Lojas de canela

Romance quase biográfico, de uma rara beleza estilística e narrativa, dá-nos, em pequenos quadros e episódios de um suave, mágico, por vezes quase onírico, colorido local, os bairros de comerciantes, alguns deles judeus, da cidade de Varsóvia.

No fundo, este livro cheio de memórias realistas e fantásticas de parentes insólitos, de tão típicos que são, e de insignificâncias e sombras do dia a dia na atmosfera familiar da pequena burguesia hebraica, é a história de uma adolescência, da adolescência de um escritor genial e também excelente pintor, esse Bruno Schulz tímido e fascinante, entre elfo e gnomo, cuja obra é uma das preciosidades das literaturas da Europa Central.

As personagens do pai e da mãe, da Adélia, da tia Ágata surgem nessa casa antiga, onde no verão de fogo entravam frutas do paraíso, em plena praça do mercado.

Os ritos, os gestos quotidianos, as fugas do protagonista, as suas progressivas descobertas, das avenidas, das lojas de canela, da rua dos Crocodilos e da rua dos Manequins, dos telhados, dos bosques e seus mistérios, das diversidades da vida não cessam de nos fascinar.

Com a estrela amarela ao peito, mas sem compreender ainda todo o horror dessa situação, Bruno desvendava os segredos da cidade e da casa, onde a família morava no lindo primeiro andar e os empregados no andar de baixo, que era também a loja.

Só pela originalidade da escrita (e a tradução de Aníbal Fernandes é óptima) este livro merece ser lido e relido.