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CULPABILIDADE

4.1 CONCEITO, TEORIA E ELEMENTOS

Culpabilidade é o juízo de censura que recai sobre a formação e a manifestação de vontade do autor de um fato típico e antijurídico e que tem como objetivo a imposição da pena.

Pare! Por favor, pare! Como é que é? Traduzindo: culpabilidade é o entendimento que será feito por quem julga, sobre a capacidade que tinha o sujeito ativo do delito de saber o que fazia no momento da conduta delituosa, de portar-se como a lei desejava ou ainda de entender e perceber as circunstâncias, motivações ou consequências desta conduta.

Para os que adotam a teoria bipartida, a culpabilidade não faz parte do conceito de crime (fato típico e antijurídico), sendo fundamento indeclinável da pena (é o elo entre o crime e a pena). Já para os seguidores da teoria tripartida, a culpabilidade é elemento característico e indissociável ao crime (fato típico, antijurídico e culpável).

Por meio desse juízo de censurabilidade verifica-se se o autor tinha a possibilidade de realizar a conduta na direção da ordem jurídica e de evitar o mal cometido.

Pelo fato de a responsabilidade penal objetiva ter sido superada pela subjetiva, a análise do dolo e da culpa passou a ser determinante para a tipificação das condutas. A responsabilidade objetiva baseava-se exclusivamente na relação natural de causa e efeito, punindo-se o agente pelo mero acaso, independentemente da sua conduta, comissiva ou omissiva, ter sido dolosa ou culposa. A responsabilidade penal subjetiva só foi adotada a partir da constatação de que somente podem ser aplicadas sanções ao homem causador do resultado lesivo que, por meio do seu comportamento, poderia tê-lo evitado.

Sobre a culpabilidade, surgiram as seguintes teorias a respeito dos requisitos para a responsabilização do agente:

–   teoria psicológica: segundo ela, a culpabilidade é apenas um vínculo psicológico que se estabelece entre a conduta e o resultado, por meio do dolo ou da culpa. Estes seriam as espécies de culpabilidade e não elementos subjetivos da conduta. Esse sistema é adotado pelos adeptos da teoria causal-naturalista da ação;

–   teoria normativa (ou psicológico-normativa): segundo essa teoria, a culpabilidade exige o dolo ou a culpa, que são os elementos psicológicos presentes na mente do autor, e a reprovabilidade, que é um juízo de valor sobre o fato, considerando-se que essa censurabilidade somente existe se há no agente a consciência da ilicitude de sua conduta ou, ao menos, que tenha ele a possibilidade desse conhecimento;

–   teoria normativa pura: para essa teoria, a culpabilidade baseia-se num juízo de reprovação social entre o fato e seu autor exigindo-se imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. O dolo e a culpa passaram a integrar a conduta. O dolo transferido para o fato típico deixou de ser o normativo para ser o natural, composto apenas de consciência e vontade. A consciência da ilicitude, consequentemente, passou a integrar a culpabilidade. A teoria normativa nasceu com a teoria finalista da ação sendo, por isso, também adotada pelo nosso Código Penal. Em matéria de descriminantes putativas, o Código Penal adotou, segundo a doutrina, a teoria limitada da culpabilidade, derivada da teoria pura.

De acordo com a sistemática adotada, a culpabilidade é composta pelos seguintes elementos:

–   imputabilidade;

–   potencial consciência da ilicitude;

–   exigibilidade de conduta diversa.

4.1.1 Imputabilidade penal

De acordo com o art. 26 do CP, “é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Imputabilidade é a capacidade psíquica do agente de entender o caráter criminoso de sua conduta e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Essa capacidade resulta do somatório da maturidade do agente, da sua sanidade mental e da possibilidade de dirigir sua conduta de acordo com o que determina a norma jurídica.

Portanto, imputável é o agente mentalmente desenvolvido e mentalmente são, que possui a inteira capacidade de entender o caráter criminoso do seu ato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Quando a capacidade de entendimento do caráter criminoso do ato for parcial o agente será semi-imputável (parágrafo único do art. 26 do CP).

Para se apurar a inimputabilidade, existem três critérios:

–   critério biológico: segundo esse critério, a verificação da inimputabilidade do agente depende exclusivamente da existência de doença mental ou de um desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que possuiriam a força de gerar a presunção absoluta de inimputabilidade;

–   critério psicológico: segundo esse critério, a inimputabilidade do agente depende da demonstração de que, no momento da prática do crime, não tinha a capacidade de entender o caráter criminoso e autodeterminação;

–   critério biopsicológico: segundo esse critério, a inimputabilidade do agente estará configurada se o agente, no momento do crime, não tinha capacidade de entender o caráter criminoso do fato, nem de determinar-se de acordo com esse entendimento, em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Esse critério possui três requisitos: a) causal: existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; b) consequencial: perda da capacidade de entender e querer; e c) cronológico: a inimputabilidade deve estar presente no momento do crime.

O Código Penal adotou como regra o critério biopsicológico e excepcionalmente, para os menores de 18 anos, o critério biológico.

São, portanto, causas que excluem a imputabilidade:

–   a doença mental: significa qualquer enfermidade física ou psíquica, permanente ou transitória, que seja capaz de eliminar totalmente a capacidade de entender ou de querer do agente. O conceito deve ser o mais amplo possível para abranger psicóticos, esquizofrênicos, loucos, epilépticos, dependentes químicos etc. Deve ser constatada por perícia médica;

–   o desenvolvimento mental incompleto: significa o desenvolvimento que ainda não se concluiu, compreendendo os menores de 18 anos (o agente torna-se imputável no dia em que completa 18 anos, independentemente do horário em que nasceu) e os silvícolas que não assimilaram os valores da vida civilizada (se estiver adaptado e integrado à vida civilizada será imputável);

–   o desenvolvimento mental retardado: significa o desenvolvimento que, apesar de ter sido concluído, permite uma reduzidíssima capacidade mental. É o caso dos oligofrênicos e dos surdos-mudos (estes devem se submeter à perícia para a fixação do grau de retardamento sensorial, podendo, assim, serem imputáveis, semi-imputáveis ou inimputáveis, de acordo com o resultado dessa avaliação);

–   a embriaguez completa acidental: embriaguez é a intoxicação aguda produzida pelo álcool ou substância de efeitos análogos (exemplo: cocaína, morfina, éter, clorofórmio etc. – não precisam estar incluídas na Portaria do Ministério da Saúde, bastando somente a constatação desses efeitos por perícia).

A embriaguez possui três estágios (ou fases):

1.º) embriaguez incompleta (ou semiplena): estágio caracterizado pela excitação, alegria ou euforia do agente;

2.º) embriaguez completa (ou plena): estágio caracterizado pela agressividade, intolerância, contestação ou violência do agente, que já atua com as faculdades mentais reduzidas;

3.º) embriaguez em estado letárgico (ou coma alcoólico): estágio caracterizado pela total inércia do agente, que só pode cometer crimes pela conduta omissiva.

São espécies de embriaguez:

a) não acidental: é aquela causada pela conduta do próprio agente; este se embriaga por seus próprios meios, seja culposamente (ex.: ingerir quantidade de álcool superior ao que normalmente está acostumado por distração) ou por sua vontade (ex.: beber para comemorar a formatura no curso de direito);

b) acidental: provocada por caso fortuito ou força maior;

c) patológica: é aquela equiparada à doença mental;

d) preordenada: é aquela em que o agente embriaga-se com a intenção de praticar um crime.

É importante observar que em relação à embriaguez não acidental, voluntária ou culposa, completa ou incompleta, a imputabilidade não pode ser excluída em virtude da adoção da teoria da actio libera in causa (ou ações livres na causa – art. 28, II, do CP).

Essa teoria foi desenvolvida para justificar a punição dos crimes em que o agente não procedeu com dolo ou culpa no momento da sua prática, mas sim num momento anterior a ela (exemplo: se o agente se embriaga prevendo a possibilidade de praticar o crime e aceitando a produção do resultado, responde pelo delito a título de dolo). Entretanto, quando o agente embriaga-se de forma voluntária ou culposa e não tinha como prever a ocorrência do crime, a aludida teoria deve ser afastada pelo fato de configurar verdadeira hipótese de responsabilidade objetiva, repudiada pelo nosso ordenamento jurídico.

A emoção e a paixão, em regra, não excluem a imputabilidade (art. 28, I, do CP). Ambas provocam a instabilidade no mecanismo de autocontrole das atitudes das pessoas. A diferença entre elas está na duração: a emoção é um sentimento passageiro, enquanto a paixão é um sentimento duradouro. Excepcionalmente, quando revestidas de fundo mórbido ou patológico, a emoção e a paixão equiparam-se às psicoses (espécie de doença mental), que eliminam a capacidade de entender a ilicitude do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nessa hipótese o agente pode ser considerado inimputável ou semi-imputável. Vale destacar que a emoção, diante do caso concreto, pode constituir atenuante genérica (art. 65, III, c, do CP) ou causa de diminuição de pena em alguns crimes (arts. 121, § 1.º, e 129, § 4.º, do CP).

DICAS:

1 – O crime será praticado mediante paixão quando a motivação para a conduta for baseada em um sentimento prévio que o agente já traz consigo, antes de agir delituosamente. Ex.: matar por desejo de vingança, lesionar por invejar a beleza da outra pessoa;

2 – A emoção corresponde a um estado de espírito momentâneo, um transtorno ocasional. Não existe vocação prévia motivando o crime, mas apenas um sentimento momentâneo, que acaba por induzir à prática do delito. Ex.: matar um desconhecido após ter sido ofendido moralmente durante uma discussão no trânsito;

3 – Não esqueça: a paixão e a emoção não excluem a imputabilidade penal, salvo se forem equiparadas à doença mental, hipótese em que serão tratadas nos termos do art. 26 do CP.

4.1.2 Potencial consciência da ilicitude

Não basta, para a incidência do juízo de censurabilidade, somente a imputabilidade. Exige-se ainda que o agente tenha consciência, ainda que mínima, de que a sua conduta é contrária ao ordenamento jurídico.

Potencial consciência da ilicitude significa, portanto, a possibilidade de o agente conhecer, mediante algum esforço de consciência, a antijuridicidade de sua conduta. Não é necessário que o agente tenha conhecimento de que a sua conduta se subsuma em determinado tipo legal; basta uma consciência material, de natureza meramente profana (que o fato é antissocial, errado, censurável etc.).

Quando o agente desconhece ou está impossibilitado de conhecer a antijuridicidade da sua conduta haverá erro de proibição. Erro de proibição, portanto, é o erro que recai sobre a ilicitude do fato. Nele, o agente pensa que está agindo licitamente quando, na verdade, age ilicitamente.

De acordo com o art. 21 do CP, “o desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”.

A primeira parte do aludido dispositivo obedece ao princípio da inescusabilidade do desconhecimento formal da lei, que é indispensável sob o risco de as leis não serem mais obedecidas (art. 3.º da LINDB). Entretanto, na segunda parte do artigo a própria lei admite a possibilidade de que alguém não possua a potencial consciência da proibição contida, que o leva a atuar com desconhecimento do injusto. Apesar de estarem contidos no mesmo artigo, não se deve confundir o desconhecimento da lei com a sua errônea compreensão (erro de proibição).

O erro de proibição apresenta as seguintes espécies:

–   inevitável (ou escusável): é aquele em que o agente, ainda que tivesse empreendido o esforço normal, não teria a possibilidade de conhecer a ilicitude do fato. Exclui a culpabilidade do agente, isentando-o de pena;

–   evitável (ou inescusável): é aquele em que o agente, se tivesse empreendido um esforço normal, teria a possibilidade de conhecer a ilicitude do fato. Não exclui a culpabilidade; apenas atenua a pena (redução de 1/6 a 1/3 – art. 65, II, do CP).

O erro de proibição não deve ser confundido com o erro de tipo. Este incide sobre os elementos constitutivos do tipo legal e atua sobre a conduta para determinar a exclusão da tipicidade ou a responsabilização por crime culposo, se houver previsão legal deste.

Assim, todo erro de proibição pressupõe a potencial (e não atual) falta de consciência da ilicitude, mas só o erro que não podia ser evitado (escusável ou inevitável) excluirá a potencial consciência da ilicitude e, consequentemente, a culpabilidade.

DICA IMPORTANTE: NÃO CONFUNDA!

Erro de tipo → o agente desempenha uma conduta por acreditar que ela não corresponde a crime previsto no ordenamento penal, ou seja, ele só pratica a conduta por acreditar que o que faz não é crime. O erro recai sobre os elementos constitutivos do tipo penal.

Ex.: o agente destrói aparelho celular de terceiro por acreditar ser seu próprio aparelho. Ele sabe que não existe crime em destruir seu celular, já que o crime de dano presume que a coisa seja alheia. Ele só adota a conduta por acreditar não praticar fato tipificado em lei, mas equivoca-se, pois o celular pertencia a terceiro. Como o erro de tipo elimina o dolo e permite a responsabilização da conduta a título culposo, caso exista previsão legal, neste caso não há de se falar em responsabilização criminal, pois não existe o crime de dano culposo.

Sendo mais detalhista ainda, não há de se falar sequer em crime, pois como o tipo só admite elemento subjetivo doloso e este foi excluído pelo instituto do erro de tipo, não existirá um dos elementos constitutivos do tipo penal (dolo ou culpa) e, consequentemente, não haverá crime.

Erro de proibição → o agente desempenha uma conduta sabendo que ela corresponde a um crime previsto na norma jurídica, ou seja, ele sabe que o que faz configura-se como tipo penal. Todavia, equivoca-se por acreditar estar diante de uma circunstância que eliminaria a ilicitude da conduta e, consequentemente, o crime. Ou seja, ele sabe que o que faz é um tipo penal, uma conduta tipificada, mas acredita estar diante de uma circunstância excepcional em que a lei autoriza o desempenho de tal conduta.

O erro de proibição, quando inevitável, isenta o agente de pena, quando evitável, pode diminuir a pena de 1/6 a 1/3.

Ex.: este exemplo é clássico. Um soldado perde-se do seu destacamento durante uma batalha, travada em período noturno, vindo a abrigar-se em uma edificação. Durante a noite, é assinado entre os países em guerra um tratado de paz, mas o soldado não tem como saber disso. Ao amanhecer, o combatente sai do seu abrigo e depara-se com uma guarnição que no seu entendimento ainda é inimiga, e efetua vários disparos, vindo atingir e matar uma pessoa. Ele não tem dúvidas de que atirar e matar são condutas tipificadas em lei, mas por acreditar ainda existir a situação de guerra, entende agir em estrito cumprimento do dever legal, o que excluiria a ilicitude e, consequentemente, o crime. Neste caso temos um erro de proibição inevitável que isentará o agente de pena.

DICA CURIOSA: UMA APRESENTAÇÃO NECESSÁRIA

O conceito de erro evitável ou inevitável não deve ser arguido subjetivamente, em relação ao agente que desempenhou a conduta analisada. O que alguns têm por inevitável, pode perfeitamente ser visto como evitável por outros. Este conceito deve ser arguido à luz do chamado “homem médio”.

De quem? Quem é este tal de homem médio, você poderia perguntar.

Na verdade, o conceito de “homem médio” nada mais é do que uma abstração jurídica, que nos permite analisar certas circunstâncias que podem ser profundamente influenciadas por critérios subjetivos e pessoais, tornando impossível uma mensuração normativa e objetiva. Como é impossível estabelecer com precisão o que é certo ou errado, evitável ou inevitável, fútil ou relevante, na percepção de cada pessoa, o Direito Penal estabelece um padrão de referência, baseado no bom-senso e na razoabilidade jurídica. A este padrão dá-se o nome de “homem médio”.

Este instituto baseia-se na lógica hermenêutica de que um homem na individualidade é um ser insondável, embora na coletividade ele possa ser tratado como um número exato, bastando que a sociedade adote padrões de conduta aos quais este homem deve adequar-se.

Amigo leitor, apresento-lhe o sempre eficaz “homem médio”.

4.1.3 Exigibilidade de conduta diversa

Além da imputabilidade e da potencial consciência da ilicitude do fato, deve ser verificada, ainda, a possibilidade de exigir-se do agente, diante das circunstâncias em que o fato ocorreu, outro comportamento. Trata-se do terceiro elemento da culpabilidade, exigibilidade de conduta diversa, que encontra seu fundamento de existência no princípio geral da evitabilidade das condutas antissociais.

Nas hipóteses em que não era possível ou razoável exigir-se comportamento diverso do agente, a censurabilidade da conduta deve ser excluída. Nosso ordenamento estabeleceu duas hipóteses em que esse elemento deve ser excluído:

Coação moral irresistível: é a ameaça de dano grave e irresistível dirigida ao coagido para induzi-lo à prática de determinado crime. É irresistível a coação moral quando não puder ser superada senão com uma energia extraordinária e, portanto, juridicamente inexigível (RT 488/382). O mal anunciado, que deve ser grave e sério, pode recair sobre o patrimônio do coagido ou pessoa a quem ele esteja ligado por laços afetivos (o mero receio de perigo não exclui a culpabilidade). O importante é verificar se o coagido (vítima) podia ou não, de acordo com as suas condições pessoais (físicas e psicológicas) e as do coator, agir de modo diverso.

A coação física, que consiste no emprego de força física para que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa, retira a própria voluntariedade do comportamento do agente, exclui a conduta e, consequentemente, o crime (torna o fato atípico somente em relação ao coagido). O coator responderá pelo crime de forma agravada (art. 62, II, do CP).

A coação moral resistível, por influir pouco na voluntariedade do comportamento do coagido, constitui crime e não exclui a culpabilidade pela exigibilidade de conduta diversa. O coagido, nessa situação, fará jus somente a uma atenuante genérica prevista no art. 65, III, c, 1.ª parte, do CP. Se o coagido imaginou, sinceramente, estar sofrendo uma coação moral irresistível que, na verdade, não existia, pode-se falar em coação moral irresistível putativa, recebendo, assim, o mesmo tratamento jurídico da coação real.

Obediência hierárquica à ordem não manifestamente ilegal: para a configuração da excludente da culpabilidade são necessários os seguintes requisitos:

a) que a relação de subordinação se funde no direito administrativo (afasta, portanto, relações empregatícias, familiares, religiosas etc.) e que a ordem não seja manifestamente ilegal;

b) que haja estrita observância da ordem dada.

Se o subordinado sabe que a ordem é ilegal e mesmo assim a cumpre, deverá responder pelo crime praticado, incorrendo na hipótese de concurso de agentes, porém com a pena diminuída (art. 65, III, c, do CP) em consideração ao dever legal de obediência à ordem do superior, existente em relação aos subordinados (podem até sofrer punições administrativas diante da desobediência).

Se a ordem não é manifestamente ilegal e o subordinado não tinha condições de avaliar a ilegalidade, exclui-se a exigibilidade de conduta diversa, ficando isento de pena. Se a ordem é manifestamente ilegal, mas o subordinado a supõe legal, incorre em erro de proibição evitável, fazendo jus a uma diminuição da pena (art. 21 do CP).

O cumprimento à ordem legal exclui a antijuridicidade da conduta pelo estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III, 1.ª parte, do CP).

O temor reverencial, que não deve ser confundido com a obediência hierárquica, é o simples receio (sem ameaça) de desagradar pessoa a quem se deve profundo respeito. Se, no entanto, houver uma ameaça, a conduta poderá configurar verdadeira coação, devendo o juiz analisar a irresistibilidade do temor.

4.2 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE

As causas excludentes da culpabilidade também são conhecidas por exculpantes, dirimentes ou eximentes e, uma vez reconhecidas, isentam de pena o autor de um fato típico e antijurídico.

Assim como ocorre com as excludentes da antijuridicidade, as causas de exclusão da culpabilidade podem ser legais ou supralegais.

No que se refere às causas supralegais, a doutrina costuma apontar as seguintes:

–   inexigibilidade de conduta diversa: apesar de existir divergência sobre a natureza jurídica de princípio jurídico ou hipótese de lacuna a ser suprida somente por lei (e não interpretação), a doutrina sustenta que a culpabilidade do agente deve ser excluída se, diante das circunstâncias anormais do caso concreto, não é humanamente possível exigir dele um comportamento de acordo com a norma;

–   excesso exculpante: conforme já mencionado, ocorre quando a intensificação desnecessária resulta da alteração do ânimo pelo medo ou a surpresa. Nessa hipótese o agente deve ser absolvido por falta de culpabilidade em decorrência da inexigibilidade de conduta diversa;

–   estado de necessidade exculpante: também já mencionado, ocorre quando o agente, numa situação de perigo, sacrifica um bem jurídico alheio de valor superior ao defendido pela sua conduta. Se diante das situações anormais do fato não era possível exigir outro comportamento do agente, a sua culpabilidade deverá ser excluída.

4.3 QUESTÕES

1.   (OAB Nacional 2010_I) Em relação à imputabilidade penal, assinale a opção correta.

a) Quanto à aferição da inimputabilidade, o CP adota, como regra, o critério psicológico, segundo o qual importa saber se o agente, no momento da ação ou da omissão delituosa, tem ou não condições de avaliar o caráter criminoso do fato e de orientar-se de acordo com esse entendimento.

b) A pena poderá ser reduzida se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não for inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

c) A pena imposta ao semi-imputável não pode ser substituída por medida de segurança.

d) A embriaguez não acidental, seja voluntária ou culposa, completa ou incompleta, exclui a imputabilidade do agente que, ao tempo da ação ou omissão delituosa, for inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

2.   (OAB/MG Agosto/2006) Excluem a culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa:

a) A coação moral irresistível.

b) A obediência hierárquica.

c) O excesso exculpante na legítima defesa.

d) A força física irresistível.

3.   (XI Exame de Ordem Unificado – FGV) Para aferição da inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, assinale a alternativa que indica o critério adotado pelo Código Penal vigente.

a) Biológico.

b) Psicológico.

c) Psiquiátrico.

d) Biopsicológico.

4.   (OAB/SP 131.º) Francisco de Assis Toledo, in O erro no direito penal (Saraiva, 1977, p. 21), ao se referir à teoria finalista, afirmou: “a ... ganha um elemento – a consciência da ilicitude (consciência do injusto) – mas perde os anteriores elementos anímico-subjetivos – o dolo e a culpa stricto sensu – reduzindo-se, essencialmente, a um juízo de censura.” Com essa frase ele está se referindo à

a) antijuridicidade.

b) relação de causalidade.

c) culpabilidade.

d) tipicidade.

5.   (OAB/MG – Agosto-2008) A evolução da ideia de culpabilidade, na dogmática jurídico-penal, passou por três fases, que correspondem a três concepções teóricas distintas. Partindo-se da primeira fase para a última, isto é, da menos recente para a mais recente, pode-se afirmar que tais fases são:

a) teoria psicológica; teoria psicológico-normativa ou complexa; teoria normativa.

b) teoria normativa; teoria psicológico-normativa ou complexa; teoria psicológica.

c) teoria psicológico-normativa ou complexa; teoria normativa; teoria psicológica.

d) teoria psicológica; teoria normativa; teoria psicológico-normativa ou complexa.

6.   (OAB/MS 78.º) Sobre a coação moral irresistível, assinale a alternativa incorreta:

a) só é punível o autor da coação.

b) o STF já admitiu que o autor da coação poderá ser a própria vítima.

c) em princípio, haverá um coator e um coagido.

d) o coato (coagido) não exerce vontade e ação.

7.   (OAB/Nacional CESPE 2007.II) De acordo com o Código Penal, são imputáveis

a) os silvícolas inadaptados.

b) os surdos-mudos inteiramente capazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

c) oligofrênicos e esquizofrênicos.

d) os menores de 18 anos.

8.   (OAB/CESPE 2006.II) As hipóteses excludentes de imputabilidade penal não incluem a

a) menoridade penal.

b) emoção ou paixão.

c) embriaguez fortuita completa.

d) dependência toxicológica comprovada.

9.   (CESPE/PGE-CE/2008) Há crime quando o sujeito ativo pratica fato típico em função de

a) estado de necessidade.

b) coação moral irresistível.

c) legítima defesa.

d) estrito cumprimento do dever legal.

e) exercício regular do direito.

10. (CESPE/PROC.MP-TCMGO/2007) No que se refere às causas de excludentes de antijuridicidade e culpabilidade, assinale a opção correta.

a) Consoante entendimento do STF, a excludente da coação moral irresistível pressupõe sempre três pessoas: o agente, a vítima e o coator.

b) A obediência hierárquica, excludente de culpabilidade, aplica-se às relações familiares (pai/filho) e de emprego (patrão/empregado).

c) É possível o reconhecimento do estado de necessidade, excludente de ilicitude, nos crimes permanentes e habituais.

d) Não podem coexistir, em um mesmo fato, as excludentes de ilicitude da legítima defesa e o estado de necessidade.

11. (CESPE/DELEGADO RN/2008) A legítima defesa putativa exclui a:

a) punibilidade em abstrato.

b) ilicitude.

c) culpabilidade.

d) tipicidade.

e) punibilidade em concreto.

12. (CESPE/DELEGADO RN/2008) Acerca da sujeição ativa e passiva da infração penal, assinale a opção correta.

a) Doentes mentais, desde que maiores de dezoito anos de idade, têm capacidade penal ativa.

b) É possível que os mortos figurem como sujeito passivo em determinados crimes, como, por exemplo, no delito de vilipêndio a cadáver.

c) No estelionato com fraude para recebimento de seguro, em que o agente se autolesiona no afã de receber prêmio, é possível se concluir que se reúnem, na mesma pessoa, as sujeições ativa e passiva da infração.

d) No crime de autoaborto, a gestante é, ao mesmo tempo e em razão da mesma conduta, autora do crime e sujeito passivo.

e) O Estado costuma figurar, constantemente, na sujeição passiva dos crimes, salvo, porém, quando se tratar de delito perquirido por iniciativa exclusiva da vítima, em que não há nenhum interesse estatal, apenas do ofendido.

13. (CESPE/DELEGADO PB/2008) Acerca das excludentes de culpabilidade, da imputabilidade e do concurso de pessoas, assinale a opção correta.

a) Exclui a culpabilidade do crime, por inexigibilidade de conduta diversa, a coação física irresistível ou vis absoluta.

b) Na prática de crime em obediência hierárquica, se a ordem não for manifestamente ilegal, o subordinado e o superior hierárquico não respondem por crime algum.

c) Dividem-se os crimes em monossubjetivo e plurissubjetivo, sendo que somente neste último pode ocorrer concurso de pessoas.

d) A participação de menor importância configura exceção à teoria monista, adotada pelo CP quanto ao concurso de pessoas.

e) Ocorrendo coação moral resistível, não se afasta a culpabilidade, havendo simplesmente reconhecimento de atenuante genérica.

GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.