato dispor de duzentos homens bem treinados, de pés ligeiros e mão firme. Com igual habilidade manejam o arco, a espada, a lança e o escudo. Basta uma palavra sua e virão, por ordem minha, pôr-se a seu lado.

— Mil vezes obrigado, caro Robin. Não esperava menos da sua boa amizade.

— Conte com isso. Mas permita-me agora perguntar como sabia do meu esconderijo na floresta de Sherwood?

— Depois de concluir meus negócios em Londres, vim a Nottingham. Soube então da volta do barão e da presença de Christabel no castelo. Sossegado o coração quanto à vida de quem amo, fui a Gamwell. Pode imaginar minha surpresa ao chegar à aldeia e mal encontrar vestígios da rica moradia do baronete. Dirigi-me imediatamente a Mansfield, onde alguém me contou o acontecido. Falou elogiosamente de você e disse que a família Gamwell secretamente se retirara numa propriedade que possui em Yorkshire. Fale-me de minha irmã Marian, Robin Hood; ela mudou muito?

— Mudou, amigo Allan, mudou muito.

— Pobre irmã!

— Tem agora uma perfeita beleza — acrescentou Robin se divertindo. — Cada primavera acrescentou-lhe novo encanto.

— Casou-se? — perguntou Allan.

— Ainda não.

— Ótimo. Sabe se já entregou o coração a alguém ou prometeu a mão?

— Marian responderá a essa pergunta — disse Robin, ruborizando um pouco. — Que calor está fazendo! — acrescentou, passando a mão no rosto avermelhado. — Vamos para a sombra das árvores, por favor; estou esperando um dos companheiros, que está demorando mais do que o previsto. Aliás, Allan, lembra-se de um dos filhos de sir Guy, William, que apelidamos Escarlate, por causa da cor um tanto ardente de sua cabeleira?

— Um bonito rapaz com grandes olhos azuis?

— Ele mesmo. O pobre coitado foi mandado a Londres pelo barão Fitz-Alwine e incorporado num regimento das forças que ainda ocupam a Normandia. Um belo dia, foi tomado por incontrolável desejo de rever a família; pediu uma licença e não obteve. Irritado com a incompreensível recusa do capitão, acabou matando-o. Conseguiu fugir, voltou à Inglaterra e um feliz acaso fez com que nos encontrássemos. Levei então o querido amigo a Barnsdale, onde mora sua família. No dia seguinte, a casa inteira estava em festa, celebrando não somente a volta do exilado, mas também seu casamento e o aniversário de sir Guy.

— Will vai se casar? Com quem?

— Com uma moça encantadora e conhecida sua… miss Lindsay.

— Não me recordo dela.

— Então esqueceu-se da companheira, amiga e fiel acompanhante de lady Christabel?

— Ah, sim! — completou Allan Clare. — A filha do guardião dos portões de Nottingham, a irrequieta Maude?

— Exatamente. Maude e William se amam há muito tempo.

— Maude e Will Escarlate! O que está dizendo, Robin? Era a você, meu amigo, que pertencia o coração daquela moça.

— Não, não. Está enganado.

— De jeito nenhum. Pode ser até que ela não o amasse, coisa de que duvido, mas você, em todo caso, tinha grande e carinhoso interesse por ela.

— Tinha e continuo tendo, um afeto de irmão.

— Não diga! — exclamou maliciosamente o amigo.

— Palavra de honra que sim — respondeu Robin. — Mas para terminar com a história de William, deixe-me dizer o que aconteceu. Uma hora antes da celebração do casamento, ele desapareceu e acabo de saber que foi sequestrado por soldados do barão. Reuni meus homens, que vão daqui a pouco estar aqui, e com alguma astúcia e a ajuda deles espero libertar William.

— Onde ele se encontra?

— Provavelmente no castelo de Nottingham. Em pouco tempo terei a confirmação.

— Não tome decisão apressada, Robin; espere até amanhã. Verei o barão e usarei tudo que pode a súplica ou a ameaça para obter a liberdade do seu primo.

— Só que se o velho patife agir sumariamente, vou lamentar a vida inteira ter perdido horas preciosas.

— Tem motivos para temer uma ação tão rápida?

— Como pode me fazer uma pergunta cuja cruel resposta conhece até melhor do que eu? Bem sabe que lorde Fitz-Alwine não tem coração nem piedade. Se tiver que enforcar Will com as próprias mãos, tranquilamente fará isso. Devo arrancar meu amigo das suas garras ferozes, se não quiser perdê-lo para sempre.

— Provavelmente tem razão, e seguir meus conselhos de prudência, nesse caso, acabaria sendo perigoso. Vou hoje mesmo ao castelo e, estando lá, talvez possa ajudá-lo. Farei perguntas ao barão ou, caso não responda, aos soldados. Uma boa recompensa pode fazê-los falar. Conte comigo e se minhas tentativas não derem certo, avisarei para que aja o mais rapidamente possível.

— Ficamos combinados assim. Ah! Estou vendo chegar quem eu esperava e Halbert, o irmão de leite de Maude. Vamos saber um pouco mais sobre o paradeiro do pobre Will. E então? — perguntou Robin, depois de abraçar os recém-chegados.

— Não tenho muito a dizer — respondeu Halbert. — Tudo que sei é que um prisioneiro foi levado para o castelo de Nottingham e Much me disse que o infeliz é o nosso pobre amigo Will Escarlate. Se quiser tentar salvá-lo, Robin, precisa agir rápido. Um frade peregrino de passagem pela região foi chamado ao castelo para a confissão do prisioneiro.

— Santa mãe de Deus, piedade! — exclamou Robin com voz trêmula. — Will, o pobre Will está em perigo de morte! Precisamos tirá-lo de lá, a qualquer preço! Nada mais além disso, Halbert? — perguntou Robin.

— Com relação a Will, nada; mas soube que lady Christabel vai se casar no final da semana.

— Lady Christabel vai se casar? — espantou-se Allan.

— Isso mesmo, cavalheiro — respondeu Halbert, olhando o desconhecido com surpresa. — Com o mais rico normando de toda a Inglaterra.

— Não pode ser! É impossível! — exclamou Allan Clare.

— Mas é a pura verdade — confirmou Halbert. — Fazem grandes preparativos no castelo para celebrar o feliz acontecimento.

— Feliz acontecimento? — repetiu Allan amargamente. — Quem é o miserável que pretende se casar com lady Christabel?

— O senhor não deve ser da região — continuou Halbert. — Não sabe então da imensa satisfação de Sua Senhoria Fitz-Alwine? O sr. barão fez manobras tão hábeis que conseguiu pôr as mãos em boa parte da colossal fortuna de sir Tristam de Goldsborough.

— Lady Christabel tornar-se a mulher daquele velho horrível? — assustou-se o cavaleiro, surpresíssimo. — Mas o homem é quase um defunto! Um monstro de feiura e sórdida avareza! A filha do barão Fitz-Alwine é minha noiva e enquanto houver em mim um sopro de vida, ninguém mais terá direito a seu coração.

— Sua noiva? Quem então é o senhor?

— O cavaleiro Allan Clare — interveio Robin.

— O irmão de lady Marian! A quem lady Christabel tão carinhosamente ama?

— Eu mesmo, meu caro Hal — disse Allan.

Halbert teve uma explosão de alegria, jogando seu gorro para o alto.

— Isso sim é chegar em boa hora! Seja bem-vindo à Inglaterra, senhor. Sua presença vai transformar em sorriso as lágrimas de sua bela noiva. As cerimônias para o odioso casamento devem acontecer no fim de semana. Se quiser impedir, não tem tempo a perder.

— Estou indo agora mesmo visitar o barão — disse Allan. — Se ele ainda acha que pode se livrar de mim, está muito enganado.

— Conte com minha ajuda, cavaleiro — disse Robin. — Quero também impedir tal desgraça, e da maneira mais poderosa, unindo força e astúcia. Vamos raptar lady Christabel. Proponho irmos todos ao castelo: você entra sozinho, enquanto eu esperarei a sua volta junto com Much e Halbert.

Os quatro amigos logo chegaram às proximidades da residência senhorial. No momento em que o cavaleiro ia se encaminhar para a ponte levadiça, ouviu-se um barulho de correntes, a ponte foi abaixada e um velho, coberto com o hábito dos peregrinos, saiu pela poterna do castelo.

— É o confessor chamado pelo barão para o pobre William — disse Halbert. — Fale com ele, Robin; talvez saiba nos dizer a que infortúnio está destinado nosso amigo.

— Pensei o mesmo, caro Halbert, e considero um socorro enviado pela divina Providência o encontro desse santo homem. Que a santa Virgem o proteja, meu bom padre! — disse Robin, já se inclinando respeitosamente diante do velho.

— Que ela o ouça, meu filho! — respondeu o peregrino.

— Vem de muito longe, padre?

— Da Terra Santa, onde fui em longa e dolorosa peregrinação para expiar pecados cometidos na juventude. Hoje, esgotado de fadiga, volto para morrer sob o céu que me viu nascer.

— Deus concedeu-lhe longos anos de vida, bom padre.

— É verdade, filho. Em breve completarei noventa anos e a existência já me parece apenas um sonho.

— Rezo para que a Virgem lhe conceda a calma do repouso em suas últimas horas, padre.

— Assim seja. Vejo que tem alma delicada e generosa, meu jovem. Igualmente rogo ao céu que derrame sobre sua jovem cabeça todas as bênçãos. Crê em Deus e é boa pessoa, seja caridoso e pense também nos que sofrem e vão morrer.

— Explique-se melhor, padre, não entendi — disse Robin com a voz trêmula.

— Infelizmente — acrescentou o velho —, uma alma está prestes a subir ao céu, sua soberana morada. O corpo por ela animado com seu divino sopro sequer tem trinta anos. Um homem que deve ter a sua idade vai morrer de forma bem cruel; reze por ele, meu filho.

— Ele fez ao senhor a sua última confissão, padre?

— Sim, e dentro de poucas horas será brutalmente arrancado de nosso mundo.

— Onde se encontra o infeliz?

— Num dos escuros calabouços desse enorme castelo.

— Sozinho?

— Isso mesmo, filho, sozinho.

— E o pobre coitado vai morrer?

— Amanhã, ao nascer do sol.

— Tem certeza, padre, de que a execução do condenado não acontecerá antes disso?

— Tenho sim. Já não é cedo o bastante? Suas palavras me incomodam, filho. Por acaso deseja a morte de seu irmão?

— Não, santo homem, não, de forma alguma! Daria a vida para salvá-lo. Conheço esse pobre rapaz, padre, é meu amigo. Sabe a qual suplício foi condenado? E se a execução será no interior do castelo?

— Soube pelo carcereiro que o infeliz será enforcado pelo carrasco de Nottingham. Foram dadas ordens para que a execução seja pública, na praça da cidade.

— Que Deus nos proteja — murmurou Robin. — Querido e bom padre — ele acrescentou, tomando a mão do velho —, aceitaria me fazer um favor?

— O que deseja de mim, filho?

— Eu desejo, eu pediria, padre, que voltasse ao castelo e solicitasse permissão ao barão para dar assistência ao condenado até o patíbulo.

— Já tenho essa permissão, filho. Estarei amanhã de manhã junto ao seu amigo.

— Que Deus o abençoe, santo padre, abençoado seja! Tenho algo de suprema importância a dizer ao amigo que vai morrer e gostaria que o transmitisse. Amanhã de manhã estarei aqui junto dessas árvores; tenha a bondade de vir escutar minha confidência antes de entrar no castelo.

— Estarei aqui na hora certa, meu filho.

— Obrigado, bom padre, até amanhã.

— Até amanhã e que a paz do Senhor o acompanhe!

Robin se inclinou respeitosamente e o peregrino, com as mãos cruzadas sobre o peito, se afastou rezando.

— Até amanhã — repetiu o jovem em tom mais baixo. — E duvido muito que Will seja enforcado!

— Precisaria colocar seus homens a curta distância do local da execução — observou Hal, que havia prestado atenção à conversa de Robin com o confessor do pobre prisioneiro.

— Estarão ao alcance de um sinal.

— E como se arranjará para que não sejam percebidos pelos soldados?

— Não se preocupe, meu caro Halbert — respondeu Robin. — Meus sempre bem-dispostos companheiros há muito tempo dominam a arte da invisibilidade, inclusive em lugares abertos. Acredite, não vão para o corpo a corpo com os soldados do barão e só entrarão em cena a partir de um sinal combinado.

— Parece tão certo do sucesso, Robin, que espero ter pelo menos uma parte desse seu otimismo nos meus próprios negócios — disse Allan.

— Cavaleiro — respondeu o rapaz —, permita-me primeiramente pôr William em liberdade, levá-lo a Barnsdale e vê-lo nos braços da sua querida noiva, em seguida trataremos do caso de lady Christabel. Faltam ainda alguns dias para o casamento e vamos nos preparar para uma luta séria com lorde Fitz-Alwine; temos tempo suficiente.

— Vou ao castelo — disse Allan. — De um jeito ou de outro descobrirei o segredo de toda essa farsa. Se o barão romper o compromisso que a honra e a civilidade deviam sacralizar, vou me sentir no direito de esquecer todas as obrigações de respeito. No final, queira ele ou não, lady Christabel será minha mulher.

— Tem toda razão, caro amigo. Procure agora mesmo o barão. Ele provavelmente não o espera e a surpresa o deixará de mãos e pés atados. Seja ousado e faça-o entender que está disposto a usar a força para obter lady Christabel. Enquanto estiver tratando desse importante assunto com lorde Fitz-Alwine, irei encontrar meus homens e prepará-los para cumprirem da maneira mais cautelosa o que tenho em mente. Se precisar de mim, envie um mensageiro ao lugar em que nos encontramos há pouco: pode ter certeza de que a qualquer hora do dia ou da noite um dos meus bravos companheiros se encontra sempre por lá. Se tiver necessidade de ver pessoalmente este seu fiel aliado, será levado a meu esconderijo. Por outro lado, uma vez dentro do castelo, não teme ficar na impossibilidade de sair de lá?

— Lorde Fitz-Alwine não se atreveria a me tratar com violência — respondeu Allan. — Estaria se expondo a um perigo grande demais. Na verdade, se realmente tiver a intenção de dar Christabel ao abominável Tristam, vai querer tão rapidamente se livrar de mim que mais receio não ser recebido do que mantido no castelo. Adeus então, caro Robin. Ou melhor, até breve. Com certeza irei vê-lo antes do final do dia.

— Estarei esperando.

Enquanto Allan Clare se dirigia à poterna do castelo, Robin, Halbert e Much rapidamente voltaram à cidade.

Não foi difícil para o cavaleiro ser levado aos aposentos de lorde Fitz-Alwine e rapidamente ele se viu na presença do terrível castelão.

Um espectro que saísse do túmulo não teria causado maior susto e terror no barão do que a visão do belo rapaz que, em atitude digna e altiva, se impunha à sua frente.

Ele lançou ao criado que o trouxera um olhar tão fulminante que o pobre coitado escapou do cômodo com toda a pressa que suas pernas permitiam.

— Não o esperava — disse Sua Senhoria, dirigindo ao cavaleiro os olhos faiscantes de raiva.

— Imagino, milorde, mas aqui estou.

— É o que vejo. Felizmente, para mim, não cumpriu sua promessa: o prazo dado expirou ontem.

— Sua Senhoria se engana. Estou sendo pontual com o gracioso compromisso acertado.

— Não creio que sua palavra baste para tanto.

— É pena, pois será obrigado a aceitá-la. Com pleno assentimento de ambas as partes, assumimos um compromisso formal e sinto-me no direito de exigir que cumpra o prometido.

— E o senhor, cumpriu todas as condições do trato?

— Todas elas. Eram três as exigências: recuperar a posse dos meus bens, dispor de cem mil moedas de ouro e voltar apenas ao fim de sete anos para pedir a mão de lady Christabel.

— Realmente tem à mão cem mil moedas de ouro? — perguntou o barão, com um brilho de cobiça nos olhos.

— Sim, milorde. O rei Henrique devolveu minhas propriedades e recebi as rendas desse patrimônio desde o confisco. Estou rico e exijo que me entregue amanhã mesmo lady Christabel.

— Amanhã! — exclamou o barão. — Amanhã! Mas caso não se apresente aqui amanhã — acrescentou sombriamente —, o contrato não se anula?

— Foi esse o nosso acordo. Mas ouça bem, lorde Fitz-Alwine: afaste o plano diabólico que tem em mente nesse momento. Estou no meu direito, à sua frente, à hora prevista e nada no mundo (que não passe por sua cabeça empregar a força), nada mesmo, me obrigará a desistir de quem amo. Qualquer trapaça sua, em desespero de causa, implicará cruel desforra, esteja certo disso. Tenho conhecimento de uma particularidade oculta da sua vida, e a revelarei. Vivi por algum tempo na corte do rei da França e soube de um segredo que lhe concerne pessoalmente.

— Que segredo? — preocupou-se o barão.

— É desnecessário, por enquanto, entrar em longas explicações. Basta que saiba que tenho anotado o nome dos miseráveis ingleses que se venderam para entregar a pátria ao jugo estrangeiro. — Lorde Fitz-Alwine ficou extremamente pálido. — Mantenha a promessa que me fez, milorde, e esquecerei seu ato de covardia e traição ao rei.

— Cavaleiro, está insultando um velho — disse o barão, assumindo uma atitude indignada.

— Apenas digo a verdade, nada mais. Mais uma recusa sua, milorde, uma mentira, um subterfúgio qualquer e as provas do seu patriotismo serão enviadas ao rei da Inglaterra.

— Para sorte sua, Allan Clare — disse o barão com um tom melífluo —, o céu me deu um temperamento calmo e paciente. Fosse eu irritadiço e impulsivo, pagaria cruelmente o atrevimento nas masmorras do castelo.

— Tal atitude lhe seria nefasta, milorde, pois não o poria a salvo da vingança real.

— Sua juventude atenua a impetuosidade das palavras, cavaleiro. Quero me mostrar indulgente, mesmo que possa facilmente puni-lo. Por que vir com ameaças antes até de saber se realmente pretendo lhe recusar a mão de minha filha?

— Por saber que prometeu lady Christabel a um miserável e sórdido velho, sir Tristam de Goldsborough.

— De fato, de fato! E quem foi o estúpido intrigante que lhe contou isso?

— Pouco importa, a cidade inteira de Nottingham se agita com os preparativos para esse rico e ridículo casamento.

— Não pode me responsabilizar, cavaleiro, por mentiras irresponsáveis que circulam na região.

— Não prometeu a mão de sua filha a sir Tristam?

— Permita-me não responder a pergunta. Até amanhã estou livre para pensar e fazer planos como bem entender. Chegando a hora, venha e plenamente satisfarei suas aspirações. Passe bem, cavaleiro Clare — acrescentou o ancião se levantando. — Tenha um bom dia, mas quero ficar sozinho.

— Será um prazer revê-lo, barão Fitz-Alwine. Lembre-se que um fidalgo tem apenas uma palavra.

— Muito bem, muito bem — resmungou o velho, virando as costas ao visitante.

Allan deixou os aposentos do barão com o coração inquieto. Não podia se iludir, o velho tramava alguma perfídia. Seu olhar carregado de ameaça havia acompanhado o rapaz até a porta; e ele depois se postara junto ao vão de uma janela, sem nem se dar ao trabalho de responder ao último cumprimento do cavaleiro.

Assim que Allan sumiu de vista (indo à procura de Robin Hood), o barão sacudiu furiosamente uma campainha que havia sobre a mesa.

— Diga a Pedro Preto para vir — disse brutalmente ao criado.

— Agora mesmo, milorde.

Poucos minutos depois, o soldado chamado por lorde Fitz-Alwine se apresentava.

— Pedro — disse o barão —, pode conseguir bravos e discretos rapazes que executem sem muitas perguntas as ordens que recebem?

— Posso, milorde.

— São corajosos e sabem esquecer as missões que acabam de executar?

— Sem dúvida alguma, milorde.

— Ótimo. Um cavaleiro, elegantemente vestido com traje vermelho, acaba de sair daqui. Siga-o com dois bons comparsas e faça de maneira que ele não incomode mais ninguém. Percebe?

— Perfeitamente, milorde — respondeu Pedro Preto com pavoroso sorriso e puxando da bainha um enorme punhal.

— Terá sua recompensa, corajoso Pedro. Não tenha medo, mas aja discreta e prudentemente. Se nossa borboleta seguir o caminho do bosque, deixe-a chegar sob as árvores e aí terá campo livre. Uma vez despachada para o outro mundo, enterre-a junto de um velho carvalho qualquer, sem deixar de cobrir o local com folhas e mato, para que ninguém descubra o cadáver.

— As ordens serão fielmente executadas, milorde. Quando voltar a me ver, o cavaleiro estará dormindo sob um tapete de relva verde.

— Fico à sua espera. Não perca tempo e vá atrás desse jovenzinho impertinente.

Acompanhado de dois homens, Pedro Preto deixou o castelo e logo encontrou a pista do cavaleiro.

Pensativo, com a mente tomada por preocupações e o coração pesado de tristeza, Allan caminhava lentamente na direção da floresta de Sherwood. Avistando o rapaz à sombra das árvores, os assassinos que o seguiam ficaram sinistramente satisfeitos. Apressaram o passo e se mantiveram escondidos na vegetação, preparados para se lançar em cima da vítima no momento oportuno.

Allan Clare seguia à procura do guia prometido por Robin e, olhando em volta, pensava em como arrancar Christabel das mãos daquele indigno pai.

Um barulho de passadas apressadas tirou-o do doloroso devaneio. Virou-se e viu três indivíduos de sinistra aparência que, de espada em punho, vinham em sua direção.

Pôs-se de costas contra uma árvore, sacou a espada da bainha e disse em tom decidido:

— Miseráveis! O que querem?

— A sua vida, “borboleta” elegante! — berrou Pedro Preto indo contra o rapaz.

— Para trás, canalha! — disse Allan, atingindo-o no rosto. — Para trás, todos! — continuou, desarmando com incrível habilidade o segundo adversário.

Pedro Preto fez o que pôde, mas não conseguia mais se aproximar do cavaleiro, que não somente havia deixado um dos assassinos fora de combate, jogando sua espada nos galhos de uma árvore, mas também ferira gravemente na cabeça o terceiro homem.

Desarmado e louco de raiva, Pedro Preto arrancou pela raiz um frágil arbusto e voltou para atacar Allan. Acertou-o na cabeça com tanta violência que ele deixou cair a espada e desabou no chão, sem sentidos.

— A presa foi abatida! — gritou alegre o assassino, ajudando os companheiros feridos a se porem de pé. — Voltem para o castelo que acabo sozinho a tarefa. A presença de vocês aqui é perigosa e me cansam esses seus gemidos. Vão embora que abro eu mesmo a cova para enterrar o corpo do senhorzinho. Deixem a enxada que trouxeram.

— Está aqui — disse um dos homens. — Mas estou quase morto, Pedro, nem vou conseguir andar.

— Desapareça ou mato-o também.

Os dois ajudantes, transidos de dores e pavor, se encaminharam penosamente para fora do mato.

Sozinho, Pedro se pôs ao trabalho. Tinha já terminado boa parte da horrível tarefa, quando recebeu no ombro uma pancada tão violenta que caiu estirado junto à beirada do fosso que cavava.

Assim que passou o pior da dor, o miserável virou os olhos procurando quem o havia presenteado com tão justa recompensa e encontrou o rosto avermelhado de um corpulento frade dominicano.57

— Excomungado de focinho negro! — vociferou o frade. — Acha que pode assim acertar a cabeça de um fidalgo e esconder a infâmia enterrando o infeliz? Quem é você, bandido? Responda!

— Minha espada já lhe dirá quem sou — Pedro pôs-se rapidamente de pé. — Ela vai enviá-lo ao outro mundo e lá pergunte então ao Diabo o meu nome.

— Caso tivesse a infelicidade de morrer antes, insolente vigarista, nem precisaria me dar ao trabalho, posso ver no seu rosto o parentesco com o inferno. Mas deixe-me dizer a essa sua espada que se cale, pois se tentar se mexer, o porrete vai lhe impor silêncio eterno. Suma daqui, é o que de melhor tem a fazer.

— Não sem antes ter mostrado o quanto sei manejá-la — disse Pedro, atingindo o frade com a lâmina.

O golpe foi tão rápido, violento e certeiro que cortou profundamente três dedos da mão esquerda do religioso, até o osso.

Ele deu um grito, se jogou como um raio em cima de Pedro, agarrou-o com força pela cintura, até dobrá-lo, e aplicou em seguida uma sequência rápida de pauladas.

Uma sensação inédita tomou conta do miserável assassino: ele deixou cair a espada, a visão ficou turva, o sentido das coisas foi se apagando, o entendimento se desnorteando e toda vontade de se defender desapareceu.

Quando o irmão parou de bater, Pedro estava morto.

— Cretino! — murmurou o monge exausto de dor e cansaço. — Maldito cretino! Achava então que os dedos do pobre Tuck foram feitos para que um cão normando os arranque fora?58 Acho que recebeu uma boa lição, pena não poder aproveitá-la, já que deu o último suspiro. Tanto pior, foi culpa dele e não minha. Por que será que matou esse bonito rapaz? Ai, meu Deus! — exclamou o bom frade, levando a mão ainda intacta ao corpo do cavaleiro. — Ainda respira, o corpo está quente e o coração bate, fraco, é verdade, mas o bastante para indicar que ainda vive. Vou pô-lo nos ombros e levar para o esconderijo. Pobre rapaz, nem pesa muito! Quanto a ti, vil assassino — acrescentou Tuck empurrando com o pé o corpo de Pedro —, fica aí. Se os lobos ainda não tiverem jantado, terão o que comer.

Dito isso, com passadas firmes e ligeiras o monge tomou a direção do esconderijo dos alegres homens da floresta.

UMAS POUCAS PALAVRAS bastarão para explicar a captura de Will Escarlate.

O homem que havia visto Will com Robin Hood e João Pequeno no albergue de Mansfield estava, seguindo ordens superiores, à procura do fugitivo. Vendo o jovem na companhia de cinco bem-dispostos amigos que poderiam eventualmente querer ajudá-lo, o prudente batedor preferiu adiar o momento da captura. Deixou o albergue, enviou a Nottingham um pedido de reforço e um grupo de soldados, guiado pelo espião, foi a Barnsdale em plena noite.

Na manhã seguinte, um fatal acaso levou Will a sair do castelo. O pobre rapaz caiu nas mãos dos soldados emboscados e foi sequestrado, sem poder opor grande resistência.

De início, um violento desespero o invadiu, mas o encontro com Much lhe devolveu alguma esperança. Rapidamente se deu conta de que Robin Hood, uma vez informado de sua desventurada situação, faria de tudo para ajudá-lo, e que se porventura não conseguisse salvá-lo, pelo menos vingaria a sua morte sem recuar diante de obstáculo algum. Também sabia, e era um grande consolo para o seu pobre coração, que muitas lágrimas se derramariam por seu cruel destino e que Maude, principalmente, tão feliz com a sua volta, amargamente choraria a perda da felicidade que já haviam planejado.

Jogado numa escura masmorra, Will aguardava, na aflição do medo, a hora marcada para a execução. Cada hora que passava trazia novo lote de esperança e desilusão. O infeliz prisioneiro prestava atenção a todos os barulhos externos, na expectativa de ouvir distante o som da trompa de Robin Hood.

Os primeiros clarões do dia encontraram William a rezar. Confessou-se comovido com o bom peregrino e, de alma recolhida e coração confiante naquele de quem esperava socorro, preparou-se para seguir os guardas do barão, que deviam vir buscá-lo quando o sol despontasse.

De fato vieram e, formando um cerco ao redor de William, tomaram o caminho da praça central de Nottingham.

Ao percorrer as ruas, a escolta logo se viu rodeada por boa parte dos moradores que, desde cedo, aguardava o fúnebre cortejo.

Por maior que fosse a esperança do infeliz condenado, era grande seu desânimo por não ver em volta algum familiar. O coração ficou mais pesado e as lágrimas, até então reprimidas, molharam as pálpebras. Mas ainda esperava, e uma voz secreta lhe dizia: Robin Hood não está longe, Robin Hood virá.

Chegando ao pé da terrível forca levantada por ordem do barão, William ficou lívido, pois não esperava morrer de forma tão infame.

— Quero falar com lorde Fitz-Alwine — exigiu, sabendo que na qualidade de representante da lei, este último era obrigado a assistir à execução.

— O que quer, miserável? — perguntou o barão.

— Milorde, tenho como obter perdão?

— Não — respondeu friamente o velho.

— Nesse caso — continuou William em tom perfeitamente calmo —, imploro um favor que é impossível a uma alma generosa recusar.

— Qual favor?

— Milorde, pertenço a uma ilustre família saxã, cujo nome é sinônimo de honradez, sem que jamais algum dos seus membros tenha recebido o desprezo de seus concidadãos. Sou soldado e nobre, devo ter uma morte condizente.

— Será enforcado — disse brutalmente o barão.

— Milorde, arrisquei minha vida em campos de batalha e não mereço ser enforcado como um ladrão.

— Acha mesmo? — debochou o velho. — E de que maneira deseja expiar o seu crime?

— Dê-me uma espada e ordene a seus soldados que me traspassem com suas lanças. Morrerei como deve morrer um nobre, de braços livres e rosto voltado para o céu.

— Imagina-me tolo o bastante para pôr em risco a vida de um só dos meus homens apenas para satisfazer seu último capricho? De forma alguma, será enforcado.

— Milorde, insisto. Estou suplicando, tenha piedade. Abro mão da espada e não me defenderei; seus homens poderão me cortar em pedaços.

— Miserável! — disse o barão. — Matou um normando e implora a piedade de um normando? Louco! Para trás! Morrerá na forca e logo terá a companhia do bandido que infesta a floresta de Sherwood com seu bando de malfeitores, assim espero!

— Se este a quem se refere com tanto desprezo estivesse ao alcance da minha voz, eu riria das suas bravatas, poltrão! Lembre-se, lorde Fitz-Alwine: se eu morrer, Robin Hood me vingará. Tome cuidado, antes que a semana chegue ao fim ele estará no castelo de Nottingham.

— Que venha, e na companhia de todo o seu bando! Erguerei duzentas forcas. Carrasco, cumpra seu dever.

O carrasco pousou a mão no ombro de William. O pobre rapaz lançou ao redor um olhar desesperado e, vendo apenas a multidão silenciosa e comovida, recomendou sua alma a Deus.

— Um momento! — ouviu-se a voz trêmula do velho peregrino. — Um momento! Tenho uma última bênção a dar ao infeliz penitente.

— Já cumpriu seu dever junto a esse miserável — gritou o barão furioso. — Não tem por que atrasar ainda a execução.

— Ímpio! — exclamou o peregrino. — Vai querer privar este jovem do auxílio religioso?

— Seja rápido — respondeu lorde Fitz-Alwine com impaciência. — Estou cansado de tanta demora.

— Soldados, afastem-se um pouco — disse o ancião. — As orações de um moribundo não devem cair em ouvidos profanos.

A um aceno do barão, os soldados se puseram a certa distância do prisioneiro.

William e o peregrino ficaram sozinhos no patíbulo, enquanto o carrasco ouvia respeitosamente as ordens do barão.

— Não se mova, Will — disse o peregrino debruçado junto ao condenado. — Sou eu, Robin. Vou cortar as cordas que o prendem e nos jogamos no meio dos soldados. A surpresa os deixará confusos.

— Abençoado seja! Ah, querido Robin, abençoado seja! — murmurou o pobre Will, sufocado de tanta felicidade.

— Incline-se e finja estar falando comigo. Bom! Está solto. Tem uma espada para você por baixo da batina. Pegou?

— Peguei — murmurou Will.

— Ótimo. Apoie as costas nas minhas e vamos mostrar a lorde Fitz-Alwine que não viemos ao mundo para ser enforcados.

Com um gesto mais rápido do que o pensamento, Robin Hood deixou cair no chão o hábito de peregrino e todos reconheceram, espantados, o traje característico do célebre bandoleiro.

— Milorde! — gritou Robin com voz firme e vibrante. — William de Gamwell faz parte do bando dos alegres homens da floresta. Foi sequestrado e vim resgatá-lo. Em troca, receberá o cadáver do patife a quem deu a missão de covardemente assassinar o cavaleiro Allan Clare.

— Quinhentas moedas de ouro para quem prender esse bandido! — urrou o barão. — Quinhentas moedas de ouro para o valoroso soldado que lhe puser as mãos em cima!

Robin Hood percorreu com um olhar terrível a multidão paralisada de susto.

— Não aconselho a que arrisquem suas vidas — disse. — Meus companheiros estão bem perto.

E Robin soprou a trompa, fazendo com que, no mesmo instante, boa parte do seu bando saísse do bosque, empunhando seus arcos.

— Às armas! — ordenou o barão. — Às armas! Fiéis normandos, exterminem esses bandidos!

Uma revoada de flechas se abateu sobre a tropa. Apavorado, o barão saltou em seu cavalo e partiu a galope e aos gritos em direção ao castelo. Sem saber o que fazer, os apavorados moradores de Nottingham seguiram o exemplo de seu senhor e os soldados, desordenados no tumulto generalizado, também fugiram como puderam.

— Sherwood e Robin Hood! — gritavam os alegres homens da floresta, perseguindo os inimigos com grandes risadas.

Cidadãos, homens do bando e soldados atravessaram a cidade com muita confusão, uns mudos de medo, outros rindo e os últimos cheios de ódio no coração. O barão foi o primeiro a conseguir entrar no castelo e todos o seguiram, com exceção dos alegres mateiros que, junto ao portão, brindaram com aclamações debochadas os pusilânimes adversários.

Quando Robin Hood e seu bando retomaram o caminho da floresta, os moradores de Nottingham, que não tinham sido feridos e nada perderam naquele estranho tumulto, celebraram o destemido chefe e sua fidelidade ao amigo condenado.

Mocinhas misturaram suas meigas vozes ao coro de elogios e uma delas, inclusive, chegou a dizer que aqueles homens pareciam tão amáveis e cordiais que não teria mais medo de atravessar sozinha a floresta.


56. Confusão do autor: a cena se passa em 1187 e há sete anos reinava na França Filipe II, cognominado Dádiva de Deus (ver nota 79).

57. A Ordem dos Pregadores, mais conhecida como Dominicana, seria criada apenas no século seguinte, em 1216, por são Domingos de Gusmão. É uma ordem mendicante (ver nota 33), exclusivamente masculina, com conventos próximos de cidades, e seus religiosos têm como vocação a pregação e a conversão ao cristianismo.

58. Era de se imaginar que fosse Tuck o truculento frade. Na primeira parte do romance, porém, ele mais corretamente era beneditino e não dominicano.