13. O cérebro determina o comportamento?

 

DEEPAK

Uma pessoa normal não pode ser facilmente convencida de que o livre-arbítrio não existe. Se você for a um restaurante chinês, vai ter de escolher entre a coluna A e a coluna B. Você não acha que alguém ou alguma coisa está escolhendo por você. O Universo funciona de acordo com as leis da física, mas continuamos livres para fazer nossas opções. Depois, podemos duvidar de nossas decisões, é verdade. Ceder a maus hábitos mostra como algumas escolhas se cristalizam e não podem ser alteradas com facilidade. Os vícios dão um passo adiante. Fazem nos sentir escravos da nossa fissura e sem alternativa a não ser obedecer.

A espiritualidade tem a ver com ampliar as suas escolhas. A ciência pode ajudar ou atrasar esse projeto. Ela ajuda quando nos dá controle sobre interruptores mecânicos, estejam eles no nosso cérebro ou em nossos genes. Mas atrasa o projeto quando insiste em que nosso cérebro ou nossos genes nos controlam. Não há questão mais crítica que esta, pois, em última análise, só existe um mestre, você ou os mecanismos construídos no seu corpo. A maioria de nós não enfrenta essa questão. Algumas vezes exercemos nossas escolhas, porém, no resto do tempo, funcionamos no piloto automático. Daí a resistência a divulgar as informações nutricionais do Big Mac no menu. Nutrição envolve reflexão; fast-food não envolve a mente. Às vezes somos lúcidos, outras, confusos; às vezes estamos no comando, outras, somos vítimas de nossos condicionamentos. Mas a vida não precisa estar tão comprometida.

No momento, a ciência vigente é altamente determinística. Como observa Leonard num dos primeiros ensaios, “nossas escolhas são muito mais automáticas e restritas do que gostaríamos”. Considero essa afirmação melancólica e irreal. Num scanner cerebral, a mesma área do córtex pré-frontal associada ao sentimento maternal de alimentação se acende quando o sujeito vê fotos de um bebê ou de um cachorrinho. Um determinista diria que ocorre uma reação idêntica. Mas, quando alguém entra num recinto onde exista um bebê, não o trata como um cãozinho, nem vai cuidar do soluço do setter. Nós sobrepujamos nosso cérebro o tempo todo.

Isso é de extrema importância, pois é fácil demais abrir mão do próprio poder e cair na inconsciência. Quando você come um saco de batatas fritas inteiro sem perceber o que está fazendo, você está inconsciente. Quando deixa outra pessoa lhe dominar ou até lhe maltratar para não se aborrecer, você também está inconsciente. Reivindicar o poder de escolha é o mesmo que reivindicar consciência; o primeiro passo desse processo é querer estar acordado, alerta, flexível e livre de velhos hábitos.

A neurociência não ajuda a esse respeito quando reduz o pensamento e os sentimentos a reações químicas e sinais elétricos no cérebro. Os caminhos que supostamente ditam os comportamentos são mapeados em ressonâncias magnéticas ou varreduras com raios X. A essa altura, todo mundo já viu programas de TV mostrando como um cérebro normal se ilumina em comparação a um cérebro deformado, distorção que pode ir de tumor cerebral, depressão, insônia até criminalidade ou esquizofrenia. Essas descobertas não podem ser ignoradas, claro. A mente não tem escolha a não ser seguir o cérebro. E quando o cérebro está fisicamente desequilibrado, ocorrerão alterações mentais. Mas isso está longe de significar que o cérebro controla a mente.

Seu comportamento é constantemente influenciado a partir de muitos ângulos, de dentro e de fora. Na verdade, uma das provas de que o cérebro não controla a mente é que ele se ilumina da mesma forma quando você se lembra de um estresse – como um grave acidente de automóvel ou ter sido demitido do emprego – e quando sofre o estresse na realidade. Mas não temos problema para perceber que a lembrança é diferente do fato real. Alguns deterministas afirmam que o pensamento deve estar enraizado nas substâncias químicas do cérebro porque os dois têm uma correlação exata. Uma descarga de adrenalina acontece quando uma pessoa de repente sente-se agitada ou com medo. Os sinais físicos do medo sem dúvida são disparados pela adrenalina, mas isso não representa que a adrenalina, ou qualquer outra substância, é a causa do medo.

Vamos nos aprofundar um pouco mais na questão. Há um estudo de 2010, da Escola de Medicina Monte Sinai, sobre a relação entre um hormônio chamado oxitocina e a maneira como uma criança crescida se sente em referência à mãe. A oxitocina, conhecida popularmente como “hormônio do amor”, por se manifestar em altos níveis quando as pessoas estão apaixonadas, está presente no corpo inteiro; no cérebro, ela tem sido associada a vários aspectos positivos, como confiança, prazer sexual e baixa ansiedade. Quando as mães dão à luz, os níveis de oxitocina no cérebro sobem, o que é relacionado a um poderoso sentimento de nutrição. Parece que, em mães que rejeitam seus bebês ou sentem depressão pós-parto, falta essa descarga de oxitocina.

Nesses casos, os deterministas químicos parecem ter um poderoso argumento, ao dizer que a oxitocina faz com que as pessoas se sintam melhor de várias maneiras, e que esse estado de espírito leva-as a ter pensamentos otimistas. Por exemplo, uma dose de oxitocina faz as pessoas se sentirem mais generosas diante de situações em que podem escolher ser ou não generosas. Então, quer dizer que uma taxa baixa de oxitocina é responsável pelo vilão Scrooge, e uma alta taxa gera um filantropo como Warren Buffett?a Isso realmente seria determinístico. No entanto, alguns novos estudos lançam sérias dúvidas. Quando adultos que mantinham boas relações com as mães ingeriam oxitocina, eles se lembravam de ter mais sentimentos positivos. Aí está a questão. Em sujeitos que declaradamente tinham má relação com a mãe, uma dose de oxitocina aumentava os maus sentimentos. O “hormônio do amor” possui seu lado obscuro. Em outras palavras, não existe uma relação pontual com os sentimentos amorosos, e menos ainda uma causa estabelecida.

Já mencionei que a mais crua metáfora usada pelos proponentes da inteligência artificial é afirmar que o cérebro humano é uma máquina feita de carne. Muitos estudiosos do cérebro não veem isso como metáfora, mas como um fato literal para o qual existe uma resposta simples, porém devastadora: uma máquina não pode decidir não ser uma máquina, e nós fazemos isso o tempo todo. Nosso sistema nervoso administra o corpo em piloto automático – é por isso que pacientes em coma não estão mortos –, mas, se você não estiver em coma, esse mesmo sistema nervoso pode liberar os controles sobre a mente. Dizer que é a própria máquina que decide quando está ou não no controle desafia o senso comum: seria como se o motor de um carro que pudesse determinar que “é a minha vez de dirigir”.

A existência do livre-arbítrio, assim como o domínio da mente sobre a matéria, já foi apoiada pela neurociência. Nos anos 1930, um pioneiro cirurgião canadense chamado Wilder Penfield descobriu que, se estimularmos a área do cérebro que controla os grandes músculos (o córtex motor), esses músculos se movem involuntariamente. Em um experimento, Penfield inseriu um pequeno filamento na área específica do córtex motor que controla o braço; quando emitiu um pequeno choque pelo filamento, o braço do paciente se ergueu. Em seguida ele perguntou ao paciente o que acontecera. A resposta era: “Meu braço simplesmente se ergueu.” (Cirurgias no cérebro costumam ser realizadas com o paciente acordado e consciente, pois os tecidos internos do cérebro não sentem dor.)

Até aqui, os resultados de Penfield parecem altamente determinísticos. Ele demonstrou uma relação causal entre o cérebro e o corpo, o que parecia estar apenas a um pequeno passo de dizer que o cérebro deve controlar o corpo. Mas Penfield acreditava na existência da mente. E disse a seus pacientes para erguer o braço (sem emitir um pequeno choque pelo filamento), o que eles fizeram com facilidade. Depois perguntou: “O que aconteceu agora?” A resposta era: “Eu ergui o braço.” Em outras palavras, os pacientes sabiam a diferença entre “Meu braço simplesmente se ergueu” e “Eu ergui o braço”. Um gesto é automático, o outro é voluntário. É profundamente irônico, então, que os estudiosos do cérebro defendam agora a noção do determinismo ao repetir esse mesmo experimento para provar que o cérebro nos controla, quando de fato ele prova o contrário. (Em sua notável carreira, Penfield sempre continuou insistindo em que o cérebro é um servo da mente.)

Quando praticam disciplinas espirituais como ioga, meditação, autorreflexão ou devoção, as pessoas descobrem que é possível dominar processos involuntários. Em alguns minutos, por exemplo, eu poderia mostrar como reduzir o ritmo metabólico e a pressão sanguínea com um simples exercício de concentração. Quando plenamente desenvolvida, a meditação pode diminuir o batimento cardíaco e a frequência respiratória até quase zero, façanha demonstrada por iogues orientais e swamis. Poderia mostrar como aquecer mais as palmas das mãos, ou até a desenvolver uma mancha vermelha na pele das costas da mão. Monges tibetanos usam a mente para aquecer seus corpos, a ponto de conseguir passar a noite nas enregelantes cavernas do Himalaia trajando apenas uma túnica de seda. O ponto de vista que estou propondo quer que as pessoas desenvolvam esse domínio.

Como você seria se tivesse essa perícia? Vamos responder a essa pergunta sem as conotações religiosas ou as imagens exóticas de iogues ou monges. A mestria, ou o domínio, significa que você seria capaz de buscar a autodeterminação – ou seja, teria liberdade para escrever o roteiro de sua própria vida. Pode haver tantos roteiros quanto o número de pessoas, mas há uma coisa em comum: o desejo de uma pessoa aumentaria seu bem-estar. No momento, poucos de nós somos capazes de combinar nossos desejos ao nosso bem-estar de forma confiável. Somos muito limitados pelos hábitos e pela repetição. É nesse ponto que o livre-arbítrio se choca contra uma parede, com força e com frequência. Mas por quê?

Você e eu somos paradoxos espirituais. Dotados do mais flexível sistema nervoso do Universo, estamos atados a milhares de minúsculas cordas, como Gulliver foi amarrado pelos liliputianos na praia. Estamos atrelados ao nosso jeito de fazer as coisas, aos nossos gostos e não gostos, sem mencionar memórias, condicionamentos passados e botões emocionais que as pessoas podem apertar. Um psicólogo cognitivo chegou a calcular que 90% dos nossos pensamentos hoje são os mesmos de ontem. Pagamos um alto preço deixando nosso sistema nervoso funcionar no piloto automático.

É tentador pôr culpar da nossa falta de controle no cérebro. Atrelada ao determinismo, a ciência do cérebro costumava fazer avaliações básicas que acabaram se mostrando falsas. Uma dessas avaliações afirmava que o cérebro estava inexoravelmente programado para uma dada resposta. Um bom exemplo é o medo. Quando eram ameaçados por animais selvagens, nossos ancestrais entravam no modo “lutar ou fugir”, e a razão anatômica para isso é nosso cérebro inferior, herdado de nossos ancestrais primitivos, como peixes e répteis. Em cima do cérebro inferior, exatamente como numa escavação arqueológica, onde novas cidades se empilham sobre ruínas das mais antigas, está o cérebro superior, ou córtex. É com o cérebro superior que lidamos com o medo. Podemos observar uma ameaça e dizer a nós mesmos: “Calma. Isso não foi o disparo de uma arma, foi o cano de escapamento de um automóvel”, ou “Estou com medo, mas não quero que meus filhos percebam”.

Há inúmeras maneiras de lidar com o medo usando a razão e as emoções superiores, como devoção à família ou sentido de dever. Mas o medo vem primeiro. Lutar ou fugir tem um caminho privilegiado no cérebro, e é a razão de saltarmos ao disparo do escapamento de um carro e só depois refletir a respeito. O pensamento faz com que você decida que o disparo do escapamento foi inofensivo. Não é preciso lutar nem fugir. Por si mesma, a sequência em duas partes parece benéfica. É bom reagir rapidamente ao perigo, mesmo que ele acabe se mostrando ilusório. O problema é que, se for repetida um número suficiente de vezes, a reação cria trajetos fixos no cérebro, caminhos neurais que funcionam de modo automático, restringindo a liberdade de escolha. Cada um de nós sabe o que é perder o controle diante da raiva, de hábitos alimentares, de excesso de peso, ansiedade, depressão e todos os tipos de compulsões. Há sabedoria no ditame do Talmude que diz: “Nenhum homem é dono de seus instintos.” Mas a civilização nos ensina como transformar nossos instintos em aliados, não em inimigos.

Em termos espirituais, perder o controle é o mesmo que adormecer. Materialistas convictos acreditam que, de qualquer maneira, o cérebro conduz o espetáculo: estar acordado (isto é, mais livre para escolher) é um conto de fadas que contamos a nós mesmos. Eles creem que somos marionetes que se recusam a ver os cordões de controle, e, como o cérebro maneja cordões invisíveis feitos de substâncias químicas e sinais elétricos, somos levados a acreditar que nossos sentimentos de amor, coragem e bondade, bem como nossas aspirações, têm alguma força ou significado.

E quanto ao fato óbvio de que algumas pessoas conseguem romper velhos hábitos e superar condicionamentos passados, trabalhar os próprios medos e se recuperar dos vícios? Obedecer a um hábito e descartá-lo são coisas opostas. Não pode ser verdade que o cérebro dite rigidamente o comportamento A e o comportamento oposto a A. É inevitável que a ciência do cérebro amaine sua insistência na rede elétrica rígida e chegue a uma teoria da rede elétrica flexível, que permita ao cérebro mudar da forma que a pessoa queira mudar. O termo técnico para isso é “neuroplasticidade”, e se refere à maneira como os caminhos neurais podem ser alterados à vontade.

De repente a perspectiva da mestria se abre bastante. A cegueira é um exemplo espetacular. Ao contrário da crença popular, os cegos não mergulham na total escuridão. Em geral, resta algum tipo de visão interior. Um homem que ficou cego por causa de um borrifo de ácido industrial passou a visualizar e desenvolver intrincadas caixas de engrenagens com dezenas de partes interligadas. Outro começou a trabalhar consertando telhados, e assustava os vizinhos fazendo seu trabalho em beirais muito altos, nos quais subia à noite. Às vezes outras faculdades assumem o lugar da visão. Certa vez li sobre um biólogo marinho cego, cuja especialidade era colecionar caramujos marinhos do oceano Índico, altamente venenosos: ele localizava as criaturas com os pés, identificava-as por meio do toque e nunca foi envenenado. Esses inspiradores exemplos de neuroplasticidade acabaram levando a uma nova tecnologia, conhecida como BrainPort, que confere ao cérebro uma forma controlada de substituir um sentido por outro.

O dispositivo BrainPort, que parece um boné equipado com eletrodos, começou como uma cadeira eletrificada, com uma câmera em cima e uma almofada nas costas da pessoa cega, que transmitia um padrão de sinais elétricos à pele. A pessoa sentada na cadeira recebia uma imagem registrada pela câmera, que era enviada para suas costas por meio do toque. O cérebro transformava a imagem “sentida” em imagem “vista”. Essa descoberta, ocorrida quarenta anos atrás, mostrou que um sentido pode substituir outro.

Mais tarde, depois de descobrir isso, o neurocientista Paul Bach-y-Rita encontrou uma forma de restaurar o equilíbrio de pessoas cujo cérebro fora danificado nessa região. A perda do senso de equilíbrio pode ser superdesorientadora, como se a pessoa andasse sempre num navio que joga muito no mar. Bach-y-Rita colocou na língua do paciente uma pequena almofada que enviava minúsculos sinais elétricos para a direita, a esquerda, para a frente ou para trás da língua, dependendo da maneira como a pessoa desequilibrada se inclinava. Seus pacientes aprenderam logo a levar o sinal para o meio da língua, o que significava que estavam retos. Depois de um tempo, o cérebro assumiu a tarefa para si. Uma pessoa que antes não conseguia ficar em pé sem cair agora podia ser curada pelo BrainPort e andar por conta própria, até de motocicleta.

O cérebro é guiado pela determinação, como a família de Bach-y-Rita aprendeu bem cedo. Em 1959, o pai de Paul, Pedro, sofreu um derrame que lhe deixou um lado do corpo paralisado e prejudicou sua fala. O segundo filho, George, era psiquiatra, e, ao confrontar a convicção da época de que tais danos eram irreversíveis (acreditava-se que o cérebro não poderia curar a si mesmo), ajudou o pai a recuperar a vida normal. Anos depois, quando Pedro morreu, seu cérebro foi examinado, e descobriu-se que o tronco cerebral prejudicado pelo derrame tinha de fato se recuperado.

Devemos essas descobertas a um dos aspectos da ciência, embora outros estejam atrelados ao determinismo. A bifurcação na estrada não poderia ser mais nítida. Se você ou eu escolhermos alcançar o domínio, nosso objetivo espiritual encontrará um aliado físico. O cérebro humano, assim como o próprio Universo, corresponde ao que você espera dele, de acordo com suas mais profundas convicções. Então, por que não acreditar que seu cérebro é capaz de propiciar esse domínio? Se um sentido pode ser substituído por outro, se o cérebro pode curar a si mesmo e se novos caminhos neurais se desenvolvem quando a pessoa decide que isso é possível, há muito mais liberdade para nós do que qualquer um já imaginou.

 

LEONARD

Em seu livro The Incoherence of the Philosophers, o filósofo sufido século XI Abu Hamid al-Ghazali escreveu que, quando o fogo encosta no algodão, este último não é queimado pelo fogo, mas diretamente por Deus. Segundo tal ponto de vista, nossa expectativa de que o fogo faça o algodão queimar vem do fato de que, cada vez que jogamos algodão no fogo, Deus quer que ele queime; mas o fogo em si não pode determinar a queima, pois isso deixaria as mãos de Deus atadas, e Deus é livre para fazer o que quiser. De uma forma mais genérica, Al-Ghazali argumentava que as leis da natureza são uma espécie de ilusão na qual passamos a acreditar porque Deus é racional e em geral coerente (exceto no caso dos milagres). A relação entre causa e efeito só parece seguir leis inalteráveis, mas as verdadeiras causas dos eventos estão além do reino físico.

Deepak e muitos outros demonstram atitude semelhante quando se trata da ligação entre o cérebro físico e a consciência humana. Podemos estudar o cérebro e compreender suas leis, mas, segundo sua visão, o substrato físico do nosso córtex é controlado pela mão invisível da consciência, a verdadeira força motriz de nossos pensamentos, sentimentos e ações. Deepak acredita que o cérebro é a marionete da mente imaterial – que, por ser imaterial, não é regida pelas leis da física.

Deepak compara os neurônios do nosso cérebro a um piano, e nossa mente consciente à música tocada pelo instrumento. Segundo essa perspectiva, a consciência é expressa por nosso cérebro físico como as notas musicais são trazidas à vida por um piano físico. Deepak diz que “não é possível tocar ‘Twinkle, Twinkle, Little Star’ no piano sem um piano … Mas se alguém dissesse que o piano compôs ‘Twinkle, Twinkle, Little Star’, a afirmação não faria sentido.” É verdade. Mas se alguém dissesse que “Twinkle, Twinkle, Little Star” foi composta num mundo imaterial, da consciência universal, isso também pareceria ilógico – e é esta a alternativa que ele oferece, se seguirmos sua lógica.

Não devemos nos deixar levar por analogias. Embora os dois pontos de vista – que a consciência vem de um domínio externo ou que emana do próprio cérebro – sejam reconhecidamente desafiadores, a maneira como progredimos na elucidação do elo entre mente e cérebro é examinar o cérebro e ver o quanto do que fazemos e sentimos pode ser atribuído à sua ação. Deepak escreve que não se pode entender nada sobre a relação entre um piano e o modo como a música é tocada “examinando as moléculas de cada tecla de marfim com um microscópio eletrônico”, o que ele acredita ser comparável ao que os estudiosos do cérebro tentam fazer quando examinam o cérebro em busca de uma base física para a mente. Mas, quando se observa o cérebro, pode-se perceber que muitas evidências de que o cérebro é a fonte da consciência.

Deepak e eu estivemos fazendo todo o trabalho até agora, o que é justo, já que somos os autores do livro. Mas aqui vai um pequeno exercício para você, leitor. Dê uma olhada nos blocos da Figura 1 (p.216). Uma das superfícies negras parece longa e estreita; a outra, mais curta e larga. Contudo, não são – se você medir as duas, vai ver que são idênticas. Você se engana porque as perspectivas dos desenhos foram projetadas para tirar vantagem de uma idiossincrasia na forma como o cérebro percebe as figuras. Agora, por favor, olhe outra vez para os blocos e, como você já sabe que são idênticos, tente ver os dois dessa forma. Você vai perceber que não consegue fazer isso. Essas ilusões e a impossibilidade de superá-las são uma prova de que não existe uma mente externa separada do cérebro físico e capaz de dominá-lo. Nós não podemos transcender as funções do cérebro físico.

Aqui vai outro exemplo. Dê uma olhada nos dois rostos da Figura 2 (p.216). O que acha que podem ser? Um homem e uma mulher igualmente atraentes, a mulher à direita? Todos nós temos nossas idiossincrasias quando se trata de avaliar o que nos atrai, mas a primeira exigência para uma vida amorosa bem-sucedida é ser capaz de reconhecer o sexo de sua preferência. E se você pensa que os rostos abaixo pertencem a pessoas de sexo diferente, está enganado. É o mesmo rosto, diferenciado apenas pelo grau de contraste das fotos. Tanto entre asiáticos quanto entre caucasianos – a população estudada –, o rosto feminino mostra mais contraste. Mesmo que isso seja novidade para você, não é para o nosso cérebro. Ele interpreta automaticamente a imagem com menor contraste como masculina, e, mesmo depois de saber que os rostos são idênticos, é difícil ou impossível sobrepujar o julgamento automático do cérebro.

 

FIGURA 1

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FIGURA 2

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Há também exemplos notáveis de uma conexão determinística entre o cérebro e a mente em animais não humanos. No capítulo anterior, mencionei o ritual de acasalamento da mosca-das-frutas. É algo que ocupa boa parte da vida social desses insetos, e, de acordo com as palavras de um pesquisador, é “a atividade que elas fazem melhor”. O comportamento de corte do macho geralmente é se aproximar da fêmea, tocar nela com as patas da frente, vibrar as asas, lamber a fêmea, curvar o abdômen e esperar. Se estiver interessada, ela se aproxima; se não, zune as asas para o macho. A que se pode atribuir toda essa gabolice da mosca-das-frutas? O comportamento foi relacionado a um gene responsável pela produção de uma proteína específica em certos neurônios no cérebro da mosca. Parece que esses neurônios dirigem cada passo da sequência coordenada da corte. Por exemplo, quando um biólogo preparou geneticamente moscas fêmeas para produzir a versão masculina da proteína, elas perseguiram outras fêmeas de forma agressiva, desempenhando a mesma dança masculina de namoro.

Os mamíferos também podem ser manipulados química ou geneticamente, de uma forma que parece reduzi-los a robôs. Por exemplo, embora a ovelha possa ser bem antipática com cordeiros estranhos, elas são cuidadosas e amorosas com os próprios rebentos. Como se descobriu, esse admirável comportamento maternal pode estar relacionado à oxitocina liberada no cérebro da mãe ao dar à luz. No período em que o nível de oxitocina está elevado (e permanece por cerca de duas horas depois do parto), a ovelha amamenta qualquer cordeiro que se aproxime, memoriza seu cheiro e pode criá-lo até a idade adulta, seja ele ou não cria sua. Fora desse intervalo temporal, porém, a ovelha vai afugentar qualquer cordeiro a quem não tenha se ligado antes – até o próprio filho, se ele for afastado da mãe enquanto os níveis de oxitocina estavam altos. Mais ainda, o comportamento de apego da ovelha pode ser revertido a qualquer momento com uma injeção de oxitocina.

Outro animal em que o papel da oxitocina foi muito bem-estudado é o arganaz, um grupo com cerca de 150 espécies, parecido com o camundongo. Um dos tipos de arganaz, o arganaz do campo, é um parceiro fiel, forma laços para a vida toda e raramente toma um novo parceiro, mesmo que o original tenha desaparecido. Duas outras espécies, contudo, o arganaz da montanha e o arganaz do prado, são solitários promíscuos. Assim como entre os carneiros, o comportamento desses animais pode ser relacionado à oxitocina e a um componente correlato chamado vasopressina. O aumento do nível dessas substâncias no cérebro de um promíscuo arganaz da montanha ou do prado o transforma num pai e marido exemplar, enquanto a redução do nível dessas mesmas substâncias no arganaz do campo faz com que ele se comporte mais como seus primos solitários. É interessante notar que os cientistas encontraram um gene que rege os receptores de vasopressina no cérebro humano e observaram que provocam diferenças análogas às que ocorrem entre os arganazes. Homens que se encaixam na categoria montanha/prado, em termos de níveis de vasopressina, são duas vezes mais propensos a ter problemas matrimoniais, e metade tende a se casar.

Deepak pergunta: “Então, quer dizer que uma taxa baixa de oxitocina é responsável pelo vilão Scrooge, e uma alta taxa gera um filantropo como Warren Buffett? Isso realmente seria determinístico.” É óbvio que nossos experimentos com seres humanos são limitados. Mas, quando os níveis de oxitocina no cérebro são manipulados, em animais, a resposta tem sido sim, essas manipulações resultam mesmo em mudanças comportamentais.

Sem dúvida a relação entre oxitocina e comportamento entre as pessoas é mais complexa que entre esses animais. Como menciona Deepak, nos seres humanos, a oxitocina também parece ter uma ligação com certos sentimentos negativos. Isso não é um sinal de que o cérebro não determina o comportamento. Significa apenas que cérebros são complicados, e que os hormônios exercem muitas funções. Mas entre as mães humanas, como entre as ovelhas, a oxitocina é igualmente liberada durante o parto e o nascimento, e promove a união com o recém-nascido.

Por infortúnio, fica também evidente que o cérebro dita comportamentos e emoções em pessoas com lesões cerebrais. Em nenhuma outra instância o efeito de um cérebro alterado é mais chocante do que quando impacta o julgamento moral de alguém. “O julgamento moral é, para muitos, a operação quintessencial da mente além do corpo, a assinatura terrestre da alma”, escreveu o neurocientista Joshua Greene. Ele e outros pesquisadores fizeram muitos progressos na compreensão de como o cérebro físico cria julgamentos morais ao codificar memórias ou interpretar informações. Uma área do cérebro vital para essa função é chamada de córtex pré-frontal ventromedial, ou CPFvm, localizado a centímetros da testa. Pacientes com lesões graves no CPFvm não têm a capacidade intelectual alterada, mas demonstram menos empatia e uma diminuição do sentimento de repulsa em ferir os outros. Em um dos estudos, foi apresentada uma série de escolhas morais hipotéticas – envolvendo matar uma pessoa inocente em nome de um bem maior – a um grupo com lesões no CPFvm e a um grupo de controle. Entre os portadores de lesões, era duas vezes maior o número dos que empurrariam alguém debaixo de um trem a fim de salvar outras pessoas, ou que sufocariam um bebê chorando se isso atraísse soldados inimigos. Na vida real, lesões do CPFvm têm sido associadas a casos de divórcio, perda de emprego e conduta social inapropriada. Aliás, muitos criminosos reincidentes são psicopatas que ainda novos começaram a exibir traços de crueldade e continuaram demonstrando emoções superficiais e falta de empatia ao longo da vida. Os neurocientistas encontraram uma base neural para esse comportamento, abrangendo uma área grande de regiões do cérebro como o CPFvm e a amígdala. “Pelas suas deficiências cerebrais, esses pacientes têm emoções sociais anômalas”, disse o neurocientista Ralph Adolphs, que pesquisa o CPFvm.

Nós aceitamos normalmente que incapacidades físicas em vítimas de derrames se devam a danos cerebrais, mas pode ser inquietante a perspectiva de aceitar o “mal” como um déficit neurológico, como resultado direto da estrutura cerebral de uma pessoa. Talvez pareça que estamos desculpando o indivíduo (“Ele fez isso por causa do cérebro”). No entanto, existe um grupo ao qual permitimos lapsos éticos e morais identificados ao desenvolvimento do córtex pré-frontal. Ele é facilmente identificável e muito caro ao coração de muitos de nós. Estou me referindo às crianças, claro. Reconhecemos que, abaixo de certa idade, as crianças não podem ser consideradas responsáveis como os adultos, nem se deve exigir muito delas. Nosso sistema legal faz essa distinção, assim como muitos de nós – e a principal razão é que o córtex pré-frontal só completa seu desenvolvimento aos vinte e poucos anos. O comportamento de risco dos adolescentes e a falta de controle dos impulsos diante da ansiedade pela gratificação imediata são de conhecimento comum. Agora, não apenas sabemos que isso existe como também por quê.

Concordo com Deepak: o comportamento humano “é constantemente influenciado a partir de muitos ângulos”. Esses ângulos incluem experiências passadas e circunstâncias presentes; e influenciam muitas estruturas do cérebro, cujas complexas interações criam as pessoas que somos. Mas todos esses ângulos estão dentro do nosso mundo físico. Não existe evidência de que, como acredita Deepak, nossos cérebros são controlados por algo fora deles. Mesmo assim, não somos escravos de nossos genes. As pessoas podem mudar, e concordo com Deepak em que, quando “praticam disciplinas espirituais como ioga, meditação, autorreflexão ou devoção, as pessoas descobrem que é possível dominar até processos involuntários”.

A neurociência não rejeita essas ideias, fornece suporte para elas. Na verdade, os estudos que mostraram como monges budistas conseguem modular a atividade do cérebro são ilustrativos de um círculo de retroalimentação. Assim como os sujeitos do experimento que mencionei no Capítulo 12 podiam fazer seus neurônios disparar quando quisessem, para controlar imagens numa tela de computador, os monges fornecem outro exemplo de uma decisão do sistema mente-cérebro que pode alterar o segundo.

Mestria, autodeterminação e liberdade para escrever o roteiro da nossa própria vida são objetivos admiráveis, e acredito que nós – isto é, o nosso cérebro – podemos atingir essas metas. E que não precisamos sair do mundo material para fazer isso.

a  Ebenezer Scrooge: personagem principal de Um conto de Natal, de Charles Dickens, o protótipo do homem avarento e ganancioso; Warren Buffett: magnata americano, um dos homens mais ricos do mundo, prometeu doar 99% de sua fortuna para causas filantrópicas. (N.T.)