No começo era o corpo de sensações erógenas1
Por volta de três, quatro anos, todos os meninos focalizam seu prazer sobre o pênis, vivido ao mesmo tempo como órgão, objeto imaginário e emblema simbólico. Nessa idade, o órgão peniano torna-se a parte do corpo mais rica em sensações e impõe-se como a zona erógena dominante, uma vez que o prazer por ele proporcionado à criança torna-se a referência principal de todos os outros prazeres corporais. Antes dessa idade, os locais de prazer eram a boca e, depois, o ânus e a atividade muscular – não esqueçamos que o prazer de andar, correr e agir prevalece em todos os bebês entre dois e três anos –, ao passo que, com quatro, todo prazer corporal, seja qual for o lugar excitado, repercute no nível de seu pequeno pênis sob a forma de um arrepio de prazer. Em outras palavras, se um menino de quatro anos sente prazer em olhar o decote da mãe ou gosta de se mostrar nu em público, ou ainda, excitado pela brincadeira, morde a coxa da irmãzinha, diremos que todos esse prazeres sentidos pela excitação dos olhos, dos dentes ou do corpo inteiro são prazeres que repercutem no nível de seu pequeno sexo e já lhe fazem viver uma excitação genital.
Porém, aos quatro anos, o pênis não é apenas o órgão mais rico em sensações. É também o objeto mais amado e o que reclama todas as atenções. Apêndice visível, facilmente manipulável, erógeno e eréctil, o pênis atrai a mão, assim como a teta atrai os lábios e a língua; o pênis convoca os olhares, atiça a curiosidade dos meninos e das meninas e lhes inspira fábulas, ficções e bizarras teorias infantis. A pregnância imaginária do pênis é tamanha que o menino faz dele seu objeto narcísico mais precioso, a coisa pela qual tem mais apego e orgulho de possuir. Assim, tal culto do pênis eleva o pequeno órgão ao nível de símbolo do poder absoluto e da força viril. Mas atenção! É também, e pelas mesmas razões, vivido como um órgão frágil, excessivamente exposto aos perigos e, por conseguinte, símbolo não apenas do poder, mas também da vulnerabilidade e da fraqueza. Pois bem, quando esse apêndice, eminentemente excitável, nitidamente visível, eréctil, manipulável e tão altamente valorizado torna-se aos olhos de todos – meninos e meninas – o representante do desejo, nós o chamamos de “Falo”. O Falo não é o pênis enquanto órgão. O Falo é um pênis fantasiado, idealizado, símbolo da onipotência e de seu avesso, a vulnerabilidade. Veremos adiante, quando abordarmos em detalhe o Édipo feminino, que a supremacia imaginária e simbólica do pênis é tão forte nessa idade que a menininha também acreditará que possui um Falo. É precisamente esse pênis fantasiado, dito Falo, que dá nome à fase do desenvolvimento libidinal durante a qual acontece a crise edipiana. Com efeito, Freud chama essa fase em que a sexualidade infantil permanece polarizada no Falo de “fase fálica” (cf. p.77-9).
Durante essa fase, as crianças, meninos ou meninas, acham que todas as criaturas do mundo são dotadas de um Falo, isto é, que todas as criaturas são tão fortes quanto elas. Quando, por exemplo, um menino considera que todos têm um Falo, ele pensa: “Todos detêm um órgão peniano como o meu. Todos experimentam as mesmas sensações que eu e todos devem se sentir tão fortes quanto eu.” Observo que essa ficção infantil, essa ilusão de acreditar que o pênis é um atributo universal, é forjada tanto pelo menino quanto pela menina. Ora, eis que a idolatria da criança pelo Falo vai ser acompanhada pela angústia de perdê-lo no menino e pelo sofrimento de havê-lo perdido na menina. Com efeito, nessa idade a criança já fez a experiência de perder os objetos vitais: bebê, perdeu o seio materno que considerava uma parte de si próprio; em seguida fez a experiência de renunciar à mamadeira e se separar de seu primeiro “paninho”; mais tarde, a experiência de defecar e constatar que seu “cocô” separa-se dele; fez também a experiência de perder o status de filho-rei com o nascimento de um irmãozinho ou irmãzinha; e, finalmente, talvez já tenha chorado a morte de um parente. Resumindo, na idade edipiana uma criança é perfeitamente capaz de se representar a perda de um objeto que lhe era caro e temer que ela se repita. Entretanto, para ser mais preciso, eu deveria acrescentar que, desde sua vinda ao mundo, ou melhor, desde as primeiras palpitações de seu corpo embrionário, o pequeno humano já é plenamente capaz de sentir a falta de um objeto vital, e eu diria até a falta pura e simplesmente. Sabemos o quanto um bebê, por menor que seja, sente, sabe e chora de dor quando lhe falta algo essencial. Eis por que eu diria que a aptidão da criança edipiana para perceber a falta é no fundo uma intuição inerente a toda a espécie humana.
Mas retomemos o fio. Peço-lhes agora que guardem a observação referente à ficção de um Falo universal e a referente à capacidade da jovem criança de se representar intuitivamente uma falta, pois essas duas proposições são as premissas indispensáveis para compreendermos como se formam a fantasia de angústia de castração no menino e a fantasia de dor de privação na menina, isto é, para compreendermos como o menino sai do Édipo e como a menina entra nele. Logo voltaremos a isso.
Abordemos agora a dinâmica dos desejos incestuosos. Excitado sexualmente e orgulhoso de seu poder, o menino de quatro anos vê eclodir em si uma nova força, um impulso desconhecido: o desejo de ir em direção ao Outro, em direção a seus pais ou, mais exatamente, em direção ao corpo de seus pais para nele encontrar prazer, para nele descobrir o conjunto dos diferentes prazeres erógenos conhecidos antes dessa idade. Eis a novidade do Édipo! Até esse estágio, a criança não conhecia tal floração dos sentidos e nunca tinha sentido desejo tão impetuoso de se apossar do corpo inteiro do Outro e nele encontrar prazer. Que prazer é esse? O desejo é o impulso que nos leva a procurar prazer no enlace com nosso parceiro. Deseja-se sempre uma pessoa em sua carne. Desejar é atirar-se para fora de si em busca da carne do outro; é querer atingir, através da carne, sobre a carne, o gozo mais requintado. Eis o que é o desejo! É nesse aspecto que todo desejo é um desejo sexual. Sexual quer dizer mais que genital. Sexual quer dizer: “Deixa-me olhar teu corpo nu! Acariciá-lo, senti-lo, beijá-lo, devorá-lo e, até mesmo, destruí-lo!” Que corpos? Os corpos daqueles a quem amo me atraem e estão ao alcance da minha mão. E que são eles para uma criança senão seu pai e sua mãe? Como um bichinho travesso, a criança edipiana põe as garras do desejo nas costas de seus pais. Em suma, a criança edipiana é arrastada por um impulso que a leva e pressiona a procurar prazer na troca sensual com os corpos daqueles a quem ama, de quem depende e que também são criaturas desejantes, criaturas que despertam e exercitam seu desejo. Ora, esse desejo imperioso, esse impulso irresistível cuja fonte são as excitações penianas, cujo alvo é o prazer e cujo objeto é o corpo de um dos genitores ou de qualquer outro adulto tutelar, esse impulso é uma expressão do mítico desejo de incesto. Sim, o Édipo é a tentativa infantil de realizar um desejo incestuoso irrealizável. Mas que é o desejo incestuoso? É um desejo virtual, nunca saciado, cujo objeto é um dos pais e cujo objetivo seria alcançar não o prazer físico, mas o gozo. Que gozo? O gozo prodigioso que proporcionaria uma relação sexual plena em que os dois parceiros, criança e adulto genitor, diluiriam em uma total e extática fusão. Naturalmente, esse desejo é um sonho irrealizável, uma maravilhosa história em quadrinhos, o mito grego ou a mais louca e imemorial das fábulas. Esclareço imediatamente que as verdadeiras passagens ao ato incestuosas pai/filha ou pai/filho e mais raramente mãe/filho são estupros relativamente raros e, quando acontecem, nunca proporcionam gozo algum, nem prodigioso nem banal. Nada disso! Ao contrário, a clínica dos casos de incesto revela a extrema pobreza da satisfação obtida pelo adulto perverso e o forte trauma sofrido pela criança. Não. O desejo incestuoso de que lhes falo nada tem a ver com a desgraça do abuso sexual cometido por um pai sobre seu filho. Mas então, vocês me diriam, por que a psicanálise precisa sacralizar o desejo incestuoso e postular que todos os desejos, por ínfimos que sejam, referem-se a um desejo igualmente virtual? Por que o desejo incestuoso é o desejo padrão? Pois bem, o único valor desse desejo insensato de ir para a cama com a mãe e matar o pai é ser a alegoria do louco desejo de retorno ao estado original de beatitude intrauterina. Para a psicanálise, cada um de nossos desejos cotidianos – o prazer sensual de contemplar um quadro ou acariciar o corpo do amado, por exemplo –, cada um desses desejos tenderia, de um ponto de vista teórico, insisto, para a felicidade perfeita de que gozariam dois seres conjugados em Um. O desejo incestuoso, portanto, não é senão uma figura mítica do absoluto, o nome assumido pelo desejo louco de um herói de penetrar sua mãe para encontrar seu ponto de origem nos confins do corpo materno. Para dizê-lo com uma imagem, o desejo incestuoso é o desejo de fusão com nossa terra nutriz.
Uma vez admitido o caráter mítico do desejo incestuoso, distingo três variantes dele no menino. Ressalvemos que os desejos incestuosos não são exclusivamente eróticos, mas antes um condensado de tendências eróticas e agressivas. Assim, há três desejos fundamentais presentes em um menino e em todo ser humano em posição masculina, seja qual for sua idade: o desejo de possuir sexualmente o corpo do Outro, em particular o da mãe; o desejo de ser possuído pelo corpo do Outro, em particular o do pai; e o desejo de suprimir o corpo do Outro, em particular o do pai. Desejo de possuir, desejo de ser possuído e desejo de suprimir, eis os três movimentos fundadores do desejo masculino.
Ora, sem atingir esses três objetivos incestuosos e impossíveis – obter o gozo absoluto de possuir o corpo do Outro; ser possuído pelo Outro, isto é, ser sua coisa e fazê-lo gozar; e, finalmente, obter o gozo absoluto de suprimir o Outro –, o menino cria fantasias que lhe dão prazer ou angústia, mas que, de toda forma, satisfazem imaginariamente seus loucos desejos.
Mas em que consiste uma fantasia? Em uma cena, em geral consciente, destinada a satisfazer de maneira imaginária o desejo incestuoso irrealizável, ou melhor, a satisfazer qualquer desejo, uma vez que todo desejo é uma expressão do desejo incestuoso. Uma fantasia é uma cena imaginária que propicia consolo à criança, tome esse consolo a forma de um prazer ou, como veremos, de uma angústia. Assim, a fantasia tem como função substituir uma ação ideal que teria proporcionado um gozo não-humano por uma ação fantasiada que baixa a tensão do desejo e suscita prazer, angústia ou ainda outros sentimentos, às vezes penosos. Com efeito, a queda da tensão psíquica obtida com a fantasia nem sempre se traduz por distúrbios ou tormentos que, por penosos que sejam, permitem evitar uma fissura irreparável do psiquismo. Por mais espantoso que pareça, a queda da tensão psíquica também pode se traduzir por um sofrimento consciente. Uma crise de choro, por exemplo, pode exercer a função de uma descarga salutar; ou um sintoma fóbico impor-se como um mal menor que protege de outro mal muito mais grave, como uma psicose.
Observemos também que a cena fantasiada não é obrigatoriamente consciente e que ela com freqüência se traduz na vida cotidiana da criança por um sentimento, um comportamento ou uma fala. Um menininho, por exemplo, nunca copulará com a mãe, mas compensará essa impossibilidade com uma fantasia voyeurista em que a imagina nua. Essa fantasia se traduzirá então pela vontade maliciosa de espiar e surpreender a mãe em situações íntimas. Vocês têm aqui a gradação de que falamos: o desejo incestuoso de possuir a mãe, o desejo derivado de ver o corpo nu da mãe, a fantasia de imaginá-lo e, enfim, o gesto malicioso de olhar pelo buraco da fechadura, gesto que põe em ato a fantasia.
Eu gostaria, porém, de interromper um instante a fim de dissipar qualquer confusão entre os termos “sensações”, “desejos”, “fantasias” e “comportamentos”. Sejamos claros. Comecemos pelo começo. Em primeiro lugar, as sensações sentidas despertam o desejo de ir em direção ao corpo do adulto. Em seguida, esse desejo é satisfeito com fantasias que proporcionam prazer à criança. Repito que essas fantasias de prazer raramente são visualizadas mentalmente pelo sujeito. Somos nós, psicanalistas, que as deduzimos a partir da observação dos comportamentos infantis e, sobretudo, a partir da escuta de nossos analisandos adultos. Nós escutamos um paciente, criança ou adulto, e reconstruímos as cenas fantasiadas que governam suas vidas. Ora, subindo um degrau na abstração, diremos que essas cenas são forjadas inconscientemente pelo sujeito para satisfazer imaginariamente seu desejo – desejo voyeurista no nosso exemplo – e, além disso, para satisfazer seu mítico desejo de incesto. Vamos resumir. Fico sabendo que um garotinho espia sua mãe e deduzo disso que está inconscientemente animado por uma cena voyeurista em que sua mãe estaria nua. Considero também que essa cena satisfaz o desejo incestuoso de possuir sua mãe e, mais concretamente, o desejo de devorá-la com os olhos. Em suma, as sensações despertam o desejo, o desejo suscita a fantasia e a fantasia se atualiza através de um sentimento, um comportamento ou uma fala. Por exemplo, ao nos vermos diante de uma emoção, dizemos que ela exprime uma fantasia e que a fantasia satisfaz um desejo, sempre vivificado pelo corpo de sensações.
Estabelecidas essas premissas, vejamos agora como cada um dos três desejos incestuosos se satisfaz imaginariamente graças a uma fantasia de prazer particular. A cada desejo incestuoso corresponde uma fantasia de prazer específica. Qual é então a fantasia específica do desejo incestuoso de possuir o Outro? Na verdade, essa fantasia adota vários roteiros em que a criança desempenha sempre um papel ativo e se sente orgulhosa de impor sua presença ao Outro. A fantasia de possessão manifesta-se por meio dos comportamentos típicos dessa idade, como por exemplo exibir-se de maneira escandalosa, brincar “de papai e mamãe”, brincar “de médico”, bancar o palhaço, dizer palavrões sem conhecer sua significação ou mesmo macaquear posições sexuais. Às vezes o gesto que predomina é o de tocar o corpo de um de seus pais, irmãos ou irmãs ou beijá-lo febrilmente e às vezes mordê-lo ou maltratá-lo. Mas de todos os roteiros de possessão o que exprime mais fielmente o desejo incestuoso de possuir o Outro é o desejo do menino de se apoderar da mãe e tê-la apenas para si.
Gostaria de dar um exemplo. Penso aqui em um menininho de três anos, Martin. É um garoto vivo, malicioso que só, que sua mãe, uma de minhas analisandas, levara um dia ao meu consultório, não tendo conseguido ninguém para ficar com ele. Enquanto a criança brincava na sala de espera contígua ao meu consultório, a mãe me contou em tom de aparte um episódio sobre o filho, que considero uma bela ilustração de uma fantasia de prazer edipiana de possuir a mãe. Saibam que a mãe de Martin é uma moça divorciada, muito bonita e simpática, que mora sozinha com o filho. Ela então me conta: “Adivinhe, doutor, o que me aconteceu com esse traquinas do Martin. Eu estava no banheiro, em trajes sumários, me maquiando – deixo sempre a porta entreaberta – e, de repente, dei um grito: Martin entrara silenciosamente, na ponta dos pés, e me mordera as nádegas antes de fugir correndo, todo orgulhoso e feliz com o que tinha feito.” Peço-lhes que imaginem esse menininho insinuando-se sorrateiramente no banheiro e descobrindo, na altura dos olhos, as nádegas atraentes da mãe. Seu olho se acende, ele se aproxima e, subitamente, morde com vontade. É isto o Édipo! O Édipo é morder as nádegas da mãe! O Édipo não é acariciar ternamente a mamãe, é desejá-la e mordê-la. Isso parece evidente agora que lhes digo, mas essa evidência da natureza sexual do Édipo (o Édipo é uma questão de sexo e não de amor) nem sempre é admitida. O Édipo é o desejo sexual de um menininho que não tem nem cabeça nem corpo para assumi-lo.
Depois dessa primeira fantasia edipiana de possuir a mãe, chegamos à segunda fantasia de prazer, a de ser possuído pelo Outro. A fantasia mais típica do desejo de ser possuído é uma cena em que o menino sente prazer em seduzir um adulto para se tornar seu objeto. Essa fantasia é uma fantasia de sedução sexual em que o menino sedutor imagina-se seduzido pela mãe, por um irmão mais velho ou até mesmo, ainda que isso os surpreenda, pelo próprio pai. Com efeito, um menino pode desempenhar o papel passivo, eminentemente feminino, de ser a coisa do pai e fazê-lo gozar. Mas devemos entender que, se a criança imagina-se seduzida, não apenas ela é vítima passiva de um pai perverso, malvado ou tarado, como também uma sedutora ativa que espera ser seduzida; a criança seduz para ser seduzida. Observemos que, se essa fantasia edipiana de sedução do menino pelo pai imobiliza-se e invade mais tarde a vida do adulto que a criança se tornou, ela medra como um agente nocivo, causa freqüente de uma forma de histeria masculina muito difícil de tratar. Freqüentemente, o tratamento analítico dessa histeria fracassa e esbarra em uma crise conhecida como “pedra de castração” ou, como a chamava Adler, “protesto viril”. Uma vez que nos referimos à clínica, assinalo que a escolha de lhes apresentar o Édipo corresponde acima de tudo ao meu desejo de esclarecer a prática de vocês com seus pacientes adultos. Pois, como vocês perceberam, o interesse do Édipo não é apenas teórico, é principalmente clínico, e a fantasia de sedução é uma ilustração patente disso. Sempre que recebo homens neuróticos que me demandam uma análise, penso em sua fantasia inconsciente de serem a coisa do pai e fazê-lo gozar.
A última fantasia de prazer, a relativa ao desejo de suprimir o Outro, em particular o pai, coloca o sujeito em uma atitude sexual ativa. Digo “sexual” porque destruir o Outro provoca tanto prazer sexual quanto qualquer fantasia edipiana. Um dos comportamentos infantis que melhor traduz a fantasia de matar o pai rival é aquele, muito freqüente, em que o menininho aproveita-se da ausência do pai, em viagem, para brincar de “chefe de família” e, por exemplo, querer partilhar o grande leito conjugal com a mãe.
As três fantasias de angústia de castração
As fantasias de prazer – seja aquela em que o menino adota uma atitude sexual ativa como morder a mãe; seja aquela em que adota uma atitude sexual passiva como seduzir para ser seduzido; seja, enfim, aquela em que adota uma atitude sexual ativa de rejeição do pai –, todas essas fantasias são fantasias de prazer que, embora façam a criança feliz, também desencadeiam nela uma profunda angústia: o menininho malicioso teme ser punido por seu pecado, punido com a mutilação de seu órgão viril, símbolo de sua potência, de seu orgulho e de seu prazer. Essa fantasia, em que seria punido com a mutilação de seu Falo, chama-se fantasia de “angústia de castração”. Vamos entender. A ameaça de ser punido com a castração e a angústia daí resultante são uma ameaça e uma angústia fantasiadas. Decerto, um menino pode cometer um erro e ter medo do castigo, mas a fantasia de ser punido com a castração e a angústia daí resultante são inconscientes. Falemos claramente: a angústia de castração não é sentida pelo menino, ela é inconsciente. Este é um ponto importante, pois muitos de vocês gostariam de verificar se um menininho de quatro anos receia efetivamente que lhe mutilem o pênis. Pois bem, respondo-lhes prontamente: salvo exceção, vocês não terão confirmação desse receio. Claro, acontece muitas vezes de determinada mãe, ao ver o filho apalpar o sexo, gritar com ele: “Pare de se bolinar! Seu passarinho não vai voar e ninguém vai comê-lo!” Mas é uma réplica que não suscita no menininho nenhuma angústia de ser castrado. Não. A angústia de castração nunca é consciente. Isso posto, como considerar então as angústias que observamos diariamente nos meninos sob a forma de medos ou pesadelos? Eu diria que essas angústias infantis são as formas clínicas assumidas pela angústia inconsciente de castração. Em suma, não interessa se o menino sofre ou não uma ameaça real e se angustia, o que interessa saber é que, de toda forma, ele é habitado pela angústia inconsciente de castração; enquanto desejar e obtiver prazer, ainda que mínimo, ficará angustiado. A angústia é o avesso do prazer. Angústia e prazer são tão indissociáveis que os imagino como gêmeos paridos pelo desejo. Gostaria de ser bem claro nesse ponto. Da mesma forma que a psicanálise postula a premissa do desejo incestuoso, ela afirma que todos os homens são essencialmente habitados por uma angústia de castração intrínseca ao desejo masculino. Voltaremos a isso quando falarmos da neurose masculina, mas desde já afirmo que a angústia de castração é a medula espinhal do psiquismo do homem. Quanto ao psiquismo da mulher, veremos mais tarde de que estofo emocional é feito.
Dizíamos então que a angústia masculina é o avesso do prazer de fantasiar. Com efeito, não existe prazer edipiano sem a contraparte: a angústia de desejar e de ser punido por isso. Esse par de sentimentos antagônicos, prazer e medo de ser punido, está na base de toda neurose. Podemos desde já dizer que o próprio Édipo é uma neurose infantil, ou melhor, a primeira neurose de crescimento do ser humano. Por quê? Porque a neurose é acima de tudo a ação simultânea de sentimentos opostos e porque a criança edipiana sofre, como um neurótico, com o doloroso conflito entre saborear o prazer de fantasiar e ter medo de ser punido caso persevere. Voltarei muitas vezes a essa idéia cardinal segundo a qual o Édipo é, em si, uma neurose.
Embora já tenhamos afirmado o status inconsciente da angústia de castração sem apresentar situações concretas para justificá-lo, nem por isso certos incidentes da vida da criança deixam de confirmar, se necessário, a existência dessa angústia. Eis o acontecimento incontornável a que se referem todos os teóricos do Édipo. Um dia, o menino vê o corpo nu de uma menininha ou de sua própria mãe e constata, surpreso, que elas não têm pênis-Falo. Se lembrarmos a ilusão infantil segundo a qual todo o mundo possui um Falo, compreenderemos por que o menino então rumina inconscientemente: “Uma vez que existe um ser neste mundo que perdeu seu Falo, também corro o risco de ficar privado dele.” É com essa descoberta que a angústia de castração é definitivamente confirmada.
Temos então três variantes da fantasia de angústia, que devem ser compreendidas como o avesso das três fantasias de prazer:
• Se a fantasia de prazer é morder a mãe ou ter um filho com ela, isto é, possuir o Outro, a ameaça de castração incide sobre o objeto mais precioso: o pênis-Falo, ou seja, sobre a parte do corpo mais investida. Aqui, o agente da ameaça é o pai repressor, que lembra ao menino a Lei do interdito do incesto: “Não possuirás tua mãe nem lhe darás um filho!” Da mesma forma, ele se dirige à mãe, dizendo-lhe: “Não reintegrarás teu filho no teu seio!”
• Se a fantasia de prazer é uma fantasia de sedução, isto é, ser possuído pelo Outro, mais exatamente oferecer-se ao pai, a ameaça de castração incide igualmente sobre o Falo, mas dessa vez considerado menos como apêndice destacável que como símbolo da virilidade. Aqui, o agente da ameaça não é o pai repressor, mas o pai sedutor: o pai é um amante que o menino deseja, mas teme que vá longe demais e abuse dele. Nesse caso, a angústia não é o medo de perder o pênis-Falo, mas de perder a virilidade tornando-se a mulher-objeto do pai. “Tenho medo de ser assediado sexualmente pelo meu pai e de com isso perder minha virilidade.” Insisto em dizer que essa fantasia de sedução do menino pelo pai e a angústia de ser assediado é uma fantasia primordial que pode ser constatada no tratamento analítico dos homens neuróticos.
• E, finalmente, se a fantasia de prazer é uma fantasia de afastar o pai rival, a ameaça de castração incide novamente sobre o pênis-Falo considerado a parte exposta do corpo. Aqui, o agente da ameaça é o pai odiado que intimida a criança para deter seus impulsos parricidas.
Eis, portanto, as três variantes da fantasia de angústia de castração. Na primeira, o pai é um repressor temido; na segunda, é um tarado temido; e, na terceira, é um rival temido. Em todos os casos, o agente da ameaça é o pai e o objeto ameaçado, o pênis-Falo ou seu derivado, a virilidade.
Resolução do Édipo do menino:a dessexualização dos pais
O menino desiste da mãe porque tem medo de ser punido em sua carne, ao passo que a menina – como veremos – abandona a mãe que a decepciona e volta-se para o pai.
A que leva à angústia de castração? Pois bem, é ela que precipita o fim da crise edipiana. Com efeito, dilacerado entre suas fantasias de prazer e suas fantasias de angústia, dividido entre a alegria e o medo, o menino é finalmente tomado pelo medo. A angústia, mais forte que o prazer, dissuade a criança de prosseguir sua busca incestuosa e a leva a desistir do objeto de seus desejos. Angustiada, a criança esquiva-se dos pais tomados como objetos sexuais para salvar seu precioso pênis-Falo, isto é, para proteger seu corpo. Com a renúncia aos pais e a submissão à Lei do interdito do incesto, consuma-se assim o momento culminante, o apogeu do complexo de Édipo masculino. Finalmente, a criança consegue preservar seu Falo, mas ao preço de abandonar seus pais sexualizados. Em outros termos, sob ameaça, o menino angustiado tem de escolher entre proteger a mãe ou o pênis. Pois bem, é o pênis que ele protege e é a mãe que ele abandona. Ao renunciar à mãe, dessexualiza globalmente os dois pais e recalca desejos, fantasias e angústia. Aliviado, pode agora abrir-se a outros objetos desejáveis, mas dessa vez legítimos e adaptados às suas possibilidades reais. Somente assim, separada sexualmente dos pais, a criança pode doravante desejar outros parceiros escolhidos fora de sua família.
Comparado à mulher, o homem é visceralmente um covarde
Quanto mais o menino for amado pela mãe, mais se tornará um homem viril. E quanto mais orgulhoso for de sua potência, mais se preocupará em defendê-la, suscetível quanto à sua virilidade e ridiculamente sensível ao menor “dodói”. Comparado à mulher, o homem é visceralmente um covarde.
Gostaria aqui de esquematizar a seqüência da crise edipiana do menino. Temos então três tempos: amor pelo pênis → angústia de perdê-lo → renúncia à mãe. Graças à angústia, o narcisismo do menino, isto é, o amor pelo próprio corpo, o amor por seu pênis-Falo, prevaleceu sobre o desejo pelos pais. Sob ameaça, o narcisismo foi mais forte que o desejo ou, formulado em outras palavras, as pulsões de autoconservação venceram as pulsões sexuais. Insisto em dizer que essa vitória do narcisismo sobre o desejo foi precipitada pela angústia: não se esqueçam de que é por medo de se prejudicar que o menino se esquiva da mãe. Entretanto, a angústia será recalcada, e, freqüentemente, mal recalcada. Com efeito, veremos que a neurose na idade adulta é o retorno da angústia de castração mal recalcada na infância. Porém, fora desse retorno neurótico, é incontestável que a angústia de castração permanece onipresente na relação normal que um homem mantém com seus órgãos genitais e, mais genericamente, com sua virilidade. Apesar de seu recalcamento pela criança edipiana, a angústia, pivô do Édipo do menino, marca para sempre a condição masculina. Com isso, podemos deduzir o quanto a angústia está no centro da vida de um homem. Ela impregna tão fortemente o caráter masculino que não hesito em dizer, e a clínica o comprova, que o homem é uma criatura particularmente medrosa diante da dor física, e preocupado em garantir permanentemente sua virilidade e sua potência. O homem é essencialmente um ser aflito com a perda do poder que julga possuir, ou, para dizê-lo em uma síntese caricatural, o homem é um covarde. Sim, reconheço, nós, homens, somos visceralmente covardes; e essa covardia vem do medo; e o medo vem do narcisismo excessivo do corpo, da atenção inquieta e febril que dirigimos ao nosso corpo. Esclareçamos, da atenção que dedicamos não à aparência ou à beleza do corpo, mas ao seu vigor e, sobretudo, sua integridade. A propósito, ocorre-me aqui uma imagem divertida inspirada nas partidas de futebol, quando os jogadores formam a barreira para bloquear um tiro direto. Nesse momento, por reflexo, colocam as duas mãos cruzadas sobre o sexo para se protegerem da bola. É uma imagem burlesca, que lembra uma fileira de menininhos, todos preocupados com seus corpos, e é também uma ilustração clara da maneira como o homem vive seu sexo como seu mais íntimo calcanhar-de-aquiles. Porém o mais engraçado desse instantâneo futebolístico é constatar que, quando o jogador da equipe adversária bate finalmente a falta, os defensores da barreira, sempre preservando seu sexo, desequilibram-se espontaneamente como se tivessem medo de ser atingidos pela bola, e, às vezes, contra toda a expectativa, saltam no lugar para evitar serem atingidos pela bola, correndo o risco de deixá-la passar entre as pernas e vê-la no fundo das redes! Preocupados em se preservar, negligenciam sua missão, que é bloquear a bola. Da mesma forma, quando sua virilidade está em perigo, o homem fica tão preocupado em protegê-la quanto o jogador em proteger seu sexo. Ele pode arriscar tudo, até sua vida, mas nunca seu orgulho de ser viril. Ora, quem são as criaturas que, na vida de um homem, podem fazer-lhe mal, tomar-lhe o poder, ameaçar sua virilidade ou humilhá-lo senão o pai admirado e temido ou a mulher, isto é, a mulher que rivaliza com ele? Quem pode roubar-lhe a potência senão o pai admirado ou a mulher rival? Em todo caso, não a mãe. Ao contrário, a mãe alimenta sua força e o persuade sobre o destino excepcional que o espera… Eis por que recomendo sempre às mães que exprimam ao filho toda a confiança que depositam nele e o apóiem em seus projetos. Sobretudo que não o apóiem no que diz respeito à sua beleza ou sua imagem, mas ao seu poder de fazer e criar. Com efeito, repetir para ele que ele é bonito e simpático antes reforçaria seu “mau” narcisismo, o da imagem, e enfraqueceria seu eu. Não, decididamente, não é a mãe que ameaça o homem, são antes o pai idealizado e a mãe vingadora. Em suma, para o homem, o sexo, a virilidade e a força são as coisas a serem defendidas a todo custo.
Os frutos do Édipo: o supereu e a identidade sexual
Uma vez resolvido – eu deveria dizer insuficientemente resolvido, uma vez que a dessexualização dos pais nunca é completa e a angústia, nunca definitivamente recalcada –, o complexo de Édipo masculino terá duas conseqüências decisivas na estruturação da personalidade futura do menino: por um lado o nascimento de uma nova instância psíquica, o supereu, por outro a confirmação de uma identidade sexual nascida por volta dos dois anos de idade e afirmada mais solidamente após a puberdade. O supereu é instituído graças a um gesto psíquico surpreendente: o menino abandona os pais como objetos sexuais e os mantém como objetos de identificação. Uma vez que não pode mais tê-los como objetos de seu desejo, apropria-se deles como objetos do seu eu; na impossibilidade de tê-los como parceiros sexuais, promete inconscientemente ser como eles – em suas ambições, fraquezas e ideais. Sem poder possuí-los sexualmente, assimila a moral deles. É graças a essa incorporação que a criança integra os interditos parentais que doravante imporá a si mesma. O resultado dessa passagem da sexualidade à moral é o que designamos supereu e os sentimentos que o exprimem: pudor, senso de intimidade, vergonha e delicadeza moral.
O segundo fruto do Édipo é a assunção progressiva da identidade sexual. Antes do Édipo, a criança tinha um conhecimento rudimentar e intuitivo acerca da diferença dos sexos sem ainda ser capaz de se dizer menina ou menino ou afirmar que o pai é um homem e a mãe, uma mulher. No início do Édipo, nem sempre ele consegue identificar o sexo de seu pai, de sua mãe ou de seus irmãos e irmãs. Não esqueçamos que, aos três anos, a linha divisória ainda não passa entre homem e mulher, masculino e feminino, mas entre aqueles que têm o Falo e os que não o têm, entre os fortes e os fracos. Entretanto, o contexto familiar, social e lingüístico, bem como as sensações erógenas que emanam de sua região genital e a sensação de ser atraído pelo pai de sexo oposto, são os fatores que instalarão progressivamente as bases de uma identidade sexual que só será realmente adquirida muito mais tarde, na época da puberdade. É então que o jovem adolescente integrará a idéia de que o pênis é um atributo exclusivo do homem e, se já descobriu a vagina, que a vagina é um atributo exclusivo da mulher. Pouco a pouco, ele se forjará uma identidade sexual de homem e ao mesmo tempo descobrirá que a masculinidade e a feminilidade são antes de tudo comportamentos que não correspondem necessariamente à realidade fisiológica e anatômica de um homem ou de uma mulher. Aprenderá assim que todos os seres humanos, em virtude de sua constituição bissexual, possuem ao mesmo tempo características masculinas e femininas. Daí concluirá, talvez, que a diferença sexual permanece um enigma que não cessa de nos interrogar. O leitor pode desde já se reportar à FIGURA 8, que apresenta um quadro comparativo entre o tipo viril e o tipo feminino. Adianto que esse quadro deve ser lido como o conjunto dos traços dominantes que caracterizam o comportamento de um homem e o de uma mulher do ponto de vista do Édipo, e não como um conjunto de traços normativos.
Resumo da lógica do Édipo do menino
Antes de abordar o Édipo da menina, gostaria de resumir as diferentes fases atravessadas pelo menino edipiano, dando-lhe a palavra. Vamos escutá-lo:
“Tenho quatro anos. Sinto excitações penianas → Tenho o Falo e julgo-me onipotente → Desejo ao mesmo tempo possuir sexualmente meus pais, ser possuído por eles e eliminar meu pai → Sinto prazer em fantasiar meus desejos incestuosos → Meu pai ameaça me punir me castrando →Vejo o corpo nu de uma menina ou o de minha mãe e constato a ausência de pênis → Sinto mais medo ainda de ser punido → Angustiado, prefiro renunciar a desejar meus pais e salvar meu pênis → Esqueço tudo: desejos, fantasias e angústia → Separo-me sexualmente de meus pais e adoto a moral deles → Começo a compreender que meu pai é um homem e minha mãe uma mulher e a saber pouco a pouco que pertenço à linha dos machos → Mais tarde, na adolescência, minhas fantasias edipianas ressurgirão, mas meu supereu, muito severo nessa idade, vai se opor ferozmente a isso. Essa luta entre fantasias e supereu irá se manifestar por atitudes exageradas e conflituosas próprias da adolescência: pudor exacerbado, inibições, medo da mulher e desprezo por ela, bem como negação dos valores estabelecidos.”
FIGURA 2
Lógica do Édipo do menino