Estrategicamente construída no alto de uma colina conhecida como butte Montmartre, a basílica de Sacré-Cœur ocupa uma posição dominante sobre Paris. Seus cinco domos de mármore branco e o campanário que se ergue junto a eles podem ser vistos de todos os bairros da cidade. Da rede densa e cavernosa de ruas que compõe a velha Paris, pode-se vê-la de relance ocasionalmente. A basílica se destaca, espetacular e grandiosa, para as jovens mães que passeiam com os filhos nos Jardins de Luxemburgo, os turistas que caminham penosamente até o alto da Notre Dame ou confortavelmente sobem pelas escadas rolantes do Centre Pompidou, os transeuntes que cruzam o Sena de metrô em Grenelle ou inundam a Gare du Nord ou os imigrantes argelinos que nas tardes de domingo sobem até o alto da rocha no Parc des Buttes-Chaumont. Ela também pode ser claramente vista pelos idosos que jogam boule na Place du Colonel Fabien, no limite dos bairros operários tradicionais de Belleville e La Villette – locais que desempenham um importante papel na nossa história.
Nos frios dias de inverno, quando o vento açoita as folhas caídas entre as velhas lápides do cemitério do Père-Lachaise, a basílica pode ser vista dos degraus da tumba de Adolphe Thiers, primeiro presidente da Terceira República da França. Embora hoje esteja quase escondida atrás do moderno complexo de escritórios de La Défense, ela pode ser vista a mais de vinte quilômetros de distância, do Pavilhão Henry IV em St. Germain-en-Laye, onde Adolphe Thiers morreu. Entretanto, por uma ironia topográfica, ela não pode ser vista do famoso Mur des Fédérés, também no cemitério do Père-Lachaise, onde, em 27 de maio de 1871, após um combate brutal em meio aos túmulos, alguns dos últimos soldados reminiscentes da Comuna foram alinhados e sumariamente fuzilados. Não se pode ver a Sacré-Cœur desse muro coberto de hera e agora sombreado por uma velha castanheira. Esse local de peregrinação de socialistas, trabalhadores e seus líderes não pode ser visto do local de peregrinação dos fiéis católicos na encosta da colina, onde se situa o lúgubre túmulo de Adolphe Thiers.
Figura 106: A basílica de Sacré-Cœur.
Poucos diriam que a basílica de Sacré-Cœur é bela ou elegante. Mas a maioria concordaria que ela é impactante e singular, que seu estilo característico e único adquire uma espécie de grandiosidade soberba que exige respeito da cidade a seus pés. Nos dias ensolarados, ela reluz a distância, e mesmo nos dias mais sombrios seus domos parecem captar as menores partículas de luz e irradiá-las em um brilho de mármore branco. Iluminada por holofotes à noite, ela parece suspensa no espaço, sepulcral e etérea. Assim, a Sacré-Cœur projeta uma imagem de grandeza sagrada, de lembrança perpétua. Mas lembrança de quê?
O visitante atraído à basílica em busca da resposta a essa pergunta deve primeiro subir a íngreme ladeira de Montmartre. Aqueles que fizerem pausas para recuperar o fôlego verão diante de si um maravilhoso panorama de telhados, chaminés, domos, torres e monumentos – um panorama da velha cidade que não mudou muito desde aquela cinzenta e enevoada manhã de outubro de 1872, quando o arcebispo de Paris subiu essa íngreme escarpa. Quando chegou ao topo, o sol milagrosamente dissipou tanto a névoa quanto as nuvens para lhe revelar a esplêndida vista. O arcebispo ficou maravilhado por um instante, e depois exclamou: “É aqui, é aqui que estão os mártires, é aqui que o Sagrado Coração deve reinar para convocar a todos!”[1]. Então, quem são os mártires homenageados na grandeza dessa basílica?
O visitante que entrar nesse lugar santificado muito provavelmente ficará impressionado com a imensa pintura de Jesus que reveste o domo da abside. Retratado com os braços abertos, Cristo tem no peito uma imagem do Sagrado Coração. Abaixo dela, duas palavras se destacam diretamente do lema latino – gallia poenitens. E, abaixo dessa severa advertência de que “a frança se arrepende”, há uma grande urna dourada com a imagem do Sagrado Coração de Jesus ardendo de paixão, coberto de sangue e cercado de espinhos. Iluminada dia e noite, é aqui que os peregrinos vêm rezar. Em frente à entrada da basílica, há uma estátua em tamanho natural de Santa Marguerite Marie Alacoque e as palavras de uma carta escrita por ela – data, 1689; local, Paray-le-Monial –, que nos dizem mais sobre o culto do Sagrado Coração:
pai eterno, à espera de reparação pela amargura e angústia que o adorável coração de seu divino filho sofreu entre as humilhações e ultrajes de sua paixão, deseja um edifício onde a imagem desse divino coração possa ser venerada e homenageada.
A prece ao Sagrado Coração de Jesus, que, segundo as Escrituras, foi revelada quando um centurião enfiou uma lança no flanco de Cristo enquanto este sofria na cruz, não era desconhecida antes do século XVII. Mas Marguerite Marie, assaltada por visões, transformou a adoração ao Sagrado Coração em um culto específico na Igreja católica. Embora a vida dela tenha sido repleta de provações e sofrimento e sua postura severa e rigorosa, a imagem que o culto projetou de Cristo era calorosa e afetuosa, cheia de contrição e permeada de suave misticismo[2]. Marguerite Marie e seus discípulos se puseram a propagar o culto com grande fervor. Por exemplo, ela escreveu uma carta para Luís XIV na qual dizia ter recebido uma mensagem de Cristo solicitando ao rei que se arrependesse, salvasse a França dedicando-se ao Sagrado Coração, colocasse essa imagem sobre seu pendão e construísse uma capela para glorificá-la. As palavras entalhadas em pedra dentro da basílica foram extraídas dessa carta de 1689.
O culto difundiu-se lentamente. Não estava de fato sintonizado com o racionalismo francês do século XVIII, que exerceu forte influência sobre a crença dos católicos, e estava em oposição direta à imagem dura, rigorosa e autodisciplinada de Jesus projetada pelos jansenistas. Mas, no fim do século XVIII, ele já havia conquistado alguns adeptos importantes e potencialmente influentes. Em sua vida pessoal, Luís XVI e sua família tornaram-se devotos do Sagrado Coração. Preso durante a Revolução Francesa, ele jurou que no prazo de três meses após sua libertação iria publicamente se dedicar ao Sagrado Coração e, assim, salvar a França (de que, exatamente, ele não disse, nem precisava dizer). Também jurou construir uma capela para a adoração do Sagrado Coração. No entanto, o modo como sua libertação ocorreu não lhe permitiu cumprir tal juramento. Maria Antonieta tampouco teve mais sorte. A rainha dedicou suas últimas preces ao Sagrado Coração antes de comparecer ao seu encontro com a guilhotina.
Esses episódios são de interesse porque pressagiam uma associação, importante para a nossa história, entre o culto do Sagrado Coração e o monarquismo reacionário do ancien régime, que levou os adeptos do culto a se mostrarem totalmente contrários aos princípios da Revolução Francesa. Por outro lado, os que acreditavam nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, de todo modo propensos a assumir posturas e práticas radicalmente anticlericais, dificilmente se encantavam com esse culto. A França revolucionária não era um lugar seguro para propagá-lo. Até os ossos e outras relíquias de Marguerite Marie, agora exibidos em Paray-le-Monial, tiveram de ser cuidadosamente escondidos durante esses anos.
A restauração da monarquia, em 1815, mudou tudo isso. Os monarcas Bourbons procuraram, sob o olhar atento das potências europeias, recuperar o que pudessem da antiga ordem social. O tema do arrependimento pelos excessos da era revolucionária continuava forte. Luís XVIII não cumpriu o juramento feito pelo irmão morto ao Sagrado Coração, mas não deixou de construir, com seu próprio dinheiro, a capela da Expiação no lugar onde o irmão e a família foram enterrados com tão pouca cerimônia – gallia poenitens.
Entretanto, fundou-se uma sociedade para propagar o culto do Sagrado Coração e, em 1819, a solicitação de glorificação de Marguerite Marie foi transmitida a Roma. O vínculo entre o monarquismo conservador e o culto do Sagrado Coração consolidou-se, e este se disseminou entre os católicos conservadores. No entanto, ainda era visto com alguma desconfiança pela ala liberal e progressista do catolicismo francês. Mas agora outro inimigo estava devastando a terra, perturbando a ordem social. A França sofria a pressão e as tensões da industrialização capitalista. Aos trancos e barrancos, sob a Monarquia de Julho, e depois a todo vapor, nos primeiros anos do Segundo Império de Napoleão III, a França transformou de forma radical as estruturas institucionais, a ordem social e alguns setores da economia. Do ponto de vista dos católicos conservadores, essa mudança ameaçava muito do sagrado na vida francesa, pois trazia consigo o materialismo crasso e cruel, a cultura burguesa ostentosa e moralmente decadente e o aumento das tensões de classe. O culto do Sagrado Coração agora reunia sob sua bandeira não só os devotos atraídos por temperamento ou circunstância à imagem de um Cristo suave e clemente, ou os que sonhavam com a restauração da ordem política do passado recente. Também recorriam a ele todos aqueles que se sentiam ameaçados pelos valores materialistas da nova ordem social, em que o dinheiro havia se tornado o Santo Graal, em que o papado do capital financeiro punha a autoridade do papa em xeque e a riqueza ameaçava suplantar Deus como o principal objeto de adoração.
Na década de 1860, os católicos franceses acrescentaram algumas queixas mais específicas a essas condições gerais. Napoleão III havia finalmente se colocado (após considerável vacilação) a favor da unificação italiana, comprometendo-se política e militarmente com a libertação dos Estados italianos centrais do poder temporal do papa. Este último não ficou nada satisfeito com essa política e, sob pressão militar, retirou-se no Vaticano, recusando-se a sair de lá até seu poder temporal ser restaurado. Dessa posição privilegiada, o papa lançou cáusticas condenações à política francesa e à decadência moral que, segundo ele, estava se alastrando pela França. Dessa maneira, ele esperava mobilizar os católicos franceses na luta ativa pela sua causa. O momento era propício. Marguerite Marie foi beatificada por Pio IX em 1864, e o culto do Coração de Jesus tornou-se um brado de convocação para todas as formas de oposição conservadora. Começava a era das grandes peregrinações a Paray-le-Monial, no Sul da França. Os peregrinos, muitos levados a seu destino pelas novas ferrovias que os barões das grandes finanças haviam ajudado a construir, iam até lá para expressar arrependimento pelas transgressões públicas e privadas. Arrependiam-se pelo materialismo, pela opulência decadente da França, pelas restrições impostas ao poder temporal do papa e pelo fim dos valores tradicionais de uma ordem social antiga e venerável. gallia poenitens.
Logo ao entrar pela porta principal da basílica de Sacré-Cœur, o visitante pode ler a seguinte inscrição:
em 16 de junho do ano de nosso senhor de 1875, no reinado de sua santidade o papa pio ix, em cumprimento ao juramento formulado durante a guerra de 1870-1871 por alexandre legentil e hubert rohault de fleury e ratificado por sua graça monsenhor guibert, arcebispo de paris; em cumprimento à votação de 23 de julho de 1873 na assembleia nacional, segundo o projeto do arquiteto abadie; a pedra fundamental desta basílica, erguida em honra do sagrado coração de jesus, foi solenemente lançada por sua eminência o cardeal guibert [...].
Vamos destrinchar essa breve história para descobrir o que está por trás dela. Enquanto os batalhões de Bismark arrebatavam vitórias seguidas sobre a França no verão de 1870, a sensação de iminente fatalidade pairava sobre o país. Muitos interpretavam as derrotas como uma vingança justa da vontade divina sobre uma França errante e moralmente decadente. Foi nessa atmosfera que a imperatriz Eugênia foi instada a sair, com a família e a corte, todos vestidos de luto, do Palácio das Tulherias e caminhar até a Notre Dame para oferecer uma dedicação pública ao Sagrado Coração. Embora a imperatriz tivesse recebido bem a sugestão, mais uma vez era tarde demais. Em 2 de setembro Napoleão III foi derrotado e capturado em Sedan; em 4 de setembro a República foi proclamada nos degraus do Hôtel de Ville, e formou-se o Governo de Defesa Nacional. Nesse mesmo dia, a imperatriz Eugênia fugiu de Paris, tendo prudentemente, e a pedido do imperador, já feito as malas e enviado seus pertences mais valiosos para a Inglaterra.
A derrota em Sedan pôs fim ao Império, mas não à guerra. Os exércitos prussianos chegaram e, em 20 de setembro, já haviam cercado Paris, pondo-a sob um cerco que duraria até 28 de janeiro do ano seguinte. Como muitos outros respeitáveis cidadãos burgueses, Alexandre Legentil fugiu de Paris enquanto os exércitos prussianos se aproximavam da cidade, refugiando-se nas províncias. À medida que definhava em Poitiers e sofria pelo destino da capital, jurou no início de dezembro que, “se Deus salvasse Paris e a França e libertasse o pontífice, ele contribuiria com os recursos que pudesse para a construção em Paris de um santuário dedicado ao Sagrado Coração”. Legentil procurou outros adeptos para o juramento e logo conseguiu o entusiasmado apoio de Hubert Rohault de Fleury[3]. Entretanto, os termos de Legentil não lhe garantiram uma recepção muito calorosa, pois, como ele logo descobriu, as províncias “estavam na época tomadas por sentimentos de ódio contra Paris”. Tal situação não era incomum, e será proveitoso divagar por um momento para analisar sua base.
Sob o ancien régime, o aparato estatal francês havia adquirido um caráter fortemente centralizado, que se consolidou na Revolução Francesa e no Império. Essa centralização formou a base da organização política francesa e deu a Paris um papel peculiarmente importante em relação ao resto do país. A predominância cultural, administrativa e econômica da capital estava assegurada. Mas os eventos de 1789 também mostraram que os parisienses tinham o poder de fazer e derrubar governos. Eles se revelaram verdadeiros mestres na utilização desse poder e, por conseguinte, abertamente se consideravam seres privilegiados que tinham o direito e o dever de impingir tudo o que considerassem “progressista” a uma França supostamente atrasada, conservadora e predominantemente rural. A burguesia parisiense, fosse qual fosse sua convicção política, tendia a desprezar a estreiteza da vida provincial (ainda que, com frequência, dependesse dos aluguéis que ali arrecadava para viver de forma confortável na capital) e achava o camponês repugnante e incompreensível. Da outra extremidade do telescópio, Paris era em geral vista como um centro de poder, dominação e oportunidades. Era ao mesmo tempo invejada e odiada. Ao antagonismo gerado pela excessiva centralização de poder e autoridade em Paris somavam-se todos os vagos antagonismos de pequenas aldeias e regiões rurais em relação a uma cidade grande que era tida como um centro de privilégio, sucesso material, decadência moral, vícios e inquietação social. O que a França tinha de especial era a maneira como as tensões emanadas da “contradição urbano-rural” estavam intensamente concentradas na relação entre Paris e o resto do país.
Durante o Segundo Império, essas tensões aumentaram de forma considerável. Paris passou por uma grande explosão econômica à medida que as ferrovias a tornavam o centro nodal de um processo de integração espacial nacional. Além disso, a cidade assumiu um novo relacionamento com a economia global emergente. Sua participação nas exportações francesas, que estavam em expansão, aumentou de forma surpreendente, e sua população cresceu muito rápido, em grande parte devido à imigração maciça de trabalhadores rurais. Quando Paris se tornou o centro das operações financeiras, especulativas e comerciais, a concentração de riqueza e poder aumentou muito depressa. Os contrastes entre a riqueza e o dinamismo parisienses e, com poucas exceções (como Marselha, Lyon, Bordeaux e Mulhouse), a letargia e o atraso provinciais tornaram-se cada vez mais marcantes. Além disso, os contrastes entre riqueza e pobreza no interior da capital se tornaram ainda mais espantosos, e a segregação geográfica entre os bairros burgueses ricos do oeste e os bairros operários do norte, leste e sul os deixava ainda mais flagrantes. Belleville tornou-se um território estrangeiro no qual os cidadãos burgueses do oeste raramente ousavam se aventurar. A população local, que mais que dobrou entre 1853 e 1870, era retratada na imprensa burguesa nos termos mais infames e atemorizantes. À medida que o crescimento econômico foi desacelerando na década de 1860 e a autoridade do Império começou a fraquejar, Paris se tornou um caldeirão de inquietação social, vulnerável a qualquer tipo de agitadores. E o pior de tudo isso, como já vimos, é que Haussmann havia adornado Paris com espaçosos bulevares, parques, jardins e toda sorte de arquitetura monumental; e o fez a um custo imenso e mediante os mais suspeitos meios financeiros, façanha que dificilmente agradava a frugal mente provinciana. A imagem de opulência pública que Haussmann criou combinou-se ao consumo conspícuo dos burgueses, muitos dos quais haviam enriquecido por meio da especulação sobre os benefícios das melhorias feitas pelo prefeito com verbas estatais.
Não é de admirar, então, que os católicos provinciais e rurais não estivessem nem um pouco interessados em tirar dinheiro do próprio bolso para adornar Paris com mais outro monumento, independentemente de quão elevado fosse seu propósito. Além disso, surgiam objeções ainda mais específicas ao projeto de Legentil. Os parisienses, e sua costumeira presunção, tinham proclamado uma república quando a opinião provincial e rural ainda era profundamente permeada pelo monarquismo. Ademais, os que haviam permanecido na capital para enfrentar as adversidades do cerco se mostraram extremamente intransigentes e belicosos, declarando que defenderiam a luta até suas últimas consequências, enquanto o posicionamento provincial mostrava uma forte disposição para terminar o conflito com a Prússia. E os rumores e indícios de uma nova política materialista na classe trabalhadora parisiense, incrementados por várias manifestações de fervor revolucionário, davam a impressão de que a cidade, na ausência de seus mais respeitáveis cidadãos burgueses, havia sido tomada por uma filosofia radical e até mesmo socialista. Como os únicos meios de comunicação entre a sitiada Paris e os territórios não ocupados eram pombos ou balões, surgiram inúmeras oportunidades para mal-entendidos, que os opositores rurais do republicanismo e os opositores urbanos do monarquismo não deixaram de explorar.
Figura 107: Os incêndios que devastaram Paris durante os últimos dias da Comuna deixaram um enorme rastro de destruição. Entre as muitas fotos disponíveis (a maioria delas anônima), encontramos uma da Rue Royale, na qual o fogo ainda ardia. Muitos dos principais prédios públicos, como o Hôtel de Ville, o Ministério das Finanças e o Palácio das Tulherias, ficaram em ruínas. O palácio foi finalmente derrubado pela administração republicana que assumiu o poder na década de 1880, em parte devido ao custo para reconstruí-lo, mas também porque era um símbolo odiado do poder real e napoleônico.
Por isso, Legentil avaliou que seria mais diplomático não fazer nenhuma menção específica a Paris em seu juramento. No entanto, perto do final de fevereiro de 1871, o papa endossou o projeto, e a partir daí o movimento ganhou alguma força. Assim, em 19 de março surgiu um panfleto que pontuava de forma relativamente extensa os argumentos para o juramento[4]. O espírito da obra tinha de ser nacional, declaravam os autores, porque o povo francês devia fazer reparações nacionais por crimes que eram nacionais. Eles também confirmavam a intenção de construir o monumento em Paris. Diante da objeção de que a cidade não precisava de mais ornamentações, replicaram: “Se Paris fosse reduzida a cinzas, ainda assim desejaríamos reconhecer nossos crimes nacionais e proclamar a justiça de Deus em suas ruínas”.
O momento e a forma em que o panfleto foi redigido provaram ser fortuitamente proféticos. Em 18 de março, os parisienses deram seus primeiros passos irrevogáveis para o estabelecimento de um autogoverno sob o comando da Comuna. Os pecados reais ou imaginados dos communards iriam em seguida chocar e ultrajar os burgueses e, de modo ainda mais vociferante, a opinião provincial. E, como grande parte de Paris havia sido de fato reduzida a cinzas durante uma guerra civil de incrível brutalidade, a ideia de construir uma basílica de expiação sobre elas se tornou cada vez mais atrativa. Rohault de Fleury observou com evidente satisfação que, “nos meses que se seguiram, a imagem de Paris reduzida a cinzas causou uma forte impressão”[5]. Repassemos um pouco essa história.
As origens da Comuna de Paris estão em uma série de eventos que se entrelaçaram de maneiras complexas. Justamente devido à sua importância política no país, havia muito tempo Paris não tinha direito a nenhuma forma representativa de governo municipal e vinha sendo diretamente administrada pelo governo nacional. Durante grande parte do século XIX, uma capital predominantemente republicana estava perdendo a paciência com governos monarquistas (quer “legitimistas” Bourbons, quer “orleanistas”) ou bonapartistas autoritários. A demanda por uma forma democrática de governo municipal, com frequência chamada por todos os atores envolvidos de “comuna”, era uma reivindicação antiga e que conquistara um amplo apoio por toda a cidade.
O Governo de Defesa Nacional, estabelecido em 4 de setembro de 1870, não era nem radical, nem revolucionário, mas republicano[6]. Também acabou se revelando tímido e inepto. Ele convivia com algumas dificuldades, é claro, mas estas dificilmente eram suficientes para desculpar seu fraco desempenho. Por exemplo, ele não inspirava respeito nos monarquistas e estava sempre com medo dos reacionários da direita. Quando o Exército do Leste rendeu-se aos prussianos em Metz, em 27 de outubro, sob o comando do general Bazaine, este deixou a impressão de ter tomado essa atitude porque, como monarquista, não podia lutar em defesa de um governo republicano. Alguns de seus oficiais contrários à rendição entenderam que Bazaine colocou suas preferências políticas acima da honra da França. Essa era uma questão que atormentaria a política francesa durante vários anos. Louis Rossel, que mais tarde comandou as forças armadas da Comuna por algum tempo (sendo, por isso, arbitrariamente condenado à morte), foi um dos oficiais que ficaram terrivelmente chocados com a evidente falta de patriotismo de Bazaine[7].
Mas as tensões entre diferentes grupos da classe dominante não chegavam aos pés dos antagonismos reais ou imaginados entre a burguesia tradicional e notavelmente obstinada e a classe trabalhadora que estava começando a se reestabelecer e se afirmar. Durante a década de 1860, a burguesia, com ou sem razão, ficou extremamente alarmada com o surgimento de organizações e clubes políticos da classe trabalhadora, as atividades do ramo parisiense da Associação Internacional dos Trabalhadores, a efervescência do pensamento na classe trabalhadora e o ressurgimento de filosofias anarquistas e socialistas. E a classe trabalhadora – ainda que nem de longe estivesse tão organizada ou unificada quanto seus oponentes temiam – certamente exibia diversos sinais de que uma consciência de classe estava emergindo.
O Governo de Defesa Nacional não conseguiria deter a onda de vitórias prussianas ou romper o cerco de Paris sem o amplo apoio da classe trabalhadora. E os líderes de esquerda estavam mais do que dispostos a concedê-lo, apesar de sua oposição inicial à guerra do imperador. Blanqui prometeu ao governo “apoio enérgico e absoluto”, e até os líderes da Internacional, após terem respeitosamente rogado aos trabalhadores alemães que não participassem de uma luta fratricida, mergulharam na organização da defesa de Paris. Belleville, centro da agitação da classe trabalhadora, uniu-se de forma espetacular à causa nacional, tudo em nome da República[8].
Os burgueses viram nisso uma armadilha. Segundo escreveu à época um comentarista de suas próprias fileiras, eles se viam encurralados entre os prussianos e aqueles que chamavam de “vermelhos”. “Não sei”, prosseguiu, “qual desses dois males mais os aterrorizava; eles odiavam o estrangeiro, mas temiam muito mais o pessoal de Belleville”[9]. Independentemente de quanto quisessem derrotar os estrangeiros, eles não se permitiriam participar disso se os batalhões da classe trabalhadora estivessem na vanguarda. A burguesia optou por se render aos alemães, deixando à esquerda o papel de força dominante na frente patriótica; e aquela não seria a última vez que isso ocorreria na história da França. Em 1871, o medo do “inimigo interno” prevaleceria sobre o orgulho nacional.
O fracasso dos franceses em romper o cerco de Paris foi primeiramente interpretado como fruto da superioridade prussiana e da inépcia militar francesa. Mas, à medida que as incursões traziam a promessa de vitória só para depois se transformarem em desastres, os patriotas honestos começaram a se perguntar se os poderes vigentes não estavam fazendo manobras que beiravam o abuso de confiança e a alta traição. O governo era cada vez mais encarado como um “Governo de Defecção Nacional” – expressão que Marx posteriormente usaria com grande impacto em sua apaixonada defesa da Comuna[10] – e também relutava em atender à demanda parisiense por uma democracia municipal. Como muitos dos burgueses respeitáveis haviam fugido, a realização de eleições poderia colocar o poder municipal nas mãos da esquerda. Dada a desconfiança dos monarquistas de direita, o Governo de Defesa Nacional avaliava que não teria condições de conceder o que há muito vinha sendo exigido. E assim continuou adiando infinitamente.
Já em 31 de outubro, essas várias linhas de discussão se uniram para gerar um movimento insurrecional em Paris. Logo após a desonrosa rendição de Bazaine, surgiram boatos de que o governo estava negociando os termos de um armistício com os prussianos. A população parisiense tomou as ruas e, com o temido povo de Belleville descendo em massa, aprisionou vários membros do governo e só concordou em soltá-los mediante garantias verbais de que o Estado promoveria eleições municipais e não capitularia. Esse episódio certamente acirraria os ânimos da direita e seria a causa imediata dos “sentimentos de ódio por Paris” que Legentil encontraria em dezembro. O governo permaneceu na guerra; porém, com o desenrolar dos fatos, ele travaria muito mais batalhas contra os trabalhadores de Belleville do que jamais fizera contra os prussianos.
Assim, o cerco de Paris se estendia, e a situação de instabilidade social somou-se aos incertos efeitos da crescente deterioração das condições na cidade[11]. O governo se mostrou inepto e insensível às necessidades da população e, assim, atiçou a fogueira dos descontentes. As pessoas se alimentavam de gatos ou cães, e as mais privilegiadas partilhavam pedaços de Pollux, o jovem elefante do zoológico (a libra da tromba custava 40 francos). O preço dos ratos – o “sabor é uma mistura de porco e perdiz” – subiu de 60 cêntimos para 4 francos cada um. O governo não havia tomado a precaução elementar de racionar o pão até janeiro, quando já era tarde demais. O fluxo de suprimentos definhou, e a adulteração do pão com farinha de ossos tornou-se um problema crônico, que se tornava ainda menos palatável por serem ossos humanos desencavados das catacumbas justamente para esse fim. Enquanto as pessoas comuns consumiam seus ancestrais sem saber, o luxo da vida nos cafés continuava, suprido por açambarcadores a preços exorbitantes. Os ricos que permaneceram na cidade continuavam a desfrutar dos prazeres preconizados por seus costumes, embora pagassem caro por eles. O governo, demonstrando insensível descaso pelos menos privilegiados, nada fazia para conter o consumo conspícuo ou o esbanjamento dos ricos.
Figura 108: O cartunista Cham uniu-se ao envelhecido Daumier para tentar extrair algum humor dos meses desoladores do cerco de Paris, em 1870. Aqui, vemos parisienses fazendo fila para conseguir sua parcela noturna de carne de rato; Cham também aconselha os leitores que tomem cuidado ao comer camundongos, pois o gato pode ir à sua caça.
No fim de dezembro, a oposição radical ao Governo de Defesa Nacional aumentava, o que levou à publicação do célebre Affiche rouge de 7 de janeiro. Assinado pelo Comitê Central dos Vinte Arrondissements parisienses, ele acusava o governo de estar conduzindo o país para a beira do abismo por sua indecisão, inércia e omissão; sugeria que o governo não sabia como administrar nem combater; e insistia que a perpetuação desse regime só poderia culminar na rendição aos prussianos. O cartaz anunciava um programa para requisição geral de recursos, racionamento e ataque maciço. E terminava com o célebre apelo: “Abram caminho para o povo! Abram caminho para a Comuna!”[12]. Afixado por toda Paris, o apelo surtiu efeito. A resposta dos militares foi decisiva, e eles organizaram uma última incursão em massa, cuja inépcia militar e carnificina foram impressionantes. “Todos entenderam”, escreveu Lissagaray, “que haviam sido enviados a fim de ser sacrificados”[13]. Para os que acompanharam de perto a ação, as evidências de abuso de confiança e alta traição eram agora esmagadoras. Isso estimulou muitos patriotas honestos da burguesia, que punham o amor à pátria acima dos interesses de classe, a aliar-se aos radicais dissidentes e à classe trabalhadora.
Os parisienses aceitaram o inevitável armistício no final de janeiro com soturna passividade. Foram providenciadas eleições nacionais para uma assembleia constituinte, que iria negociar e ratificar o acordo de paz. Este especificava que o Exército francês deporia suas armas, mas permitia à Guarda Nacional de Paris, que não poderia ser facilmente desarmada, permanecer uma força de combate. Sob o olhar atento das tropas prussianas, os suprimentos começaram a chegar à cidade faminta. Boa parte da burguesia remanescente fugiu para seus retiros rurais, enquanto o influxo de soldados empobrecidos, não remunerados e desmoralizados para dentro da cidade aumentava as tensões políticas e sociais. Nas eleições de fevereiro, a capital elegeu sua cota de republicanos radicais (Louis Blanc, Hugo, Gambetta e até mesmo Garibaldi), mas a França rural e provincial votou solidamente pela paz. Como a esquerda era contrária à rendição, os republicanos do Governo de Defesa Nacional haviam sido seriamente prejudicados pela forma como orquestraram a guerra e os bonapartistas haviam caído em descrédito, o voto da paz foi para os monarquistas. A Paris republicana ficou consternada ao se dar conta de que a Assembleia Nacional estava nas mãos de uma maioria monarquista. Thiers, que a essa altura já tinha 73 anos, foi eleito presidente em parte devido à sua longa experiência na política e em parte porque os monarquistas não queriam ser responsáveis pela assinatura do que certamente seria um ignóbil acordo de paz.
Figura 109: Thiers havia sido um tema frequente para Daumier desde a década de 1840. Seu repentino reaparecimento no cenário político, em 1870, proporcionou outra oportunidade para críticas. Na figura à esquerda (publicada em 24 de fevereiro de 1871), Thiers é visto orquestrando a recém-eleita Assembleia Nacional em Bordeaux (mas “não se consegue ver o prompter”) e, na imagem à direita (publicada em 21 de abril, após a Comuna ter sido declarada), o vemos açoitar freneticamente seu cavalo, arreado à carroça do Estado, para seguir em direção a Versalhes. No entanto, Paris, retratada como a figura escultural da Liberdade, é puxada por seu cavalo na direção contrária, e sua cabeça está virada para Thiers, demonstrando desaprovação. A ruptura do Estado é prognosticada de forma preocupante.
Thiers assinou um acordo de paz preliminar em 26 de fevereiro (desconfortavelmente perto do aniversário da Revolução de Fevereiro de 1848). Ele cedia a Alsácia e a Lorena à Alemanha e, para piorar, concordava com a ocupação simbólica de Paris pelas tropas prussianas no dia 1º de março, o que, aos olhos dos parisienses, poderia facilmente ter provocado um banho de sangue, pois muitos na capital ameaçavam iniciar uma luta armada. Não fosse pelo poder de organização da esquerda (que entendia que os prussianos iriam destruí-los; fazendo, portanto, o trabalho de Thiers por ele) e por um misterioso novo grupo chamado Comitê Central da Guarda Nacional, o débacle teria sido inevitável. Mergulhado em um silêncio sepulcral, o povo observou os prussianos desfilarem pela Champs Elysées, com os principais monumentos da cidade envoltos em musselina preta. Não era fácil perdoar a humilhação, e Thiers tinha sua parcela de culpa nisso. Ele também concordara em pagar uma vultosa indenização de guerra. Nesse ponto, foi patriota o suficiente para resistir à sugestão de Bismarck de que os banqueiros prussianos cobrissem o montante com um empréstimo. Thiers reservou tal privilégio aos franceses e transformou esse ano de agitações em um dos mais lucrativos para os cavalheiros das altas finanças do país[14]. Estes o informaram de que, para conseguir a quantia almejada, ele antes precisaria dar um jeito “naqueles baderneiros de Paris”, o que sabia fazer muito bem. Como ministro do Interior de Luís Filipe I, em 1834, havia sido responsável pela brutal repressão a um dos primeiros movimentos genuínos da classe trabalhadora na história da França. Sempre desdenhoso da “multidão vil”, Thiers havia muito tinha um plano para combatê-la – e o propusera a Luís Filipe I, em 1848. Era, então, chegado o momento de pô-lo em prática. E foi por meio do conservadorismo do campo que ele buscou esmagar o radicalismo da cidade.
Na manhã de 18 de março, a população de Paris descobriu ao acordar que os soldados remanescentes do Exército francês haviam sido enviados à capital para remover os canhões da cidade; esse era, obviamente, o primeiro passo para o desarmamento de um populacho que, desde 4 de setembro, havia se juntado em massa à Guarda Nacional. O populacho da classe trabalhadora de Paris começou espontaneamente a reivindicar os canhões como seus (afinal, não haviam sido forjados a partir dos metais que eles tinham coletado durante o cerco?). Na colina de Montmartre, exaustos soldados franceses guardavam a poderosa bateria de canhões ali reunida, voltada para uma multidão cada vez mais inquieta e furiosa. O general Claude Lecomte ordenou às tropas que disparassem. Ordenou uma, duas, três vezes. Os soldados não tiveram coragem de fazê-lo; ergueram a coronha dos rifles e confraternizaram alegremente com o povo. A multidão enfurecida aprisionou o general Lecomte e deparou com o general Clément Thomas, lembrado e odiado por seu papel nos terríveis assassinatos das Jornadas de Junho de 1848. Entre discussões acaloradas e confusão, os dois foram levados para o jardim do n. 6 da Rue des Rosiers, colocados contra o muro e fuzilados.
Esse episódio é de fundamental importância. Os conservadores agora tinham seus mártires, e Thiers podia estigmatizar a população insubordinada de Paris como homicida e assassina. O alto da colina de Montmartre havia muito era local de martírio de santos cristãos; agora, os católicos conservadores podiam acrescentar os nomes de Claude Lecomte e Clément Thomas a essa lista. Nos meses e anos que se seguiriam, enquanto a luta para a construção da basílica de Sacré-Cœur estava em curso, frequentes apelos seriam feitos sobre a necessidade de homenagear esses “mártires do passado que morreram para defender e salvar a sociedade cristã”[15]. A frase foi realmente usada na legislação oficial aprovada pela Assembleia Nacional, em 1873, em apoio à construção da basílica. Naquele 16º dia de junho de 1875, quando a pedra fundamental foi assentada, Rohault de Fleury regozijou-se de que a basílica seria construída em um lugar que, “já tendo sido sagrado, fora escolhido por Satã, ao que tudo indicava, e tinha sido palco do primeiro ato daquela terrível saturnália que causou tantas ruínas e deu à Igreja dois mártires tão gloriosos”. “Sim”, continuou ele, “foi aqui, onde será erguida a basílica da Sacre-Cœur, que a Comuna começou; foi aqui que os generais Clément Thomas e Lecomte foram assassinados”. Ele se regozijou com a “multidão de bons cristãos que agora estavam de pé adorando um Deus que sabe muito bem como desnortear os perversos, desencorajar seus planos e colocar um berço onde eles achavam ter cavado um túmulo”. Ele contrastava esses fiéis com uma “colina, orlada com demônios intoxicados, habitada por uma população aparentemente hostil a todas as ideias religiosas e estimulada, acima de tudo, pelo ódio à Igreja”[16]. gallia poenitens.
Figura 110: A maioria dos canhões de Montmartre, mostrados nesta fotografia notável, foi fabricada nas oficinas parisienses durante o cerco e fundida a partir de materiais doados pelo povo. Eles foram o impressionante estopim do rompimento entre Paris e Versalhes.
Thiers reagiu aos eventos de 18 de março ordenando a retirada completa de dentro da capital de todo o contingente militar e dos funcionários. Da distância segura de Versalhes, ele preparou metodicamente a invasão e a rendição de Paris. Bismarck não mostrou nenhuma relutância em permitir a reconstituição de um Exército francês forte o suficiente para a tarefa de suprimir os radicais parisienses, e liberou prisioneiros e materiais com esse propósito. Mas, por precaução, manteve inúmeras tropas prussianas de prontidão em torno da cidade. Elas seriam testemunhas silenciosas do que estava por vir.
Entregues à própria sorte, e um pouco surpresos com o rumo dos acontecimentos, os parisienses, sob a liderança do Comitê Central da Guarda Nacional, não só assumiram todo o aparato administrativo abandonado e o puseram em funcionamento com notável velocidade e eficiência (até os teatros reabriram), como também programaram eleições para 26 de março. A Comuna foi declarada um fato político em 28 de março[17]. Foi um dia de alegre celebração para os cidadãos comuns de Paris, e um dia de consternação para a burguesia. No Entanto, a política da Comuna era pouco coerente. Embora um número substancial de trabalhadores tenha assumido postos como representantes eleitos do povo pela primeira vez na história francesa, a Comuna era ainda dominada por elementos radicais da burguesia. Composta por diversas correntes políticas que iam de republicanos moderados a jacobinos, proudhonistas, socialistas da Internacional e revolucionários blanquistas, a Comuna tinha uma boa parcela de partidarismo e muitas discussões controvertidas em relação a que caminho radical ou socialista seguir. Ela era crivada de nostalgia pelo que poderia ter sido diferente no passado, embora em alguns aspectos apontasse para um futuro modernista mais igualitário, no qual princípios de associação e de administração e produção socialmente organizadas poderiam ser ativamente explorados. No entanto, grande parte disso revelou-se irrelevante, pois quaisquer pretensões à modernidade que os communards pudessem ter tido estavam prestes a ser esmagadas por uma onda monumental de conservadorismo reacionário. Thiers atacou no começo de abril, e teve início o segundo cerco de Paris. A França rural e provincial estava sendo acionada para destruir a Paris da classe trabalhadora.
O que aconteceu em seguida foi desastroso para a Comuna. Quando as forças de Versalhes finalmente romperam a defesa externa de Paris – que Thiers havia construído na década de 1840 –, elas atravessaram rapidamente as zonas burguesas do oeste da cidade e invadiram lenta e brutalmente os grandes bulevares que Haussmann havia construído nos bairros operários. Em toda parte havia barricadas, mas os militares estavam preparados para derrubá-las com canhões e destruir com bombas incendiárias os prédios que abrigavam as forças inimigas. Assim começou uma das mais odiosas carnificinas da história da França, que é em geral permeada de episódios sangrentos. As forças de Versalhes não deram quartel. Às mortes nos combates de rua – que não eram, segundo a maioria dos relatos, muito extensos – somou-se um número incrível de execuções arbitrárias sem julgamento. Moilin foi executado por suas visões utopistas socialistas; um deputado republicano e crítico da Comuna, Millière, foi executado (após ser obrigado a se ajoelhar nos degraus do Panteão e pedir perdão por seus pecados, ele, em vez disso, gritou “Vive la Commune!” pela primeira vez na vida) porque um capitão do Exército não gostava de seus artigos no jornal. O louvado e ainda venerado muro no cemitério do Père-Lachaise, os Jardins de Luxemburgo e os quartéis em Lobau ecoavam cem cessar a fuzilaria à medida que os executores cumpriam seu dever. Entre 20 mil e 30 mil communards morreram dessa forma. gallia poenitens – com força total.
Figura 112: Cerca de trezentos dos últimos communards capturados no fim da “semana sangrenta” de maio de 1871 foram arbitrariamente fuzilados no Mur des Fédérés no cemitério do Père-Lachaise, o que o transformou em um local de peregrinação nas décadas seguintes. Guache de Alfred Darjou.
Figura 113: Communards fuzilados pelas forças de Versalhes (foto atribuída a Disdéri). Alguém colocou uma coroa de flores brancas nas mãos da jovem na parte inferior à direita (um símbolo da Liberdade, mais uma vez prestes a ser enterrada?).
Dessa triste história há um episódio que merece nossa atenção. Na manhã de 28 de maio, um exausto Eugène Varlin – encadernador; organizador de sindicato e de cooperativa de alimentos durante o Segundo Império; membro da Guarda Nacional; inteligente e respeitado socialista, comprometido e escrupulosamente honesto; membro da Comuna e soldado valente – foi reconhecido e preso. Ele foi levado até a mesma casa na Rue des Rosiers em que Lecomte e Clément haviam morrido. Mas seu destino foi pior. Sentenciado à morte, foi forçado a caminhar pela encosta de Montmartre – durante dez minutos ou por horas, segundo diferentes opiniões – enquanto era espancado e humilhado por uma multidão alucinada. Depois, foi finalmente colocado contra um muro (seu rosto já desfigurado, com um olho fora da órbita) e fuzilado. Ele tinha apenas 32 anos de idade. Tiveram de atirar duas vezes para matá-lo. Entre os fuzilamentos, ele gritou, evidentemente sem arrependimento, “Vive la Commune!”. Seu biógrafo chamou esse episódio de “o Calvário de Eugène Varlin”. A esquerda também pode ter seus mártires. E foi nesse local que se construiu a basílica de Sacré-Cœur[18].
A “semana sangrenta”, como foi chamada, também envolveu grandes destruições de propriedades. Os communards certamente não morriam de amores pelos privilégios da propriedade privada e nada tinham contra a destruição de símbolos odiados. A coluna de Vendôme – adorada por Napoleão III – foi derrubada em uma grande cerimônia em 16 de maio, para simbolizar o fim do autoritarismo. O pintor Courbet foi mais tarde responsabilizado por esse ato e condenado a pagar do próprio bolso a reconstrução do monumento. Os communards também decretaram, mas nunca levaram a cabo, a destruição da capela da Expiação, por meio da qual Luís XVIII havia buscado impingir aos parisienses a culpa pela execução de seu irmão. E, uma vez que Thiers havia mostrado quem realmente era, os communards se deleitaram em desmantelar sua residência em Paris, pedra por pedra, em um gesto simbólico que, segundo Goncourt, surtiu um “excelente mau efeito”. No entanto, o incêndio generalizado de Paris foi uma questão inteiramente diferente. Aos prédios incendiados durante os bombardeios somaram-se aqueles deliberadamente incendiados, por razões estratégicas, pelos communards em fuga. Daí surgiu o mito dos “incendiários” da Comuna, que imprudentemente se vingavam, segundo consta, queimando tudo que podiam. O falso mito das odiosas pétroleuses foi divulgado pela imprensa de Versalhes, e mulheres suspeitas foram arbitrária e sumariamente fuziladas. Um diarista burguês, Audéoud, registrou complacentemente como denunciou uma mulher bem-vestida na Rue Blanche como uma pétroleuse porque ela estava carregando duas garrafas (nunca saberemos cheias de quê). Quando a mulher repeliu um soldado trôpego e um tanto bêbado, este lhe deu um tiro nas costas[19].
Figura 114: A derrubada da coluna de Vendôme, aqui representada por Méaulle e Viers, gerou muito interesse. Isso mostra como prédios e monumentos eram símbolos profundamente políticos para os parisienses.
Independentemente de qual fosse a verdade da história, o mito dos incendiários era forte. No mesmo ano, o papa descreveu os communards como “demônios ascendidos do inferno, trazendo o fogo de lá para as ruas de Paris”. As cinzas da cidade tornaram-se símbolo dos crimes da Comuna contra a Igreja e fertilizariam o solo do qual brotaria a energia para construir a Sacré-Cœur. Não é de admirar que Hubert Rohault de Fleury tenha se orgulhado da feliz escolha de palavras: “Se Paris fosse reduzida a cinzas...”. Essa frase pôde surtir efeito com força redobrada, observou ele, “quando os incendiários da Comuna vieram aterrorizar o mundo”[20].
O rescaldo da Comuna não foi nada agradável. Corpos forravam as ruas e o odor tornou-se insuportável. Para dar apenas um exemplo, os trezentos e tantos corpos despejados sem cerimônia no lago do belíssimo novo parque de Haussmann em Buttes-Chaumont (antes um local de enforcamento de criminosos de pequenos delitos, mais tarde um depósito de lixo municipal) tiveram de ser retirados dali quando, vários dias depois, vieram à superfície terrivelmente inchados; foram incinerados em uma pira mortuária que durou vários dias. Audéoud ficou encantado ao ver todos aqueles corpos “sujos, podres e crivados de balas” e encarou “o mau cheiro dos cadáveres” como “um odor de paz. Se as narinas extrassensíveis se revoltam, a alma se regozija”. “Nós também”, prosseguiu, “nos tornamos cruéis e impiedosos e achamos um prazer banhar e lavar nossas mãos em seu sangue”. Mas o sangrento massacre começou a revirar o estômago de muitos burgueses, até que todos, exceto os mais sádicos, gritaram “Chega!”. O famoso autor de diários Edmond de Goncourt tentava se convencer de que tudo isso era justo ao escrever: “É bom que não tenha havido conciliação nem barganha. A solução foi brutal. Veio da pura força. A solução permitiu que as pessoas abrissem mão de meios-termos covardes [...] o massacre foi um extermínio; com a morte da parte combativa da população, tal expurgo adia a próxima revolução por toda uma geração. Se os poderes vigentes ousarem o máximo que puderem neste momento, a velha sociedade terá vinte anos de sossego à sua frente”[21]. Essa era exatamente a opinião de Thiers. Contudo, quando Goncourt mais tarde passou por Belleville e viu os “rostos de silêncio medonho”, inevitavelmente pensou que ali estava um “distrito vencido, mas não subjugado”. Não haveria outra maneira de purgar a ameaça de revolução?
A experiência de 1870-1871, em conjunto com o confronto entre Napoleão III e o decadente “materialismo festivo” do Segundo Império, mergulhou os católicos em uma fase de ampla busca interior. A maioria deles aceitou a ideia de que a França havia pecado, e isso deu origem a manifestações de expiação e a um movimento de piedade que foi ao mesmo tempo místico e espetacular. Os católicos intransigentes e ultramontanos inquestionavelmente apoiavam o retorno da lei e da ordem e uma solução política fundamentada no respeito à autoridade. E os monarquistas, em geral católicos intransigentes, representavam a promessa desse retorno. Os católicos liberais achavam tudo isso inquietante, mas não estavam em condições de mobilizar suas forças, pois até o papa os havia rejeitado, considerando-os o “verdadeiro flagelo” da França. Pouco podia ser feito para deter a consolidação do vínculo entre o monarquismo e o catolicismo intransigente. E era essa poderosa aliança que garantiria a construção da Sacré-Cœur.
Entretanto, o problema imediato dos progenitores da promessa era operacionalizar um desejo pio, o que exigia respaldo oficial. Legentil e Rohault de Fleury buscaram, então, o apoio do recém-nomeado arcebispo de Paris. Não havia sido fácil convencer monsenhor Guibert, conterrâneo de Thiers de Tours, a aceitar o cargo. Os três arcebispos anteriores haviam sofrido mortes violentas: o primeiro durante a insurreição de 1848, o segundo pelas mãos de um assassino em 1863 e o terceiro durante a Comuna. Em resposta ao massacre prometido por Versalhes, os communards haviam de antemão decidido fazer reféns. Dentre estes, o arcebispo era de grande importância, pois os communards desejavam trocá-lo por Blanqui. Thiers recusou essa negociação, tendo aparentemente resolvido que um arcebispo morto e martirizado (que em todo caso era um católico liberal) era mais valioso do que se estivesse vivo e fosse trocado pelo dinâmico e agressivo Blanqui. Durante “a semana sangrenta”, alguns segmentos dos communards perpetraram todos os atos de vingança que puderam. Em 24 de maio, enquanto as forças de Versalhes entravam em Paris da forma mais sangrenta e brutal possível, executando qualquer suspeito de participação ativa na Comuna, o arcebispo foi fuzilado. Nessa derradeira semana, 74 reféns foram fuzilados, dos quais 24 eram padres. Esse anticlericalismo radical estava tão vivo durante a Comuna quanto em 1789. No entanto, após o extermínio maciço que deixara mais de 10 mil communards mortos, quase 40 mil presos e inúmeros outros em fuga, Thiers pôde escrever ao monsenhor Guibert em 14 de julho em tom tranquilizador: “Os ‘vermelhos’, totalmente derrotados, não retomarão suas atividades amanhã; ninguém se envolve duas vezes em um intervalo de cinquenta anos em uma luta tão imensa como essa que eles acabaram de perder”[22]. Aliviado, o monsenhor Guibert foi para Paris.
O novo arcebispo ficou muito impressionado com o movimento para a construção de um monumento em homenagem ao Sagrado Coração. Em 18 de janeiro de 1872, ele aceitou formalmente a responsabilidade pelo empreendimento. Assim, escreveu a Legentil e a Rohault de Fleury:
Figura 111: Barricada dos communards na Rue d’Allemagne, em março de 1871.
Vocês analisaram os males do nosso país a partir de suas verdadeiras perspectivas [...]. A conspiração contra Deus e Cristo prevalece em uma multidão de corações e, como punição pela apostasia quase universal, a sociedade foi submetida a todos os horrores da guerra contra um estrangeiro vitorioso, e da guerra ainda mais horrível entre os filhos do mesmo país. Tendo nos tornado, por nossa prevaricação, rebeldes contra o céu, caímos durante nossas dificuldades no abismo da anarquia. A terra da França apresenta a aterrorizante imagem de um lugar onde nenhuma ordem prevalece, enquanto o futuro oferece ainda mais terrores [...]. Este templo, erigido como um ato público de contrição e reparação [...] vai se erguer entre nós como um protesto contra outros monumentos e obras de arte erigidas para a glorificação do vício e da impiedade.[23]
Figura 115: Esta imagem do alto da colina de Montmartre, na qual Paris arde em chamas nos últimos dias da Comuna, capta algo do que Rohault de Fleury tinha em mente quando comentou sobre como a promessa de construir a Sacré-Cœur mesmo que “Paris fosse reduzida a cinzas” havia sido fortuitamente apropriada.
Em julho de 1872, o ultraconservador papa Pio IX, que ainda esperava o fim de seu confinamento no Vaticano, endossou formalmente a promessa. Uma imensa campanha de propaganda se seguiu, e o movimento ganhou força. No fim do ano, mais de 1 milhão de francos já haviam sido prometidos; só faltava a promessa ser traduzida em sua representação material, física.
Figura 116: De início, apenas os republicanos sociais-democratas sentiam remorso e repulsa pelo que havia ocorrido na Comuna. Manet (acima) ficou profundamente comovido com os acontecimentos e elaborou várias representações que lamentavam as mortes nas barricadas. Em um dos últimos desenhos de Daumier, ele comentou com tristeza e comoção sobre “quando os trabalhadores lutam entre si”.
O primeiro passo era escolher o lugar. Legentil queria usar as fundações do inacabado teatro de ópera, que ele considerava “um monumento escandaloso de extravagância, indecência e mau gosto”[24]. O comedido projeto inicial daquele prédio, de autoria de Charles Rohault de Fleury (sem parentesco com Hubert), havia sido abandonado em 1860 por insistência do conde Walewski (“que tinha a distinção dúbia de ser filho ilegítimo de Napoleão e marido da então favorita de Napoleão III”[25]). O projeto que o substituiu, de autoria de Garnier (que existe hoje), certamente tinha, aos olhos de Legentil, as qualidades de um “monumento ao vício e à impiedade”, e nada poderia ser mais apropriado do que apagar a memória do Império construindo a basílica naquele local. Fazê-lo significaria, é claro, derrubar a fachada que havia sido concluída em 1867. Legentil provavelmente não percebeu que os communards haviam, nesse mesmo espírito, derrubado a coluna de Vendôme.
Contudo, no fim de outubro de 1872, o arcebispo já havia tomado as rédeas do assunto e acabou escolhendo o alto de Montmartre, pois a dominação simbólica de Paris só poderia ser assegurada dali. Como parte daquele local era propriedade pública, seria necessário o consentimento ou o apoio ativo do governo para que ele fosse adquirido. Contudo, o governo estava planejando construir ali uma fortaleza militar. O arcebispo observou, entretanto, que esta poderia ser muito impopular, enquanto uma fortificação do tipo que ele propunha seria menos ofensiva e mais certeira. Thiers e seus ministros, aparentemente convencidos de que a proteção ideológica era preferível à militar, encorajaram o arcebispo a levar o assunto adiante formalmente. Isso foi feito em uma carta datada de 5 de março de 1873, em que o arcebispo solicitava ao governo a aprovação de uma lei especial declarando que a construção da basílica era uma obra de utilidade pública, o que permitiria o uso das leis de expropriação para a obtenção do local.
Essa lei contrariava uma antiga tendência favorável à separação entre Igreja e Estado. Mas o posicionamento dos católicos conservadores em relação ao projeto era muito forte. Thiers ficou hesitante, mas sua indecisão logo não teria mais importância. Os monarquistas haviam decidido que o momento deles havia chegado. Em 24 de maio de 1873, derrubaram Thiers e o substituíram pelo monarquista arquiconservador marechal MacMahon, que apenas dois anos antes havia liderado as forças armadas de Versalhes na repressão sangrenta da Comuna. A França estava, mais uma vez, mergulhada na agitação política; uma restauração monarquista parecia iminente.
O governo de MacMahon logo ratificou a lei, que então se tornou parte do seu programa para estabelecer o domínio da ordem moral em que os ricos e privilegiados – aqueles que, portanto, tinham interesse especial na preservação da sociedade –, sob a liderança do rei e em aliança com as autoridades da Igreja, teriam o direito e o dever de proteger a França dos perigos sociais aos quais ela havia sido recentemente exposta; impedindo, assim, que o país caísse no abismo da anarquia. Grandes manifestações foram mobilizadas pela Igreja como parte de uma campanha para restabelecer o senso de ordem moral. A maior delas ocorreu em 29 de junho de 1873, em Paray-le-Monial. Trinta mil peregrinos, incluindo cinquenta membros da Assembleia Nacional, deslocaram-se até lá para se dedicar publicamente ao Sagrado Coração[26].
Foi nessa atmosfera que o comitê formado para fazer um relatório sobre a lei apresentou seus resultados em 11 de julho à Assembleia Nacional; um quarto dos membros do comitê apoiava o juramento. O comitê concluiu que a proposta de construir uma basílica de expiação era inquestionavelmente uma obra de utilidade pública. Além disso, era justo e apropriado construir tal monumento no alto de Montmartre para que todos o vissem, pois tinha sido ali que o sangue dos mártires – inclusive os de outros tempos – escorrera. Era necessário “apagar, por meio desta obra de expiação, os crimes que haviam coroado nossos sofrimentos”, e a França, “que já havia sofrido tanto”, deveria “evocar a proteção e a graça d’Aquele que dá, segundo Sua vontade, a derrota ou a vitória”[27].
Parte do debate que se seguiu em 22 e 23 de julho girou em torno de questões técnico-legais e das implicações da legislação para as relações Estado-Igreja. Os católicos intransigentes propunham, irresponsavelmente, ir ainda mais longe. Queriam que a Assembleia se comprometesse formalmente com um empreendimento em nível nacional que “não seria apenas um protesto contra o fato de a Comuna ter pegado em armas, mas um sinal de conciliação e concórdia”. Essa emenda foi rejeitada, mas a lei foi aprovada por uma ampla maioria de 244 votos. A única voz dissidente no debate veio de um deputado republicano radical de Paris:
Quando pensam em erguer nas alturas imponentes de Paris – a fonte do livre pensar e da revolução – um monumento católico, o que passa pela cabeça de vocês? Fazer dele o triunfo da Igreja sobre a revolução. Sim, é isso que querem extinguir – o que chamam de pestilência da revolução. O que desejam revigorar é a fé católica, pois vocês estão em guerra com o espírito dos tempos modernos [...]. Bem, eu que conheço a opinião da população de Paris, eu que estou manchado pela pestilência revolucionária como ela, eu lhes digo que a população ficará mais escandalizada do que edificada com a ostentação da sua fé [...] Longe de nos edificar, vocês nos empurram na direção do livre pensar, na direção da revolução. Quando as pessoas virem essas manifestações dos partidários da monarquia, dos inimigos da Revolução, dirão a si mesmas que o catolicismo e o monarquismo estão unidos e, ao rejeitarem um, também rejeitarão o outro.[28]
Munido da lei que concedia poderes de expropriação, o comitê formado para buscar a concretização do projeto adquiriu o local no alto de Buttes-Montmartre. Eles arrecadaram as contribuições prometidas e começaram a solicitar mais, para que a construção pudesse ser tão grandiosa quanto o pensamento que estava por trás dela. Criou-se um concurso para escolher o melhor projeto para a basílica. A obra tinha de ser imponente, coerente com a tradição católica, mas bem diferente dos “monumentos dedicados ao vício e à impiedade” construídos durante o Segundo Império. Dos 78 projetos propostos e exibidos ao público, escolheu-se o do arquiteto Paul Abadie. A decisão foi controversa. Acusações de demasiada influência interna rapidamente vieram à tona e os católicos conservadores ficaram incomodados com o suposto “orientalismo” do projeto. Por que ele não poderia ser mais autenticamente francês, perguntavam (o que na época significava ser fiel às tradições góticas do século XIII, mesmo que tão racionalizadas por Viollet-le-Duc)? Mas a grandiosidade dos domos de Abadie, a pureza do mármore branco e a simplicidade desadornada de seus detalhes impressionaram o comitê – o que, afinal, estaria mais distante da extravagância daquele horrível teatro de ópera[29]?
Na primavera de 1875, tudo estava pronto para o assentamento da pedra fundamental. Mas, aparentemente, a Paris radical e republicana ainda não estava arrependida o bastante. O arcebispo queixou-se de que a obra da Sacré-Cœur estava sendo tratada como uma provocação, uma tentativa de sepultar os princípios de 1789. Também disse que, embora não desejasse reacendê-los, caso de fato estivessem mortos e enterrados, esse tipo de visão estava dando origem a uma deplorável polêmica da qual ele se via obrigado a participar. Emitiu uma circular em que expressava seu assombro com a hostilidade dos “inimigos da religião” em relação ao projeto. Ele achava intolerável que as pessoas ousassem dar uma interpretação política a pensamentos derivados apenas de fé e piedade. A política, assegurou ele aos leitores, “esteve longe, muito longe das nossas inspirações; ao contrário, o trabalho tem sido inspirado pela profunda convicção de que a política é incapaz de lidar com os males do país. As causas desses males são morais e religiosas, e as soluções devem ser da mesma ordem”. Além disso, prosseguiu ele, a obra não poderia ser interpretada como política, pois o objetivo da política é dividir, “enquanto nosso trabalho tem por objetivo a união de todos. A pacificação social é o ponto-final da obra que queremos realizar”[30].
O governo, agora claramente na defensiva, ficou bastante preocupado com a perspectiva de uma grande cerimônia de abertura, que poderia ser palco de um feio confronto. Ele pedia cautela. O comitê tinha de encontrar uma maneira de assentar a pedra fundamental sem ser muito provocativo. O papa os socorreu declarando um dia de dedicação ao Sagrado Coração para todos os católicos. Com essa proteção, uma cerimônia muito discreta para assentar a pedra fundamental da obra transcorreu sem incidentes. A construção agora entrava em andamento. gallia poenitens estava tomando forma material e simbólica.
Os quarenta anos entre o assentamento da pedra fundamental e a consagração final da basílica, em 1919, foram em geral tumultuados. Surgiram dificuldades técnicas para erguer uma estrutura tão grande no topo de uma colina que, devido a anos de mineração de gipsita, se tornara instável. O custo da estrutura aumentou de forma impressionante, e à medida que o entusiasmo pelo culto do Sagrado Coração perdia certa força, também surgiam dificuldades financeiras. Abadie morreu em 1884, e seus sucessores fizeram adições e subtrações ao projeto inicial (a mais notável adição foi o considerável aumento da altura do domo central). E a controvérsia no plano político continuava. O comitê encarregado do projeto havia, de antemão, deliberado vários estratagemas para encorajar o fluxo das contribuições. Indivíduos e famílias podiam custear uma pedra, e o visitante da Sacré-Cœur pode ver vários nomes inscritos nas pedras. Diferentes regiões e organizações foram estimuladas a subscrever para a construção de capelas específicas. Membros da Assembleia Nacional, do Exército, do clero etc., todos uniram esforços nesse sentido. Cada capela tem seu próprio significado.
Por exemplo, entre as capelas na cripta está aquela dedicada a Jésus Enseignant, que recorda, como declarou Rohault de Fleury, “que um dos principais pecados da França foi a tola invenção do ensino sem Deus”[31]. Os perdedores da batalha feroz pela preservação do poder da Igreja sobre a educação após 1871 faziam suas doações a essa capela. Muito próxima a ela, no fundo da cripta, perto de onde costumava ser a Rue des Rosiers, está a capela dedicada a Jésus-Ouvrier. O fato de trabalhadores católicos terem contribuído para a construção de sua própria capela era motivo de grande júbilo. Isso mostrava, escreveu Legentil, seu desejo de “protestar contra a descrença apavorante na qual grande parte da classe trabalhadora está caindo”, assim como sua determinação de resistir à “associação ímpia e verdadeiramente infernal que, em quase toda a Europa, faz dela sua escrava e vítima”. A referência à Associação Internacional dos Trabalhadores é inegável e compreensível, pois naquela época era costumeiro nos círculos burgueses considerar a Comuna, muito erroneamente, como derivada da nefasta influência daquela associação “infernal”. Entretanto, por um estranho capricho do destino, que tão frequentemente traz irônicas reviravoltas à história, a capela dedicada a Jésus-Ouvrier está bem próxima do ponto onde passou o “Calvário de Eugène Varlin”. É dessa forma que a basílica, erguida no alto para homenagear o sangue de dois mártires recentes da direita, involuntariamente homenageia em suas profundezas subterrâneas um mártir da esquerda.
A interpretação de Legentil de tudo isso foi de fato um tanto equivocada. Nos derradeiros momentos da Comuna, um jovem católico chamado Albert de Munn testemunhou consternado a chacina dos communards. Chocado, ele começou a refletir sobre o que “a sociedade legalmente constituída havia feito a essas pessoas” e concluiu que seus males em grande medida provinham da indiferença das classes ricas. Na primavera de 1872, ele foi até o coração da odiada Belleville e montou o primeiro de seus cercles-ouvriers[32]. Isso assinalou os primórdios de um novo tipo de catolicismo na França – um catolicismo que buscava, mediante a ação social, atender às necessidades materiais e espirituais dos trabalhadores. Foi por meio de organizações como essa, muito distantes do catolicismo intransigente e ultramontano que dominava o núcleo do movimento em prol da Sacré-Cœur, que uma pequena corrente de contribuições começou a fluir para a construção de uma basílica no alto da colina de Montmartre.
Entretanto, as dificuldades políticas aumentavam. A França, que finalmente tinha uma Constituição republicana (a demora fora causada em grande parte pela intransigência dos monarquistas), estava agora envolta em um processo de modernização estimulado por comunicações mais fáceis, educação em massa e desenvolvimento industrial. O país passou a aceitar a forma moderada de republicanismo e estava amargamente desiludido com o monarquismo atrasado que dominara a Assembleia Nacional eleita em 1871. Em Paris, o povo “não subjugado” de Belleville, assim como seus vizinhos em Montmartre e La Villette, começou a se impor muito mais rapidamente do que Thiers havia previsto. À medida que a demanda pela anistia dos communards exilados se tornava mais forte nesses bairros, crescia também o ódio à basílica que se erguia diante deles. A agitação contra o projeto aumentava.
Em 3 de agosto de 1880, a questão chegou ao conselho da cidade na forma de uma proposta – uma “colossal estátua da Liberdade será colocada no topo de Montmartre, em frente à igreja de Sacré-Cœur, nas terras pertencentes à cidade de Paris”. Nessa época, os republicanos franceses viam os Estados Unidos como uma sociedade-modelo, que funcionava perfeitamente bem sem monarquismo e outros aparatos feudais. Como parte de uma campanha para reforçar a importância desse exemplo, assim como para simbolizar sua ligação profunda com os princípios de liberdade, republicanismo e democracia, eles estavam, na época, levantando fundos para doar a Estátua da Liberdade, que agora está no porto de Nova York. Por que não, diziam os autores da proposta, apagar a visão da odiada Sacré-Cœur com um monumento de ordem similar[33]?
Ainda que se alegue o contrário, diziam eles, a basílica simbolizava a intolerância e o fanatismo da direita – era um insulto à civilização, antagônica aos princípios dos tempos modernos, uma evocação do passado e um estigma sobre a França como um todo. Os parisienses, aparentemente decididos a demonstrar sua ligação impenitente aos princípios de 1789, estavam determinados a apagar o que achavam ser uma expressão do “fanatismo católico” por meio da construção de um tipo de monumento que era exatamente o que o arcebispo caracterizara como “glorificação do vício e da impiedade”. Em 7 de outubro, o conselho da cidade havia mudado sua tática. Chamando a basílica de “uma incessante provocação à guerra civil”, os membros decidiram mediante votação, cujo resultado foi de 61 votos a favor e 3 contra, solicitar ao governo a “revogação da lei de utilidade pública de 1873” e a utilização da terra, que voltaria a ser propriedade do Estado, para a construção de uma obra de importância verdadeiramente nacional. O conselho passou a proposta ao governo, esquivando-se cuidadosamente do problema relativo à indenização dos que haviam contribuído para a construção da basílica – que mal havia passado das fundações. No verão de 1882, a solicitação foi levada à Câmara dos Deputados.
O arcebispo Guibert teve, mais uma vez, de defender a obra publicamente. Ele rebateu os já conhecidos argumentos contra a basílica com respostas igualmente banais. Insistia que o trabalho não fora inspirado pela política, mas pelo patriotismo e cristianismo. Aos que objetavam o caráter expiatório da obra, ele simplesmente replicou que ninguém podia se dar ao luxo de considerar o país infalível. Em relação ao quanto o culto do Sagrado Coração era apropriado, achava que somente a Igreja tinha o direito de julgar. Aos que viam a basílica como uma incitação à guerra civil, ele respondeu: “Por acaso as guerras civis e os motins são fruto dos nossos templos cristãos? Por acaso os que frequentam nossas igrejas são propensos a excitações e revoltas contra a lei? Por acaso encontramos essas pessoas no meio dos tumultos e da violência que, de tempos em tempos, atormentam as ruas das nossas cidades?”. O arcebispo também ressaltou que, embora Napoleão houvesse vislumbrado a construção de um templo de paz em Montmartre, “somos nós que finalmente estamos construindo o verdadeiro templo da paz”[34]. Ele passou, em seguida, a analisar os efeitos negativos que o abortamento da construção traria. Tal medida feriria profundamente a posição cristã e teria um efeito desagregador. Certamente seria um mau precedente, disse ele (ignorando o precedente estabelecido pela própria lei de 1873), se projetos religiosos desse tipo estivessem sujeitos aos caprichos políticos do governo vigente. E ainda havia o complexo problema da compensação, não apenas relativa aos contribuintes, mas também ao trabalho já feito. Por fim, o arcebispo recorreu ao fato de que a obra estava empregando seiscentas famílias – privar “essa parte de Paris de uma fonte tão significativa de trabalho seria realmente desumano”.
Esses argumentos, no entanto, não foram convincentes o bastante para os representantes parisienses na Câmara dos Deputados, que em 1882 era dominada por republicanos reformistas como Gambetta (de Belleville) e Clemenceau (de Montmartre). O debate foi acalorado e apaixonado. O governo se declarou terminantemente contrário à lei de 1873, mas ao mesmo tempo se opunha a revogá-la, pois isso envolveria o pagamento de mais de 12 milhões de francos em indenizações à Igreja. Em uma manobra para neutralizar a evidente revolta da esquerda, o ministro chegou a observar que, com a revogação da lei, o arcebispo estaria livre da obrigação de completar o que estava se revelando um empreendimento muito árduo; além disso, a Igreja receberia milhões de francos para fazer obras de propaganda que poderiam ser “infinitamente mais eficazes do que o projeto objetado pelos idealizadores da presente moção”.
Entretanto, os republicanos radicais não pretendiam encarar a Sacré-Cœur como um elefante branco, nem estavam dispostos a pagar indenizações. Estavam determinados a destruir o que consideravam uma manifestação odiosa de clericalismo pio, substituindo-a por um monumento à liberdade de pensamento. Para eles, os monarquistas e seus intransigentes aliados católicos eram os grandes culpados pela guerra civil. Na Câmara, Clemenceau pediu a palavra para apresentar uma posição radical. Declarou que a lei de 1873 era um insulto, fruto de uma Assembleia Nacional que buscara impor o culto do Sagrado Coração à França porque “lutamos e continuamos a lutar pelos direitos humanos, por termos feito a Revolução Francesa”. A lei era resultado de uma reação clerical, “uma tentativa de estigmatizar a França revolucionária, de nos condenar a pedir perdão à Igreja por nossa luta ininterrupta para prevalecer sobre ela e estabelecer os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Nós devemos”, prosseguiu, “responder a um ato político com um ato político”. Não fazê-lo seria deixar a França sob a intolerável invocação do Sagrado Coração[35].
Figura 117: A Estátua da Liberdade na oficina, em Paris, antes de ser embarcada para Nova York.
Com tal oratória inflamada, Clemenceau alimentou as chamas do sentimento anticlerical. A Câmara dos Deputados votou pela revogação da lei de 1873 por 261 votos a 199. Parecia que a basílica, cujas paredes mal haviam sido levantadas sobre suas fundações, iria desmoronar. Mas ela foi salva por um tecnicismo: a nova lei havia sido aprovada tarde demais para o cumprimento de todas as exigências formais para sua promulgação. O governo, genuinamente temeroso dos custos e riscos envolvidos, fez um trabalho silencioso para evitar a volta da moção à Câmara dos Deputados, que, na sessão seguinte, passou a considerar questões de peso e urgência muito maiores. Os republicanos haviam conseguido uma vitória parlamentar simbólica, porém pírrica. Aliviado, o arcebispo deu continuidade à obra.
No entanto, por alguma razão o assunto resistia. Em fevereiro de 1897, a moção foi reapresentada. A essa altura, o republicanismo anticlerical havia progredido bastante, assim como o movimento da classe trabalhadora na forma de um partido socialista vigoroso e em crescimento. Mas a construção no alto da colina também havia progredido. O interior da basílica havia sido inaugurado e aberto para culto em 1891, e o grande domo estava quase pronto (a cruz sobre ele foi formalmente abençoada em 1899). Embora a basílica ainda fosse considerada uma “provocação à guerra civil”, a perspectiva de desfazer uma obra tão grandiosa parecia então bastante intimidadora. E, dessa vez, ninguém menos que Albert de Munn a defendeu em nome de um catolicismo que, à época, havia enxergado a virtude de separar seu destino do de uma causa monarquista esvanecente. A Igreja estava começando a aprender uma lição, e o culto ao Sagrado Coração começou a adquirir um novo significado em resposta às mudanças em curso na situação social. Em 1899, um papa mais reformista dedicou o culto ao ideal de harmonia entre as raças, justiça social e conciliação[36].
Mas os deputados socialistas não se deixaram levar pelo que achavam ser manobras de cooptação. Eles insistiram na reivindicação da derrubada do odiado símbolo, embora a obra estivesse quase concluída e sua queda envolvesse a indenização de 8 milhões de subscritores ao custo considerável de 30 milhões de francos. No entanto, a maioria na Câmara dos Deputados apavorou-se com tal perspectiva, e a moção foi rejeitada por 322 a 196 – na última vez que a obra seria ameaçada mediante ação oficial. Com a conclusão do domo em 1899, a atenção voltou-se para a construção do campanário, finalmente concluído em 1912. Estava tudo pronto na primavera de 1914, e a consagração oficial foi marcada para 17 de outubro. Mas a guerra com a Alemanha interferiu nos acontecimentos e a basílica só foi consagrada no final daquele conflito sangrento. Vitoriosa, a França – liderada pela brilhante oratória de Clemenceau – celebrou alegremente a consagração de um monumento concebido no decorrer de uma guerra perdida contra a Alemanha uma geração antes. gallia poenitens finalmente trouxe recompensas.
Figura 118: Em torno de 1896, um affiche [cartaz] para o jornal La Lanterne mostra a Sacré-Cœur como um vampiro.
Ecos tênues dessa história atormentadora ainda podem ser ouvidos. Em fevereiro de 1971, por exemplo, manifestantes perseguidos pela polícia se refugiaram na basílica. Firmemente entrincheirados ali, convocaram seus camaradas radicais a se unirem a eles na ocupação de uma igreja “construída sobre os corpos de communards para apagar a memória da bandeira vermelha que durante tanto tempo pairou sobre Paris”. O mito dos incendiários logo arrebentou suas antigas amarras e um pároco evidentemente apavorado chamou a polícia para impedir a conflagração. Os “vermelhos” foram expulsos da igreja em meio a cenas de grande brutalidade. Em homenagem aos que perderam a vida na Comuna, o artista de intervenção Pignon-Ernest cobriu os degraus abaixo da basílica com mortalhas contendo imagens dos communards mortos no mês de maio. Assim, o centenário da Comuna de Paris foi celebrado naquele local. E, como uma coda para esse episódio, uma bomba explodiu na basílica em 1976, danificando consideravelmente um dos domos. Diz-se que nesse dia um visitante do cemitério do Père-Lachaise teria visto uma solitária rosa vermelha no túmulo de Auguste Blanqui.
Rohault de Fleury queria desesperadamente “colocar um berço onde [outros] haviam pensado em cavar um túmulo”. Mas o visitante que olha para a estrutura da Sacré-Cœur, semelhante a um mausoléu, pode muito bem ponderar sobre o que está enterrado ali. O espírito de 1789? Os pecados da França? A aliança entre o catolicismo intransigente e o monarquismo reacionário? O sangue de mártires como Claude Lecomte e Clément Thomas? Ou o de Eugène Varlin e dos cerca de 20 mil communards cruelmente assassinados com ele?
A construção esconde seus segredos em um silêncio sepulcral. Só os vivos, cientes dessa história, que entendem os princípios dos que lutaram a favor da ornamentação daquele lugar, e também dos que lutaram contra ela, podem realmente desenterrar os mistérios ali sepultados e, assim, resgatar essa rica experiência do fúnebre silêncio da tumba, transformando-a no início ruidoso do berço.
[1] Emile Jonquet, Montmartre autrefois et aujourd’hui (Paris, Dumoulin, 1890), p. 54.
[2] Adrien Dansette, Histoire religieuse de la France contemporaine (Paris, Flammarion, 1965); Emile Jonquet, Montmartre autrefois et aujourd’hui, cit.
[3] Hubert Rohault de Fleury, Historique de la Basilique du Sacré-Cœur (Paris, F. Levé, 1903-1909). Contada em quatro volumes, essa história da construção da Sacré-Cœur é uma importante fonte de informações. Foi impressa e divulgada apenas no meio privado, e existem pouquíssimas cópias dela. A biblioteca da basílica tem todos os quatro volumes, e outros podem ser encontrados na Bibliothèque Nationale. Os dois volumes de Le Sacré-Cœur de Montmartre (Paris, Éditions Ouvrières, 1992), de Jacques Benoist, fazem uma compilação de documentos e comentários.
[4] Hubert Rohault de Fleury, Historique de la Basilique du Sacré-Cœur, cit., v. 1, p. 10-3.
[5] Idem.
[6] Henri Guillemin, Cette curieuse guerre de 70: Thiers, Trochu, Bazaine (Paris, Gallimard, 1956, Les Origines de la Commune, v. 1).
[7] Edith Thomas, The Women Incendiaries, cit.
[8] Prosper-Olivier Lissagaray, Histoire de la Commune de 1871, cit.
[9] Jean Bruhat, Jean Dautry e Émile Tersen, La Commune de 1871 (Paris, Éditions Sociales, 1971), p. 75.
[10] Karl Marx e Vladimir Lenin, The Civil War in France: the Paris Commune (Nova York, International Publishers, 1968) [ed. bras.: A guerra civil na França, cit., p. 35]; Marcel Cerf, Edouard Moreau: l’âme du Comité Central de la Commune (Paris, Les Lettres Nouvelles, 1971).
[11] Louis Lazare, La France et Paris, cit.; Edmond de Goncourt, Paris Under Siege, cit.
[12] Jean Bruhat, Jean Dautry e Émile Tersen, La Commune de 1871, cit.; Stewart Edwards, The Paris Commune (Chicago, Quadrangle, 1971).
[13] Prosper-Olivier Lissagaray, Histoire de la Commune de 1871, cit., p. 75.
[14] Henri Guillemin, L’avènement de M. Thiers, et Réflexions sur la Commune (Paris, Gallimard, 1971); Jean Bruhat, Jean Dautry e Émile Tersen, La Commune de 1871, cit., p. 104-5; Robert Dreyfus, Monsieur Thiers contre l’Empire: la guerre, la Commune (Paris, Grasset, 1928), p. 266.
[15] Hubert Rohault de Fleury, Historique de la Basilique du Sacré-Cœur, cit., v. 1, p. 88, 264.
[16] Ibidem, p. 264.
[17] Os relatos da Comuna são numerosos e variados. Fiz uso extensivo de Jean Bruhat, Jean Dautry e Émile Tersen, La Commune de 1871, cit.; Histoire de la Commune de 1871, cit., de Prosper-Olivier Lissagaray, que foi um participante; Jacques Rougerie, Procès des communards, cit.; Frank Jellinek, The Paris Commune of 1871 (Londres, Victor Gollancz, 1937); e Stewart Edwards, The Paris Commune, cit. O livro Paris: ses organes, ses fonctions et sa vie dans la seconde moitié du XIXème siècle, cit., de Maxime Du Camp, proporciona um relato extremamente tendencioso de uma perspectiva de direita, e Les écrivains contre la Commune, cit., de Paul Lidsky, reúne escritos do período hostil à Comuna. As consequências do evento e suas fotografias têm atraído interesse nos últimos anos; La Commune: Paris 1871 (Paris, Nathan, 2000), de Bernard Noël, apresenta uma maravilhosa coleção de fotos, assim como La Commune photographiée, organizado por Quentin Bajac e pelo Musée d’Orsay (Paris, Réunion des Musées Nationaux, 2000). O mito das pétroleuses foi investigado a fundo por Edith Thomas em The Women Incendiaries, cit.; e Procès des communards, cit., de Jacques Rougerie, examina em detalhes os registros de todos os julgamentos das suspeitas para descobrir quais delas haviam de fato participado do movimento e que motivações tinham.
[18] Eugène Foulon, Eugène Varlin, cit.
[19] Audéoud está citado em Frank Jellinek, The Paris Commune of 1871, cit., p. 339. A seleção das anotações do diário de Goncourt durante o período da Comuna feita por George Becker em Paris Under Siege, cit., p. 28, apresenta essa citação como sendo de Goncourt.
[20] Hubert Rohault de Fleury, Historique de la Basilique du Sacré-Cœur, cit., v. 1, p. 13.
[21] Edmond de Goncourt, Paris Under Siege, cit., p. 312.
[22] Henri Guillemin, L’avènement de M. Thiers, et Réflexions sur la Commune, cit., p. 295-6; Hubert Rohault de Fleury, Historique de la Basilique du Sacré-Cœur, cit., v. 2, p. 365.
[23] Hubert Rohault de Fleury, Historique de la Basilique du Sacré-Cœur, cit., v. 1, p. 27.
[24] Emile Jonquet, Montmartre autrefois et aujourd’hui, cit., p. 85-7.
[25] David Pinkney, Napoleon III and the Rebuilding of Paris, cit., p. 85-7; ver também Penelope Woolf, “Symbol of the Second Empire: Cultural Politics and the Paris Opera House”, em Denis Cosgrove e Stephen Daniels (orgs.), The Iconography of Landscape (Cambridge, Cambridge University Press, 1988).
[26] Adrien Dansette, Histoire religieuse de la France contemporaine, cit., p. 340-5.
[27] Hubert Rohault de Fleury, Historique de la Basilique du Sacré-Cœur, cit., v. 1, p. 88.
[28] Idem.
[29] Paul Abadie, Paul Abadie: Architecte, 1812-1884 (Paris, Ministère de la Culture, de la Communication, des Grands Travaux et du Bicentenaire/Éditions de la Réunion des Musées Nationaux, 1988), p. 222-4.
[30] Hubert Rohault de Fleury, Historique de la Basilique du Sacré-Cœur, cit., v. 1, p. 244.
[31] Ibidem, p. 269.
[32] Adrien Dansette, Histoire religieuse de la France contemporaine, cit., p. 356-8; Clément Lepidis e Emmanuel Jacomin, Belleville, cit., p. 271-2.
[33] Ville de Paris, Procès-verbaux (Paris, Conseil Municipal, 3 de agosto, 7 de outubro e 2 de dezembro de 1880).
[34] Hubert Rohault de Fleury, Historique de la Basilique du Sacré-Cœur, cit., v. 2, p. 71-3.
[35] Ibidem, p. 71-6.
[36] Paul Lesourd, Montmartre (Paris, France-Empire, 1973), p. 224-5.