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O facto de Lottie só se ter lembrado da sinistra mensagem do livro uma semana depois, era a prova do quão empenhada tinha andado a estudar, para melhorar as suas notas nada fantásticas a Matemática.

Estava sentada com Binah e Ellie na pequena biblioteca Stratus forrada a carvalho, que estava aberta aos alunos e a convidados registados. Pouco faltava para as 21h30, hora do recolhimento, e Lottie escrevia uma carta a Ollie. A maioria dos estudantes ainda estava maravilhada com a ideia de Lottie ser a princesa maradoviana secreta, pelo que a acolhedora biblioteca Stratus era um refúgio agradável para escapar a todo o burburinho.

Querido Ollie (o deserodeiro oficial de St. Ives),

A minha caixa postal pessoal é muito fácil de usar, por isso, espero receber imensas cartas tuas e da tua mãe, por favor. A morada é: Ivy 221A, Rosewood Hall, Oxfordshire.

Vais fartar-te de rir quando souberes da confusão em que me meti. Prometo contar-te tudo quando for a casa no Natal. Faz uma festinha ao teu cão por mim e diz à tua mãe que está tudo a correr bem por aqui.

Tenho muitas saudades tuas.

Lottie

PS.: Podes ajudar a acabar com o stock de chocolate escondido debaixo do chão do meu quarto, mas apenas se fores controlando o que a Beady anda a fazer por casa.

– Primeiro pede pão, quando saires daqui.1

Lottie levantou a cabeça para olhar para Binah, que estava inclinada sobre o ombro de Ellie, as duas intensamente concentradas nos números no papel.

– É assim que me lembro sempre – explicou Binah. Ellie riu em resposta à estranha afirmação de Binah.

– Pode ser – respondeu Ellie, esfregando o queixo enquanto escrevia mais um número no papel. – Eu lembro-me sempre da ordem de cálculo com PPPQSD, nunca me preocupei com cábulas.

– Não é uma cábula! – protestou Binah. – É uma mnemónica matemática.

Ellie ofereceu a Binah um sorriso provocador que fez com que as duas se rissem. Tinham criado rapidamente um laço, com base em enigmas, especialmente numéricos. Apesar de Lottie não conseguir compreender do que falavam a maioria das vezes, adorava observá-las entusiasmadas com os números. A face de Binah ficou séria e pegou na mochila.

– Ellie, estás proibida de gozar comigo até resolveres o meu código. – Colocou um pedaço de papel na mesa coberto de equações complexas. Lottie observou fascinada a arrogância de Ellie a desvanecer-se.

Lottie nunca vira nada tão confuso na vida. Nem conseguia começar a imaginar como poderia resolver algo tão complicado.

– Criei este puzzle especialmente para ti, Ellie, e tenho algo para vocês as duas para acompanhar. – Binah enfiou a mão na mochila e colocou duas caixas de pele azul sobre a mesa, com um brilho elegante e iridescente na superfície. Ellie quis abrir a sua de imediato.

– Nã, nã – negou Binah, afastando a caixa do seu alcance. – Nenhuma de vocês pode abrir estas caixas até Ellie resolver o puzzle. – Ellie resmungou, indignada. – Bem, até podiam – acrescentou –, mas seria um esforço inglório, porque não fazem sentido sem terem descodificado a mensagem.

Lottie ficou aliviada por ver que Ellie também ficava perplexa com esta afirmação.

– Mensagem? – perguntou Lottie, espantada.

Binah ofereceu-lhe um sorriso cúmplice.

– Sim, a mensagem codificada no problema matemático.

Ellie e Lottie olharam uma para a outra novamente.

– Como é que é suposto eu descodificar a mensagem? – perguntou Ellie, carrancuda.

– Vais descobrir uma maneira – respondeu Binah com uma pequena risada, deliciada com as suas expressões desconcertadas. – Ah, e mais uma coisa. Sei o quanto gostas de contos de fadas, Lottie, por isso…

Binah retirou um bonito livro vermelho de capa dura da mochila. Uma enorme cabeça de lobo estava gravada na capa. No topo, escrito em grandes letras douradas, lia-se O Capuchinho Vermelho. Lottie arfou, com a memória do «presente» no seu primeiro dia: A Companhia dos Lobos.

Binah ficou confusa com a expressão de Lottie.

– Passa-se alguma coisa?

– Não, nada! É lindo! Muito obrigada. – De repente, Lottie estava desesperada por voltar para o quarto e mostrar a Ellie a sinistra mensagem. Pegou no livro e ofereceu a Binah o seu sorriso mais tranquilizante. – Percebi que está quase na hora de recolher. É melhor voltarmos antes que tenhamos problemas.

Não era propriamente uma mentira. Lottie tinha realmente terror em violar qualquer regra, especialmente depois do seu pequeno encontro com a professora Devine. Não esperava que ela fosse tão complacente uma segunda vez.

Binah acenou, mas a expressão de Ellie permaneceu cética pelo que Lottie deitou-lhe um rápido olhar a indicar-lhe que explicava tudo quando chegassem ao quarto. Despediram-se e assim que Binah ficou fora de vista, Ellie voltou-se para Lottie arqueando uma sombracelha.

– Qual é a urgência? – perguntou, tentando manter afastado o tom de excitação da sua voz.

Lottie respirou fundo antes de falar.

– Ellie… – começou, nervosa com a reação da amiga. – Há algo que tenho de te mostrar.

– Recebeste isto na primeira noite? E nem pensaste em dizer nada! Isso já foi há uma semana! – A voz de Ellie tinha um tom estridente ao ler o texto dourado dentro da capa do livro.

Lottie desviou o olhar envergonhada.

– Bem… estava preocupada que pudesses ter sido tu a pô-lo lá. – Ellie soltou uma risada e Lottie corrigiu rapidamente. – No início… porque parecias tão zangada… e… foi antes de eu saber que tu eras, tu sabes… uma princesa.

O riso parou e Ellie estendeu o lábio inferior em concordância.

– Quem quer que o tenha feito estava obviamente a tentar intimidar-te… a mim… quer dizer, à princesa, para a fazer reagir. Foi uma experiência. Temos de descobrir quem fez isto – disse Ellie abruptamente, fechando o livro com um baque. – Sejam eles quem forem, também devem ser os responsáveis por contar a toda a escola.

Lottie acenou, pensara na mesma coisa. Juntas, sentaram-se no chão e começaram a pensar em potenciais suspeitos que podiam ter deixado o livro até chegarem a 15 nomes. Todos os três chefes de ano Ivy e seis prefeitos Ivy do 10.º ao 12.º ano, já que todos tinham acesso aos dormitórios sem levantar suspeitas. Depois, todas as pessoas que Lottie conhecera no primeiro dia que pensaram que ela tinha dito que vinha de outro país: Raphael, Saskia, Lola, Micky, Binah e Anastacia.

– Bem, definitivamente não podem ser Lola ou Micky, porque não sabiam até Anastacia lhes ter contado – disse Lottie em defesa dos gémeos –, e Saskia não me conheceu antes do fogo-de-artifício; e nem pensar que a chefe do 10.º ano de Conch House passaria despercebida.

Ellie acenou, mas não estava realmente a prestar atenção, começando a folhear as páginas de A Companhia dos Lobos.

– Ellie?

– É um livro de biblioteca – disse ela secamente.

– É… o quê?

Ellie estendeu-lhe o livro de volta e Lottie abriu a contracapa para ver as pequenas marcas de corte onde teriam estado os cartões de uma biblioteca.

– Ellie – exclamou Lottie excitada. – És um génio! Basta descobrirmos que estudantes tiveram acesso à biblioteca principal no primeiro dia. – Lottie agarrou Ellie e abraçou-a.

Ellie devolveu o abraço dando-lhe palmadinhas nas costas, claramente pouco habituada a demostrações de afeto. Rapidamente, Lottie afastou-se, sentindo-se envergonhada, com um rubor quente a cobrir-lhe as bochechas.

– Muito bem, avancemos, podemos fazer isso amanhã logo de manhã.

– Amanhã? – O rosto de Ellie transformou-se num sorriso maquiavélico. – Nem pensar que vou esperar tanto tempo.

– Mas já passa da hora de recolhimento – retorquiu Lottie confusa.

A expressão de Ellie transformou-se num sorriso aberto, mostrando os dentes como se fosse um animal selvagem.

– Por isso é que inventaram a noção de escapadela.


1 Adaptação da expressão inglesa Big puffy rats make Dora always scared, uma mnemónica para BPRMDAS, que representa a ordem de cálculo matemático: primeiro, o que está entre Parênteses (Brackets); em segundo, Potências e Raízes Quadradas (Powers e Roots); depois, Multiplicações e Divisões (Multiplications e Divisions); e, por fim, as Adições e as Subtrações (Additions e Subtractions).