5

Marian e Maude estavam há um mês no castelo de Barnsdale e só voltariam à antiga vida depois de se restabelecerem totalmente, pois não devemos esquecer que ambas tinham passado por trabalhos de parto.

Robin Hood não suportou por muito tempo a ausência da companheira bem-amada e, certa manhã, mudou-se para a floresta de Barnsdale com uma parte do seu bando. William, que naturalmente o acompanhou, começou a achar que a moradia subterrânea construída às pressas nos arredores do castelo era infinitamente melhor do que a do grande bosque de Sherwood. No mínimo, dizia ele, mesmo que faltassem diversas coisas para o completo bem-estar do grupo, a proximidade do solar de Barnsdale compensava essas falhas, e de forma muito agradável.

Os dois amigos estavam então contentíssimos com a mudança de domicílio e outra dupla, também nossa conhecida, compartilhava idêntica e expansiva satisfação, pelos mesmos motivos. Formavam essa segunda dupla João Pequeno e Much Cokle, o filho do moleiro. Em pouco tempo, Robin se deu conta de que os dois, sem motivo aparente, desapareciam a qualquer hora do dia. A deserção se repetiu tantas vezes que atiçou a sua curiosidade. Perguntou aqui e ali e descobriu que a prima Winifred gostava muito de passear e havia pedido a João Pequeno que a levasse a visitar os pontos mais interessantes da floresta.

— Bom, isso explica o caso de João Pequeno. E Much?

Soube então que miss Bárbara tinha o mesmo fascínio que a irmã pelas belezas silvestres e resolvera participar também dessas excursões. João Pequeno, entretanto, com prudência muito elogiável, observou que a responsabilidade por uma jovem era algo muito grave e não quis então aceitar sua companhia, pelo acréscimo de preocupações que isso gerava. Foi quando Much ofereceu proteção a miss Bárbara, e miss Bárbara prontamente aceitou. Os dois casais passeavam então pelo arvoredo, indo aos pontos mais misteriosos e sombrios do bosque, conversando sobre não se sabe o quê, e se esqueciam de admirar o que tinham vindo admirar. Passavam à frente de velhos carvalhos nodosos, de graciosas faias e de choupos seculares sem prestar a menor atenção. Além disso, ainda mais estranha do que essa indiferença pelos esplendores agrestes, uma fatalidade sempre lançava os dois casais por caminhos opostos ao da estrada certa e eles só voltavam a se encontrar à porta do castelo, quando despontavam as primeiras estrelas.

Tais passeios, que diariamente se renovavam, explicavam a dupla ausência dos companheiros.

Num fim de tarde de um dia particularmente quente, quando um ventinho agradável começou a refrescar os ares, Marian e Maude, de braços dados a Robin e William, saíram do castelo para um longo passeio pelas clareiras perfumadas do bosque. Winifred e Bárbara caminhavam atrás dos jovens casais e João Pequeno com seu inseparável Much seguiam à cola das duas irmãs.

— Agora já posso respirar — disse Marian expondo à brisa o rosto pálido. — Faltava ar no meu quarto e não vejo a hora de voltar à floresta.

— Acha mesmo agradável viver na floresta? — perguntou miss Bárbara.

— Muito — respondeu Marian. — É formidável ter tanto sol, claridade, sombra, flores e árvores!

— Much me disse ontem — continuou Bárbara — que a floresta de Sherwood é ainda mais bonita que a de Barnsdale. Deve reunir todas as maravilhas da criação, pois já temos lugares tão bonitos aqui.

— Acha mesmo o bosque de Barnsdale tão bonito assim, Bárbara? — perguntou Robin disfarçando o riso.

— É lindo — respondeu a jovem com entusiasmo. — Tem paisagens sublimes.

— Qual parte do bosque mais lhe chamou a atenção, prima?

— Nem teria como responder claramente, Robin, mas acho que dou certa preferência a um vale do qual duvido que haja igual na velha floresta de Sherwood.

— E esse vale fica…?

— Longe daqui. Mas não pode haver outro com tanto frescor nem mais silencioso e perfumado do que esse cantinho da terra. Imagine, primo, um vasto gramado, rodeado por um terreno em aclive em cujo topo crescem árvores de todo tipo. O tom da folhagem varia com a luz do sol e ganha aspectos maravilhosos. Às vezes vislumbramos uma cortina de esmeraldas, outras um véu multicolorido. O gramado ao longo do vale é como um grande tapete verde, sem uma ruga sequer. Acrescente flores púrpuras, douradas e lírios silvestres ao pé das árvores e nas inclinações vertentes dessas falsas colinas, faça correr sob as vertentes sombreadas um tênue filete de água que flui murmurante entre suas margens e terá uma ideia desse oásis da floresta de Barnsdale. Além disso — continuou a moça —, a calma que reina nesse delicioso retiro é tão grande, o ar tão puro, que o coração transborda de alegria. Resumindo, nunca vi lugar tão lindo em toda a minha vida.

— Não me lembro desse vale encantado, Bárbara — disse ingenuamente Winifred.

— Então não passeiam sempre juntos? — aproveitou-se Robin com um sorriso.

— Claro que sim — apressou-se Winifred. — Só que sempre nos perdemos… quer dizer, não sempre, algumas vezes… poucas, na verdade. Acontece de João Pequeno se enganar de caminho e nos separarmos. Não sei como, nunca conseguimos nos encontrar até já estarmos às portas do castelo. Posso jurar que não é de propósito.

— É claro que não — concordou Robin zombando. — Ninguém diz o contrário. Aliás, por que ficou tão vermelha, Bárbara? Por que baixou os olhos, Winifred? João e Much não parecem estar sem graça, pois sabem que é normal se perder no bosque.

— Com certeza! — respondeu Much. — E foi por saber do quanto miss Bárbara gosta de lugares retirados e tranquilos que quis mostrar esse pequeno vale a que ela se referiu.

— Tudo leva a crer que Bárbara tem muita facilidade para registrar, com uma só olhada, tantos detalhes encantadores como os que descreveu — continuou Robin. — Mas diga uma coisa, Bárbara, não houve naquele oásis de Barnsdale, como você chamou o vale descoberto por Much, algo ainda mais encantador do que as árvores de matizada folhagem, gramado verde, riozinho murmurante e flores multicoloridas?

Bárbara ficou ainda mais ruborizada.

— Não sei o que está querendo dizer, primo.

— Ora! Talvez Much entenda melhor, espero. Diga francamente, Much, Bárbara não está esquecendo de contar um episódio da visita a esse paraíso terrestre?

— Qual episódio, Robin? — perguntou o rapaz esboçando um sorriso.

— Meu discreto amigo — retomou Robin —, nunca ouviu falar de dois jovens enamorados que foram sozinhos a esse delicioso retiro de que Bárbara guardou tão bem a lembrança no fundo do coração?

Much ficou extremamente vermelho.

— Pois saiba — continuou Robin — que dois jovens que conheço pessoalmente visitaram há alguns dias o seu verdejante paraíso. Chegando às margens floridas do bonito riozinho, sentaram-se um ao lado do outro. Primeiro admiraram a paisagem, prestaram atenção ao canto dos passarinhos, mas depois ficaram alguns minutos sem nada ver nem dizer. Em seguida o rapaz, animado pela solidão do lugar, pelo silêncio nervoso da acanhada acompanhante, tomou nas suas as duas hesitantes mãozinhas brancas. A moça não ergueu os olhos, mas corou e isso falou por ela. Com uma voz que pareceu mais suave do que o chilreio dos pássaros, mais harmoniosa do que o sussurro da brisa, o rapaz disse: “Não há no mundo ninguém a quem eu ame mais, prefiro morrer a perder o seu amor e se quiser ser minha mulher, vou me sentir o mais feliz dos homens.” Diga, Bárbara — acrescentou Robin sorrindo —, poderia me contar se a mocinha em questão aceitou o ardente pedido do galante companheiro?

— Não responda a essa pergunta indiscreta, Barby! — interrompeu Marian.

— Fale então em nome de Bárbara, Much — sugeriu Robin.

— Está fazendo perguntas estranhas — respondeu o rapaz, já achando que Robin havia assistido a seu encontro com Bárbara — e não consigo ver aonde quer chegar.

— Não mesmo, Much? — espantou-se William. — Tenho a impressão de que Robin está certo, pois vendo a sua confusão e o brilho no rosto da minha irmã, começo a achar que são os namorados do vale! Santo Deus, Bárbara! Chamam-me Will Escarlate por causa dos cabelos e vão poder chamá-la Barby Escarlate, já que está literalmente púrpura. Não acha, Maude?

— Sr. William — disse Bárbara ameaçadora —, estivesse a meu alcance, eu bem que arrancaria um tufo dessa sua horrível cabeleira.

— Acredito, mas se esses cabelos se encontrassem em cabeça mais próxima — ele respondeu, lançando um olhar a Much. — A minha, em todo caso, está fora do seu alcance e, aliás, tem seu próprio tirano particular, não é, Maude?

— É verdade, Will, mas nunca puxei seus cabelos.

— Ainda virá esse dia, minha querida.

— Nunca — prometeu rindo a jovem esposa.

— E então, Much, não quer me contar o que respondeu a moça?

— Se por acaso a encontrar um dia, Robin, pergunte a ela.

— Não deixarei de fazer isso. E você, João Pequeno, conhece algum simpático rapaz que adora a solidão na companhia de uma bonita moça?

— Não, Robin. Mas se quer saber quem são os namorados, tentarei descobrir — respondeu ingenuamente João Pequeno.

— Acabo de ter uma ideia, João — exclamou Will sem controlar o riso. — Você os conhece. E aposto o que quiser que o rapaz pode ser chamado meu primo e a namorada é uma bonita mocinha das redondezas.

— Perderia a aposta, Will — respondeu João. — Não sou eu.

— Tem razão, estou no caminho errado — continuou Will sorrindo. — Não pode ser você, primo, já que nunca esteve apaixonado.

— Continua equivocado, Will — respondeu o gigante com tranquilidade. — Amo há muito tempo e de todo coração uma bela e encantadora moça.

— Ai, ai, ai! — brincou Will. — João Pequeno apaixonado; é uma novidade e tanto!

— E por que João Pequeno não poderia estar apaixonado? — perguntou o próprio com candura. — Nada vejo de extraordinário nisso.

— Nada mesmo, amigo. É bom que estejamos todos felizes; o amor é felicidade! Mas, por são Paulo! Ficaria bem contente de conhecer a dama dos seus pensamentos.

— A dama dos meus pensamentos! Quem vai querer que seja senão a sua irmã Winifred, a quem amo desde criança. Tanto quanto você ama Maude e tanto quanto Much ama Bárbara.

A resposta à franqueza de João foi uma gargalhada geral e Winifred, cercada de felicitações, lançou ao namorado um olhar carregado de doces censuras.

— Está vendo, Much — retomou Robin. — Mais cedo ou mais tarde a verdade vem à tona. Acertei ou não acertei quando os coloquei na cena do bosque de Barnsdale?

— Estava lá? — perguntou Much.

— Não, apenas adivinhei. Ou, melhor dizendo, lembrei-me de mim mesmo, pois comigo aconteceu a mesma coisa, há um ano: Marian me atraiu…

— Como, eu o atraí? Foi você, Robin, é bom que se lembre. E se eu pudesse prever a maneira como me trataria depois do nosso casamento…

— Teria feito o quê? — interrompeu Bárbara.

— Teria me casado antes, Bárbara querida — completou a jovem, sorrindo para Robin.

— Acho que isso só confirma o tipo de confiança que devemos ter e da qual você, Barby, com seu jeito afoito, de certa maneira já nos deu muitas provas. Vamos falar abertamente, já que estamos em família. Diga que ama Much e ele fará a mesma confissão.

— Sim, faço essa confissão! — exclamou ele emocionado. — E digo bem alto: amo com todas as forças de minha alma Bárbara de Gamwell. Repito para quem quiser ouvir: os olhos de Bárbara são a luz do dia para mim. Sua voz meiga e vibrante soa em meus ouvidos como o canto harmonioso dos passarinhos. Prefiro a doce companhia de minha querida Bárbara aos prazeres das festas e à embriaguez dos bailes sob a verde folhagem do mês de maio. Prefiro seu terno olhar, um sorriso seu ou um afago de sua mãozinha a todas as riquezas do mundo. Sou-lhe inteiramente devotado e, a fazer algo que lhe desagrade, pediria ao xerife de Nottingham que me enforcasse. Vocês ouviram, meus bons amigos, amo essa pessoa querida e peço que o céu prodigue sobre a sua loura cabeça todas as santas bênçãos. Caso aceite me conceder a felicidade de protegê-la com meu nome e meu amor, farei dela uma mulher feliz e muito ternamente amada.

— Viva! — gritou Will jogando o gorro para o alto. — Falou muito bem! Irmãzinha, enxugue esses bonitos olhos e apresente, tem minha permissão, suas faces rosadas, agora escarlate, a esse bravo apaixonado. Se em vez de corajoso rapaz eu fosse uma delicada mocinha, ouvindo palavras tão bonitas, já estaria de mãos estendidas e coração aberto nos braços do meu noivo. Não é o que também faria, Maude? Tenho certeza que sim, não é?

— Não é bem assim, Will, deve-se manter certa compostura…

— Estamos em família, não há por que se envergonhar de ação tão natural. Tenho certeza de que concorda comigo, Maude. Se eu fosse Much e você Barby, já estaria nos meus braços, também me beijando com toda sinceridade.

— Concordo com William — disse Robin sorrindo maliciosamente. — Bárbara precisa demonstrar o carinho que tem por Much.

Com a situação assim colocada, a jovem se adiantou até o centro do alegre grupo e disse timidamente:

— Do fundo da alma, acredito no carinho de Much por mim. Fico muito grata e por minha vez confesso que… que…

— Que o ama tanto quanto ele a ama — acrescentou Will com vivacidade. — Parece ter certa dificuldade hoje para se exprimir, irmãzinha. Posso garantir que precisei de muito menos tempo para que Maude compreendesse que a amava com toda força, não foi assim, Maude?

— Foi sim, Will.

— Much — continuou William assumindo ares mais sérios —, dou-lhe como noiva a gentil Bárbara, que reúne todas as qualidades do coração, e você será um marido muito feliz. Barby, meu amor, Much é honesto, um bravo saxão, fiel como o aço. Não desiludirá suas mais ternas esperanças e sempre a amará.

— Sempre, sempre! — gritou Much, tomando as duas mãos da noiva.

— Beije sua futura esposa, amigo Much — disse Will.

O rapaz obedeceu e, apesar de certa resistência de miss Gamwell, beijou suas faces ruborizadas.

O baronete aprovou o casamento das filhas e a data de celebração dos duplos festejos foi imediatamente marcada.

NA MANHÃ SEGUINTE, Robin Hood, João Pequeno e Will Escarlate, junto com uma centena de alegres homens da floresta, se encontravam sob as grandes árvores da floresta de Barnsdale, quando um rapazote que parecia ter feito uma longa caminhada se apresentou.

— Nobre chefe — disse ele —, trago uma boa notícia.

— Que ótimo, George — respondeu Robin. — Diga então do que se trata.

— De uma visita do bispo de Hereford. Sua Senhoria, com cerca de vinte servidores, deve atravessar ainda hoje a floresta de Barnsdale.

— Muito bom! É realmente uma boa notícia. Sabe a que horas monsenhor deve nos dar a honra da sua presença?

— Por volta das duas, capitão.

— É perfeito. E como soube da viagem de Sua Senhoria?

— Por um dos nossos homens que, passando por Sheffield,64 soube que o bispo de Hereford visitará a abadia de Santa Maria.

— É um bom garoto, George, e agradeço muito que tenha tido a ideia de nos avisar. Rapazes — acrescentou Robin —, preparem-se, vamos nos divertir. Will Escarlate, leve com você uns vinte homens e vigie o caminho nas redondezas do castelo do seu pai. Você, João Pequeno, cuide, com o mesmo número de companheiros, da trilha que desce para o norte da floresta. Much fica de olho no lado leste do bosque com o restante do bando. Ficarei na estrada principal. Não podemos deixar que monsenhor escape, quero convidá-lo a participar de um festim digno de reis. Será tratado à altura, mas deverá pagar com igual magnitude. Já você, George, escolha um gamo graúdo, um cabrito bem gordo e prepare tudo para honrar minha mesa.

Os três oficiais partiram com suas pequenas tropas e Robin disse aos que ficaram sob seu comando direto que se vestissem com trajes de pastores de carneiros (os mateiros tinham em estoque todo tipo de disfarces), e ele mesmo envergou uma modesta blusa. Depois disso, cravaram estacas no chão para assar o gamo e o cabrito. Um bom fogo de galhos bem secos logo começou a tostar com ardente calor as saborosas carnes.

Por volta das duas horas, como George havia dito, o bispo de Hereford e seu séquito surgiram na parte inferior da estrada, no meio da qual estavam Robin e os companheiros disfarçados de pastores.

— A presa se aproxima — avisou Robin bem-humorado. — Vamos lá, alegres companheiros, caprichem no assado, pois temos convidados.

Com seus seguidores, o bispo, que se deslocava rapidamente, logo chegou onde estavam os pastores.

Vendo o enorme espeto que lentamente girava sobre as brasas, o prelado deixou escapar uma violenta exclamação de raiva.

— Mas o que é isso? Patifes, o que significa…

Robin Hood apenas ergueu com ar estúpido os olhos até o bispo e não respondeu.

— Não estão ouvindo, seus velhacos? — repetiu o bispo. — Estou perguntando a quem se destina esse verdadeiro banquete.

— A quem? — repetiu Robin com expressão admiravelmente idiota.

— Isso mesmo, a quem? Toda a caça dessa floresta pertence ao rei e considero uma afronta o atrevimento. Responda a minha pergunta: para quem se prepara esse festim?

— Para nós, monsenhor — respondeu Robin com um sorriso.

— Para vocês, imbecil? Para vocês? Que brincadeira de mau gosto! Não vai querer que eu acredite que tanta carne se destina apenas à refeição de vocês.

— É verdade o que digo, monsenhor. Estamos com fome e assim que o assado estiver no ponto, passamos à mesa.

— A qual propriedade pertencem? Quem são vocês?

— Somos simples pastores, guardamos rebanhos. Tivemos vontade, hoje, de descansar da rotina e nos divertir um pouco. Por isso matamos esses dois belos animais.

— Então quiseram se divertir? Mas que resposta! E quem lhes deu permissão para abater animais do rei?

— Ninguém.

— Ninguém, miserável? E acha que podem tranquilamente comer o que roubam tão acintosamente?

— Acho sim, monsenhor. Mas se quiser tomar parte no almoço, ficaremos honrados.

— O convite é um insulto, pastor impertinente. Recuso com indignação. Ignora que a caça ilegal é punida com pena de morte? Chega de falatório inútil! Preparem-se para me seguir até a prisão, e de lá irão para o patíbulo.

— Patíbulo? — exclamou Robin parecendo se apavorar.

— Isso mesmo, meu jovem, para o patíbulo!

— Não quero ser enforcado — ele choramingou.

— Tenho certeza disso. Mas pouco importa, seus companheiros e você merecem a corda. Vamos, imbecis; preparem-se para me seguir. Não tenho tempo a perder.

— Desculpe, monsenhor, mil desculpas. Foi por ignorância que cometemos o erro, seja indulgente com pobres miseráveis que mais merecem piedade do que repreensão.

— Pobres miseráveis que se fartam dessa maneira não são tão infelizes assim. Seus bandidos, banqueteiam-se com a caça do rei! Ótimo, muito bom! Vamos até Sua Majestade e peçam o perdão que recuso.

— Seja clemente, monsenhor — suplicou Robin. — Temos mulheres e filhos. Imploro em nome da fraqueza delas e da inocência deles. O que será dessas pobres criaturas sem nós?

— Suas mulheres e filhos não me interessam — disse duramente o bispo. E acrescentou, voltando-se para os homens da escolta. — Prendam esses miseráveis. Se tentarem fugir, matem-nos sem misericórdia.

— Monsenhor — chamou Robin —, permita-me dar-lhe um bom conselho: retire essas palavras injustas que só revelam violência e falta de caridade cristã. Acredite, seria melhor que aceitasse o convite, participando da refeição.

— Está proibido de me dirigir a palavra! — gritou furioso o prelado. — Soldados, prendam esses bandidos!

— Não se aproximem! — gritou Robin já com voz impositiva. — Ou, por Nossa Senhora, se arrependerão!

— Ataquem esses vis escravos — repetiu o bispo. — Não poupem nenhum deles.

Os soldados se lançaram contra o grupo dos alegres homens da floresta e o choque seria sangrento se Robin Hood não tocasse a trompa, fazendo aparecer imediatamente, em diferentes pontos do bosque, suas tropas, que, informadas da presença do bispo, tinham se aproximado na surdina.

A primeira ação dos recém-chegados foi a de desarmar o séquito do bispo.

— Monsenhor — voltou Robin ao prelado, que estava mudo de medo, descobrindo a armadilha em que havia caído —, Sua Senhoria mostrou-se impiedosa e nos comportaremos então à altura. O que devemos fazer com quem queria nos levar à forca? — perguntou o jovem chefe a seus comandados.

— O hábito religioso atenua a dureza do julgamento — opinou João Pequeno, tranquilo. — Não devemos fazê-lo sofrer.

— Tem bons sentimentos, bravo homem da floresta.

— Obrigado, monsenhor! — agradeceu João Pequeno, sempre impassível. — Deixe-me então terminar o que dizia: em vez de torturar corpo e alma, fazendo-o morrer aos poucos, acho que devemos simplesmente cortar-lhe fora a cabeça.

— Cortar minha cabeça? Simplesmente! — murmurou o bispo com um fiapo de voz.

— Ótimo — concordou Robin. — Prepare-se então, monsenhor.

— Robin Hood, tenha piedade, imploro! — suplicou o bispo juntando as mãos. — Dê-me algumas horas, não quero morrer sem me confessar.

— A arrogância inicial cedeu lugar a uma grande humildade, monsenhor — respondeu friamente Robin. — Mas tanta humildade não chega a me impressionar, o senhor pediu a própria condenação. Prepare então a alma para comparecer perante Deus. João Pequeno — acrescentou, fazendo ao amigo um sinal —, cuide para que nada falte ao cerimonial. Monsenhor, venha comigo, vou levá-lo ao tribunal de justiça.

Quase sem conseguir andar de tanto pavor, o bispo seguiu aos tropeções.

Ao chegarem à árvore do Ponto de Encontro, Robin mandou que o prisioneiro se sentasse num montinho gramado e disse a um dos homens que lhe trouxesse água.

— Gostaria, monsenhor — perguntou educadamente —, de refrescar um pouco as mãos e o rosto?

Apesar de surpreso com a proposta, o bispo aceitou de bom grado. Lavou as mãos e o rosto e, em seguida, Robin perguntou:

— Daria o prazer da sua companhia no almoço? Preciso me alimentar, pois não conseguiria presidir em jejum ao julgamento.

— Almoçarei, se assim exigir — respondeu o bispo em tom resignado.

— Não estou exigindo, monsenhor; é um convite.

— Então aceito o convite, sir Robin.

— Perfeito! Nesse caso, passemos à mesa, monsenhor.

E Robin levou o convidado à sala de jantar, isto é, uma extensão de relva florida, onde tudo já se encontrava confortavelmente arranjado.

Carregada de pratos apetitosos, a mesa se apresentava como atraente espetáculo e seu aspecto visivelmente levou o prelado a ideias menos lúgubres. Em jejum desde a véspera, o apetite era grande e o tentador perfume das carnes subiu-lhe à cabeça.

— Estão admiravelmente bem preparadas — observou, tomando lugar à mesa.

— E de maravilhoso sabor — acrescentou Robin, servindo ao convidado um pedaço bem escolhido.

No decorrer da refeição, o bispo se esqueceu completamente dos temores e, à hora da sobremesa, via no anfitrião apenas um amável companheiro.

— Excelente amigo — disse ele —, é delicioso esse seu vinho. Aquece o coração: ainda há pouco sentia frio, estava adoentado, triste, preocupado e agora me vejo perfeitamente refeito.

— Fico feliz de ouvi-lo, monsenhor, pois elogia minha hospitalidade. Meus convivas em geral ficam satisfeitos com a acolhida que recebem. Mas vem sempre um momento menos agradável, que é o de pagar a conta. Gostam muito de receber, mas bem menos de dar.

— É a pura verdade — respondeu o prelado sem minimamente imaginar o que isso queria dizer. — De fato, é algo corrente. Um pouco mais de vinho, por favor. Minha impressão é de ter fogo nas veias. Ah, meu amigo! Sabe que realmente leva uma feliz existência aqui?

— Por isso somos chamados alegres homens da floresta.

— E têm razão, têm razão. Mas agora, sr… não sei o seu nome… permita-me que lhe diga adeus, preciso continuar meu caminho.

— Nada mais justo, monsenhor. Pague então a conta e fazemos um brinde final.

— Pagar a conta? — espantou-se o bispo. — Por acaso isso é uma estalagem? Achei que estava na floresta de Sherwood.

— Mas trata-se de uma estalagem e sou eu o dono, tendo os homens que vê ao redor como encarregados do serviço.

— É mesmo? Todos? São pelo menos cento e cinquenta ou duzentos.

— Exatamente, monsenhor, sem contar com os ausentes. Deve entender então que com tantos servidores eu tenha que exigir dos hóspedes o máximo possível.

O bispo deu um suspiro.

— Apresente-me então a conta e trate-me como amigo.

— Como grão-senhor, hóspede. Como grão-senhor — respondeu jovialmente Robin. — João Pequeno, feche a conta de monsenhor bispo de Hereford.

O prelado olhou para João e riu.

— Que engraçado! “Pequeno” e bem que poderia ser o filho de uma árvore. Tudo bem, amigo caixa, traga-me a conta.

— Não é preciso, monsenhor, basta que me diga onde guarda o dinheiro que eu faço o resto.

— Insolente! Está proibido de meter seus dedos compridos na minha bolsa.

— Quis poupar-lhe o trabalho, monsenhor.

— Poupar-me o trabalho! Acha que estou bêbado? Pegue minha sacola e traga-a para mim que lhe darei uma moeda de ouro.

João Pequeno deixou de cumprir apenas a segunda parte da ordem do prelado. Abriu a bolsa de viagem, achou um pequeno saco de couro e virou-o: continha trezentas moedas de ouro.

— Amigo Robin — exclamou João no sétimo céu —, o nobre bispo merece toda consideração, enriqueceu nosso tesouro com trezentas moedas de ouro.

O sr. de Hereford, de olhos semicerrados, ouvia sem compreender bem as triunfantes exclamações de João e quando Robin lhe disse: “Monsenhor, agradecemos a sua generosidade”, ele fechou os olhos e murmurou palavras confusas, entre as quais foi possível entender apenas:

— Para a abadia de Santa Maria, sem demora…

— Ele quer ir embora — disse João.

— Mande que tragam o seu cavalo — completou Robin.

João fez um sinal e um dos companheiros trouxe o animal com seus arreios e a cabeça enfeitada com flores.

O bispo foi colocado semiadormecido sobre a sela. Acharam melhor amarrá-lo para evitar uma queda que poderia ter consequências funestas e, seguido por sua escolta alegremente animada pelo vinho e pela boa refeição, o cortejo tomou o caminho de Santa Maria.

Uma parte dos alegres homens da floresta, fraternalmente misturada aos do prelado, levou toda a tropa até as portas da abadia.

Evidente que, depois de tocar o sino para que abrissem o portão, os mateiros se afastaram tão rapidamente quanto conseguiam seus cavalos.

Nem vamos tentar descrever o espanto dos santos frades ao se depararem com o bispo de Hereford, rosto afogueado, andar vacilante e vestes em desalinho.

Na manhã seguinte a esse funesto dia, o prelado por pouco não enlouqueceu de vergonha, raiva e humilhação. Passou longas horas em oração, pedindo a Deus que perdoasse seus erros e implorando proteção divina contra o miserável Robin Hood.

Por solicitação do prelado ultrajado, o prior de Santa Maria mandou que se armassem cinquenta homens, pondo-os à disposição do hóspede. Com o coração fervendo de ódio, o bispo encabeçou o pequeno exército em busca do célebre fora da lei.

Justamente naquele dia, Robin Hood, que resolvera ir ver como andavam as coisas para sir Richard dos Prados, seguia sozinho por uma trilha que ia dar na estrada principal. O tropel de uma numerosa cavalgada chamou sua atenção e ele apressou-se em averiguar de onde vinha, ficando frente a frente com o bispo de Hereford.

— Robin Hood! — exclamou o pontífice, reconhecendo nosso herói. — É Robin Hood! Traidor, renda-se!

Como é de se imaginar, o intimado não tinha qualquer intenção de obedecer. Cercado por todos os lados, sem ser possível se defender e nem chamar os alegres homens da floresta, ele audaciosamente se meteu entre dois cavaleiros que pareciam querer lhe barrar o caminho e seguiu com a velocidade de um gamo na direção de uma casinha situada a um quarto de milha dali.

Os soldados partiram em perseguição, mas, a cavalo, foram obrigados a fazer um desvio e não chegaram tão rapidamente à casa em que ele certamente fora se abrigar.

A porta não estava trancada. O fugitivo entrou e reforçou as janelas, sem levar em consideração as reclamações de uma velha, sentada a uma roda de fiar.

— Não tenha medo, minha senhora — disse Robin, depois de fortificar as portas e janelas. — Não sou um ladrão, apenas um pobre infeliz a quem a senhora pode ajudar.

— Ajudar como? E quem é você? — perguntou a velha bem assustada.

— Um proscrito, senhora, sou Robin Hood. O bispo de Hereford está atrás de mim e quer me matar.

— Por Deus! Você é Robin Hood? — disse a camponesa juntando as mãos. — O nobre e generoso Robin Hood! Louvado seja Deus por permitir que uma pobre criatura como eu pague a dívida que tem com o generoso fora da lei. Procure se lembrar, meu filho, entre todas as coisas boas que fez, desta velha à sua frente. Há dois anos você entrou nessa mesma casa por acaso, como diria uma ingrata, mas eu digo que enviado pela divina Providência. Encontrou-me só, na miséria e doente. Acabava de perder meu marido e tudo que eu queria era morrer. Suas boas e consoladoras palavras me devolveram coragem, forças e saúde. No dia seguinte, um enviado seu trouxe-me víveres, roupas e dinheiro. Perguntei o nome do generoso benfeitor e ele respondeu: “Chama-se Robin Hood.” Desde então, meu filho, seu nome está em todas as minhas preces. Minha casa é sua e também minha vida; disponha desta sua criada.

— Obrigado, minha boa senhora — respondeu o rapaz, apertando com carinho as trêmulas mãos da camponesa. — Peço sua assistência não por temer o perigo, mas para evitar inútil derramamento de sangue. O bispo está acompanhado por cerca de cinquenta homens e, como vê, não tenho como fazer-lhe frente, pois estou sozinho.

— Se os inimigos descobrirem o esconderijo, vão matá-lo — preocupou-se a velha.

— Fique tranquila, não conseguirão. Vamos inventar algum meio de escapar de tal violência.

— Qual meio, meu filho? Diga que obedeço.

— Aceita trocar suas roupas comigo?

— Trocar nossas roupas? — espantou-se a camponesa. — Receio que não dê muito certo, como vai querer transformar alguém da minha idade num esbelto rapaz?

— Vou disfarçá-la tão bem, mãezinha, que vai conseguir enganar os soldados que, na verdade, provavelmente nem me conhecem. Finja estar meio embriagada e monsenhor de Hereford vai, de qualquer forma, ficar tão contente com a captura que enxergará apenas as roupas.

A transformação se fez com rapidez. Robin vestiu a saia cinzenta e a touca da velha senhora, ajudando-a a pôr os calções, a túnica e as botinas. Escondeu em seguida os cabelos grisalhos da camponesa sob seu elegante gorro e amarrou-lhe na cintura as suas armas.

Tinham terminado o duplo disfarce quando os soldados chegaram.

Primeiro deram fortes pancadas na porta e depois um deles se ofereceu para derrubar a porta a coices de cavalo.

O bispo concordou, o cavaleiro virou a traseira do animal para a porta a ser derrubada e o espetou com a ponta da lança. O efeito produzido foi o contrário do esperado, pois em vez de escoicear o cavalo empinou, derrubando-o no chão.

Tudo isso teve um resultado desastroso: o soldado foi lançado longe com a velocidade de uma flecha e o bispo, que se aproximara na expectativa de ver a porta ser tombada e de impedir qualquer tentativa de fuga de Robin Hood, foi violentamente atingido no rosto por uma das esporas do cavaleiro.

A dor causada pelo golpe irritou de tal maneira o velho religioso que, sem medir a injustiça dessa reação furiosa, ergueu a espécie de clava que tinha à mão como símbolo da sua posição e acabou de liquidar o infeliz, estendido semimorto aos pés do cavalo alvoroçado.

Durante essa cena de bravura do monsenhor de Hereford, a porta da casa se abriu.

— Fechem o cerco! — gritou o religioso com voz de comando. — Fechem o cerco!

Os soldados em tumulto rodearam a casa. O bispo desceu do cavalo, mas ao pôr o pé no chão tropeçou no corpo ensanguentado do soldado e caiu de cabeça na porta escancarada.

A confusão que esse grotesco acontecimento provocou serviu maravilhosamente bem aos planos de Robin Hood. Zonzo e ofegante, o bispo, sem examinar muito, olhou para a pessoa parada no canto mais obscuro do cômodo.

— Prendam-no! — gritou, apontando para a velha senhora. — Amordacem e amarrem num cavalo esse bandido. A vida de vocês depende dessa captura, pois se o deixarem escapar, serão todos enforcados sem misericórdia.

Os soldados se apressaram a obedecer ao furioso comandante e, à falta de mordaça, enrolaram o rosto da camponesa com um grande lenço que viram por perto.

A audácia de Robin Hood chegava às raias da imprudência e, com voz chorosa, ele implorou o perdão do prisioneiro. O bispo o afastou e saiu do casebre tendo a extrema satisfação de ver o inimigo de pés e mãos amarrados em cima de um cavalo.

Passando mal e tendo quase perdido um olho com o ferimento que lhe cortara o rosto, monsenhor voltou a se pôr em sela e ordenou aos soldados que o seguissem até a árvore do Ponto de Encontro. No seu mais alto galho é que ele pretendia enforcar o fora da lei, dando aos proscritos um terrível aviso do que os esperava, caso continuassem a seguir o modo de existência do infeliz chefe.

Assim que os cavalos ganharam as profundezas do bosque, Robin Hood deixou a casinha e se dirigiu correndo à árvore do Ponto de Encontro.

Acabava de chegar a uma clareira quando percebeu, mas ainda a considerável distância, João Pequeno, Will Escarlate e Much.

— Vejam ali adiante, no meio da clareira — disse João aos dois companheiros —, alguém bem estranho chegando por lá. Parece uma velha feiticeira. Por Nossa Senhora, se tivesse certeza das más intenções dessa megera, bem que lhe enviaria uma boa flechada!

— Não conseguiria atingi-la — desafiou Will com uma risada.

— E posso saber por quê? Está duvidando de mim?

— Quem sou eu!? Mas se for mesmo uma bruxa, ela vai paralisar suas flechas no ar.

— Veja só! — disse Much, que não havia tirado os olhos da estranha personagem. — Concordo com João: essa senhora parece bem fora do comum, é gigantesca e não anda como as pessoas do seu sexo, avança com passadas imensas. É assustador! Se me permite, Will, vamos testar a força da feitiçaria em que ela parece ser tão boa.

— Não seja precipitado, Much — respondeu Will. — A pobre criatura usa roupas dignas de respeito e, além disso, no que me concerne, sou incapaz de fazer mal a uma mulher. Nada prova que esse monstro feminino seja de fato uma feiticeira. Não devemos nos fiar tanto nas aparências; muitas vezes uma casca feia protege uma excelente fruta. Apesar do aspecto ridículo, a pobre velha pode ser boa pessoa e honesta cristã. Vamos esperar e, para ajudar, lembre-se das ordens de Robin, proibindo qualquer demonstração hostil ou até simplesmente desrespeitosa contra as mulheres.

João Pequeno fez menção de armar o arco e apontá-lo na direção da tal feiticeira.

— Parem! — gritou uma voz forte e vibrante.

Os três rapazes deram um grito de espanto.

— Sou eu, Robin Hood — insistiu a pessoa que tanto ocupava a atenção dos três amigos.

Ao se identificar, Robin tirou a touca da cabeça, que escondia boa parte do rosto.

— Estava assim tão irreconhecível? — perguntou nosso herói, ao chegar perto dos companheiros.

— Realmente horrível de se ver, meu amigo — respondeu Will.

— E por que se disfarçou assim? — perguntou Much.

Robin resumiu em poucas palavras o que acabava de acontecer e depois de terminar acrescentou.

— Agora, tratemos de nos defender. Preciso, antes de tudo, de roupas. Por favor, Much, corra ao depósito e traga algo mais condizente. Enquanto isso Will e João podem reunir em volta do Ponto de Encontro todos os homens que estiverem na floresta. Vamos lá, amigos, prometo que seremos bem pagos por todos esses aborrecimentos que o monsenhor de Hereford nos causa.

João Pequeno e Will se lançaram em duas diferentes direções da floresta e Much foi buscar roupas para Robin.

Uma hora depois, já vestindo um elegante traje de arqueiro, o chefe estava junto à árvore do Ponto de Encontro.

João chegou com sessenta homens e Will havia reunido cerca de quarenta.

O bando foi espalhado pelo mato que densamente cercava a clareira e Robin foi se sentar ao pé da árvore escolhida por monsenhor para lhe servir de forca.

Mal tudo isso se organizou, ouviu-se o tropel dos cavalos ressoar no chão e o bispo surgiu, acompanhado por toda a sua escolta.

Com os soldados já no centro da clareira, o som de uma trompa de caça se espalhou pelo ar, a folhagem das árvores se agitou e de todos os lados apareceram homens armados até os dentes.

Vendo a formidável aparição dos homens da floresta, que ao sinal do chefe ainda invisível se puseram em posição de batalha, um calafrio percorreu dos pés à cabeça o prelado. Ele lançou ao redor um olhar apavorado e percebeu um jovem, vestido com uma túnica vermelha, que com voz de comando dirigia a tropa fora da lei.

— Quem é aquele homem? — perguntou ele a um soldado junto ao prisioneiro amarrado no cavalo.

— É Robin Hood — adiantou-se o prisioneiro com voz hesitante.

— Robin Hood! — exclamou o bispo. — E quem então é você, miserável?

— Sou uma pobre velha, monsenhor, uma pobre mulher velha.

— Maldita seja, bruxa infame! — gritou o bispo furioso. — Desgraçada feiticeira! Vamos, rapazes — acrescentou o bispo, com um gesto de incentivo à tropa —, lancem-se contra a clareira! Nada temam, abram caminho à ponta de espada nessa horda de miseráveis! À frente, indômitos corações, ao ataque!

Os indômitos corações sem dúvida acharam a ordem de atacar mais fácil de ser comandada do que executada, pois permaneceram parados.

A um sinal de Robin, os homens da floresta ajustaram suas flechas e ergueram os arcos em admirável sincronia, e a reputação que tinham como arqueiros era tão conhecida e temida que os soldados do bispo, não satisfeitos em nada fazer, se curvaram completamente nas suas selas.

— Baixar armas! — gritou Robin. — Desamarrem o prisioneiro.

Os próprios soldados obedeceram ao comando do rapaz.

Robin levou a velha camponesa para fora da clareira:

— Boa senhora, volte para casa. Amanhã receberá a recompensa por sua boa ação. Vá rápido, não tenho muito tempo agora, mas saiba que minha gratidão é grande.

A velha camponesa beijou as mãos de Robin Hood e se afastou, acompanhada por um guia.

— Tende piedade de mim, Senhor! Tende piedade de mim! — rezava o bispo em voz alta e torcendo as mãos.

Robin Hood se aproximou.

— Bem-vindo seja, monsenhor — disse com voz macia. — Permita-me agradecer a visita. Pelo que vejo apreciou tanto minha hospitalidade que não conseguiu resistir ao desejo de vir novamente participar das nossas alegrias.

O bispo lançou um olhar desesperado e deixou escapar dos lábios um profundo suspiro.

— Parece meio triste, monsenhor? — continuou Robin. — O que o preocupa? Não está feliz de me rever?

— Contente, contente não posso dizer que esteja — respondeu o prelado. — A situação em que me encontro torna isso impossível. Sabe perfeitamente com qual intenção vim e é claro que se acha no direito de tranquilamente se vingar, pois somos inimigos. Quero, no entanto, dizer o seguinte: deixe-me ir embora e nunca mais, em circunstância alguma, procurarei prejudicá-lo. Deixe-me ir embora com meus homens e a sua alma não terá que responder, diante de Deus, por um pecado mortal. Pois será pecado mortal atentar contra a existência de um grande clérigo da santa Igreja.

— Odeio a morte e a violência, monsenhor — respondeu Robin Hood. — Minhas ações diariamente comprovam o que digo. Nunca ataco, limito-me a defender minha vida e a das bravas pessoas que confiam em mim. Se tivesse no coração o menor sentimento de rancor ou raiva contra o senhor, eu o submeteria à mesma morte com que pretendia me castigar. Não é o caso, nada tenho contra o senhor e não me vingarei de um mal que, afinal, não conseguiu me infligir. Vou então deixá-lo livre, mas sob uma condição.

— Diga, senhor — pediu polidamente o bispo.

— Deve prometer que respeitará minha independência e a liberdade dos meus homens. Jure que em época nenhuma do futuro e em circunstância alguma colaborará em qualquer atentado contra a minha vida.

— Tomei eu mesmo a iniciativa de prometer que não lhe faria mal algum — respondeu solicitamente o bispo.

— Uma promessa pouco significa para consciências inescrupulosas, monsenhor. Quero uma jura solene.

— Juro por são Paulo que o deixarei viver como bem entender.

— Muito bem, monsenhor. Então está livre.

— Sou mil vezes grato, Robin Hood. Queira ordenar que meus homens se reúnam. Eles se dispersaram e alguns até confraternizam com os seus companheiros.

— Assim farei, monsenhor. Em poucos minutos os soldados estarão em sela. Aceita, enquanto não chega a hora de ir embora, algo com que se refrescar?

— Nada, muito obrigado — apressou-se o bispo a responder, apavorado só de ouvir essa perigosa amabilidade.

— Está há muito tempo em jejum, monsenhor, uma fatia de carne curada…

— Nada mesmo, caro anfitrião, nem provar.

— Então uma boa taça de vinho?

— Não, cem vezes não!

— Não aceita então beber nem comer comigo, hóspede?

— Não estou com fome nem sede, quero somente sair daqui, só isso. Não tente me prender por mais tempo, peço encarecidamente.

— Que seja feita a sua vontade, monsenhor. João Pequeno — disse então Robin —, Sua Senhoria quer nos deixar.

— Sua Senhoria é quem manda — respondeu João ironicamente. — Vou preparar a conta.

— A conta! — repetiu o bispo surpreso. — O que está dizendo? Não bebi nem comi.

— Ah! Não faz diferença — respondeu João com tranquilidade. — A partir do momento em que entra nessa estalagem, participa das despesas. Seus homens estão com fome, os cavalos foram alimentados. E não seria justo que, vítimas da sobriedade de monsenhor, sejamos condenados a nada receber, por esse capricho seu de nada aceitar. Esperamos que seja generoso com seus servidores que trabalham duro, cuidando dos animais e dos soldados.

— Pegue o que quiser — respondeu com impaciência o bispo — e deixe-me ir.

—A bolsa continua no mesmo lugar? — perguntou João Pequeno.

— Está aqui — respondeu monsenhor, apontando para um pequeno saco de couro preso no arção da sela de seu cavalo.

— Parece mais pesado do que na sua última visita.

— Tenho certeza — respondeu o pobre-diabo, fazendo um esforço imenso para manter uma aparência calma. — Contém uma soma bem maior.

— Fico muito feliz. E podemos saber quanto tem nessa bonita sacola?

— Quinhentas moedas de ouro…

— Formidável! Foi muita generosidade sua vir até aqui com semelhante tesouro!

— Esse tesouro… — balbuciou o bispo. — Podemos dividi-lo, não? Não se atreveria a ficar com tudo, roubar-me uma soma tão considerável.

— Roubar? — repetiu João Pequeno ofendido. — É o que acaba de dizer? Não vê a diferença entre roubar e tirar de alguém algo que não lhe pertence? Conseguiu esse dinheiro através de subterfúgios, tomou de pessoas necessitadas. Quero apenas devolvê-lo. Como vê, monsenhor, não está sendo roubado.

— Chamamos filosofia da floresta essa maneira de agir — riu Robin Hood.

— Tem legalidade bem duvidosa essa sua filosofia — devolveu o bispo. — Sem ter como me defender, sou obrigado a me curvar ao que exige. Fique com minha bolsa.

— Tenho ainda um pedido a fazer, monsenhor — completou João.

— Qual? — perguntou já ansioso o bispo.

— Nosso diretor espiritual não se encontra em Barnsdale nesse momento e como há muito tempo não contamos com a sua plena assistência, rogaria, monsenhor, que nos rezasse uma missa.

— É um pedido dos mais profanos! — insurgiu-se o bispo. — Prefiro morrer a ter que cumprir semelhante ato irreligioso.

— Mas é o seu dever, monsenhor — disse Robin. — Ajudar-nos sempre a adorar Deus. João Pequeno está certo, há várias semanas não temos a felicidade de assistir ao santo sacrifício da missa e não podemos perder a boa oportunidade que hoje se apresenta. Queira então se preparar para satisfazer nossa justa solicitação.

— Seria um pecado mortal, um crime e posso ser fulminado pela mão de Deus se me sujeitar a esse indigno sacrilégio! — respondeu o bispo, vermelho de raiva.

— Monsenhor — disse Robin com gravidade —, reverenciamos da forma mais humildemente cristã os divinos símbolos da religião católica e, acredite, jamais encontrará, mesmo no recinto da sua imensa catedral, ouvintes mais atentos e respeitosos que os fora da lei da floresta de Sherwood.

— Posso levar a sério suas palavras? — perguntou o bispo com um tom já cheio de dúvida.

— Pode, monsenhor. E logo vai confirmar a exatidão do que digo.

— Está bem, aceito. Leve-me até a capela.

— Venha comigo, monsenhor.

Seguido pelo bispo, Robin se dirigiu a uma área cercada, a pouca distância da árvore do Ponto de Encontro. Ali, no centro de uma espécie de vale, erguia-se um altar de terra, coberto por espessa camada de musgo e flores. Todos os objetos necessários à celebração do santo sacrifício encontravam-se dispostos sobre o altar-mor com delicado bom gosto, e Sua Reverência pareceu maravilhar-se com o frescor daquele santuário natural.

Foi comovente espetáculo ver aquela multidão de cento e cinquenta ou duzentos homens respeitosamente ajoelhada, de cabeça descoberta, com o coração e o espírito em prece.

Depois da missa, os alegres homens da floresta mostraram toda a sua gratidão e o bispo estava tão surpreso com a atitude respeitosa que guardaram durante o santo ofício que não pôde deixar de fazer uma quantidade de perguntas a Robin sobre a maneira como viviam, sob as grandes árvores da antiga floresta.

Enquanto as perguntas eram respondidas com encantadora cortesia, os homens do bando serviram aos soldados uma copiosa refeição, organizada por Much, com todos comentando nunca ter havido festim mais delicado na verde floresta.

Conduzido por Robin até onde estavam os alegres convivas, o bispo os olhou com simpatia e, diante de tanta alegria, os últimos vestígios do mau humor acabaram se dissipando.

— Seus homens empregam proveitosamente o tempo que têm — disse Robin, indicando a Sua Reverência o grupo mais guloso de todo o banquete.

— É verdade, parecem ter bom apetite.

— Deviam estar com fome, monsenhor. São duas horas e eu próprio estou precisando comer alguma coisa. Aceitaria agora a sua parte nessa refeição sem cerimônia?

— Obrigado, meu anfitrião, obrigado — respondeu o bispo, tentando não ouvir os insistentes apelos do estômago. — Prefiro recusar, apesar de certa fome.

— Nunca se deve contrariar as necessidades da natureza, monsenhor — respondeu Robin com toda seriedade. — O espírito e o coração se prejudicam e perde-se a saúde. Vamos, aceite um lugar nesse tapete de relva e lhe servirão alguma coisa, nem que seja apenas um naco de pão, se não quiser atrasar muito sua viagem de volta.

— Será que preciso ainda obedecer? — suspirou o bispo com indisfarçável alegria.

— Não se sinta obrigado, monsenhor — respondeu Robin com uma ponta de malícia. — E se lhe desagradar dividir comigo a carne, que está deliciosa, e o ótimo vinho dessa garrafa, não tem problema, pois é ainda mais perigoso forçar o estômago a aceitar alimentos do que privá-lo por várias horas.

— Pode deixar que não estarei forçando meu estômago — garantiu o bispo rindo. — Gozo de excelente apetite e como estou em jejum há um bom tempo, acho que posso aceitar o amável convite.

— Nesse caso, à mesa, monsenhor. E bom proveito!

O bispo de Hereford comeu bem. Gostava também de beber e o vinho que Robin Hood serviu era tão capitoso que ao terminar a refeição Sua Senhoria estava completamente embriagada. No final da tarde, ele retornou à abadia de Santa Maria num tal estado de espírito e de corpo que novamente arrancou gritos de horror e indignação dos santos frades do monastério.


64. Cidade de South Yorkshire, famosa pela qualidade das facas que produzia (e curiosamente berço, em 1857, do primeiro clube de futebol da história).