Prefácio

A vida aventureira do outlaw, do fora da lei, do proscrito Robin Hood, transmitida de geração em geração, tornou-se na Inglaterra um tema popular. Mesmo assim, muitas vezes o historiador se ressente da falta de documentos para retratar a singular existência do famoso salteador. Um grande número de tradições que mencionam Robin Hood tem raízes em fatos reais e oferece boas bases para a compreensão dos costumes e hábitos daquela época.

Os biógrafos de Robin Hood nem sempre estiveram de acordo quanto à origem do nosso herói. Uns atribuíram-lhe nascimento ilustre, outros contestaram seu título de conde de Huntingdon. O certo é que Robin Hood foi o último saxão a tentar se opor à dominação normanda.

Os acontecimentos ao longo da história que vamos contar, por mais plausíveis e admissíveis que pareçam, talvez não passem, no final das contas, de resultado da imaginação, pois não existe a menor prova material da sua autenticidade. A universal popularidade de Robin Hood chegou até nós com todo o frescor e o brilho dos seus primeiros dias. Não há autor inglês que não lhe tenha consagrado palavras de simpatia. Cordun, escritor eclesiástico do século XIV, chama-o ille famosissimus sicarius (o famosíssimo bandido). Major qualifica-o como humaníssimo príncipe dos ladrões. O autor de um poema latino muito curioso, datado de 1304, compara-o a William Wallace,1 o herói da Escócia. O célebre Gamden, referindo-se a ele, diz: “Robin Hood é o mais galante dos bandidos.” E o grande Shakespeare, enfim, na comédia Como lhe aprouver, querendo contar o modo de vida do duque, seu principal personagem,2 e descrever sua felicidade, assim se exprime: “Ele vive na floresta de Ardenas, com um bando de alegres companheiros, à maneira do velho Robin Hood da Inglaterra, deixando o tempo passar, livre de qualquer preocupação, como na época feliz da Idade de Ouro.”3

Se quiséssemos enumerar os autores que citaram Robin Hood elogiosamente, estaríamos abusando da paciência do leitor. Basta-nos dizer que todas as lendas, canções, baladas e crônicas que falam dele o representam como alguém distinto, de coragem e audácia inigualáveis. Generoso, paciente e bom, Robin Hood era adorado não só por seus companheiros (nunca foi traído nem abandonado por nenhum deles), mas também por todos os habitantes do condado de Nottingham.

Robin Hood oferece o singular exemplo de um personagem que, sem ser canonizado, ganhou uma data festiva. Até fins do século XVI, o povo, os reis, os poderosos e os magistrados da Escócia e da Inglaterra celebravam o herói com jogos esportivos em sua homenagem.4

A Biographie universelle5 informa-nos que foi o belo romance Ivanhoé, de sir Walter Scott, que tornou Robin Hood conhecido na França.6 Mas para melhor apreciar a história desse bando de fora da lei é preciso recordarmos que, desde a conquista da Inglaterra por Guilherme, as leis normandas condenavam os caçadores clandestinos à perda dos olhos e à castração.7 O duplo suplício, pior do que a morte, forçava os infelizes que incorriam nesse crime a se refugiar nos bosques. Passavam a ter como único recurso de sobrevivência a própria atividade que os havia tornado fora da lei. A maioria desses caçadores clandestinos pertencia à raça saxã, despossuída pelos invasores. Pilhar os bens de um rico senhor normando praticamente equivalia a retomar o que havia pertencido aos antepassados. Essa circunstância, perfeitamente explicada no romance épico Ivanhoé e nessa narrativa das aventuras de Robin Hood, impede que se confundam os outlaws com vulgares ladrões.


1. William Wallace (c.1270-1305), herói escocês, liderou seus compatriotas contra a dominação inglesa.

2. Em As you like it, comédia de William Shakespeare (1564-1616), o principal personagem (o “duque”) tem seu poder usurpado pelo irmão e se refugia na floresta, onde passa a viver.

3. Todos os autores citados nesse parágrafo (à exceção, naturalmente, de Shakespeare) são-nos desconhecidos.

4. A lembrança de Robin Hood até hoje movimenta o turismo local, com a floresta de Sherwood, onde viveu o herói, logo ao norte da cidade. O Festival Robin Hood ocorre anualmente em plena floresta, oferecendo diversões “medievais” e torneios de arco e flecha.

5. Biographie universelle ancienne et moderne, de 1811, com edição atualizada em 1843.

6. Publicado em 1819, o romance, aliás, foi traduzido do inglês por Victor Perceval, em edição francesa de 1862 que Alexandre Dumas coassinou. No romance, Robin Hood tem um papel secundário, participando de um grande torneio de tiro ao alvo, mas já com todo um glamour cavalheiresco.

7. Guilherme I, dito o Conquistador (c.1028-87), duque da Normandia, que chegou ao trono inglês em 1066, buscou maior concentração do poder e introduziu a cultura normando-francesa na ilha. As florestas eram consideradas domínios reais, sendo a caça ilegal por isso um crime de lesa-majestade.