Em janeiro de 2005, viajei com minha filha Xiaoxiao a Udine, na Itália, para receber o Prêmio Nonino de Literatura. Naquela ocasião, conhecemos Naveen Kishore, que trabalhava em uma editora de Calcutá. Minha filha conversava com ele em inglês enquanto eu, sentado ao lado deles, observava. Era um homem de meia-idade e poucas palavras, de pele escura e feições bem definidas. Vestia um sobretudo preto por cima de um terno preto e carregava uma máquina fotográfica igualmente preta, que parecia muito pesada. A gola e as mangas estavam desbotadas, assim como os sapatos e a câmera. Convidei-o para jantar conosco, e ele tirou uma foto minha. Trocamos nossos endereços para manter contato, mas depois que nos despedimos, quase me esqueci dele. No início deste ano,[1] Naveen me escreveu um e-mail pedindo um texto sobre as grandes transformações ocorridas na China ao longo das últimas três décadas; o texto seria publicado por sua editora. Achei o tema demasiado amplo, muito além da minha capacidade, e não quis aceitar. Mas ele insistiu e muitos e-mails depois me disse para escrever “o que quiser e como quiser”. Com isso eu não tinha mais desculpas. Ao pegar a caneta, percebi que já não podia escrever o que quisesse e como quisesse. Ao pegar a caneta, percebi que já não conseguia me desvencilhar daquele tema. Naveen mandou-me por e-mail a fotografia em preto e branco que tirou quando nos conhecemos. Até que ficou bacana. Quem consegue achar um ângulo bacana num rosto como o meu é realmente um mestre.
[1] Texto publicado em 2009. [N.T.]