Apresentação

A história do ódio em relação a Freud é tão antiga quanto a da psicanálise. Ninguém toca impunemente no sexo, no segredo da intimidade, nos assuntos de família, na pulsão de morte e na barbárie dos regimes que escravizam mulheres, homossexuais, marginais e anormais sem pagar um preço por isso.

E é justamente essa a razão pela qual o sucesso obtido pela psicanálise no mundo traduziu-se por ataques incessantes: “ciência judaica” para os nazistas; “ciência burguesa” para os stalinistas; “ciência satânica” para os movimentos religiosos radicais; “ciência degenerada” para a extrema-direita francesa; “falsa ciência” para os cientistas; “ciência fascista” forjada por um vienense ganancioso e perverso para os adeptos da escola “revisionista” norte-americana. Essas ofensas nada têm a ver com a necessária crítica ao dogmatismo dos profissionais do inconsciente e seus grupelhos, ou mesmo à própria teoria freudiana, que em hipótese alguma deve ser vista como um corpus sagrado.

Mas o ódio em estado puro e sem nenhum outro fundamento senão a negação da realidade é coisa bem diferente. Convém lutar? Calar? A questão divide a comunidade científica, que muitas vezes se deixa seduzir pela fúria que suscita em seus detratores. Provavelmente porque seus representantes, imersos em trabalhos, colóquios e reuniões entre especialistas, tornaram-se, erradamente, indiferentes àquilo que veem, com desdém, como literatura de sarjeta.

De minha parte, sempre achei que jamais devemos silenciar quando o excesso de paixão e seu cortejo de danos ameaçam dificultar as condições do autêntico debate crítico. Ora, este é o caso, de uns vinte anos para cá, dessa série de panfletos estranhos escritos por autores cujos textos ressentidos não pertencem ao âmbito da tradição acadêmica e são incensados por uma mídia cada vez mais submissa à pressão do mercado.

Um panfleto delirante, o de Michel Onfray, vem mais uma vez incitar o ódio dirigido não apenas a Freud, tratado como impostor e ídolo a ser abatido, mas a todos os saberes constituídos.

Diante desse desvirtuamento que o poder das redes de internautas me permitiu combater, e que as mídias mais sérias, em seu conjunto, não subscreveram, fiz questão de juntar à minha própria análise contribuições oriundas justamente daqueles que se sentem interpelados, há anos, por aquele que se apresenta como o detentor dos saberes recalcados ou ocultados pela República. Eles provêm de horizontes diversos, e será muito difícil enxergar neles representantes do mundo “quartier latin”, expressão mais do que detestável que serve de cabide a todas as formas de desvalorização do pensamento. Todos são professores – na universidade ou no secundário – e quatro exercem a profissão fora de Paris: Caen, Lille, Marselha, Clermont-Ferrand. Agradeço-lhes por me haverem confiado suas contribuições.

De minha parte, e levando em conta a importância que ganhou na França o rumor de um Freud incestuoso, admirador de Hitler e Mussolini, fiz questão de insistir na gênese deste episódio escuso: como se forjou a lenda de um Freud violentando a cunhada para estimular em seguida a perseguição de seu próprio povo justamente no momento em que seus livros eram queimados pelos nazistas?

Este dossiê dá sequência, de certa forma, ao que publiquei em 2005 sob o título Pourquoi tant de haine? Anatomie du “Livre noir de la psychanalyse” (Navarin),1 com Pierre Delion, Roland Gori, Jack Ralite e Jean-Pierre Sueur. Visa, fundamentalmente, aprofundar a compreensão das razões pelas quais a obra freudiana continua a suscitar tais paixões.

1 Textos parcialmente reproduzidos em Elisabeth Roudinesco, Em defesa da psicanálise, Rio de Janeiro, Zahar, 2010. (N.E.)