20
Cinco anos se passaram.
Confortavelmente instalado na floresta, o bando de Robin Hood vivia em segurança, apesar de os normandos, seus inimigos naturais, saberem de sua existência. Os produtos da caça garantiram de início a alimentação, mas com o passar do tempo esse recurso mostrou-se insuficiente e Robin Hood foi levado a procurar outros meios para suprir as necessidades gerais.
Mantendo então vigilância sobre as estradas que cortavam em todas as direções a floresta de Sherwood, ele passou a cobrar uma taxa aos viajantes. Essa taxa, eventualmente exorbitante, caso o forasteiro assaltado fosse um grande senhor, se reduzia a muito pouco em caso contrário. Aliás, essas extorsões diárias de jeito nenhum tinham a aparência de um assalto e eram feitas com delicadeza e cortesia.
Os homens do bando de Robin Hood paravam os viajantes da seguinte maneira:
— Sr. forasteiro — diziam tirando polidamente o gorro que lhes cobria a cabeça —, nosso chefe, Robin Hood, espera Sua Senhoria para começar sua refeição.
O convite, que não podia ser recusado, era em geral recebido até com certa satisfação.
Conduzido, sempre educadamente, até Robin Hood, o convidado se punha à mesa com o anfitrião, comia bem, bebia melhor ainda e descobria, já na sobremesa, o montante da despesa. Como se pode imaginar, a soma era proporcional ao peso financeiro do desconhecido. Se ele trazia consigo dinheiro suficiente, pagava, em caso contrário, tinha que dar o nome e endereço da família e pedia-se então um forte resgate. Quando isso acontecia, o viajante, mesmo prisioneiro, era tão bem tratado que aguardava sem o menor descontentamento a hora de voltar a estar livre. O prazer dessa refeição com Robin Hood custava muito caro aos normandos, que mesmo assim nunca se queixavam do constrangimento.
Duas ou três vezes uma companhia de soldados foi enviada contra os mateiros, mas sempre vergonhosamente derrotada, e chegou-se a dizer que o bando de Robin Hood era invencível. Grandes senhores foram lautamente despojados, mas os pobres, em contrapartida, fossem saxões ou normandos, recebiam cordial recepção. Caso Tuck estivesse ausente, às vezes parava-se algum frade, e se ele aceitasse rezar a missa para o bando, era generosamente recompensado.
Nosso velho amigo Tuck estava feliz demais naquela alegre companhia para que por um só momento passasse por sua cabeça a ideia de ir embora. Fez construir uma pequena ermida nos arredores do subterrâneo e vivia satisfeitíssimo com os melhores produtos da floresta. O digno frade continuava a beber vinho quando tinha a felicidade de encontrar algumas garrafas, cerveja forte não havendo vinho, e água fresca — miséria! — caso a inconstante fortuna o deixasse em desgraça. Excusado dizer que o pobre Gilles fazia então uma careta horrível e declarava insossa e nauseabunda a límpida água do riacho. O tempo não havia em nada melhorado o temperamento do bom religioso. Continuava o mesmo: estapafúrdio, espalhafatoso, fanfarrão e sempre pronto a responder à altura. Seguia os companheiros em suas excursões pela floresta e era um prazer ver o alegre bando de rosto risonho e falatório animado que, mesmo assaltando viajantes, nunca perdia o agradável senso de humor. Todos se mostravam tão visivelmente felizes e contentes com aquela maneira de viver que a voz popular com simpatia os denominou “os alegres homens da floresta”.
Há cinco anos ninguém tinha notícia de Allan Clare nem de lady Christabel. Sabia-se apenas que o barão Fitz-Alwine acompanhara Henrique II à Normandia.
Já o pobre Will Escarlate fora engajado no exército. Halbert se casara com Graça May e moravam ambos na cidadezinha de Nottingham e trouxeram ao mundo uma encantadora menininha, já com três anos.
Maude, a linda Maude, como dizia o gentil William, passara a fazer parte da família Gamwell, que secretamente se retirara numa propriedade de Yorkshire, conforme já mencionamos.
Junto da mulher e das filhas, o velho baronete pôde esquecer seus infortúnios. Recuperara energias e sua florescente saúde lhe prometia longa vida.
Os filhos se tornaram companheiros de Robin Hood e viviam também na comunidade da verde floresta.
Uma grande mudança se operara em nosso herói: ele cresceu, seus membros ficaram mais fortes, a delicada beleza dos seus traços, sem perder a extraordinária distinção, havia assumido características mais viris. Aos vinte e cinco anos, Robin Hood parecia ter chegado aos trinta. A audácia brilhava em seus grandes olhos negros, os cabelos cacheados e sedosos emolduravam a fronte pura e ligeiramente amorenada pelas carícias do sol, a boca e o bigode cor de azeviche davam à sua agradável figura uma expressão séria, mas essa aparente severidade em nada diminuía a jovialidade do temperamento. Ele, que causava a mais viva admiração entre as mulheres, não parecia se sentir orgulhoso nem lisonjeado: seu coração pertencia inteiramente a Marian. Continuava a amá-la de modo tão terno quanto no passado e com frequência ia vê-la no castelo de sir Guy. A família Gamwell tinha conhecimento do amor entre os dois jovens e só se esperava, para o casamento, o retorno de Allan ou a notícia da sua morte.
Entre os visitantes recebidos como amigos em Barnsdale (nome da propriedade do baronete saxão) havia um homem ainda jovem que se tomou de amores por Marian. O parque do seu castelo fazia limite com o de sir Guy e ele havia voltado há poucos meses de Jerusalém, depois de participar de uma cruzada como membro da ordem dos Templários.55 Sir Hubert de Boissy era cavaleiro do Templo e, consequentemente, obrigado ao celibato.
Certa manhã, voltando de um passeio a cavalo pelas redondezas, ele viu Marian numa janela do castelo vizinho. Achou-a muito bela, quis revê-la e procurou se informar quem era. Descobriu. Logo se apresentou à porta do baronete e, anunciando-se a pretexto de boa convivência, ofereceu ao velho sua amizade e tentou ganhar sua confiança. Foi um início bastante difícil, pois o velho saxão, que detestava os normandos, se manteve distante e recebeu com extrema frieza a tentativa de aproximação do sr. de Boissy. Sem absolutamente desanimar diante desse primeiro fracasso, o cavaleiro voltou ao ataque. Aconselhado pela prudência, sir Guy acabou se mostrando mais receptivo. Dias depois do segundo encontro, Hubert fez uma visita às sras. de Gamwell e, uma vez introduzido no círculo familiar, mostrou-se tão franco, afetuoso e amável que o próprio sir Guy, a quem ele contava maravilhosas histórias, viu pouco a pouco se desfazer o sentimento de desconfiança que o simples aspecto do normando já lhe inspirava.
Multiplicaram-se as visitas de Hubert e ele se comportava com tanta habilidade que ganhou completamente se não a confiança, pelo menos a estima e simpatia do idoso fidalgo, tornando-se um agradabilíssimo conviva. Galante com as moças sem se mostrar inconveniente, ele repartia entre todas seus cuidados e atenções, fazendo as visitas parecerem apenas cordiais e sendo, então, impossível se queixar de tal assiduidade. Era a impressão que tinha Marian e não lhe viera em mente comentar com Robin Hood as aparições do vizinho, mas temia um eventual encontro dos dois na sala do castelo. De fato, o impulsivo rapaz poderia cometer alguma imprudência, já que certamente não veria com bons olhos tanta familiaridade entre saxões e o inimigo da raça.
Hubert de Boissy era desses homens que, sem possuir qualidades físicas ou morais dignas de nota, têm o talento de agradar às mulheres e ser bem apreciado. Seu comportamento ameno fazia com que se acreditasse na bondade do coração e isso ajudava a garantir o sucesso mundano. Essa inexplicável facilidade que tinha para agradar lhe dera certa fatuidade e boa dose de impudência, fazendo com que não conseguisse imaginar qualquer recusa mais séria por parte de alguma mulher que ele porventura brindasse com sua atenção.
As regras da ordem a que ele pertencia, proibindo o casamento, pressupunham os deveres da castidade. Na verdade, porém, Hubert se comportava como a maior parte dos templários, em geral habituada ao luxo de uma riqueza principesca, e frequentava a sociedade, levando a existência de um jovem totalmente livre para dispor como bem entendesse do seu coração, fortuna e tempo livre.
O primeiro olhar que ele obteve da ingênua Marian fez despertar em seu coração uma forte paixão e essa paixão, dissimulada aos olhos de todos, ignorada inclusive por aquela que a motivara, tornou-se um suplício para Hubert. Mantido à distância pelo frio comportamento da jovem, exasperado pelo generalizado desdém que ela votava aos usurpadores normandos, ele desenvolveu um amor cheio de rancor, que misturava em iguais proporções desejo e ódio.
O cavaleiro tinha suficientes fineza e experiência para compreender que, à exceção do afável sir Guy, a família mal suportava a sua presença. Ele próprio se sentia bem pouco à vontade junto a quem denominava amigos e contra os quais planejava covardemente uma cruel vingança.
Apesar da generosa bondade do seu temperamento, frequentemente o velho baronete deixava transparecer o desprezo que tinha pelos normandos, expressado com adjetivos injuriosos. Hubert reprimia o ódio mortal que lhe causavam os insultos e sorria com indulgência, levando às vezes a falsidade ao ponto de concordar com as opiniões do anfitrião, depois de tentar combatê-las, para com isso inspirar um sentimento de pena e simpatia.
Tinha notável inteligência, com discernimento rápido e eficaz, quando era do seu interesse. Fora então fácil, desde o primeiro encontro, avaliar sir Guy, percebendo que o generoso ancião era alguém simples, franco, sincero e incapaz de imaginar no próximo maus pensamentos que ele próprio não tinha.
Dois meses depois da primeira visita ao castelo, pelo menos em aparência Hubert era tratado como verdadeiro amigo.
Winifred e Bárbara, as duas filhas do baronete, se mostravam educadamente atenciosas com o normando, mas o mesmo não se passava com Marian, que instintivamente desconfiava daquela aparente fleuma do cavaleiro.
Hubert soubera do casamento previsto para a jovem, mas não conseguiu descobrir como se chamava o futuro esposo.
Uma personalidade menos ardente teria recuado diante da glacial reserva de Marian, mas Hubert dava ouvidos ao desejo de vingança, mais do que ao irresistível impulso do verdadeiro amor. Esperava a hora propícia para uma súbita declaração. Imaginava pôr-se de joelhos diante da jovem e humildemente declarar seu ardente carinho. Com paciente perseverança, mantinha-se à espreita do momento em que estaria a sós com Marian, tentando, ao mesmo tempo, descobrir o segredo do seu amor, com a intenção de, caso conseguisse, esmagar o perigoso obstáculo.
Interrogados pelos criados de Hubert, os vassalos de sir Guy davam falsas informações. Inventaram um nome e o cavaleiro, com todas suas artimanhas até que bem arquitetadas, continuou na mais completa ignorância.
Mas conseguiu saber que o futuro marido de Marian era saxão, jovem e notavelmente bonito. E também que suas vindas ao castelo eram cercadas de mistério. O normando passou a ficar atento a uma eventual visita do rival, esperando matá-lo em emboscada, mas essas cordiais intenções ficaram frustradas, sem que o aguardado jovem aparecesse.
Era esse o estado das coisas. Hubert não havia ainda revelado a intensidade da sua paixão por Marian, nem o ódio que tinha pelo restante da família, quando uma festa num vilarejo a certa distância do castelo animou todos os membros da família Gamwell. Hubert pediu — e foi-lhe concedida — permissão para acompanhar as senhoras.
Winifred, Maude e Bárbara contavam se divertir muito no passeio, mas Marian, que esperava a visita de Robin Hood, para ficar sozinha no castelo alegou estar com muita dor de cabeça.
A família se foi e com ela os vassalos endomingados, ficando em Barnsdale apenas um homem de guarda e duas criadas.
Uma vez sozinha, Marian foi para o seu quarto, escolheu um bonito vestido e se pôs à janela, de onde podia ver as diferentes estradas que davam acesso ao castelo. A todo instante tinha a impressão de ouvir o som melodioso da trompa, com o toque que anunciava a chegada do bem-amado. Sua graciosa cabeça se inclinava um pouco, um rápido brilho cintilava no olhar meditativo, os lábios, sempre tão sérios, pronunciavam um nome e ela inteira palpitava de alegria, ansiedade e expectativa. O som, porém, não se confirmava, a silhueta pressentida não alongava sua forma elegante na areia dourada do caminho e a jovem, sem distinguir com os olhos o que queria, procurava dentro de si mesma, tentando ver com o coração.
A espera foi longa e se tornou dolorosa. Marian esquadrinhava o horizonte, invadia a profundidade das alamedas do parque, ouvia todos os barulhos e, decepcionada em sua ardente esperança, começou tristemente a chorar.
Sentada numa poltrona com a cabeça apoiada numa das mãos, abandonou-se àquele ingênuo desespero, até que um leve barulho fez com que erguesse os olhos.
Hubert estava à sua frente.
Marian deu um grito e tentou fugir.
— Por que esse medo, senhorita? Por acaso sou algum filho de Satã? Estou com Deus. E nunca achei que minha presença num quarto de mulher fosse vista como a de um espantalho.
— Desculpe, senhor — conseguiu balbuciar Marian. — Não o ouvi entrar. Estou só e…
— Parece gostar muito da solidão, linda Marian, e quando um amigo a surpreende em seu retiro é recebido com expressão de desagrado, como se interrompesse uma conversa amorosa.
Marian, que se descontrolara, logo recuperou a calma da sua tranquila natureza. Ergueu altivamente a cabeça e, com passadas firmes, se dirigiu à porta. O cavaleiro de Boissy impediu-a de passar.
— Gostaria de falar com a senhorita, conceda-me por favor alguns instantes. Na verdade, achei que minha visita fosse mais bem-vinda.
— Sua visita, senhor, é para mim tão desagradável quanto inesperada.
— Que pena! — exclamou Hubert. — Mas o que fazer? Devemos suportar os males que não podemos evitar.
— Se for um cavalheiro, deve conhecer as práticas sociais, sir Hubert. Creio que basta eu pedir que me deixe só.
— Sou um cavalheiro, linda jovem — respondeu o fidalgo em tom de zombaria —, mas aprecio tanto a boa companhia que preciso de um motivo mais forte do que o simples desejo para abrir mão disso.
— É um desrespeito a todas as leis da galanteria cavalheiresca, senhor — respondeu Marian. — Permita-me então deixá-lo neste lugar, a que veio sem ser chamado e ao qual não é bem-vindo.
— Senhorita — continuou insolentemente Hubert —, por hoje estou preferindo deixar de lado as regras da cortesia. Não é minha intenção me retirar nem deixá-la ir. Tive a honra de falar do meu desejo de conversar, e como as ocasiões para estarmos a sós são tão raras quanto a sua beleza, seria um desperdício não aproveitar esta que consegui a pretexto de uma forte enxaqueca, seguindo o seu exemplo. Queira então me ouvir. Há muito tempo a amo.
— Basta, senhor — interrompeu Marian. — Não posso aceitar ouvir mais.
— Amo-a — continuou Hubert.
— Se o baronete estivesse aqui o senhor não se atreveria a falar desse modo!
— Claro que não! — respondeu ele cinicamente, enquanto as faces de Marian perdiam toda cor. — A senhorita tem espírito e inteligência, é desnecessário perder tempo com tolos elogios. Certamente teriam efeito sobre moças fúteis e vaidosas, mas com a senhorita, de tão inúteis seriam até de mau gosto. É muito bonita e amo-a; como vê, vou direto ao ponto. Aceita me retornar uma pequena parte desse meu afeto?
— Nunca! — respondeu com firmeza Marian.
— É uma palavra que seria prudente uma jovem sozinha na companhia de um homem muito atraído por sua beleza não pronunciar.
— Ai, meu Deus! Meu Deus! — exclamou Marian torcendo as mãos.
— Quer ser minha mulher? Se aceitar, será uma das mais importantes damas de Yorkshire.
— Infeliz! Trai vergonhosamente os votos que fez. Oferece-me mão que sabe não estar livre. O sacramento do casamento é proibido à ordem dos templários, à qual pertence.
— Posso me desobrigar dos votos e, caso aceite meu nome, nada haverá de se opor à nossa felicidade. Juro pela imortalidade da minha alma, Marian, que posso fazê-la feliz. Amo-a com todas as forças do meu coração. Serei seu escravo, não terei outro pensamento a não ser o de torná-la a mais invejada das mulheres. Responda-me, não chore tanto. Permite-me esperar o seu amor?
— Nunca! Nunca! Nunca!
— Ainda essa palavra, Marian! — observou Hubert com tom meloso. — Não aja levianamente, pense antes de responder. Sou rico, possuo as mais belas propriedades da Normandia, inúmeros vassalos. Serão seus também e vão cultuá-la como a um ídolo. Cobrirei seus cabelos de finas pérolas, terá sempre a seu redor os dons mais preciosos. Marian, Marian, posso jurar que será feliz comigo.
— Não jure, senhor. Já quebrou o juramento que o liga ao céu e também não cumprirá este.
— Não, Marian, manterei a palavra.
— Quero acreditar no que diz, senhor, mas não posso corresponder ao que pede: meu coração não está livre — ela acrescentou conciliante.
— Tinham-me dito, mas a ideia me pareceu tão odiosa que não quis acreditar. Então é verdade? É mesmo verdade?
— É verdade — ruborizou-se Marian.
— Que seja! Respeitarei o segredo do seu coração se me conceder uma palavra afável, se disser que posso esperar ser seu amigo. Amarei-a ternamente, Marian, de forma totalmente dedicada!
— Não quero ter amigos, senhor, não poderia reconhecer direitos a uma afeição que para mim é impossível retribuir. A pessoa que ocupa meus pensamentos possui as únicas riquezas que ambiciono conquistar: nobreza de sentimentos, espírito cavalheiresco e caráter leal. Serei eternamente fiel, eternamente afeiçoada a ele.
— Marian, não me lance no desespero, pois perderei a razão. Quero me manter calmo, dentro dos limites do respeito, mas se me tratar ainda com tanta dureza, será difícil controlar minha cólera. Por favor, ouça, um homem que não está o tempo todo a seu lado não pode amá-la tão apaixonadamente quanto eu. Seja minha! Veja a sua existência aqui! O isolamento, numa família estranha. Sir Guy não é o seu pai, Winifred e Bárbara não são suas irmãs. Corre sangue normando nas suas veias, e me desdenha apenas por gratidão a esses saxões. Venha comigo, bela Marian, venha comigo. Terá uma vida de luxo, de prazer e de festas.
Um sorriso de desprezo se esboçou nos lábios da jovem, que disse:
— Senhor, queira se retirar. O que oferece sequer merece a cortesia de uma recusa. Tive a honra de lhe dizer que sou noiva de um nobre saxão.
— Então desdenha e rejeita o que ofereço, orgulhosa senhorita? — quis confirmar Hubert, com a voz alterada.
— Exatamente, senhor.
— Põe em dúvida minha sinceridade?
— Absolutamente, sr. cavaleiro. E agradeço suas boas intenções, mas, peço-lhe uma última vez, deixe-me só. Sua presença em meu quarto me incomoda muito.
Como resposta, o cavaleiro pegou uma cadeira e aproximou-a daquela em que estava Marian. Ela se levantou e de pé, no meio do cômodo, esperou, calma e de olhos baixos, que Hubert se fosse.
— Volte para perto de mim — disse ele, após um instante de silêncio. — Não quero lhe fazer mal, quero apenas obter uma promessa que, sem obrigá-la a romper o compromisso com o misterioso desconhecido a quem ama, me dará forças para suportar o seu desprezo. Estou pedindo, apesar de ter o direito de exigir, Marian — acrescentou Hubert, avançando até a moça que, sem precipitação aparente, mas de maneira firme, se encaminhou para a porta. — Está trancada, miss Marian, e suas belas mãos desnecessariamente se machucariam tentando abrir. Sou um homem precavido, minha bela; não há ninguém no castelo, e se lhe vier a fantasia de gritar por socorro, tenho homens a poucos passos de Barnsdale que entenderão isso como ordem minha para que tragam ao pátio cavalos excelentes e já selados, os quais, queira ou não a senhorita, a levarão embora daqui.
— Senhor — disse Marian com voz já chorosa —, tenha pena de mim. Pede coisas que não tenho como conceder. E a violência em nada mudará meu coração. Deixe-me sair; como pode ver, não estou gritando nem pedindo socorro. Suficientemente o estimo para não levar a sério suas ameaças de sequestro. Como homem honrado que é, sequer pode ter pensado em cometer ação tão covarde. Sir Guy o preza, tem real afeto e consideração pelo senhor; teria então coragem de ofender tão cruelmente a generosa amizade que soube construir? Pense bem, toda a família Gamwell cairia em desespero e eu mesma… eu me mataria, cavaleiro.
Marian desfez-se em lágrimas.
— Jurei que seria minha.
— Foi uma jura insensata, cavaleiro, e se algum dia o seu coração bateu forte por uma mulher, imagine em qual dolorosa situação ela estaria se, amada pelo senhor, outro homem quisesse obrigá-la a renegar esse amor. O senhor talvez tenha uma irmã, pense nela. O irmão que tenho não sobreviveria à minha desonra.
— Será minha mulher, Marian, minha mulher querida e respeitada. Venha comigo.
— Nunca! Nunca!
Hubert tinha aos poucos se aproximado e quis envolver Marian com os braços. Ela escapou do odioso contato e, correndo para um canto do quarto, gritou alto.
— Socorro! Socorro!
Pouco se incomodando com os gritos que ele sabia inócuos, Hubert sorriu perfidamente e conseguiu agarrar as mãos da jovem. No momento, porém, em que ia puxá-la para si, com um gesto rápido Marian arrancou o punhal preso à cintura do agressor e correu para a janela que estava aberta. A pobrezinha em desespero ia ferir o próprio peito ou se jogar do alto, quando o som de uma trompa quebrou com suas notas harmoniosas o silêncio da planície. Debruçada na balaustrada, ela estremeceu, com o coração disparado, e ouviu. O som, de início vago e indistinto, tornou-se mais claro, chegando a parecer uma alegre fanfarra. Paralisado pela surpresa da melodia inesperada, Hubert não fez nenhum movimento ofensivo na direção da jovem, mas quando o som da trompa parou, ele tentou afastá-la da janela.
— Socorro! Robin, socorro! — ela gritou o mais forte que pôde. — Socorro! Rápido, rápido, Robin! É o céu que envia o querido Robin!
Fulminado pela surpresa de ouvir aquele nome temido, Hubert tentou abafar os gritos da jovem, que se debateu com energia e força extraordinárias.
Ouviu-se, de repente, o nome de Marian ser gritado lá fora. O barulho de uma luta havia seguido os pedidos de socorro; a porta do aposento em que ela se encontrava voou aos pedaços e Robin Hood apareceu à entrada.
Sem um grito, uma palavra, ele pulou em cima do cavaleiro, agarrou-o pela garganta e jogou-o aos pés de Marian.
— Miserável! — disse, pesando o joelho no peito de Hubert. — Tentando violentar uma mulher!
Marian caiu chorando nos braços do noivo.
— Abençoado seja, Robin. Salvou-me mais do que a vida, salvou-me a honra.
— Querida Marian — respondeu o rapaz —, tudo que peço a Deus é estar sempre a seu lado nas horas de perigo. Louvada seja a santa Providência, que guiou meus passos. Acalme-se, contará depois o que aconteceu antes da minha feliz chegada. Quanto a este patife impudente — continuou, virando-se para o cavaleiro, que acabava de se levantar —, saia daqui. O profundo respeito que tenho pela nobre jovem que o senhor teve a audácia de ofender não me permite castigá-lo na sua presença. Saia…
Nem tentaremos descrever a raiva do miserável sedutor, que beirava a loucura. Seus olhos dardejaram contra o casal raios de ódio; ele balbuciou algumas palavras indistintas e, desarmado, ridículo, insultado, desonrado, saiu porta afora, desceu trôpego a escada que subira tão levianamente e se afastou do castelo. Robin Hood mantinha Marian contra o seu peito, pois a pobre moça não parava de chorar, apesar de querer demonstrar a seu salvador toda a alegria que lhe causava a sua presença.
— Marian, minha amada Marian — dizia ele com carinho —, não precisa mais ter medo, estou aqui. Vamos, erga para mim esse lindo rosto. Quero ver uma expressão tranquila e sorridente.
Ela tentou responder ao delicado pedido, mas não conseguiu pronunciar uma palavra sequer, tão grande era ainda a emoção.
— Quem era aquele homem, minha amiga? — perguntou Robin, após um instante de silêncio e fazendo a jovem ainda trêmula se sentar a seu lado.
— Um proprietário normando com terras vizinhas a Barnsdale — respondeu timidamente a moça.
— Um normando? E como se faz que meu tio receba em sua casa alguém dessa raça maldita?
— Caro Robin, sir Guy, você sabe, é um homem prudente e avisado. Não o julgue sob a influência do sentimento que o domina nesse momento. Foi por sérios motivos que ele se obrigou a receber as visitas do cavaleiro Hubert de Boissy. Tanto quanto você, ou até mais, sir Guy detesta os normandos. Além da precaução que obrigou o seu tio a aceitar os oferecimentos do cavaleiro, acrescente a inteligência, a habilidade, a melíflua manha com que esse vizinho conseguiu se insinuar nas boas graças de toda a família. Sir Hubert se mostrava tão respeitoso, humilde e dedicado que todo mundo se deixou levar pela aparente sinceridade do seu caráter.
— E você, Marian?
— Procurava não julgá-lo, mas via no seu olhar algo que soava falso e afastava a confiança.
— Como ele chegou a entrar nos seus aposentos?
— Não sei. Eu estava chorando porque…
E ela corou, baixando os olhos.
— Por quê? — perguntou Robin com carinho.
— Porque você não tinha vindo — disse Marian com um leve sorriso.
— Minha querida…
— Um vago barulho me chamou atenção, ergui a cabeça e vi o cavaleiro. Por algum pretexto ele havia deixado sir Guy, sem dúvida conseguiu afastar as criadas de serviço e postou seus homens nas proximidades.
— Disso sei eu — interrompeu Robin. — Precisei derrubar dois deles que quiseram me barrar o caminho.
— Meu querido, você me salvou! Sem isso eu estaria morta; ia me apunhalar quando ouvi a trompa.
— Onde mora o miserável? — perguntou Robin sem poder descerrar os dentes.
— A poucos passos daqui — ela respondeu, levando Robin até a janela. — Pode-se até ver o telhado, acima das árvores do parque. É o castelo do sr. de Boissy.
— Obrigado, Marian. Mas não falemos mais desse patife. Irrita-me até mesmo a ideia de mãos tão infames terem tocado as suas. Falemos de nós, de nossos amigos. Tenho boas notícias, notícias que vão deixá-la contente.
— Infelizmente — disse com tristeza a jovem — estou tão pouco habituada à alegria que nem acredito na esperança de um feliz acontecimento.
— Comete um erro, amiga. Esqueça o que se passou há pouco e tente adivinhar que notícias boas são essas.
— Querido Robin! Suas palavras me fazem imaginar uma felicidade inesperada. Recebeu o indulto? Está livre, não é mais obrigado a se esconder na floresta?
— Não, Marian; continuo sendo um pobre proscrito. Não era a mim que eu me referia.
— Então meu irmão, meu querido Allan? Onde ele está, Robin? Quando virá me ver?
— Em breve, assim espero. Tive notícias por alguém que aderiu recentemente ao bando, um dos que caíram nas mãos dos normandos naquele dia fatal do encontro com os cruzados, na floresta de Sherwood. Foi forçado a entrar para o serviço do barão Fitz-Alwine, que chegou ontem com lady Christabel ao castelo de Nottingham. Esse amigo voltou também e seu primeiro pensamento foi o de se juntar a nós. Contou-me então que Allan Clare tem alta posição no exército do rei da França e está prestes a conseguir uma licença para vir por alguns meses à Inglaterra.
— Esta é realmente uma boa notícia, querido Robin — exclamou Marian. — Continua sendo o anjo da guarda dessa sua pobre amiga. Allan, que já gostava tanto de você, gostará ainda mais quando souber o quanto foi generoso e bom com esta que, sem o apoio do seu carinho protetor, já teria morrido de tédio, tristeza e preocupação.
— Querida amiga, dirá a Allan que fiz o possível para ajudá-la a suportar pacientemente a dor de sua ausência? Dirá que fui um irmão afetuoso e dedicado?
— Um irmão? Muito mais do que um irmão — disse reconhecida Marian.
— Minha amada — murmurou Robin apertando a jovem contra o peito —, diga então que a amo apaixonadamente e que toda a minha vida lhe pertence.
O carinhoso encontro dos dois jovens durou bastante tempo e é possível que Robin tenha algumas vezes apertado um tanto vivamente as mãos da noiva, mas o afetuoso gesto sempre se manteve dentro dos recatados limites do amor respeitoso. No amanhecer do dia seguinte, Robin Hood montou a cavalo e, sem avisar a ninguém sobre sua partida precipitada, voltou apressado à floresta de Sherwood. Ordenou que uns cinquenta homens, sob o comando de João Pequeno, se dirigissem a Barnsdale e, escondidos nos arredores, aguardassem novas instruções.
No fim daquele mesmo dia, guiou todos eles até um pequeno bosque à frente do castelo de Hubert de Boissy e rapidamente contou o infame comportamento do cavaleiro normando, acrescentando ainda:
— Soube que prepara uma desforra arrasadora. Está reunindo seus vassalos, que são quarenta, e deve atacar esta noite o castelo de nosso querido parente e amigo, sir Guy de Gamwell. Planeja incendiá-lo, matar os homens e raptar as mulheres. Mas não sabe da nossa presença aqui. Defenderemos Barnsdale e havemos de vencer! Com precisão e coragem! Em frente!
— Em frente! — gritaram entusiasmados os homens da floresta.
Mal caiu a noite, as portas do castelo de Hubert se abriram dando passagem a uma tropa de homens que tomou em silêncio o caminho de Barnsdale. Mas assim que ultrapassou os limites da propriedade normanda, um grito de guerra deixou-a gelada de pavor. No meio dos seus homens, com voz de comando e atitude, Hubert tomou a dianteira na direção do alarmante clamor. Ao mesmo tempo, os homens da floresta surgiram do bosque e se precipitaram contra a pequena tropa.
A batalha começou de forma violenta e se tornaria sangrenta, mas Robin logo se viu frente a frente com o cavaleiro de Boissy.
O duelo foi terrível. Hubert se defendeu valentemente, mas Robin Hood, com forças triplicadas pela raiva, foi prodigioso e mergulhou a espada no coração do cavaleiro normando. Os vassalos pediram trégua e Robin, uma vez morto o inimigo, generosamente deu ordem para que cessasse o combate. O castelo de Boissy foi destruído pelas chamas e o senhor da magnífica propriedade, dependurado numa árvore à beira da estrada.
Marian tinha sido vingada.
55. A Ordem Militar dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, mais conhecida como Ordem do Templo, foi criada em 1119 e extinta em 1312. Chegou a contar com 20 mil membros (apenas 10% deles com o título de cavaleiro), que faziam voto de pobreza e castidade.