3

Depois de confirmar que Robin Hood não pretendia invadir o castelo, lorde Fitz-Alwine, com o corpo moído e a mente assaltada por mil projetos, cada um menos realizável que o outro, retirou-se em seus aposentos.

Sentindo-se já em segurança, passou em revista a estranha audácia do fora da lei que, em pleno dia, sem outra arma além de uma inofensiva espada, só desembainhada para cortar as cordas que prendiam o prisioneiro, demonstrara suficiente presença de espírito para manter à distância um forte contingente de soldados. A fuga vergonhosa desses últimos voltou à lembrança do barão que, esquecendo ter sido ele o primeiro a dar o exemplo, praguejou contra tanta covardia.

— Que pavor mais grosseiro! — exclamou. — Que ridícula atitude! O que vão pensar os cidadãos de Nottingham? Eles sim podiam fugir, pois não tinham meio algum de defesa, mas soldados armados até os dentes e bem treinados… Minha reputação de valentia e bravura vai estar para sempre abalada por essa afronta.

Dessa reflexão desoladora para o seu amor-próprio, o barão passou a pensamentos de outra ordem. Exagerou tanto a vergonha da sua derrota que acabou conseguindo transferir para os soldados toda a responsabilidade. Começou a acreditar que, em vez de abrir o caminho para a deserção, havia protegido a fuga insensata e, sem qualquer proteção além da própria coragem, abrira à força passagem entre os bandidos. Tornando-se realidade, essa estranha conclusão levou sua revolta interior ao cúmulo. Saiu do quarto e dirigiu-se rápido ao pátio, onde os soldados, reunidos em pequenos grupos, reclamavam da vergonhosa derrota, acusando, justamente, o nobre castelão. Ele chegou como uma bomba que caísse no meio da tropa, ordenou que se formassem em círculo e deu início a uma longa oratória sobre a infame poltronice. Em seguida, citou exemplos imaginários de pânico desvairado, acrescentando que nunca na história se havia ouvido falar de covardia comparável àquela. Discursou com tanta veemência e indignação, assumindo ares de tão indômita bravura, que os soldados, influenciados pelo natural respeito que têm por seus superiores, acabaram acreditando serem eles, de fato, os únicos culpados. A ira do barão pareceu-lhes nobre e justa. Baixaram então a cabeça, achando que realmente não passavam de uns poltrões assustados com a própria sombra.

Terminado o pomposo discurso, um dos homens propôs que imediatamente seguissem os bandidos até o esconderijo da floresta. A proposta foi recebida com gritos de alegria e o soldado que levantara a ideia sugeriu que o valoroso instigador de todo aquele belicoso ímpeto comandasse pessoalmente a expedição. Este último, pouco disposto a aceitar o intempestivo convite, respondeu se sentir lisonjeado com a demonstração de tão alta estima, mas que, pelo momento, parecia-lhe infinitamente mais agradável permanecer no castelo.

— Meus bravos — explicou o barão —, a prudência nos obriga a aguardar ocasião mais propícia para a captura de Robin Hood. Creio mais razoável evitarmos, por enquanto, qualquer tentativa inconsiderada. Paciência por hoje, coragem no momento da luta. Nada mais lhes peço.

Dito isso, e temendo maior insistência por parte dos seus homens, o barão se retirou, deixando-os entregues a seus planos de vitória. Mais tranquilo com relação à sua reputação de brilhante guerreiro, deixou de lado Robin Hood para se dedicar por inteiro a interesses pessoais, em que se incluíam os pretendentes à mão de sua filha. Inútil dizer que lorde Fitz-Alwine solidamente embasava a realização dos seus mais caros desejos na comprovada eficiência de Pedro Preto, e considerava eliminado em definitivo Allan Clare. Robin Hood, é bem verdade, havia mencionado a morte do sanguinário capanga, mas ao barão pouco importava que Pedro tivesse pagado com a própria vida o serviço prestado a seu amo e senhor.

Livre de Allan Clare, obstáculo nenhum podia mais se entrepor entre Christabel e Tristam. Os dias deste último, aliás, já se avizinhavam tanto da tumba que a jovem recém-casada trocaria, por assim dizer, de um dia para o outro, o vestido de noiva pelo escuro véu das viúvas. Jovem e extraordinariamente bonita, livre de todo laço, rica de dar inveja, lady Christabel poderia então aceitar novo casamento, digno de sua beleza e imensa fortuna. Mas qual casamento, perguntava-se o barão. Com os olhos faiscando de ardente cobiça, procurou imaginar um marido à altura das suas ambições. O orgulhoso velho logo vislumbrou os esplendores da corte e pensou no filho de Henrique II. Naquela época de incessante luta entre as diferentes partes que dividiam entre si o reino da Inglaterra, o dinheiro tinha um poder enorme e a elevação de lady Christabel à categoria de princesa real não era algo impossível de se realizar. A embriagadora esperança concebida por lorde Fitz-Alwine já ganhava contornos de projeto em vias de execução. Imaginava-se avô de um rei da Inglaterra e passou a avaliar a quais nações seria vantajoso unir seus netos e bisnetos, quando as palavras de Robin lhe voltaram à memória e puseram abaixo todos aqueles castelos de areia. Talvez Allan Clare estivesse vivo!

— Preciso confirmar isso imediatamente — gritou o barão, fora de si só de pensar na possibilidade.

Sacudiu furiosamente a campainha que tinha, noite e dia, ao alcance da mão e um criado se apresentou.

— Pedro Preto se encontra no castelo?

— Não, milorde. Ele saiu ontem na companhia de dois homens, que voltaram sozinhos. Um gravemente ferido e o outro semimorto.

— Mande vir este que ainda está de pé.

— Agora mesmo, milorde.

O homem convocado não demorou a vir. Tinha a cabeça enrolada em ataduras e o braço esquerdo numa tipoia.

— Onde está Pedro Preto? — interrogou o barão, sem demonstrar a menor compaixão pelo miserável.

— Ignoro, milorde. Pedro ficou na floresta. Cavava uma vala para esconder o corpo do jovem senhor que matamos.

Uma onda de sangue subiu ao rosto do barão, que tentou falar, mas apenas palavras confusas se entrechocavam em sua boca. Desviou o olhar e fez sinal para que o assassino deixasse a sala.

Era tudo que desejava o miserável, que saiu se esgueirando rente às paredes.

— Morto! — murmurou o barão com indefinível sensação. — Morto! — repetiu e, pálido a ponto de se poder duvidar da sua existência corpórea, continuou a balbuciar com um fiapo de voz: — Morto! Morto!

MAS DEIXEMOS FITZ-ALWINE entregue às aflições de uma consciência em revolta e vamos atrás do marido que ele pretendia para a filha.

Sir Tristam não havia deixado o castelo e a sua estadia devia se estender até o final da semana.

O barão desejava que o casamento de sua filha fosse celebrado na capela palaciana, e sir Tristam, que temia alguma sinistra cilada contra a sua pessoa, insistia para que a cerimônia acontecesse à luz do dia, na abadia de Linton,59 a uma milha mais ou menos de Nottingham.

— Caro amigo — disse lorde Fitz-Alwine usando um tom peremptório quando a questão foi levantada. — Só um tolo cabeçudo como o senhor não reconhece minhas boas intenções e os seus próprios interesses. Não pense que minha filha esteja felicíssima com esse casamento e suba contente ao altar. Não sei dizer por quê, mas tenho o pressentimento de que, na abadia de Linton, alguma circunstância desastrosa para nossos projetos em comum talvez se apresente. Temos na região um bando de bandidos comandados por um chefe audacioso e capaz de nos cercar e assaltar.

— Iremos escoltados por meus homens — respondeu sir Tristam. — São muitos e de coragem a toda prova.

— Como queira — acabou aceitando o barão. — Mas se alguma desgraça acontecer, não se queixe depois.

— Fique sossegado, assumo a responsabilidade por qualquer erro meu quanto à minha escolha do local da celebração nupcial.

— A propósito — retomou o barão —, não se esqueça, por favor, de que na véspera desse grandioso dia deve me entregar um milhão de moedas de ouro.

— A caixa com essa enorme soma está no meu quarto, Fitz-Alwine — disse sir Tristam deixando escapar um doloroso suspiro. — Será transportada ao seu no dia do casamento.

— Na véspera — disse o barão. — Foi o combinado.

— Que seja, na véspera.

Depois disso, os dois velhos se separaram, indo um deles fazer a corte a lady Christabel e o outro retornando a seus sonhos de grandeza.

NO CASTELO DE BARNSDALE, era grande a tristeza: o velho sir Guy, a esposa e as pobres filhas passavam as horas do dia a trocar mútuas palavras de consolo e as noites a chorar a perda do desventurado Will.

No dia seguinte da miraculosa libertação do rapaz, a família Gamwell, reunida na sala de estar, ainda conversava com tristeza sobre o estranho desaparecimento do rapaz, quando o alegre som de uma trompa de caça soou à porta do castelo.

— É Robin! — gritou Marian, precipitando-se à janela.

— Com certeza traz boas notícias — disse Bárbara. — Vamos, Maude querida, esperança e coragem, William vai voltar.

— Como gostaria que estivesse certa, minha irmã! — disse Maude chorando.

— Pois estou certa, estou certa! — exclamou Bárbara. — É Will, com Robin e mais outro rapaz. Algum amigo, provavelmente.

Maude correu para a porta. Marian, que havia reconhecido o irmão (Allan Clare, que já se restabelecera após algumas horas desacordado pela dor da pancada), atirou-se junto com Maude nos braços abertos dos recém-chegados.

Atônita, Maude repetia como louca:

— Will! Will! Querido Will!

Já Marian, com as mãos entrelaçadas no pescoço do irmão, era incapaz de pronunciar qualquer palavra.

Não tentaremos descrever a alegria daquela radiante família. Uma vez mais, Deus devolvia são e salvo quem fora pranteado sem esperanças de se tornar a ver.

Os risos apagaram até mesmo a lembrança das lágrimas. Os beijos e apertos de mão reuniram no seio materno, no mesmo aconchego e enlevo, os filhos queridos. Sir Guy deu sua bênção a Will e a seu salvador, enquanto lady Gamwell, sorridente e alegre, abraçava a adorável Maude junto ao coração.

— Não disse que Robin trazia boas notícias? — congratulava-se Bárbara, beijando Will.

— É verdade. E tinha razão, querida — respondeu Marian apertando as mãos do irmão.

— Tenho vontade — continuou Bárbara, com ares de provocação — de confundir Robin com Will para exagerar meu abraço.

— Tais modos de exprimir gratidão não dariam bom exemplo, Barby querida — riu Marian. — Seríamos obrigadas a imitá-la e Robin não aguentaria o peso de tanta felicidade.

— Seria uma morte bem agradável, não acha, lady Marian?

A moça ficou muito ruborizada.

Um imperceptível sorriso se esboçou nos lábios de Allan Clare.

— Cavaleiro — disse Will se adiantando até este último —, pode constatar o afeto que Robin inspira a minhas irmãs. Não é imerecido. Ao contar a calamidade que se abateu sobre nós, ele não disse que arrancou meu pai e minha mãe da morte, não mencionou a incansável atenção que dedicou a Winifred e Bárbara nem tampouco o muito que fez por Maude, minha futura esposa, como o melhor dos amigos. Dando notícias de sua bem-amada lady Marian, também faltou dizer: “Aquela de quem você estava distante teve em mim um amigo fiel, um irmão constantemente dedicado.” Não…

— William, por favor — interrompeu Robin. — Não provoque tanto a minha modéstia, pois apesar de lady Marian achar que não sei mais corar, sinto um calor ardente subindo ao rosto.

— Querido Robin — disse o cavaleiro, apertando com visível emoção as mãos do amigo —, há muito tempo devo-lhe enorme gratidão e fico contente de poder claramente confirmar o que sinto. Não foram necessárias as palavras de Will para que tivesse certeza de que nobremente cumpriu a delicada missão confiada à sua probidade; a lealdade de todas as suas ações era a maior garantia para isso.

— Meu irmão — disse Marian —, se pudesse saber como Robin foi bom e generoso com todos nós! Se pudesse saber o quanto o seu comportamento com relação a mim é digno de elogios, você ainda mais agradeceria, irmão, e o amaria como… como…

— Como você o ama, não é? — completou Allan com um delicado sorriso.

— Isso mesmo, como o amo — concordou Marian, com a face iluminada por íntimo orgulho, enquanto a voz melodiosa tremia de emoção. — Não fico constrangida de confessar meu carinho por quem generosamente participou do luto que pesava em meu coração. Robin me ama, querido Allan, com uma ternura que só se iguala em força e constância à que eu mesma tenho por ele. Prometi minha mão e esperávamos o seu retorno para suplicar a bênção divina.

— Meu egoísmo me envergonha, Marian — disse Allan. — E isso me faz em dobro apreciar o admirável comportamento de Robin. Seu protetor natural estava longe, esquecia-se de você e, mesmo assim, irmã querida, fiel à lembrança você o esperava para ter direito à felicidade. Que os dois me perdoem por esse cruel abandono. Christabel pode me justificar junto aos seus corações apaixonados. Obrigado, meu caro Robin, muito obrigado; palavra alguma pode exprimir minha sincera gratidão… Você ama Marian e Marian o ama. Cedo a sua mão com imensa satisfação.

Terminando de dizer isso, o cavaleiro tomou a mão da irmã e, sorrindo, colocou-a entre as mãos do amigo.

Com o coração a pular de alegria, Robin puxou Marian contra o peito que também batia forte e beijou-a apaixonadamente.

Inebriado com todo aquele ambiente e com o sincero intuito de acalmar um pouco a intensa emoção, William tomou Maude pela cintura, beijou várias vezes o seu pescoço, balbuciou algumas palavras confusas e conseguiu finalmente articular um triunfante grito de comemoração.

— Podemos nos casar todos ao mesmo tempo — gritou contente. — Ou, melhor dizendo, amanhã mesmo. Mas para que deixar para amanhã o que se pode fazer logo? Casamos hoje mesmo. Não tenho razão, Maude?

Ela desatou a rir.

— Está sendo apressado demais, William — interveio o cavaleiro.

— Apressado demais? É fácil dizer, Allan, mas se tivesse sido arrancado dos braços de quem o ama no momento de dar a ela o seu nome, não me acharia tão apressado. Não acha o mesmo, Maude?

— Concordo, William. Tem toda razão. Apesar disso, não podemos celebrar hoje o casamento.

— Por quê? Por quê, pergunto eu? — repetiu o impaciente noivo.

— Porque dentro de algumas horas terei que me afastar de Barnsdale, amigo Will — adiantou-se o cavaleiro. — E gostaria muito de estar presente a essa dupla cerimônia. E como espero também a felicidade de me casar com lady Christabel, nossos três casamentos poderiam se realizar no mesmo dia. Espere ainda um pouco William, dentro de uma semana tudo terá se organizado da melhor maneira para todos nós.

— Uma semana? — exclamou ele. — Não posso esperar tanto!

— Uma semana passa rápido, William, e o seu coração tem mil motivos para fazer com que tenha paciência — foi a vez de Robin sugerir.

— Está bem, aceito — disse o rapaz com desânimo. — Estão todos contra mim e eu sozinho a me defender. Maude, que deveria me dar apoio com a doçura da sua voz, se mantém calada. Não digo mais nada. Venha, Maude, temos muito que conversar sobre nossa futura vida a dois, vamos dar uma volta lá fora. Isso vai levar pelo menos um par de horas, que poderei subtrair da eternidade que será essa semana.

Sem esperar a resposta da noiva, Will pegou sua mão e levou-a entre risos para as verdes sombras do jardim.

SETE DIAS DEPOIS DO ENCONTRO de Allan Clare com lorde Fitz-Alwine, lady Christabel estava sozinha no quarto, sentada, ou melhor dizendo, caída numa poltrona.

Um esplêndido vestido de cetim branco envolvia em suas dobras sedosas o corpo abandonado da jovem e um véu de renda inglesa preso às louras tranças dos cabelos a cobria por inteiro. As feições tão puras e ideais de Christabel se apagavam em extrema palidez, os lábios descoloridos se mantinham cerrados e os belos e grandes olhos haviam perdido todo o calor, fixados na porta em frente, provavelmente sem nem mesmo enxergá-la.

De vez em quando, uma lágrima brilhante corria pelas faces. Essa lágrima de dor era a única manifestação de vida daquele corpo lasso.

Duas horas se passaram em mortal espera. Com a alma mergulhada em devaneios por um passado que não mais voltaria, Christabel mal respirava e apenas via se aproximar com indizível terror o momento do sacrifício.

— Ele se esqueceu de mim! — suspirou a jovem parecendo despertar, torcendo-se as mãos mais brancas do que o cetim do vestido. — Esqueceu a quem dizia amar, a quem apenas a ele amava. Quebrou as promessas, talvez tenha se casado. Deus meu! Tenha piedade de mim, faltam-me forças, meu coração está partido, já sofri tanto! Por ele suportei as palavras ácidas e os olhares sem amor daquele a quem terei que amar e respeitar. Por ele suportei sem queixas os cruéis tratamentos e a sombria solidão do claustro. Confiei nele e fui enganada!

Um soluço compulsivo sacudiu o peito de lady Christabel, acompanhado por abundantes lágrimas. Uma leve pancada na porta tirou-a do doloroso sonho.

— Entre — disse com uma voz apagada.

A porta se abriu e o rosto enrugado de sir Tristam surgiu diante da pobre infeliz.

— Querida lady — disse o velho com um esgar que ele imaginava agradável sorriso. — Chegou a hora de partir, permita-me, por favor, oferecer-lhe meu braço. A escolta nos espera e seremos os mais felizes recém-casados da Inglaterra.

— Milorde — balbuciou Christabel —, não vou conseguir descer.

— O que diz, meu amor, não vai conseguir descer? Não entendo, vejo que está toda vestida, os amigos nos esperam. Vamos, dê-me sua linda mãozinha.

— Sir Tristam, por favor, ouça — disse a jovem, erguendo um olhar em chamas, com os lábios trêmulos. — Se houver um mínimo de caridade em sua alma, poupe dessa terrível cerimônia esta pobre infeliz que implora.

— Terrível cerimônia? — repetiu sir Tristam muito surpreso. — O que está dizendo, milady? Não estou entendendo.

— Poupe-me a dor de ter que dar uma explicação — respondeu Christabel em pranto — e o abençoarei, milorde, rezarei a Deus pelo senhor.

— Minha pombinha parece estar bem agitada — observou o velho com suas maneiras untuosas. — Acalme-se, meu amor, e logo mais, ou amanhã, se preferir, poderá me contar o que a incomoda. Mas nesse momento exato temos pouco tempo a perder. Depois de casados, pelo contrário, estaremos à vontade e a ouvirei da manhã à noite.

— Por piedade, milorde, ouça-me agora. Meu pai o engana, mas eu não quero lhe dar esperanças vãs. Não o amo, milorde, meu coração pertence a um jovem cavaleiro que foi meu primeiro amigo desde a infância. É nele que penso no momento de dar minha mão ao senhor. É a ele que amo, milorde. Amo-o e é a quem tenho a alma ardentemente unida.

— Esquecerá esse jovem, milady. Quando for minha mulher, não pensará mais nele, acredite.

— Nunca vou esquecê-lo, a lembrança está gravada indelevelmente no meu coração.

— Na sua idade o amor sempre parece eterno, minha querida, depois o tempo passa e apaga, sob seus passos, a imagem que parecia indestrutível. Venha comigo, falaremos de tudo isso mais tarde e a ajudarei a colocar entre o passado e o presente a esperança do futuro.

— Não tem piedade, milorde!

— Amo-a, Christabel!

— Meu Deus, tenha piedade de mim! — suspirou a pobre moça.

— Deus certamente se apiedará — disse o velho tomando a mão de Christabel. — Ele lhe dará resignação e esquecimento.

Sir Tristam respeitosamente beijou, com um misto de ternura e comiseração, a mão fria que estava entre as suas.

— Será feliz, milady.

Christabel sorriu com tristeza.

— Certamente morrerei — ela pensou.

NA ABADIA DE LINTON grandes preparativos eram feitos para a celebração do casamento de lady Christabel com o velho sir Tristam.

Logo pela manhã, a capela havia sido decorada com magníficas tapeçarias e flores odorantes espalhavam no santuário os mais suaves perfumes. O bispo de Hereford,60 que devia unir o casal, esperava à porta da igreja a chegada do cortejo, tendo em volta monges de sobrepelizes brancas. Poucos minutos antes da chegada de sir Tristam e lady Christabel, um homem segurando uma pequena harpa fora falar com o bispo:

— Monsenhor — disse ele fazendo respeitosa reverência —, o irmão oficiará a cerimônia para os futuros esposos, não é?

— Isso mesmo, meu amigo — respondeu o bispo. — Por qual motivo a pergunta?

— Sou o melhor harpista da França e da Inglaterra, monsenhor, e frequentemente contratam meus serviços em festejos de grande brilho. Ouvi falar do casamento do rico sir Tristam com a filha única do barão Fitz-Alwine e vim oferecer meus préstimos a Sua Alta Senhoria.

— Se seu talento se igualar à segurança e vaidade com que fala, seja bem-vindo.

— Obrigado, monsenhor.

— Aprecio muito o som da harpa — continuou o bispo — e ficarei contente se tocar algo desde já.

— Monsenhor — respondeu o homem com entonação orgulhosa e majestosa movimentação dos panos do seu comprido manto —, fosse eu um dedilhador qualquer como os que está acostumado a ouvir, contentaria o seu pedido, mas toco apenas nas horas previstas e locais convenientes. Logo mais seu legítimo desejo será plenamente satisfeito.

— É bem insolente — respondeu o bispo irritando-se. — Quero que toque agora mesmo!

— Não ouvirá um acorde meu antes da chegada da escolta — disse o músico com imperturbável segurança. — Mas no momento certo, monsenhor, levarei a seus ouvidos um som que haverá de encantá-lo, esteja certo disso.

— Bom, logo poderemos avaliar seus méritos — concluiu o bispo —, pois já estou vendo os noivos.

O músico se afastou alguns passos com a sua harpa e o bispo se encaminhou para receber o cortejo.

No momento de entrar na igreja, lady Christabel, quase desfalecendo, disse ainda ao barão Fitz-Alwine:

— Pai, tenha piedade de mim; esse casamento será a minha morte.

O olhar severo do barão impôs silêncio à pobre moça.

— Milorde — acrescentou a noiva, apoiando a mão crispada no braço de sir Tristam —, não seja tão implacável. O senhor pode ainda devolver-me a vida, tenha compaixão de mim.

— Falaremos disso mais tarde — respondeu sir Tristam, e fazendo um sinal de confirmação ao bispo, obrigou-a a entrar na igreja.

O barão pegou a mão da filha e já a conduzia ao pé do altar quando uma voz forte soou:

— Parem!

Lorde Fitz-Alwine deu um grito, sir Tristam se apoiou no grande portal da igreja, sentindo as pernas fraquejarem. Um estranho tomara a mão de lady Christabel.

— Presunçoso miserável! — exclamou o bispo, reconhecendo o harpista. — Quem o autoriza a tocar com suas mãos mercenárias uma nobre dama?

— A Providência, que me enviou em socorro à sua fraqueza — respondeu com orgulho o desconhecido.

O barão se lançou contra o harpista.

— Quem é você? E por que vem perturbar esta santa cerimônia?

— Miserável! Chama santa cerimônia a odiosa união de uma jovem com um velho? Milady veio à casa do Senhor para receber o nome de um homem honrado — acrescentou o músico, inclinando-se respeitosamente diante de Christabel, quase morta de aflição. — Vai recebê-lo. Coragem, a divina bondade de Deus vela por sua inocência.

O harpista desatou com uma das mãos o cordão que prendia o seu manto e, com a outra, levou à boca uma trompa de caça.

— Robin Hood! — gritou o barão.

— Robin Hood, o amigo de Allan Clare! — murmurou lady Christabel.

— Robin Hood e seus alegres companheiros — completou nosso herói, mostrando com o olhar o numeroso grupo de homens da floresta que discreta e silenciosamente havia cercado a escolta.

Nesse mesmo instante, um jovem cavaleiro elegantemente vestido se pôs de joelhos à frente de lady Christabel.

— Allan Clare! Meu querido Allan Clare! — surpreendeu-se a jovem, juntando as mãos. — Abençoado seja, você não me esqueceu!

— Monsenhor — disse Robin Hood, se aproximando do bispo com a cabeça descoberta e de forma respeitosa —, contrariando todas as leis humanas e sociais, o reverendo padre aceitou unir dois seres que, de maneira alguma, estavam destinados pelo céu a viver sob o mesmo teto. Veja essa jovem e veja o marido que a insaciável avareza do próprio pai escolheu. Lady Christabel é noiva do cavaleiro Allan Clare desde a mais tenra infância. Seu prometido é jovem, rico, nobre e os dois se amam. Humildemente pedimos então que sacralize essa legítima união.

— Oponho-me formalmente a tal casamento! — gritou o barão, procurando se livrar das mãos de João Pequeno, que fora encarregado de se ocupar do velho.

— Fique calmo, homem inumano! — respondeu Robin Hood. — Atreve-se então a erguer a voz no interior de uma santa igreja e desmentir as promessas que fez?

— Não fiz promessa alguma! — rugiu lorde Fitz-Alwine.

— Monsenhor — voltou Robin Hood —, aceita unir esses dois jovens?

— Não sem o consentimento de lorde Fitz-Alwine — respondeu o bispo de Hereford.

— Jamais terão meu consentimento! — reagiu o barão.

— Monsenhor — continuou Robin Hood sem dar ouvidos àquela vociferação —, estou esperando sua resposta definitiva.

— Não posso assumir a responsabilidade de atender seu pedido — respondeu ainda o bispo. — As formalidades não foram publicadas e a lei exige…

— Obedeçamos à lei — disse Robin. — Amigo João Pequeno, deixe sua Graciosa Senhoria aos cuidados de um dos nossos amigos e publique as formalidades.

João Pequeno fez o que lhe foi dito. Repetiu três vezes o anúncio do casamento de Allan Clare com lady Christabel Fitz-Alwine. Mesmo assim, o bispo ainda recusava a bênção nupcial aos dois jovens.

— Sua decisão é irrevogável, monsenhor? — perguntou Robin.

— Sim — respondeu o bispo.

— Que seja. Previ essa possibilidade e trouxe comigo um santo homem que tem o direito de cumprir o cerimonial. Padre — continuou Robin dirigindo-se a um velho que passara despercebido até então —, queira entrar na igreja, os noivos o seguirão.

O peregrino que já havia participado da libertação de Will lentamente avançou.

— Aqui estou, meu filho. Rezarei pelos que sofrem e pedirei a Deus que perdoe os maus.

Controlada pela presença dos alegres homens da floresta, a escolta penetrou sem tumulto no recinto da igreja e a cerimônia teve início. O bispo havia se retirado, sir Tristam gemia de dar pena e lorde Fitz-Alwine rosnava baixinho terríveis ameaças.

— Quem entrega a senhorita ao esposo? — perguntou o ancião estendendo as mãos trêmulas sobre a cabeça de Christabel ajoelhada à sua frente.

— Faça o obséquio de responder, milorde — disse Robin Hood.

— Pai, por favor! — suplicou a jovem.

— Não e não, mil vezes não! — gritou o barão fora de si.

— Já que o pai dessa nobre criança se nega a cumprir a promessa sagrada que fez — disse Robin —, assumo o seu lugar. Eu, Robin Hood, dou como esposa, ao cavaleiro Allan Clare, lady Christabel Fitz-Alwine.

E a cerimônia continuou sem nenhum outro obstáculo.

Assim que a união foi consagrada, a família Gamwell surgiu à entrada da igreja.

Robin Hood foi ao encontro de Marian e levou-a ao pé do altar. William e Maude os seguiram.

Passando perto de Robin, já acatadamente ajoelhado ao lado de Marian, Will comentou baixinho:

— Finalmente, meu amigo, o dia esperado chegou. Veja Maude, como está bonita! Posso garantir que seu coraçãozinho querido bate bem forte.

— Silêncio, Will, reze. Deus está ouvindo.

— É verdade. Vou rezar e com todo fervor — respondeu o feliz noivo.

O peregrino abençoou os novos casais e, erguendo aos céus as mãos trêmulas, implorou para eles a misericórdia divina.

— Maude, minha querida — disse Will assim que pôde levar a recém-casada para fora da igreja —, finalmente é minha mulher, minha adorada mulher. As circunstâncias dificultaram nossa felicidade e todos esses atrasos me desesperaram tanto que mal compreendo o que está acontecendo. Estou louco de alegria. Você é minha, só minha! Fez suas orações? Pediu à santa Virgem que sempre nos dê a radiante felicidade de hoje?

Maude sorria e chorava ao mesmo tempo, com o coração pleno de amor e reconhecimento pelo gentil William.

O casamento de Robin gerou verdadeiras explosões de júbilo no bando dos alegres homens da floresta que, saindo da igreja, se reuniram para gritar formidáveis hurras!

— Patifes arruaceiros! — reclamou lorde Fitz-Alwine, seguindo contra a vontade o gigantesco João Pequeno, que polidamente o convidara a se retirar da igreja.

Instantes depois, o local estava deserto. Lorde Fitz-Alwine e sir Tristam, que ficaram sem seus cavalos, caminhavam lentos de volta ao castelo, melancolicamente apoiados um ao outro e num estado de espírito impossível de se descrever.

— Fitz-Alwine — disse o mais decrépito, que seguia aos tropeços. — Terá que me devolver o milhão de moedas de ouro que lhe entreguei.

— De jeito nenhum, sir Tristam! Nada tenho a ver com o que aconteceu. Tivesse ouvido meus conselhos, o desastre não teria ocorrido. Casando-se na capela de Nottingham, nossa dupla felicidade estaria assegurada. Mas o senhor preferiu o esplendor no lugar do mistério, o brilho do dia no lugar da obscuridade, e foi este o resultado. Aquele grande miserável levou minha filha, tenho direito a uma indenização: fico com o milhão.

A caminho de Nottingham nas mesmas míseras condições dos seus amos, a criadagem seguia à distância, rindo baixinho de todo aquele estranho acontecimento.

ENQUANTO ISSO, escoltados por todo o alegre bando, os recém-casados rapidamente ganharam as profundezas da floresta. O velho bosque tinha sido preparado para receber os felizes casais e, refrescadas pelo orvalho matinal, as árvores curvavam os verdes ramos sobre as cabeças dos visitantes. Compridas grinaldas com entrelaçamentos de flores e folhagem se emendavam umas nas outras, unindo carvalhos seculares, sólidos olmeiros, choupos elegantes. De vez em quando podia-se ver, parecendo um deus mitológico, algum cervo coroado de flores, um pequeno corço enfeitado com fitas a saltitar no caminho, ou ainda um gamo, também tendo no pescoço um colar festivo, que atravessava com a rapidez de uma flecha o verdejante gramado. No centro de uma vasta clareira fora preparada uma mesa, um espaço para danças e brincadeiras. Todas as diversões que pudessem se acrescentar para a satisfação geral dos convivas estavam ali reunidas.

Boa parte das jovens de Nottingham tinha vindo, trazendo sua amável presença à festa organizada para Robin Hood, e a mais franca cordialidade reinava soberana no feliz evento.

De braços dados, sorriso nos lábios e coração transbordando de alegria, Maude e William passeavam sozinhos por uma trilha perto do barracão armado para as danças, quando viram frei Tuck.

— Veja se não é o valente Tuck, nosso alegre Gilles, meu rotundo irmão — cumprimentou Will. — Teve a boa ideia de nos acompanhar no passeio? Seja bem-vindo, amigo, e faça-me o favor de admirar o tesouro da minha alma, minha mulher querida e mais precioso bem. Olhe bem para esse anjo, Gilles, e diga se existe sob o firmamento ser mais encantador. Mas tenho a impressão, amigo Tuck — acrescentou, prestando mais atenção na expressão preocupada do frade —, de que está triste. O que há? Diga o que o incomoda, tentarei ajudar. Não concorda, Maude? Venha conosco, Gilles, ouvirei o que tem a dizer e só depois continuo os elogios à minha esposa, fazendo seu velho coração rejuvenescer com a alegria do meu.

— Não tenho o que dizer, Will — respondeu o frade com a voz insegura. — E fico contente de saber que está tão feliz.

— Mas isso não me impediu, amigo Tuck, notar com tristeza sua sombria expressão. O que há?

— Não há nada. — Apenas me relampejou na cabeça uma ideia, capaz no entanto de pôr fogo no meu pobre cérebro; um diabinho que provoca meu coração. Veja bem, Will, não sei se deveria realmente contar, mas há alguns anos tive a esperança de que a pequena feiticeira que se abraça tão fortemente a você fosse o meu próprio raio de sol, a felicidade da minha existência, minha mais querida e preciosa joia.

— Então, meu pobre Tuck, amou a esse ponto minha linda Maude?

— Foi o que você ouviu, William.

— E já a conhecia antes de Robin, não é?

— Antes de Robin.

— E gostava dela?

— Sim! — suspirou o frade.

— E poderia ser de outra forma? — continuou Will com voz meiga e beijando as mãos da esposa. — Robin amou-a à primeira vista, adorei-a à primeira vista… E agora, por Deus, Maude, você é minha.

Fez-se um silêncio após a exclamação apaixonada de Will. O frade olhava para o chão e Maude, com as faces vermelhas, sorria para o marido.

— Espero, amigo Tuck — continuou William com carinho —, que minha felicidade não o faça sofrer. Hoje sou um homem feliz, mas o direito de dizer que Maude é minha bem-amada companheira foi conquistado a duras penas. Você não passou pelo desespero de um amor rejeitado, não conheceu o exílio, não perdeu alento, forças, saúde e descanso longe da amada.

Fazendo essa última enumeração das suas dores, Will observou melhor a cara rubicunda do religioso e desatou a rir.

Frei Tuck pesava para além de cem quilos e tinha um rosto que mais parecia uma lua cheia.

Tendo entendido o motivo do riso convulsivo de William, Maude o acompanhou e ingenuamente Tuck também caiu na gargalhada.

— É verdade, estou muito bem de saúde — disse ele com toda simplicidade. — Não impede que… enfim, deixa pra lá. Pela graça de Nossa Senhora! Meus bons amigos — acrescentou, pegando com as suas duas enormes mãos as do casal —, desejo a ambos uma perfeita felicidade. E é verdade o que eu disse, querida Maude, seus olhos de gazela me reviraram a cabeça por muito tempo. Mas não penso mais nisso, enterrei com edificante moralidade esse capítulo. Busquei consolo para o cruel pensamento e encontrei.

— Encontrou? — espantaram-se juntos William e Maude.

— Encontrei — respondeu Tuck com um sorriso.

— Uma moça de olhos negros que soube apreciar suas boas qualidades, mestre Gilles? — perguntou com malícia Maude.

O monge riu.

— Exatamente, meu consolo tem olhos brilhantes e lábios vermelhos. E você, Maude, perguntou se ela soube apreciar meus méritos? É difícil dizer. Minha amiga tem muito pouco juízo e não são meus os únicos beijos a que ela responde.

— E ama-a mesmo assim? — surpreendeu-se Will com um tom em que se misturavam pena e censura.

— Do fundo do coração — respondeu o frade. — Mas, como disse, ela é bem liberal na distribuição dos seus favores.

— Trata-se então de uma mulher indigna! — exclamou Maude corando.

— Como, Tuck, um bom sujeito como você se deixou envolver numa relação dessas? Para mim, melhor do que amar alguém assim…

— Psiu, psiu! — interrompeu candidamente frei Tuck. — Cuidado, Will!

— Cuidado? Por quê?

— Não fica bem falar mal de quem você tantas vezes beijou.

— Você? Com essa mulher?! — indignou-se Maude.

— Maude, Maude! É mentira! — reagiu Will.

— De forma alguma é mentira — insistiu com tranquilidade o religioso. — Beijou-a e não foi só uma vez, foram dez, vinte vezes.

— Ah, Will! Will!

— Não dê ouvidos, Maude. Está querendo enganá-la. Diga a verdade, Tuck. Já beijei essa de quem você diz gostar?

— Já. E posso provar o que digo.

— Está vendo, Will? — disse Maude quase chorando.

— Não entendo, Gilles, em nome da nossa amizade, exijo que apresente essa pessoa, veremos se terá o descaramento de sustentar a impostura.

— Com todo prazer, Will. E aposto que não somente se sentirá obrigado a reconhecer, como ainda vai dar novas provas de amor e beijá-la.

— Não quero que volte a ver essa mulher — disse Maude, agarrando com as duas mãos o braço de Will.

— Ele não só vai ver, como também beijar — insistiu o monge com estranha obstinação.

— É impossível — garantiu Will.

— Materialmente impossível — acrescentou Maude.

— Mostre-me sua bem-amada, mestre Gilles. Onde se encontra?

— Que importância tem? — perguntou Maude. — Não pode querer a presença dessa mulher. Além disso, certamente não se trata de relação apropriada para a sua esposa.

— Tem toda razão, querida — concordou Will beijando Maude na testa —, não seria digna de estar na sua presença nem por um instante. Meu caro Tuck — ele continuou, voltando-se para o frade —, por favor, pare com essa brincadeira desagradável. Não tenho vontade nem curiosidade de ver esta de quem diz gostar tanto. Não falemos mais disso.

— No entanto é preciso que a encontre, posso garantir, Will.

— De forma alguma! — interrompeu Maude. — William não quer, e para mim seria muito desagradável.

— Mas quero mostrá-la — continuou o obstinado Gilles. — Aqui está.

E Tuck retirou de dentro da batina um frasco de prata e levou-o à altura dos olhos de William, dizendo:

— Veja minha bela garrafa, meu consolo. Atreve-se ainda a dizer que nunca a beijou?

O casal desatou a rir com alívio.

— Confesso então meu pecado, caro Tuck — exclamou Will pegando a garrafa. — E peço à minha querida mulher permissão para um beijo carinhoso nos lábios vermelhos dessa velha companheira.

— Tem minha permissão, Will. Beba à nossa felicidade e à saúde do nosso alegre frade.

Will provou a bebida vermelha e devolveu a garrafa ao companheiro que, entusiasmado que estava, esvaziou-a por completo.

Os três amigos passearam ainda por alguns instantes de braços dados e depois, chamados por Robin, voltaram à festa.

Robin havia apresentado Much a Bárbara, dizendo que era o belo marido anunciado, mas a jovem balançara bem-humoradamente os louros cabelos cacheados, dizendo não querer ainda se casar.

João Pequeno, que em geral não era tão expansivo, mostrava-se perfeitamente cortês naquele dia. Deu mil atenções à sua prima Winifred e foi fácil perceber que os dois tinham segredos a trocar, pois conversavam em voz baixa, dançavam sempre juntos e pareciam por nada mais se interessar em volta.

Já Christabel, seu lindo rosto irradiava felicidade, mas estava ainda tão aflita com a brusca separação do pai, tão debilitada pelo sofrimento, que se sentia distante do espírito daquelas diversões. Sentada ao lado de Allan, parecia uma jovem rainha a presidir uma festa real dada a seus súditos.

Carinhosamente apoiada no braço do marido, Marian percorria a sala de baile e afirmou:

— Virei viver aqui com você, Robin, e até o momento esperado do seu indulto, quero compartilhar as dificuldades e o isolamento da sua existência.

— Seria mais prudente que morasse em Barnsdale, minha amiga.

— Não, Robin. Meu coração está com você e não quero me afastar do meu coração.

— Aceito com muito orgulho essa corajosa decisão, querida esposa, doce amor — ele respondeu comovido. — E farei tudo que puder para que se sinta satisfeita e feliz na nova existência.

Foi realmente um dia de felicidade e alegria o dia do casamento de Robin Hood.


59. A abadia a que era ligado frei Tuck, como se viu na primeira parte do romance.

60. É a sede do condado de Herefordshire, na fronteira com o País de Gales, a boa distância de Nottingham.