1. Homo politicus (ídolos da tribo)

“Conhece-te a ti mesmo” foi a primeira recomendação de Bacon. Cuida de conhecer as paixões de que és portador pelo simples fato de pertenceres à raça humana. Não chegarás ao conhecimento verdadeiro se te deixares subjugar por elas.

A capacidade de se autoexaminar depende primacialmente da personalidade individual, mas, no âmbito da atividade política, é razoável conjecturar que ela seja influenciada — e mais restringida que reforçada — pelas circunstâncias imediatas e ideologias dos atores políticos. No calor de uma revolução, é improvável que líderes impregnados por filosofias holistas se deixem levar pela introspecção, refletindo sobre sua própria personalidade ou sobre a de seus parceiros e colaboradores; o mais provável é que se vejam como homens de grande coragem, protegidos pela espessa armadura de suas crenças — o que paradoxalmente pode torná-los vulneráveis a riscos de diversos tipos.1 Pessoas como eu — Freud escreveu certa vez — seriam repelidas pelos métodos do experimento bolchevique. Mas outros, “homens de ação, inabaláveis em suas convicções, inatingíveis por quaisquer dúvidas, insensíveis ao sofrimento alheio, iriam em frente em busca de seus objetivos” (citado por Rice, p. 224).

LÊNIN, STÁLIN E TRÓTSKI: TRÊS DESTINOS

Em sua monumental biografia de Max Weber, Radkau (2011, p. 3) informa que o próprio Weber se referiu certa vez à compreensão do indivíduo como a física atômica da sociologia, e é verdade que a biografia cumpre nas ciências sociais uma função similar à da teoria atômica na física, levando à descoberta do princípio da incerteza. É nos indivíduos, as menores unidades da história, que melhor percebemos como a forma e os contornos dos acontecimentos variam segundo a posição do observador. Muitas vezes não há uma, mas muitas histórias possíveis.

O marxismo representava-se como vanguardeiro em tudo, inclusive no tocante à vida privada e à “libertação” individual, mas essa imagem requer um reexame severo. No conhecimento marxista in actu, a capacidade de introspecção, a avaliação de singularidades individuais e a compreensão das teorias psicológicas da época eram bem menores que as sugeridas por aquela autoimagem genérica. Não chegarei ao extremo de afirmar que todos os dirigentes e intelectuais comunistas excluíam percepções psicológicas de seu campo de interesse, mas à maioria deles tal afirmação se aplica sem a menor dúvida.

Num pequeno livro intitulado O papel do indivíduo na história, George Plekhanov, um dos fundadores do PC russo, discorre amplamente sobre o materialismo histórico, mas diz muito pouco sobre o indivíduo. Nesse aspecto, não há diferença entre o rombudo catecismo de Plekhanov e a reflexão de teóricos mais versados em filosofia, como o húngaro Georg Lukács e o alemão Karl Korsch. Devido seja ao holismo subjacente à teoria, seja ao temor de serem “enquadrados” pelo partido, nenhum dos dois ousou reconhecer a figura do indivíduo como um tema válido à luz da visão marxista do mundo.

Revisitando os escritos de Marx pela ótica da epistemologia, Tucker (1983, p. 31) argumenta que o filósofo não foi um pensador holista, e sim um individualista metodológico, comparável nesse aspecto aos modernos John Rawls e Ronald Dworkin. Na ótica que ora nos importa, tal argumento mereceria muitos reparos, mas o próprio Tucker nos dispensa desse encargo: “o que surpreende na obra de Marx é a sua total falta de interesse pelas dimensões psicológicas da vida” (p. 32); “de fato, nenhum outro autor de vulto mostrou tanta falta de curiosidade pelas dimensões psicológicas da vida social” (p. 31).

Seria porém descabido juntar num mesmo balaio todos os grandes nomes do marxismo. Não é certo que todos tenham sucumbido ao holismo ideológico a ponto de descartar qualquer preocupação com traços individuais. Trótski e Lênin foram exceções importantes, como tentarei mostrar. Mais que receptivos a uma tematização genérica da individualidade, ambos mantiveram contato com a psicanálise, o primeiro apoiando-a ativamente e o segundo pelo menos abrigando sob seu prestígio certas tentativas de aproximação entre a comunidade psicanalítica russa e autoridades do governo e do partido. É, pois, razoável afirmar que não se fecharam totalmente para a nascente teoria freudiana do inconsciente, admitindo ao menos em tese a estreiteza da visão do ser humano esposada pelo marxismo-leninismo.

Descendente de judeus da Lituânia, Freud tinha grande interesse pelo “caráter nacional” do povo russo, invariavelmente descrito como introspectivo e absorto em angústias existenciais. Estudou com cuidado a obra de Dostoiévski, que a seu ver “não teria precisado da psicanálise, uma vez que ele mesmo a personificava em cada personagem e cada sentença” (citado por Rice, p. 5). Mas não é difícil compreender a ambivalência ou mesmo a hostilidade potencial à psicanálise entre os círculos dirigentes do bolchevismo, formado por homens determinados a transformar radicalmente o país, inclusive, como é óbvio, o referido caráter nacional. Com um pé atrás, eles perguntavam, desde logo, se a teoria freudiana era compatível com a concepção materialista do homem e da sociedade.

Por qualquer critério que se adote, Lênin, Trótski e Stálin foram líderes políticos importantes — os dois primeiros merecendo também o título de teóricos do marxismo. Suas trajetórias foram, porém, totalmente distintas, e não há dúvida de que as diferenças entre elas se deveram em grande parte à personalidade de cada um. Lênin, um líder de proporções míticas, louvado em prosa e verso pelo realismo de suas percepções dos desafios práticos da Revolução, acreditava piamente na ficção rousseauniana do “bom selvagem” que teria existido no início da história2 e só no leito de morte despertou para o futuro fatídico que a URSS iria viver sob Stálin. Este, como ninguém ignora, não tardou a se transformar num ditador sanguinário, tendo ainda ordenado o assassinato de Trótski em seu exílio no México.

Isaac Deutscher, o grande biógrafo de Trótski, discorre amplamente sobre as incursões de seu biografado na filosofia da ciência, “uma [das quais] merece ser especialmente relembrada — sua defesa da psicanálise” (2005a, p. 220). Já no início da década de 1920, escreve Deutscher:

a escola de pensamento freudiano viu-se sob o ataque feroz que a expulsaria da União Soviética por muitas décadas. Para os homens influentes do partido, que não tinham quase nenhum conhecimento direto da teoria de Freud, a escola, com sua ênfase no sexo, pareceu suspeita e incompatível com o marxismo. A intolerância [em relação] ao freudismo, porém, não estava limitada aos bolcheviques; foi pelo menos igualmente forte nos círculos politicamente conservadores entre os discípulos de Pavlov, que pretendiam estabelecer um monopólio para seus próprios ensinamentos. [Pavlov] tinha essa vantagem sobre os freudianos: sua escola crescera em solo russo e, para os intelectuais marxistas, ela parecia a mais evidentemente materialista das duas. Assim, os homens do partido e os acadêmicos fizeram uma aliança curiosa contra a psicanálise. (2005b, p. 220.)

Apesar da aparência mais “científica” da escola pavloviana, Trótski defendia a ideia de que no mínimo o benefício da dúvida fosse estendido à escola freudiana. Seria demasiado simples e rudimentar, ele escreveu,

declarar que a psicanálise é incompatível com o marxismo e voltar as costas a ela. De qualquer modo, não estamos obrigados a adotar também o freudismo. Este é uma hipótese de trabalho. Pode produzir, e produz, deduções e premissas que levam a uma psicologia materialista. No devido tempo, a experimentação produzirá a prova. Enquanto isso, não temos razão nem o direito de banir um método que, embora menos fidedigno, procura antecipar resultados para os quais o método experimental [de Pavlov] só muito lentamente avança. (2005b, p. 222.)

Miller (1998, pp. 67-8) informa que os anos 1921 a 1923 foram a maré alta da psicanálise na URSS.3 À parte um retrocesso importante — o fechamento de uma escola experimental para crianças portadoras de distúrbios mentais —, a comunidade psicanalítica desenvolveu-se de forma substancial. Conseguiu estabelecer um instituto com um programa de ensino plenamente reconhecido e uma moradia para crianças gerida com base em princípios psicanalíticos. A publicação de livros e artigos psicanalíticos também ganhou impulso, sendo tais atividades em boa parte financiadas com recursos públicos.

Esse promissor início e a posterior supressão levam naturalmente à questão-chave: qual era a visão pessoal de Lênin sobre o freudismo? A resposta é uma cautelosa receptividade. Os avanços registrados dificilmente teriam acontecido sem seu beneplácito, mas, comparados aos de Trótski, seus conhecimentos em primeira mão sobre a obra de Freud eram modestos. Lênin certamente se mantinha informado através de alguns proeminentes membros do partido que faziam parte de seu círculo de amigos — notadamente o matemático Otto Schmidt e Stanislav Shatskii, diretor da seção pedagógica do governo. Trótski tentou apoiar a psicanálise de uma maneira mais ativa, mas, ao cair em desgraça, após a morte de Lênin, ele se tornou um pretexto adicional para a supressão que sobre ela se abateria por cerca de meio século. Sem Lênin e depois sem Trótski, a comunidade psicanalítica tornava-se um alvo fácil para o obscurantismo ideológico latente, que Stálin traria para o primeiro plano.4

As preocupações de Lênin em seus últimos anos de vida acerca da provável ascensão de Stálin ao comando do partido e do regime podem ser tomadas como um caso clássico de um líder forçado pelas circunstâncias a olhar o mundo à sua volta por um ângulo que não era o seu forte. Pouco conhecido mesmo entre adeptos do marxismo-leninismo, o documento, que se tornou conhecido como o “testamento político de Lênin”, é um dos mais esclarecedores da literatura sobre a Revolução.5 No fim de 1922, escreve Tucker, “consciente de estar seriamente doente e preocupado com o futuro do PC e da própria Revolução, Lênin decidiu escrever à alta direção do partido, alertando-a para os riscos representados pelo crescente poder de Stálin. Numa carta dirigida ao próximo congresso do partido, recomendou a substituição dele por alguém “mais tolerante, mais leal, mais cordial, que tenha mais consideração por seus camaradas, que não seja tão caprichoso” etc. Mais tarde Lênin reforçaria essa mensagem, recomendando efetivamente o afastamento de Stálin. Convencera-se de que certos traços de caráter de Stálin — notadamente sua “rudeza” e sua tendência a se orientar de maneira “maliciosa” nas questões políticas — tornavam perigosa a permanência dele naquele poderoso cargo. Um trecho da mensagem de Lênin frisava: “A questão da personalidade pode parecer secundária, mas é uma daquelas coisas secundárias que podem acabar adquirindo uma significação decisiva”.

O testamento de Lênin continha uma esclarecedora referência ao relacionamento de Trótski com Stálin. “O partido”, ele escreveu, segundo o relato de Deutscher (pp. 99-100), “deve ter consciência do perigo de uma divisão na qual Stálin e Trótski, os dois mais eminentes líderes do atual Comitê Central, se enfrentassem como principais antagonistas”. O antagonismo entre os dois ainda não refletia nenhum conflito básico de interesse ou de princípio: era, disse Lênin, “meramente um choque de personalidades. Trótski era ‘o mais capaz’ de todos os líderes do partido, mas estava possuído por uma ‘autoconfiança excessiva’, uma ‘disposição de deixar-se atrair pelos aspectos puramente administrativos das questões’, e uma inclinação para opor-se individualisticamente ao Comitê Central”. Mas os traços negativos de Stálin acabaram levando Lênin a recomendar seu afastamento, mesmo não tendo dúvidas de que tal decisão teria como consequência a ascensão de Trótski à liderança.

Após a morte de Lênin, em 22 de janeiro de 1924, sua viúva Krupskaia entregou o documento aos principais dirigentes do partido, mas estes mais uma vez fizeram ouvidos moucos, atitude pela qual muitos deles acabariam pagando com a vida.

O fim desse processo é mais conhecido que seu fatídico começo. Em fevereiro de 1956, já como sucessor de Stálin no comando da URSS, Nikita Kruschev revelou o trecho sobre Stálin no testamento de Lênin perante uma sessão fechada do XX Congresso do Partido Comunista. Tinha aí início a denúncia dos “crimes de Stálin”. A ansiedade de Lênin, Kruschev comentou, era “justificada”. De fato, desde os anos 1920, como chefe supremo do partido, Stálin cuidou de transformá-lo numa engrenagem verdadeiramente totalitária, subjugando-o à polícia secreta, também submetida a seu estrito controle pessoal. “Os expurgos que executou naqueles anos”, escreveu Tucker, “equivaleram a um verdadeiro holocausto soviético. Não só os que antes lhe haviam feito oposição, mas muitos milhares de outros foram fuzilados ou enviados a campos de concentração como inimigos do povo.” Resumindo, Kruschev traçou um perfil de Stálin como homem. Fez referência à intolerância que ele manifestava em relação a qualquer crítica ou desacordo, à disposição com que ele infligia sofrimento ou mesmo mandava assassinar qualquer pessoa que viesse a perceber como “inimigo”, à sua tendência a desconfiar ou alimentar suspeitas, a seu sentimento de estar sempre rodeado por conspiradores, e a seu desejo de ser elogiado e glorificado.

O HOMO OECONOMICUS E A TEORIA DA AÇÃO COLETIVA

Por que um grupo de indivíduos nem sempre participa de uma reivindicação sobre matéria de seu interesse, ou protesta contra um governo que considera corrupto ou opressor? Do ponto de vista teórico, a questão nevrálgica é mais uma vez a do holismo × individualismo — ou seja, a contraposição entre ação coletiva × inclinações individuais a participar (ou não) — e a forma que ela assume nas diferentes ideologias. Já foi tratado na seção anterior quanto o holismo marxista dificultou a consciência de seu próprio papel por parte dos líderes soviéticos; nesta, o objetivo é demonstrar que ele é igualmente nefasto à compreensão do envolvimento popular na política.6

A indagação suscitada apresenta especial interesse no caso do marxismo, dadas as dificuldades em que os comunistas tradicionalmente se enredaram na tentativa de deslindar o problema do “sujeito da história”. Em abstrato, as dúvidas pareciam resolvidas no legado de Marx e Engels: o sujeito da história só poderia ser o proletariado industrial, já apontado como o “coveiro” do capitalismo no Manifesto de 1848. Mas as lutas práticas levaram diversos dos futuros dirigentes e teóricos comunistas à necessidade de descartar as ilusões que o próprio Marx abrigara a respeito da capacidade de ação das massas.7

Quem primeiro se dispôs a fazê-lo foi Lênin, que agiu bem à sua maneira: sem rodeios, decretando a subordinação da massa ao partido. Essa, como se sabe, é a origem da concepção leninista do partido-vanguarda — uma organização constituída apenas por revolucionários profissionais; “poucos, mas bons”, segundo a fórmula consagrada, aos quais caberia a missão de tomar a máquina do Estado, implantar a “ditadura do proletariado” e posteriormente “liderar e orientar” a classe operária na construção do socialismo e do comunismo.

A revisão levada a cabo por Lênin envolvia uma curiosa ambiguidade. No nível coletivo, é óbvio que ele compartilhava a teoria do homo oeconomicus, coloquialmente expressa na fórmula de que o bolso é o órgão mais sensível do corpo humano. O corolário seria que, por si só, a consciência coletiva do proletariado não transcenderia o nível do mero trade-unionismo. Como então atribuir o status de “sujeito da história” a uma classe incapaz de se mobilizar em torno de objetivos mais amplos que seus interesses econômicos imediatos? Mas Lênin, previsivelmente, não levou esse axioma às últimas consequências. Aceitar que a maioria dos indivíduos quase sempre age em função de interesses econômicos particulares equivaleria a admitir que motivos utilitários cumprem um papel importante e não raro decisivo, cedendo demasiado terreno às teses sustentadas pela economia política burguesa desde Adam Smith. Lênin abraçou, pois, a tese da motivação econômica só na medida necessária para fundamentar sua concepção do partido-vanguarda, portadora, como hoje sabemos, de implicações dramáticas para o entendimento da Revolução e para toda a evolução histórica do comunismo.

Acatada por muitos altos dirigentes comunistas, a reformulação de Lênin sobre a natureza e o papel do partido foi rejeitada por outros tantos. Mesmo não a questionando frontalmente, a alemã Rosa Luxemburgo não escondeu seu desconforto em relação a ela, e Trótski opôs-lhe aberta resistência até o fim da vida.8

No que concerne ao plano mais abstrato do próprio conceito de ação coletiva, as análises marxistas mais ambiciosas foram sem dúvida as de Georg Lukács e Jean-Paul Sartre, publicadas em 1922 e 1960, respectivamente. Húngaro de nascimento, Lukács escreveu sua História e consciência de classe depois de se transferir para a Alemanha, antes de dominar adequadamente o idioma alemão, fato que em parte deve explicar a excepcional obscuridade de sua inquirição. O avanço do capitalismo e o aprofundamento de suas contradições acabariam por levar o operariado a incrementar suas ações reativas, estas por sua vez ensejando um adensamento e um caráter progressivamente revolucionário a sua consciência de classe. De forma implícita, o partido ficava assim reduzido a um papel de simples orientador, se não de espectador. Insatisfeitos com seu quinhão, os círculos mais ortodoxos do marxismo moscovita criticaram com severidade a obra, forçando Lukács a iniciar sua longa série de autocríticas. Seu argumento sobre a ação de massas do proletariado era, como se vê, uma tentativa de recuperar a noção de uma subjetividade revolucionária. Subjetividade de quem? Do “sujeito concreto”, evidentemente: o proletariado. Mas já em 1902, em Que fazer?, Lênin decretara o irrealismo da ideia de um proletariado capaz de agir autonomamente. Obediente, Lukács logo reconheceu que o “sujeito concreto” só poderia ser o partido. Não chegou a escrever que seria o secretário-geral, muito menos a nomeá-lo, pois isso o conduziria direto ao âmbito do discurso fascista.

Sartre escreveu em sua língua nativa, o francês, inexistindo, pois, em seu caso, um álibi para a obscuridade de sua Crítica da razão dialética. Publicada com pompa e circunstância em 1960, já na clarinada inicial (pp. 10-1) a obra identifica a razão “analítica e positivista” [da filosofia e da ciência social burguesas] como o fator responsável pela pobreza das respostas até então dadas pelo marxismo à magna questão do agir e do fazer humano.9 Fato, em qualquer caso, é que o leitor disposto a enfrentar a inquirição sartriana deve se preparar para um longo percurso — 756 páginas, em caracteres miúdos e sem índice —, sem o benefício dos marcos de quilometragem normalmente existentes nas margens de qualquer estrada. Vencidas as advertências metodológicas que ocupam as duzentas primeiras páginas, segue-se a informação de que a primeira parte do livro tratará da passagem “de la práxis individuelle au practico-inerte”; e a segunda, “du groupe à l’histoire”. No fundo, portanto, o extenso estudo de Sartre é uma tentativa de responder à mesma indagação de que ora nos ocupamos: por que certas categorias sociais (conjuntos prático-inertes) distinguidas por algum atributo ou interesse comum não se mobilizam nem adquirem o modicum de consciência de que carecem para se transformarem de fato em “grupos” e em sujeitos efetivos da ação política? “Prático-inerte”, no idioma sartriano, é o que os cientistas sociais geralmente designam como um simples agrupamento estatístico, uma série de indivíduos identificados como pertencentes a uma categoria por possuírem em comum um atributo qualquer. “Grupo”, naturalmente, é a situação contrária: aquela em que os membros compartilham certos elementos subjetivos, sendo escusado dizer que a densidade e o conteúdo de tais elementos comportam uma imensa variedade. Lida por esse ângulo, somos forçados a reconhecer que a Crítica de Sartre pouco ou nada acrescenta à tradicional hipótese marxista sobre a passagem da classe an sich (em si) para a classe für sich (para si), que permanece inexplicável.

Participar, o que é?

Convencionemos: o substantivo “participação” compreende uma grande variedade de atos; votar é um dos mais importantes, mas não é o único. Evidenciar a variedade e situações das atitudes que as motivam deve ser o ponto de partida de nossa análise.

Imaginemos um grupo de amigos reunidos para falar mal do governo entre uma cerveja e outra. Estamos realmente falando de participação? Depende. Se o grupo o faz regularmente, todo sábado, sempre à mesma hora, mas não passa disso, é mais razoável dizer que se trata de um hábito, uma mera ocasião de lazer. Se o faz de vez em quando, com o objetivo de discutir manifestações que vêm se repetindo na cidade, já é outra coisa. Ou seja, a importância e o sentido particular de tais atos dependem de onde e quando tenham acontecido.10

Tomemos como referência manifestações de massa como as que têm tido lugar no Brasil desde 2013. Por que milhões de pessoas, provavelmente a maioria dos cidadãos, mesmo concordando com os objetivos de tais manifestações, permanecem à margem delas, enquanto uma minoria se entusiasma e mal consegue aguardar a hora de seguir para o local combinado? Uma pessoa “politizada”, mas idosa ou com a saúde fragilizada, provavelmente optará por acompanhar a manifestação pela TV, o que é perfeitamente compreensível; mas muitas pessoas jovens, gozando de ótima saúde, também optam por não participar.

Custos gerais da participação: a pirâmide socioeconômica

Para participar de uma ação política dessa natureza — manifestações de massa —, os cidadãos precisam fazer um esforço extra: transcender seu cotidiano e ponderar diversos elementos que não se apresentam no simples ato de votar. O ponto-chave é que toda participação tem custos: nem sempre custos pecuniários; mas custos de outros tipos, sempre, sem nenhuma dúvida. O que logo vem à mente é o nível de escolaridade: um nível muito baixo geralmente implica um custo elevado, uma vez que para participar o indivíduo precisa buscar, processar e contextualizar informações sobre o quadro político que o cerca.

A maioria dos analistas concorda que o órgão mais sensível do corpo humano é o bolso. Pertencemos todos à espécie conhecida como homo oeconomicus. Mas a ausência de um objetivo econômico não necessariamente condena uma dada tentativa de mobilização ao fracasso. Todo dia, do norte ao sul do país, grupos se reúnem, protestos acontecem e muita gente, inclusive mulheres e pessoas idosas, põe sua integridade física em risco. Observando tais situações de perto, vemos que muitas têm início num incidente ou acidente que rapidamente se converte numa centelha emocional.11 Num ponto qualquer da periferia onde os moradores há tempos reivindicam a construção de uma passarela, acontece outro atropelamento. Uma pequena aglomeração se forma, a polícia chega, há uma agressão. Subitamente a manifestação se avoluma, não porque as pessoas ali presentes tenham sido atingidas no bolso, mas porque se veem mais uma vez às voltas com certos conflitos, sofrimentos e humilhações que fazem parte de seu cotidiano. Os custos, como já se notou, não são necessariamente pecuniários; podem ser, por exemplo, não gozar o fim de semana, não passar o dia com a família. E não raro o medo de se envolver em entrechoques.

Na teoria liberal, há um pleno reconhecimento dos desníveis de informação e motivação existentes na sociedade. A pirâmide social é também motivacional e cognitiva. Quanto mais alto o status socioeconômico, mais motivado e capacitado a participar o indivíduo se torna (ou se sente). E mais “enredado” (networked) também: o indivíduo de alto status socioeconômico normalmente participa de um maior número de contatos sociais ou associações (Converse, 1964). O entorno institucional e social em que o indivíduo vive pode ser um estímulo ou desestímulo, embutindo custos ou vantagens; é pois imperativo levar em conta o balanço entre estipulações éticas e jurídicas, de um lado, e intimidações e ameaças, do outro. Se o entorno é percebido como arbitrário, será um custo; se é percebido como imparcial, poderá ser uma garantia de segurança e um aval à participação. Neutralizar tais custos é mais fácil em momentos de grande crise ou comoção nacional.12

O sentimento individual de impotência

Outro aspecto importante do entorno social e político tem a ver com sua dimensão numérica. Por exemplo, no Brasil, certa parcela mais escolarizada da classe média seria em tese a mais disposta e capacitada a combater os governos que ela considera incompetentes e corruptos; mas isso não acontecerá se essa parcela perceber o balanço de forças como desfavorável. Sua disposição a participar provavelmente será influenciada em sentido negativo por esse fator: participará tanto menos quanto mais consciência tiver de sua exiguidade (em números relativos), ou seja, de sua diminuta expressão numérica diante de um adversário mais forte, seja em termos eleitorais ou no tocante a eventuais confrontos de rua. Outro fator a registrar é o chamado criss-cross, isto é, o fato de o indivíduo se sentir sujeito a pressões cruzadas. Numa família dividida em petistas e tucanos intransigentes, os pais frequentemente optam pelo conforto da neutralidade.

Há ainda o que, à falta de melhor termo, vou denominar efeito grão de areia. Se, como indiquei no parágrafo anterior, em termos relativos a classe média de alta escolaridade representa uma parcela minúscula do todo social, em termos absolutos ela é ainda assim um conjunto enorme, grande o suficiente para fazer o indivíduo se sentir insignificante dentro dele. Num conjunto formado por dezenas (ou centenas) de milhares de pessoas, podemos então chegar a este paradoxo: o conjunto se sente irrelevante, impotente, ineficaz, não obstante sua dimensão considerável, porque é assim que se sentem os indivíduos que o compõem. O que importa é o sentir individual; e os indivíduos, tomados um a um, são meros grãos de areia.

Bens públicos e efeito carona

O fator mais importante na análise da participação política é, como já se notou, a relação custo-benefício. Quando o bolso aperta, mesmo pessoas pouco propensas a participar decidem-se a fazê-lo. Mas vamos com calma, a questão não é tão simples.

A hipótese em discussão diz respeito a indivíduos que agem racionalmente, ou seja, por motivos utilitários. Tais pessoas vão participar se sentirem que essa atitude lhes é individualmente vantajosa; ou, pelo menos, se perceberem que sem sua participação a consecução do bem demandado pelo grupo poderá não se concretizar. O beneficiário potencial da participação é, pois, um homo oeconomicus, um ser utilitário, um indivíduo que agirá se sentir que sua participação individual é necessária à obtenção do bem que o grupo reivindica.

Assim, tudo passa a depender do tipo de bem que o grupo se empenha em obter e, mais especificamente, se se trata de um bem divisível ou não. Indivisível é o bem que os cientistas políticos e economistas denominam bem público ou coletivo. O traço que o define é a impossibilidade de provê-lo a uma minoria ou mesmo a um único indivíduo se ele não for provido ao mesmo tempo e em iguais condições a toda a categoria reivindicante. Voltemos à passarela construída naquele bairro distante. Uma vez concluída, a prefeitura não pode facultar seu uso somente às pessoas que ativamente a reivindicaram: tem de permiti-lo a todos ou a nenhum. A passarela “pertence” a todos — ou seja, é um bem coletivo.

De que forma a indivisibilidade do bem afeta a participação? Há aqui uma referência obrigatória, o livro The Logic of Collective Action, de Mancur Olson Jr. A conexão é o efeito free-rider, o “caroneiro”: quer dizer, a existência de indivíduos que preferem pegar carona a participar da reivindicação. Dado tratar-se de um bem público, não há como provê-lo só a alguns e negá-lo aos demais. Assim, free-rider é aquele que aparece só na hora de usufruir dos resultados. Podemos gostar ou não de tal atitude, fazendo sobre ela a avaliação moral que quisermos; o que não podemos é subestimar sua importância numérica. Centenas, milhares ou milhões de pessoas, dependendo do caso, podem considerar (em graus variáveis de consciência ética) que racional é ficar em casa, uma vez que o bem pleiteado será (ou não) obtido do mesmo jeito. Se o objeto reivindicado é um bem público, um grande número de pessoas tenderá a se comportar dessa forma.

Vejamos agora o tema da corrupção. Entre 2013 e 2016, as pesquisas indicavam que pelo menos 70% dos cidadãos estavam informados sobre a sucessão de escândalos e o envolvimento de numerosas autoridades em falcatruas de todo tipo, desde fraudes em licitações e superfaturamentos nas obras de infraestrutura encomendadas para a Copa do Mundo até desvios que quase levaram à falência a maior empresa do país — a Petrobras. Em 2013, a associação entre o questionamento dos gastos com a Copa e aumentos nas tarifas dos transportes públicos intensificou abruptamente a ira popular contra as autoridades públicas nos três níveis de governo. O contato entre esses dois polos, grandemente facilitado pela cobertura de TV, produziu o curto-circuito que deflagrou as manifestações. Em 2015, os polos passaram a ser, do lado econômico, a conjuntura catastrófica a que o país chegou durante a administração Dilma Rousseff e, do lado cívico e simbólico, a indignação contra o esquema de corrupção descoberto na Petrobras. Somadas, essas duas causas levaram milhões de pessoas às ruas.

Mas a vida cotidiana prossegue numa aparente normalidade, justamente em razão das restrições olsonianas a que antes me referi. Em termos absolutos, o comparecimento às manifestações parece grande, mas em termos relativos é modesto. O problema é que “um governo ético” — um estado de não corrupção — é um bem público. Se a pressão popular tiver êxito — como teve, forçando o Congresso Nacional a abrir o processo de impeachment que levou ao afastamento da presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016 —, o “benefício” estará à disposição de todos, não só dos que se engajaram diretamente nos protestos.

Não por acaso, por maior que seja a indignação, o número de participantes efetivos é sempre muito menor que o de insatisfeitos. Ou seja, a indignação é um motivo necessário, mas não suficiente para produzir ações coletivas de larga escala. A maioria dificilmente sai à rua em momentos relativamente “normais”. Sai em momentos moral ou politicamente críticos, a ponto de líderes partidários de primeiro plano e meios de comunicação entrarem em cena, reavivando a identificação de todos com os destinos do país — mais ou menos como aconteceu em 1984 com a campanha Diretas Já, em 1992 com o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello e em 2013, pelas razões já indicadas.

Para não concluir numa nota desalentadora, lembro que o citado livro de Mancur Olson Jr. foi publicado em 1968. Nesse período de quase meio século, vários processos importantes contribuíram para a redução dos custos da participação política. Com a revolução nas comunicações, o surgimento do telefone celular e a vertiginosa expansão da internet e das redes sociais, os custos de informação e organização despencaram (ver Sorj e Fausto, 2016). Os “panelaços” ficaram mais baratos. Assim, se é certo que o comportamento da grande maioria dos indivíduos é pautado pela racionalidade custo-benefício, podemos especular que as referidas transformações vieram para ficar, e que seus efeitos a médio prazo serão enormes. Para o bem e para o mal, é preciso que se diga.


1. Faz sentido postular que revolucionários tenham um tipo específico de personalidade, independente do conteúdo particular de doutrina revolucionária que abracem? Alguns autores exploraram tal hipótese. Ver referências a Talmon e Wolfenstein na Bibliografia Comentada.

2. Kolakowski avalia que Rousseau não acreditava numa volta ao “bom selvagem”, mas os anarquistas, Marx e o próprio Lênin com certeza acreditavam. Ver Leszek Kolakowski, “Stalinism versus Marxism?”. In: Robert C. Tucker (Org.). Stalinism: Essays in Historical Interpretation. Nova York: Norton & Co.,1977, pp. 291-2.

3. Em 1922, embora a nova política econômica de Lênin tivesse parcialmente reintroduzido o capitalismo, o partido deslanchou uma campanha de ideologização total da sociedade. Apesar disso, como informa Miller (p. 54), ainda havia certa flexibilidade; algumas autoridades do partido se mostravam receptivas à psicanálise. A comunidade psicanalítica logo compreendeu que já não controlava sua agenda: sua sobrevivência dependeria da aprovação e inclusive de apoio financeiro do governo. Para se viabilizar, teria que se tornar útil às autoridades do regime. O governo apenas esboçava sua política em relação à psicologia como um todo, mas precisava concretamente de orientação quanto ao problema do grande número de desabrigados e crianças tornadas órfãs pela violência da guerra civil. Sob a direção de Anatóli Lunatcharski, um amigo de Lênin, o Comissariado da Ilustração e da Educação acompanhava os contatos entre os dois lados. Como os psicanalistas tinham já estabelecido uma escola experimental para crianças portadoras de distúrbios mentais, as autoridades do partido mostraram-se dispostas a receber uma proposta de cooperação.

4. “Lênin construíra uma estrutura política voltada para o objetivo de ordenar esse caos, tentando canalizar a paixão espontânea da natureza e das pessoas para seus fins predeterminados. Seus seguidores construíram o mito do novo homem bolchevique, que, armado com a consciência marxista, controlaria os redemoinhos da história, resolveria as contradições entre as classes e acabaria com as opressões que pesavam sobre a humanidade. Para isso, os cidadãos soviéticos teriam que planejar, estabelecer metas, manter-se vigilantes, dominar o ambiente e derrotar todos os inimigos. Para realizar tarefas de tal forma míticas, seria mister criar um novo tipo de indivíduo, pessoas capazes de transcender seus conflitos íntimos e operar num mundo social repleto de demônios. Nesse mundo, não poderia haver tolerância alguma por demônios como os de Freud, capazes de levar a devastação aos patamares mais profundos do inconsciente” (Miller, p. 113).

5. Recorro aqui aos relatos de Tucker (1973, pp. 269-71), Deutscher (2005b, p. 99) e Montefiore (2003, pp. 60-1). Ver observações adicionais na Bibliografia Comentada.

6. No fascismo, como já observado na Introdução, a massa e os indivíduos que a compõem carecem de inteligência e iniciativa; segue-se que a participação não existe como um problema específico, pois tudo depende da determinação feita de cima para baixo pelo Estado. Tudo depende do voluntarismo do Führer, seizing the hour. O liberalismo segue o caminho oposto: vê o indivíduo como um ser capaz de discernir e escolher de maneira autônoma o que deseja e como detentor de direitos a serem respeitados. Segue-se que toda ação coletiva depende da aquiescência de cada um relativamente aos objetivos da convocação.

7. A revisão mencionada acontece mais ou menos na mesma época e tem o mesmo sentido da crítica dos chamados “elitistas”, notadamente Pareto e Mosca, aos pressupostos otimistas da filosofia política liberal e da reformulação da teoria da democracia representativa por Schumpeter em 1942.

8. A concepção de Lênin sobre o “partido revolucionário” está em seu livro Que fazer?, de 1902. Em 1904, Trótski criticou-a de forma contundente num documento de cem páginas, o mais duro ataque até então feito contra Lênin. À visão leninista ele contrapunha a ideia de um partido de base ampla, como os partidos social-democratas europeus, tese à época defendida por Axelrod. Referia-se à posição de Lênin como um “substituísmo”: “a organização do partido [sua liderança] coloca-se a princípio no lugar do partido como um todo; em seguida, o Comitê Central coloca-se no lugar da liderança; finalmente, um único ‘ditador’ coloca-se no lugar do Comitê Central”. Ver citação em Deutscher (2005a, pp. 122-3) e também Luxemburgo (1971, pp. 275-8), Rodrigues e De Fiore (1978) e Cerroni et al. (1973).

9. “L’anthropologie restera un amas confus de connaissances empiriques, d’inductions positivistes et d’interprétations totalisantes, tant que nous n’aurons pas établi la légitimité de la Raison dialectique, c’est-à-dire tant que nous n’aurons pas acquis le droit d’étudier un homme, un groupe d’hommes ou un objet humain dans la totalité synthétique de ses significations et de ses références à la totalisation en cours, tant que nous n’aurons pas établi que toute connaissance partielle ou isolée de ces hommes ou de leurs produits doit se dépasser vers la totalité ou se réduire à une erreur par incomplétude” [A antropologia permanecerá um amontoado confuso de conhecimentos empíricos, de induções positivistas e de interpretações totalizantes, enquanto não estabelecermos a legitimidade da Razão dialética, ou seja, enquanto não adquirirmos o direito de estudar um homem, um grupo de homens ou um objeto humano na totalidade sintética de suas significações e de suas referências à totalização em curso, enquanto não estabelecermos que todo conhecimento parcial ou isolado de tais homens ou de seus produtos deve ir além deles no sentido da totalidade ou de se reduzir a um erro por incompletude] (pp. 10-1).

10. Se o nosso hipotético encontro de amigos tivesse ocorrido em Moscou por volta de 1970, os integrantes do grupo teriam consciência dos riscos a que se expunham, e nós provavelmente não hesitaríamos em descrevê-lo como um ato de participação. E se voltarmos mais um pouco no tempo, digamos a 1945, não poderíamos nos esquecer de que, por bem menos que isso, muitas pessoas receberam longas sentenças de prisão. Foi o caso, por exemplo, de um certo capitão de artilharia, Alexandre Soljenítsin, que se tornaria mundialmente conhecido depois de passar onze anos num dos campos de concentração do gulag.

11. O básico pode ser o bolso, mas nenhuma teoria séria nega a ação de outros fatores; Weber referia-se como “ação comunal” aos processos de participação atuados por fatores não estritamente utilitários.

12. Um bom exemplo brasileiro foi abril de 1984, ápice da campanha das Diretas Já. É difícil dizer em que medida a maioria menos escolarizada da população compreendeu as questões em jogo, mas, na reta final para a votação da proposta Dante de Oliveira (uma emenda constitucional que tornaria direta a eleição do sucessor do general-presidente João Figueiredo), uma grande parte dela parece ter se mobilizado, marcando presença nos grandes comícios. O fato de vivermos uma situação bipolar e bipartidária (“nós” contra o regime militar, MDB × Arena) certamente facilitou a compreensão do processo político naquela oportunidade, como aliás durante todo o período militar. No entanto, muita gente compareceu às manifestações de 2013-6, quando a polarização da sociedade contra a presidente Dilma Rousseff e o PT ainda não era tão grande e certos conflitos de rua inspiravam temor. Não há explicações simples para tais processos.