Sumário: 8.1. Conceito – 8.2. Terceirização vs. princípio da não mercantilização do trabalho – 8.3. Fundamento legal genérico para a terceirização – 8.4. Natureza jurídica da terceirização – 8.5. Terceirização vs. intermediação de mão de obra – 8.6. Previsão legal de hipóteses de terceirização: 8.6.1. Art. 455 da CLT: empreitada e subempreitada; 8.6.2. Lei nº 6.019/1974: trabalho temporário; 8.6.3. Lei nº 7.102/1983: serviços de vigilância; 8.6.4. Decreto-Lei nº 200/1967: terceirização na Administração Pública; 8.6.5. Lei nº 9.472/1997 – serviços de telecomunicações – 8.7. Construção jurisprudencial acerca do tema – 8.8. Cooperativas de trabalho: 8.8.1. Critérios identificadores do verdadeiro cooperativismo; 8.8.2. Relação jurídica formada no âmbito da atividade cooperativa; 8.8.3. Requisitos para a licitude da cooperativa de trabalho; 8.8.4. Cooperativa e terceirização – 8.9. Terceirização e efeitos – 8.10. Deixadinhas.
Marcadores: SUBCONTRATAÇÃO; INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA; CONTRATAÇÃO POR EMPRESA INTERPOSTA; RELAÇÃO TRIANGULAR DE TRABALHO; TRABALHO TEMPORÁRIO; RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO; COOPERATIVAS.
Material de estudo:
✓ Legislação básica: CLT, art. 9º, 442, 455; Lei nº 6.019/1974, art. 2º, 4º; Lei nº 8.666/1993, art. 71
✓ Legislação para estudo avançado: Lei nº 6.019/1974 (toda); Lei nº 7.102/1983, art. 3º, 10; Lei nº 9.472/1997, art. 94; Lei nº 5.764/1974, art. 4º, 6º, 7º, 15; Lei nº 12.690/2012, art. 01-18; Decreto-Lei nº 200/1967, art. 10
✓ Jurisprudência: Súm. 125, 331, TST; OJ SDI-1 191, 321, 383, TST
✓ Doutrina (++)
Dica de preparação estratégica:
Para concursos de provas apenas objetivas (múltipla escolha), o assunto do presente capítulo é normalmente explorado mediante cobrança da literalidade da Súmula 331 do TST. Portanto, se for este o caso, concentre-se no que interessa mais (item 8.7).
Para a Ciência da Administração, terceirização
“é a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade”1.
Assim, a terceirização constitui o fornecimento de atividade especializada, e não o fornecimento de trabalhadores.
Exemplo de terceirização: determinada indústria metalúrgica (empresa A) fornece refeição para seus empregados e, para isso, necessita, obviamente, sejam produzidas estas refeições diariamente. Tendo em vista que a preparação de refeições não guarda qualquer similitude com sua atividade social, ou seja, constitui mera atividade-meio, esta indústria metalúrgica terceiriza tal atividade para uma empresa especializada (empresa B) em preparar refeições industriais, mediante um contrato de direito privado. Observe-se que, no caso, a “empresa B” atua autonomamente no desenvolvimento de seu mister, não sofrendo qualquer interferência da “empresa A”. O contrato firmado entre ambas não é de fornecimento de trabalhadores, e sim de fornecimento do resultado de uma atividade especializada desenvolvida (de forma mais eficiente, frise-se), pela “empresa B”.
Outro exemplo são as atividades de contabilidade e controle de departamento de pessoal de pequenas empresas, normalmente desenvolvidas por escritórios de contabilidade especializados na atividade. Imagine-se, por exemplo, uma pequena indústria de roupas que tenha dez empregados. Não seria necessário, e nem economicamente viável, a contratação de um empregado apenas para responder pela escrituração contábil e pela organização do departamento de pessoal. Logo, é razoável que esta indústria terceirize tal atividade de apoio para um prestador de serviços que a tenha como fim, de forma que o tomador dos serviços possa se concentrar efetivamente em seu objetivo social.
Desse modo, na terceirização desloca-se o foco da tradicional relação bilateral entre empregador e empregado, criando verdadeira relação trilateral, abrangendo em um dos vértices do triângulo o trabalhador, que mantém vínculo de emprego com o prestador de serviços (terceiro ou empregador aparente), mas disponibiliza o resultado de sua energia de trabalho a um tomador de serviços (empregador real) diverso do seu empregador. Por fim, entre o prestador de serviços e o tomador de serviços há uma relação de direito civil (contrato de prestação de serviços), ou ainda uma relação administrativa (contrato administrativo), se o tomador for a Administração Pública.
Esquema da terceirização lícita:
Quando da constituição da OIT, pela Convenção da Filadélfia de 1944, estatuiu-se, primeiramente, que “o trabalho humano não é uma mercadoria”.
Neste diapasão, visando proteger a dignidade humana, adota-se a premissa de que o trabalho não é mercadoria, não é coisa que possa ser comercializada.
Quer dizer que não se admite, à luz dos princípios que regem o direito laboral e o direito fundamental do trabalhador à sua dignidade, a coisificação do trabalhador, o aluguel da sua força de trabalho por outrem.
No exemplo anterior, da indústria metalúrgica que fornece refeições, a história seria diferente, e a terceirização desvirtuada, caso a “empresa B” fornecesse à “empresa A” apenas os trabalhadores, os quais fossem a esta subordinados, e lhes prestassem serviços pessoais, em seu estabelecimento, utilizando as suas instalações etc. Neste caso, teríamos simples intermediação de mão de obra, hipótese vedada, como regra, pelos princípios norteadores do Direito do Trabalho.
Tal vedação é facilmente explicada. Se existe um intermediário, alguém paga por este serviço de intermediação. Certamente não será o tomador quem pagará a conta, pois ele terceiriza principalmente para reduzir custos. Logo, o trabalhador é quem acaba arcando com a precarização de seus salários e demais direitos para remunerar o intermediário.
A rigor não há, na área trabalhista, nenhuma norma jurídica que regule de forma ampla a questão da terceirização. Este é, aliás, o principal argumento daqueles que defendem a terceirização ilimitada da atividade produtiva: como não é proibido, seria permitido, nos termos do disposto no art. 5º, II, da CRFB/1988 (“ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”). Entretanto, nenhuma razão assiste a tais “intérpretes”, como será demonstrado a seguir.
Como mencionado, a terceirização é instituto da Ciência da Administração, alheio, portanto, na sua gênese, ao direito. A natureza jurídica da relação de terceirização mantida entre o tomador dos serviços e o terceiro é relação privada (contrato civil de atividade2), portanto, também alheia ao Direito do Trabalho.
Dessa maneira, é natural que a legislação trabalhista não aborde a questão da terceirização, simplesmente porque seria descabida tal intromissão no âmbito gerencial da empresa (livre-iniciativa). Com efeito, os empresários têm a liberdade de firmar qualquer tipo de contrato lícito no âmbito do direito privado, sendo vedado a qualquer ramo especializado impedir tais pactuações, sob pena de cerceamento da livre-iniciativa, que também é um fundamento da República Federativa do Brasil3. A questão se resolve pelo estudo e delimitação dos efeitos de tais contratos no âmbito trabalhista.
Ocorre que o Direito do Trabalho é constituído, como regra geral, por normas cogentes, as quais limitam o âmbito de atuação dos particulares sempre que estiver em jogo a proteção do trabalhador.
Neste sentido, o art. 2º da CLT define quem é empregador, e o art. 3º define quem é empregado. Presentes os requisitos caracterizadores, teremos inarredavelmente configurada a relação empregatícia, independentemente de quaisquer pactuações efetuadas por terceiros, no âmbito privado dos mesmos.
Recorde-se a questão da “cláusula de não responsabilização”, muitas vezes prevista nos casos de sucessão de empregadores. Como visto, tal cláusula é perfeitamente lícita sob o ponto de vista privado da relação entre o sucedido e o sucessor, garantindo a este, geralmente, direito de regresso em relação àquele. Não obstante, também é certo que tal cláusula não surte qualquer efeito no âmbito trabalhista, tendo em vista o disposto nos arts. 10 e 448 da CLT.
Da mesma forma ocorre com o estágio (art. 3º, caput, da Lei nº 11.788/2008), com as cooperativas (art. 442, parágrafo único da CLT), e com o trabalho voluntário (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.608/1998). Todas estas figuras, se utilizadas de forma lícita, afastam a configuração do vínculo de emprego. Caso contrário, atrair-se-á a regra do art. 9º da CLT, segundo a qual “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Assim, para configuração do vínculo empregatício basta estejam presentes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT, independentemente da roupagem jurídica que tenha sido dada à relação formal, em homenagem ao princípio da primazia da realidade.
Ainda que muitos autores e, principalmente, as maiores bancas organizadoras de concursos não façam distinção entre terceirização e intermediação de mão de obra, é importante mencionar tal distinção, tendo em vista o quão esclarecedora na seara ora estudada.
Com efeito, a terceirização em si não é vedada, desde que a relação de emprego não reste configurada entre tomador e empregado. O que o Direito do Trabalho não admite, como regra quase absoluta, é a intermediação de mão de obra.
E qual seria a diferença entre a terceirização e a intermediação de mão de obra?
Na terceirização tem-se o fornecimento de uma atividade especializada pelo terceiro ao tomador, que não tem qualquer relação de gerenciamento com os trabalhadores.
Na intermediação de mão de obra, por sua vez, verifica-se o mero “aluguel de trabalhadores”, o que, sem nenhuma dúvida, fere os princípios basilares do Direito do Trabalho e a dignidade do trabalhador, o qual passa a ser tratado como mercadoria.
Há uma única hipótese legal de intermediação de mão de obra no Brasil, que é o trabalho temporário, regido pela Lei nº 6.019/1974. O trabalho temporário é definido pelo art. 2º da Lei 6.019/1974 como sendo “aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços”.
Não obstante, na prática não se distingue terceirização e intermediação de mão de obra, razão pela qual adotarei este padrão, de forma a acostumar o leitor à linguagem utilizada pelas bancas. Ademais, o próprio TST trata do trabalho temporário na Súmula 331, junto com a terceirização, conforme veremos.
Neste sentido, tanto a ESAF (AFT – MTE – 2010) quanto o Cespe (Procurador do Município de Aracaju – 2008).
Como já mencionado, não há, no Brasil, uma norma trabalhista que regulamente, de forma geral, a questão da terceirização no âmbito laboral. O que temos são apenas umas poucas normas e/ou dispositivos legais que permitem formas de terceirização, considerada em sentido amplo.
Esta é a modalidade precursora da terceirização, prevista na CLT. Vejamos:
Art. 455. Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
Parágrafo único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.
A questão fática é simples: imagine que uma fonoaudióloga (dona da obra) contrata alguém (empreiteiro), mediante um contrato de empreitada (que é um contrato civil, de resultado), para erguer o novo prédio que sediará sua clínica. Este empreiteiro, por sua vez, contrata, por exemplo, serviços de pintura de outro prestador, denominado subempreiteiro. Neste caso, empregados do subempreiteiro podem reclamar eventuais créditos trabalhistas contra ambos (subempreiteiro ou empreiteiro), nos termos do art. 455.
A figura não é propriamente de terceirização, até porque na época da consolidação das leis trabalhistas tal fenômeno ainda não tinha se espalhado pelo mundo. A título de curiosidade histórica, somente a partir da década de 1970 a terceirização se enraizou no cotidiano brasileiro, primeiro com a descentralização dos serviços públicos preconizada pelo Decreto-Lei nº 200, de 1967. Entretanto, é tratada pela doutrina como autêntica hipótese de terceirização, e alguns autores sugerem até mesmo tratar-se de outra hipótese legal de intermediação de mão de obra. Neste sentido, a professora Vólia Bomfim Cassar4. A classificação, entretanto, não é relevante para concursos.
O aspecto mais importante do estudo do art. 455 diz respeito à natureza da responsabilidade do empreiteiro, se solidária ou apenas subsidiária.
Há grande divergência doutrinária sobre a matéria. Uma importante corrente, durante muito tempo majoritária, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, extrai do referido dispositivo a responsabilidade solidária do empreiteiro. Outra corrente, atualmente bastante prestigiada, e pode-se dizer dominante, entretanto, defende que a responsabilidade do empreiteiro, no caso, é subsidiária.
Em primeiro lugar, frise-se que, pela literalidade do art. 455, há responsabilidade de terceiro apenas no caso de subempreitada, e não nas hipóteses de empreitada simples. Neste sentido, o dono da obra não responde pelos débitos do empreiteiro para com seus empregados. Aqui temos a primeira grande celeuma doutrinária. O fato é que hoje a grande maioria da doutrina considera injustificada tal irresponsabilização do dono da obra, especialmente tendo em vista a redação da Súmula 331 do TST, que, em tese, regula todas as hipóteses de terceirização.
Entretanto, o TST tem a questão pacificada na OJ 191 da SDI-1:
OJ-SDI1-191. Contrato de empreitada. Dono da obra de construção civil. Responsabilidade (nova redação) – Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.
Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.
A recente alteração da redação da referida orientação jurisprudencial, levada a efeito pela Resolução 175/2011, apenas especificou que o entendimento esposado pelo verbete se refere à empreitada de construção civil, de forma a justificar a não responsabilização do dono da obra.
Destarte, a manutenção da OJ 191 da SDI-1 do TST, em que pese o posicionamento diverso de alguns Ministros, os quais pugnavam pelo seu cancelamento, indica caminho seguro acerca do entendimento dominante sobre a matéria. Para fins de concursos de provas objetivas, leve apenas esta ideia. Só! A banca não iria “remar” contra o TST, acredite. Portanto, esqueça, neste caso, a polêmica.
Quanto à responsabilidade do empreiteiro em relação aos empregados do subempreiteiro, há duas grandes correntes.
1ª corrente: responsabilidade solidária do empreiteiro
O art. 455 deveria ser interpretado no sentido de que ao subempreiteiro caberia o débito (“responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar”), mas a ambos, empreiteiro e subempreiteiro, solidariamente, a responsabilidade (“cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro”), no caso de inadimplemento espontâneo do subempreiteiro.
Esta corrente gozou de enorme prestígio na doutrina e na jurisprudência. Embora seja atualmente bastante questionada, particularmente entendo que deva prevalecer, pois a interpretação é mais benéfica ao empregado, o que atende ao princípio da condição mais benéfica e também ao princípio da proteção do trabalhador.
2ª corrente: responsabilidade subsidiária do empreiteiro
Hodiernamente tem se considerado que a responsabilidade do empreiteiro, no caso, é subsidiária, tendo em vista a atual redação da Súmula 331 do TST, que, em tese, abrange todas as hipóteses de terceirização, inclusive a hipótese do art. 455 da CLT. Portanto, o fundamento desta nova corrente seria o item IV da Súmula 331 do TST. Neste sentido, Maurício Godinho Delgado5.
Alguns defensores desta corrente invocam ainda outros dois argumentos: a) a solidariedade decorre de previsão legal, e o art. 455 não dispõe expressamente sobre a solidariedade; b) a redação do art. 455 contemplaria espécie de benefício de ordem, o que indicaria subsidiariedade. Os argumentos são frágeis, entretanto. A previsão legal, no caso, decorre de interpretação do dispositivo, sendo que cada corrente o interpreta de uma maneira diversa e válida juridicamente. O benefício de ordem é visto apenas pelos partidários da segunda corrente, sendo que os da primeira entendem que o benefício de ordem seria apenas contratual, isto é, o empregado cobraria primeiro do subempreiteiro, extrajudicialmente, e caso este não pagasse, aí sim caberia acionar ambos, subempreiteiro e empreiteiro, na Justiça.
Para fins de concurso público, penso que, hoje em dia, dificilmente a discussão fará sentido, pois as bancas não têm cobrado mais este conhecimento, em face da existência de notória divergência. A matéria, em termos de concurso, deve se resumir à literalidade do art. 455 da CLT. De qualquer sorte, fica a exposição das duas teses. Não arriscaria definir a que você deveria escolher caso isso seja exigido na sua prova do Cespe ou da ESAF, mas o argumento da segunda corrente (subsidiariedade) é atualmente mais valorizado, embora eu não concorde com ele.
Entretanto, para provas da FCC, certamente a corrente que defende a responsabilidade subsidiária do empreiteiro leva grande vantagem, tendo em vista que a banca já cobrou questões neste sentido. A título de exemplo, a FCC já considerou corretas as seguintes assertivas:
“Para edificar sua sede, uma rede de supermercados contratou construtora que se utilizou de serviços de empresas terceirizadas. Nesse caso, são subsidiariamente responsáveis, pelas obrigações trabalhistas dos contratos firmados pelas empresas terceirizadas com seus empregados, a construtora e as empresas terceirizadas” (Técnico – TRT da 20ª Região – 2002).
“Ao subcontratar serviços de carpintaria, uma construtora celebra contrato de subempreitada, ficando subsidiariamente responsável pelo implemento das obrigações trabalhistas derivadas desse contrato”6 (Analista – TRT da 3ª Região – 2005).
A Lei do Trabalho Temporário passou, bem ou mal, a permitir expressamente, em hipóteses restritas, é verdade, a intermediação de mão de obra no Brasil. Entretanto, é a única possibilidade lícita de intermediação de mão de obra, tendo em vista o princípio da não mercantilização do trabalho humano.
A definição do trabalho temporário e da empresa de trabalho temporário é dada pelos arts. 2º e 4º da Lei nº 6.019/1974, in verbis:
Art. 2º Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços.
(...)
Art. 4º Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos.
Extrai-se do dispositivo acima que não é possível a contratação de trabalho temporário no meio rural. Neste sentido, assertiva considerada correta pelo MPT (Procurador do Trabalho – 2007).
O trabalho temporário foge à regra geral da relação de emprego, que pressupõe bilateralidade, e cria uma relação trilateral, em que o tomador dos serviços contrata a empresa de trabalho temporário, que, por sua vez, fornece os trabalhadores ao tomador.
Questão polêmica e sem resposta adequada na jurisprudência (e sequer tratada pela grande maioria dos doutrinadores) diz respeito à natureza do vínculo formado entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário, e principalmente os efeitos de tal vínculo.
É pacífico que o vínculo que se estabelece entre ambos é o de emprego8, até porque o contrato de fornecimento de trabalhadores firmado entre a Empresa de Trabalho Temporário – ETT e tomador não gera vínculo empregatício com os trabalhadores. Entretanto, como fica a questão do trabalhador temporário quando não está em missão? Se continua vinculado à ETT, deveria receber salários pelo tempo à disposição, até que arranjassem para ele uma nova missão. Na prática, entretanto, não é o que se vê, até porque o custo exigido para que a ETT mantivesse um estoque de trabalhadores nestas condições inviabilizaria a atividade.
Em que pese a Lei nº 6.019/1974 ter buscado afastar o trabalhador temporário da noção da clássica relação de emprego (relação bilateral), o fato é que a jurisprudência foi construindo, ao longo do tempo, uma rede de proteção que abrangesse também este trabalhador, de forma que hoje é pacífico que se trata de relação de emprego, embora tratada de forma específica pela Lei nº 6.019/1974.
Na prática, a utilização do trabalho temporário é comum, tanto nas hipóteses de substituição transitória de pessoal regular e permanente (no caso de férias, de afastamento por doença etc.) quanto, principalmente, no caso de acréscimo extraordinário de serviços, por exemplo, na alta temporada do comércio (final de ano) ou da atividade hoteleira/lazer (época de férias e/ou verão).
Para que não restem dúvidas quanto ao entendimento dominante, dispõe o art. 9º da Instrução Normativa MTb/GM nº 3, de 29.08.1997, que disciplina a fiscalização do trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros e empresas de trabalho temporário, o seguinte:
Art. 9º Para os efeitos dos arts. 2º e 4º da Lei nº 6.019/1974, considera-se, respectivamente:
I – acréscimo extraordinário de serviço, não só aquela demanda oriunda de fatores imprevisíveis, como também os denominados “picos de venda” ou “picos de produção”;
II – trabalhador devidamente qualificado, o portador de aptidão genérica inerente a qualquer trabalhador, e não somente a técnico ou especializado.
Quanto à forma, o trabalho temporário exige contrato escrito entre a tomadora e a empresa de trabalho temporário, o qual deve mencionar expressamente o motivo justificador da demanda de trabalho temporário, bem como a remuneração ajustada (art. 9º da Lei nº 6.019/1974). Trata-se, portanto, de exceção à regra geral do contrato de emprego, que é marcado pela consensualidade.
Também se exige a forma escrita para o contrato entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário, no qual devem constar os direitos conferidos aos trabalhadores temporários (art. 11). Tais direitos dos trabalhadores temporários encontram-se arrolados no art. 12, conforme veremos adiante.
Na falta de tais requisitos (bem como de qualquer outro da Lei nº 6.019/1974), considera-se o contrato por prazo indeterminado, com vínculo direto com o tomador dos serviços, nos termos da Súmula 331 do TST.
Observe-se que, no caso de trabalho temporário, há subordinação direta do trabalhador ao tomador dos serviços, tendo em vista que o objetivo é o fornecimento do trabalhador em si, e não de atividade especializada. Em outras palavras, o trabalhador temporário integra a dinâmica empresarial do tomador dos serviços, somente não sendo a este diretamente vinculado por força de disposição legal excepcional, que, no caso, é a Lei nº 6.019/1974.
No tocante ao prazo de duração, o contrato de trabalho temporário não segue a regra geral dos contratos a termo, podendo ser firmado por prazo limitado a três meses, renovável por igual período, desde que autorizado pelo MTE (art. 10). As regras para prorrogação do contrato de trabalho temporário são atualmente estabelecidas pela Portaria MTE nº 550, de 12.03.2010.
Observe-se que o prazo legal é de três meses, e não de noventa dias, como ocorre com o contrato de experiência. Embora não pareça, tecnicamente a distinção é importante. Isto porque os prazos contados em meses o são sempre pelos mesmos dias, ao passo que os contados em dias o são dia a dia, considerando o número de dias do mês.
Assim, se a empresa Colina contratou um trabalhador temporário no dia 01.06.2009, pelo prazo máximo legal, o vencimento do contrato deu-se em 01.09.2009. Diferentemente, se a mesma empresa Colina contratou um empregado por prazo determinado no dia 01.06.2009, firmando com o mesmo contrato de experiência por 90 dias, o termo final do contrato deu-se em 29.08.2009 (30 dias de junho + 31 de julho + 29 de agosto = 90 dias).
Ainda conforme a Lei nº 6.019/1974 (art. 11), é nula de pleno direito qualquer cláusula de reserva, no sentido de proibir a empresa tomadora de efetivar o trabalhador ao final do prazo do contrato de trabalho temporário.
Como categoria especial de empregado que é, em princípio o trabalhador temporário não faz jus a todos os direitos trabalhistas, mas tão somente àqueles expressamente mencionados pelo art. 12 da Lei nº 6.019/1974:
Art. 12. Ficam assegurados ao trabalhador temporário os seguintes direitos:
a) remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente, calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional (salário mínimo nacionalmente unificado, conforme CRFB/88);
b) jornada de oito horas, remuneradas as horas extraordinárias não excedentes de duas, com acréscimo de 20% (vinte por cento) (jornada de 44h semanais e hora extra com o acréscimo de, no mínimo, 50% conforme CRFB/88);
c) férias proporcionais, nos termos do art. 25 da Lei nº 5.107, de 13.09.19669;
d) repouso semanal remunerado;
e) adicional por trabalho noturno;
f) indenização por dispensa sem justa causa ou término normal do contrato, correspondente a 1/12 (um doze avos) do pagamento recebido;
g) seguro contra acidente do trabalho;
h) proteção previdenciária nos termos do disposto na Lei Orgânica da Previdência Social, com as alterações introduzidas pela Lei nº 5.890, de 08.06.1973 (art. 5º, item III, letra “c” do Decreto nº 72.771, de 06.09.1973)10.
§ 1º Registrar-se-á na Carteira de Trabalho e Previdência Social do trabalhador sua condição de temporário.
§ 2º A empresa tomadora ou cliente é obrigada a comunicar à empresa de trabalho temporário a ocorrência de todo acidente cuja vítima seja um assalariado posto à sua disposição, considerando-se local de trabalho, para efeito da legislação específica, tanto aquele onde se efetua a prestação do trabalho, quanto a sede da empresa de trabalho temporário.
As primeiras correções a fazer dizem respeito ao salário mínimo, que não é mais regionalizado no sistema constitucional vigente (art. 7º, IV, CRFB/88), ao adicional de horas extras, deve ser considerado de 50%, tendo em vista o disposto no art. 7º, XVI, CRFB/88, e à jornada, que na lei é de 8 horas, devendo se adequar à CRFB, com 8 horas diárias e 44h semanais (art. 7º, XIII, CRFB/88).
Em segundo lugar, entende-se majoritariamente que não foi recepcionada pela CRFB/88 a indenização por duodécimos (alínea “f”), a qual, para a doutrina dominante, foi substituída pelo sistema do FGTS.
O décimo terceiro salário, não obstante omitido no art. 12, foi estendido a todos os empregados pela Constituição de 1988, pelo que é devido também ao temporário.
E, por expressa disposição nas respectivas leis instituidoras, o vale-transporte, o FGTS e o PIS foram estendidos aos temporários.
Quanto ao salário-maternidade, Alice Monteiro de Barros ensina que “a doutrina opina favoravelmente, mas a jurisprudência não o defere”11.
Maurício Godinho Delgado afirma que a doutrina dominante e a jurisprudência construíram, a partir do disposto no art. 12, “a”, da Lei 6.019/1974, a ideia do salário equitativo, ou seja, a igualdade de condições com os empregados permanentes da empresa tomadora12.
Isto se explica porque seria extremamente discriminatório um empregado exercer exatamente as mesmas funções que outro, muitas vezes o substituindo, inclusive, numa das hipóteses legais de admissão de temporários, porém recebendo menos por este mesmo trabalho. Assim, seriam assegurados ao temporário os mesmos direitos conferidos ao “paradigma”, diríamos assim.
Logo, o temporário faria jus ao descanso em feriados, à jornada reduzida do segmento (por exemplo, se o tomador for instituição bancária), ao adicional de horas extraordinárias superior a 50% previsto em ACT ou CCT aplicável à categoria do tomador dos serviços, aos adicionais de insalubridade e periculosidade, à hora noturna reduzida etc.
No mesmo sentido, salvo quanto à jornada, Vólia Bomfim Cassar:
“São aplicáveis todos os artigos da CLT e demais leis extravagantes ao temporário, ante sua condição de empregado, desde que compatíveis com a Lei nº 6.019/1974, como, por exemplo: adicional noturno (20%), de insalubridade ou periculosidade, repouso semanal remunerado, férias proporcionais + 1/3, 13º salário, assinatura na CTPS, bem como todos os demais direitos previstos como regra geral na CLT.
(...)
Os trabalhadores temporários possuem jornada de trabalho de oito horas diárias, que não será alterada caso os empregados da empresa tomadora trabalhem apenas seis horas, respeitado o salário hora de forma proporcional entre eles”13.
Para fins de concursos de provas objetivas, entretanto, recomenda-se cuidado com este ponto. Normalmente as bancas cobram a literalidade do art. 12, apenas com as adaptações necessárias em face da Constituição, e não alcançam a moderna tese do salário equitativo. Uma resposta mais ousada, acolhendo tal tese, certamente será cabível se o enunciado da questão (e, naturalmente, as alternativas) assim o sugerir.
Neste sentido, a CESGRANRIO (Petrobras – 2008) considerou correta a seguinte assertiva:
“Sobre os trabalhadores temporários, é correto afirmar que ser-lhe-ão devidos gratificação natalina, adicional noturno, horas extras, PIS e terço de férias”.
Conforme o art. 13 da Lei 6.019/1974, aplicam-se ao temporário as hipóteses de justa causa (art. 482) e de despedida indireta (art. 483) previstas na CLT.
Também é decorrência lógica da própria natureza do contrato que não se aplica o aviso prévio. Em outras palavras, se o contrato tem um termo certo, não há se falar em aviso prévio para rescisão.
Não obstante, como se trata de um contrato por prazo determinado, no caso de rompimento antecipado, sem justa causa, aplicam-se as disposições de estilo para aquele contrato, ou seja, é devida a multa do FGTS, independentemente da indenização prevista no art. 479 da CLT, conforme a Súmula 125 do TST.
Súm. 125. Contrato de trabalho. Art. 479 da CLT (mantida). Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.
O art. 479 da CLT aplica-se ao trabalhador optante pelo FGTS admitido mediante contrato por prazo determinado, nos termos do art. 30, § 3º, do Decreto nº 59.820, de 20.12.1966.
A Lei nº 6.019/1974 prevê a hipótese de responsabilização solidária da empresa tomadora dos serviços de trabalho temporário no caso de falência da empresa de trabalho temporário. Neste sentido, o art. 16:
Art. 16. No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta Lei.
Não obstante, a doutrina tende a considerar a responsabilidade definida pelo item IV da Súmula 331 como extensiva a todas as formas de terceirização, inclusive ao trabalho temporário. Assim, teríamos o seguinte: a responsabilidade do tomador é subsidiária no caso de trabalho temporário, exceto no caso de falência da empresa de trabalho temporário, hipótese em que se aplica a responsabilidade solidária. Esta é a posição de parte considerável da doutrina, inclusive a do Min. Godinho Delgado14. Para concursos, entretanto, acredito que dificilmente a questão seria cobrada com toda esta profundidade. É comum em provas de concurso a menção à responsabilidade da empresa de trabalho temporário no caso de falência, ou seja, responsabilidade solidária.
Não é permitido às empresas de trabalho temporário contratar estrangeiros com visto provisório de permanência no Brasil (art. 17).
Da mesma forma, a Lei nº 6.019/1974 veda a cobrança de taxas do trabalhador, ainda que a título de intermediação (art. 18).
Por fim, o poder diretivo decorrente da relação de emprego é, no caso do trabalho temporário, compartilhado entre o empregador (empresa de trabalho temporário) e o tomador dos serviços. Trata-se, a rigor, da única hipótese lícita de delegação do poder de comando pelo empregador a terceiros. Em caso de punição disciplinar de natureza leve, entende-se deva o tomador aplicá-la, em homenagem ao princípio da imediaticidade.
Atividades de vigilância patrimonial, pública ou privada, podem, de forma geral, ser terceirizadas, por força do disposto na Lei nº 7.102/1983:
Art. 3º A vigilância ostensiva e o transporte de valores serão executados:
I – por empresa especializada contratada; ou
II – pelo próprio estabelecimento financeiro, desde que organizado e preparado para tal fim, com pessoal próprio, aprovado em curso de formação de vigilante autorizado pelo Ministério da Justiça e cujo sistema de segurança tenha parecer favorável à sua aprovação emitido pelo Ministério da Justiça.
Parágrafo único. Nos estabelecimentos financeiros estaduais, o serviço de vigilância ostensiva poderá ser desempenhado pelas Polícias Militares, a critério do Governo da respectiva Unidade da Federação.
Art. 10. São considerados como segurança privada as atividades desenvolvidas em prestação de serviços com a finalidade de:
I – proceder à vigilância patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos, públicos ou privados, bem como a segurança de pessoas físicas;
II – realizar o transporte de valores ou garantir o transporte de qualquer outro tipo de carga.
(...)
§ 2º As empresas especializadas em prestação de serviços de segurança, vigilância e transporte de valores, constituídas sob a forma de empresas privadas, além das hipóteses previstas nos incisos do caput deste artigo, poderão se prestar ao exercício das atividades de segurança privada a pessoas; a estabelecimentos comerciais, industriais, de prestação de serviços e residências; a entidades sem fins lucrativos; e órgãos e empresas públicas.
Observe-se que, exceto no caso dos bancos, cuja atividade de vigilância pode ser organizada por meios próprios, desde que atendidos os requisitos legais, a vigilância configura hipótese de terceirização obrigatória, tendo em vista que deve necessariamente ser desenvolvida por empresa especializada, nos termos da Lei nº 7.102/1983.
Há que se ressalvar, contudo, a distinção entre vigilante e vigia, de grande importância para o Direito do Trabalho. Com efeito, vigilante é o profissional qualificado, treinado especificamente para a atividade que desempenha, integrante de categoria profissional diferenciada15. Esta atividade, especializada, portanto, pode ser terceirizada. Vigia, por sua vez, é o trabalhador não especializado ou, no máximo, semiespecializado, que “toma conta” de determinado estabelecimento (posto de combustíveis, por exemplo), ou mesmo o vigia contratado pelos condomínios, sendo que o vigia se vincula diretamente ao tomador dos serviços. O vigia se enquadra na categoria preponderante, conforme a atividade do empregador.
Desde o Decreto-Lei nº 200, de 1967, é incentivada a terceirização de atividades de apoio (executivas) da Administração. Logo, trata-se de terceirização de atividades-meio.
A previsão legal consta do art. 10 do Decreto-Lei nº 200/1967:
Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.
(...)
§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
(...)
A Lei nº 9.472/1997, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, teria criado uma nova hipótese de terceirização, aparentemente de atividade-fim, nos termos do art. 94:
Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência:
I – empregar, na execução dos serviços, equipamentos e infraestrutura que não lhe pertençam;
II – contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.
(...) (grifos meus)
O dispositivo legal em referência parece colidir com o sentido da Súmula 331 do TST, ao passo que esta veda a terceirização de atividade-fim, salvo nos casos de trabalho temporário (Lei nº 6.019/1974). Tanto é assim que atualmente a matéria é praticamente pacífica no âmbito do TST.
Até o fechamento da 3ª edição desta obra, a maioria significativa do Tribunal, aí incluídas a SDI-1 e cinco das oito Turmas, considerava que é ilícita a terceirização de atividades de call center nas empresas de telecomunicações. Todavia, a partir de 26.03.2013, quando foi publicada decisão da SDI-1, em sua composição plena, nos autos do Processo E-ED-RR-2938-13.2010.5.12.0016, as três Turmas até então divergentes em relação à matéria (5ª, 7ª e 8ª) alinharam seu entendimento ao posicionamento já majoritário no âmbito do Tribunal, praticamente pacificando a matéria.
O julgado em referência compila de forma objetiva os argumentos no sentido da ilicitude da terceirização das atividades de call center das empresas de telecomunicações16:
Terceirização ilícita. Empresa de telecomunicações. Call center. Atividade-fim da reclamada tomadora de serviços. Interpretação dos artigos 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95 e do artigo 94, inciso II, da Lei nº 9.472/97 e aplicação da Súmula nº 331, itens I e III, do TST. Vínculo de emprego entre a tomadora de serviços e o trabalhador terceirizado reconhecido. Inexistência de violação da Súmula Vinculante nº 10 do STF. Matéria infraconstitucional.
1. O serviço de call center é atividade-fim – e não atividade-meio – das empresas concessionárias de serviço de telecomunicações. Assim, em observância à Súmula nº 331, itens I e III, do TST, que consagrou o entendimento de que a terceirização só se justifica quando implicar na contratação da prestação de serviços especializados por terceiros em atividades-meio, que permitam a concentração dos esforços da empresa tomadora em suas atividades precípuas e essenciais, tem-se que a terceirização desses serviços de teleatendimento pelas empresas telefônicas configura intermediação ilícita de mão de obra, devendo ser reconhecido o vínculo de emprego desses trabalhadores terceirizados diretamente com os tomadores de seus serviços.
2. Com efeito, o aumento desses serviços nos últimos anos ocorreu em razão da consolidação do Código de Defesa do Consumidor, que levou as empresas a disponibilizarem os Serviços de Atendimento do Consumidor (SAC). E, diante dessa exigência legal de manutenção de uma relação direta entre fornecedor e consumidor, o serviço de call center tornou-se essencial às concessionárias dos serviços de telefonia para possibilitar o necessário desenvolvimento de sua atividade, pois é por meio dessa central de atendimento telefônico que o consumidor, dentre tantas outras demandas, obtém informações, solicita e faz reclamações sobre os serviços oferecidos pela empresa. Não é possível, portanto, distinguir ou desvincular a atividade de call center da atividade-fim da concessionária de serviços de telefonia.
3. Por outro lado, a Lei nº 8.987/95, que disciplina a atuação das empresas concessionárias e permissionárias de serviço público em geral, e a Lei nº 9.472/97, que regula as concessões e permissões no setor das telecomunicações, são normas de Direito Administrativo e, como tais, não foram promulgadas para regular matéria trabalhista e não podem ser interpretadas e aplicadas de forma literal e isolada, como se operassem em um vácuo normativo. Por isso mesmo, a questão da licitude e dos efeitos da terceirização deve ser decidida pela Justiça do Trabalho exclusivamente com base nos princípios e nas regras que norteiam o Direito do Trabalho, de forma a interpretá-las e, eventualmente, aplicá-las de modo a não esvaziar de sentido prático ou a negar vigência e eficácia às normas trabalhistas que, em nosso País, disciplinam a prestação do trabalho subordinado, com a aniquilação do próprio núcleo essencial do Direito do Trabalho – o princípio da proteção do trabalhador, a parte hipossuficiente da relação de emprego, e as próprias figuras do empregado e do empregador.
4. Assim, não se pode mesmo, ao se interpretar o § 1º do artigo 25 da Lei nº 8.987/95 e o artigo 94, inciso II, da Lei nº 9.472/97, que tratam da possibilidade de contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes ao serviço, expressão polissêmica e marcantemente imprecisa que pode ser compreendida em várias acepções, concluir pela existência de autorização legal para a terceirização de quaisquer de suas atividades-fim. Isso, em última análise, acabaria por permitir, no limite, que elas desenvolvessem sua atividade empresarial sem ter em seus quadros nenhum empregado e sim, apenas, trabalhadores terceirizados.
5. Ademais, quando os órgãos fracionários dos Tribunais trabalhistas interpretam preceitos legais como os ora examinados, não estão eles, em absoluto, infringindo o disposto na Súmula Vinculante nº 10 e, nem tampouco, violando o artigo 97 da Constituição Federal, que estabelece a cláusula de reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade das leis em sede de controle difuso, pois não se estará, nesses casos, nem mesmo de forma implícita, deixando de aplicar aqueles dispositivos legais por considerá-los inconstitucionais.
6. A propósito, apesar da respeitável decisão monocrática proferida em 09/11/2010 no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da lavra do ilustre Ministro Gilmar Mendes (Rcl 10132 MC/PR – Paraná), na qual, em juízo sumário de cognição e em caso idêntico a este, por vislumbrar a possibilidade de ter sido violada a Súmula Vinculante nº 10 daquela Corte, deferiu-se o pedido de medida liminar formulado por uma empresa concessionária dos serviços de telecomunicações para suspender, até o julgamento final da reclamação constitucional, os efeitos de acórdão proferido por uma das Turmas do TST, que adotou o entendimento de que aqueles preceitos legais não autorizam, por si sós, a terceirização de atividades-fim por essas concessionárias de serviços públicos, verifica-se que essa decisão, a despeito de sua ilustre origem, é, data venia, isolada. Com efeito, a pesquisa da jurisprudência daquela Suprema Corte revelou que foi proferida, mais recentemente, quase uma dezena de decisões monocráticas por vários outros Ministros do STF (Ministros Carlos Ayres Britto, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Luiz Fux) em que, em casos idênticos ao presente, decidiu-se, ao contrário daquele primeiro precedente, não ter havido violação da Súmula Vinculante nº 10, mas mera interpretação dessas mesmas normas infraconstitucionais e nem, muito menos, violação direta (mas, se tanto, mera violação oblíqua e reflexa) de qualquer preceito constitucional pelas decisões do TST pelas quais, ao interpretarem aqueles dispositivos das Leis 8.987/95 e 9.472/97, consideraram que essas não autorizam a terceirização das atividades-fim pelas empresas concessionárias dos serviços públicos em geral e, especificamente, na área de telecomunicações, negando-se, assim, provimento aos agravos de instrumento interpostos contra as decisões denegatórias de seguimento dos recursos extraordinários daquelas empresas.
7. O entendimento aqui adotado já foi objeto de reiteradas decisões, por maioria, da mesma SBDI-1 em sua composição completa (E-ED-RR-586341-05.1999.5.18.5555, Redator designado Ministro Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 29/05/2009 – DEJT de 16/10/2009; E-RR-134640-23.2008.5.03. 0010, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 28/06/2011, DEJT de 10/08/2012).
8. Aliás, esse posicionamento também não foi desautorizado e nem superado pelos elementos trazidos à consideração dos Ministros do TST na Audiência Pública ocorrida no TST nos dias 04 e 05 de outubro de 2011 e convocada pela Presidência desse Tribunal, os quais foram de grande valia para a sedimentação do entendimento ora adotado. Os vastos dados estatísticos e sociológicos então apresentados corroboraram as colocações daqueles que consideram que a terceirização das atividades-fim é um fator de precarização do trabalho, caracterizando-se pelos baixos salários dos empregados terceirizados e pela redução indireta do salário dos empregados das empresas tomadoras, pela ausência de estímulo à maior produtividade dos trabalhadores terceirizados e pela divisão e desorganização dos integrantes da categoria profissional que atua no âmbito das empresas tomadoras, com a consequente pulverização da representação sindical de todos os trabalhadores interessados.
9. É importante ressaltar, por fim, que decisões como a presente não acarretam o desemprego dos trabalhadores terceirizados, pois não eliminam quaisquer postos de trabalho. Essas apenas declaram que a verdadeira empregadora desses trabalhadores de call center é a empresa concessionária tomadora de seus serviços que, por outro lado, continua obrigada a prestar tais serviços ao consumidor em geral – só que, a partir de agora, exclusivamente na forma da legislação trabalhista, isto é, por meio de seus próprios empregados.
10. Assim, diante da ilicitude da terceirização do serviço de call center prestado pela reclamante no âmbito da empresa de telecomunicações reclamada, deve ser reconhecida a existência, por todo o período laborado, de seu vínculo de emprego diretamente com a concessionária de serviços de telefonia, nos exatos moldes do item I da Súmula nº 331 do TST, com o consequente pagamento, pela verdadeira empregadora e por sua litisconsorte, coautora desse ato ilícito, de todos os direitos trabalhistas assegurados pela primeira a seus demais empregados.
Embargos conhecidos e desprovidos (TST, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, E-ED-RR-2938-13.2010.5.12.0016, Red. Min. José Roberto Freire Pimenta, j. 08.11.2012, DEJT 26.03.2013).
Também em relação às atividades de cabeamento (instalação e manutenção), o TST tem considerado ilícita a terceirização, conforme se depreende do seguinte julgado recente da SDI-1:
Embargos em recurso de revista. Vínculo de emprego. Empresa de telecomunicações. Serviços de instalação e manutenção de linhas telefônicas. Terceirização. Ilicitude. Súmula nº 331, I, do TST. A possibilidade prevista pelo artigo 94, II, da Lei nº 9472/97 de “contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço”, não corresponde à autorização legislativa para a terceirização da atividade-fim das empresas prestadoras do serviço de telefonia. Assim, é ilícita a terceirização dos serviços de instalação e manutenção de linhas telefônicas, porque se inserem no desenvolvimento da atividade-fim das empresas de telefonia. Nesse contexto, o vínculo empregatício do trabalhador que presta serviços de instalação e manutenção de linhas telefônicas é formado diretamente com a empresa de telefonia, tomadora dos serviços nos termos da Súmula 331, I, do TST. Precedentes de todas as e. Turmas deste c. Tribunal. Recurso de embargos conhecido por contrariedade à Súmula nº 331, I, do TST e provido (TST, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, E-RR-127240-39.2006.5.03.0135, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, j. 05.12.2013, DEJT 19.12.2013).
No sentido da corrente hoje hegemônica no âmbito do TST, o Min. Mauricio Godinho Delgado17 assevera que
“Compreende a jurisprudência dominante que as Leis das Elétricas e das Teles têm, naturalmente, caráter administrativo, inclusive quanto à sua referência às atividades inerentes, acessórias ou complementares de contratação interempresarial, não possuindo, entretanto, qualquer impacto no ramo jurídico especializado constitucional e legal trabalhista. Sustenta a jurisprudência hegemônica que a Lei nº 8.987/1995, em seu art. 25, § 1º, e a Lei nº 9.472/1997, em seu art. 94, II, construídas depois do advento da Súmula 331 do TST, não tiveram o objetivo e o poder de provocar verdadeira regressão precarizante na ordem econômica, social e jurídica brasileiras, ao largo de todo o universo coerente de princípios, regras e institutos da Constituição da República e de seu segmento jurídico nuclear, o Direito do Trabalho. Os dois preceitos legais teriam de ser lidos, evidentemente, em conformidade com a Constituição e com o Direito do Trabalho, uma vez que não há espaço no mundo do Direito e do Estado Democrático de Direito para a ideia primitiva de verdadeiros corsários normativos a desrespeitar a integralidade e a unidade coerente de toda a ordem jurídica”. (grifos no original)
Ante a quase ausência de legislação relativa à terceirização na seara trabalhista, o Brasil viveu (e por que não dizer, ainda vive) um crescimento desenfreado do fenômeno terceirizante.
Em um primeiro momento, todos acreditavam que o instituto da terceirização não traria maiores prejuízos ao trabalhador, visto que seus direitos estariam igualmente garantidos pela relação de emprego mantida com o terceiro (prestador de serviços). Não obstante, a prática trabalhista demonstrou que não era bem assim. Ocorre que os empregadores, a fim de se livrar do chamado passivo trabalhista, passaram a contratar terceiros sem nenhuma idoneidade econômico-financeira, verdadeiros “laranjas” ou “testas de ferro”, a fim de que a responsabilidade pelos créditos trabalhistas recaísse sobre estas empresas de fachada. Na Justiça do Trabalho o empregado conheceu amargamente, durante muito tempo, a famosa expressão “ganha, mas não leva”, pois, no mais das vezes, o empregador aparente não tinha nenhuma capacidade de solver os créditos trabalhistas de seus empregados.
Diante disso, a Justiça do Trabalho, e mais especificamente o TST, levou adiante a construção de um modelo de responsabilização do tomador dos serviços, o qual passou a atuar como garantidor (responsável subsidiário, tecnicamente falando) dos créditos dos empregados de seus prestadores de serviço.
Depois de muitas idas e vindas sobre o tema, cujo histórico é desnecessário em vista do objetivo deste manual, foi publicada, em 1994, a Súmula 331 do TST, mantida até hoje como a grande referência sobre terceirização no Brasil.
É absolutamente indispensável que o candidato tenha memorizada a literalidade da Súmula 331, pois 90% (no mínimo) das questões de concurso sobre terceirização consistem em mera reprodução literal de seus itens. Vejamo-la:
Súm. 331. Contrato de prestação de serviços. Legalidade (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Dada a importância deste verbete, faz-se importante o estudo analítico de seus itens.
Item I
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
Repete o que já foi mencionado alhures a respeito da intermediação de mão de obra no Brasil: é vedada, exceto em uma única hipótese, que é a do trabalho temporário.
Com efeito, “contratação de trabalhadores por empresa interposta” é o mesmo que contratar trabalhadores por intermédio de uma terceira empresa, que “os aluga” então ao tomador. Trata-se de coisificação do trabalho humano, e como tal é repugnada pelo direito.
Assim, o item I da Súmula 331 define a intermediação de mão de obra como sendo, em regra, hipótese de terceirização ilícita. Uma vez mais, a única exceção é o trabalho temporário.
Ocorrendo a terceirização ilícita, deve-se afastar a forma, deixando emergir a realidade (art. 9º da CLT), ou seja, o vínculo de emprego se forma entre o empregado e o tomador dos serviços (vínculo direto). Aqui não há se falar, em princípio, em responsabilidade solidária ou subsidiária. A responsabilidade é direta, do tomador, que a rigor é o real empregador.
A terceirização ilícita poderia ser esquematizada da seguinte forma:
Não obstante, alguns autores defendem uma tese interessante. O prestador de serviços (empregador aparente) seria solidariamente responsável pelas verbas trabalhistas, por uma razão muito simples: ninguém pode alegar a própria torpeza em sua defesa. Se o prestador contratou, ainda que somente formalmente, o empregado, assumiu a responsabilidade pelas verbas trabalhistas advindas do contrato, razão pela qual não poderia, se demandado, alegar a nulidade do contrato, ante a real existência de vínculo direto com o tomador. A tese de responsabilização espontânea do prestador de serviços é fundamentada no art. 942 do Código Civil18.
Assim, entendo que, nos casos de terceirização ilícita, ainda que flagrante a fraude, cabe ao trabalhador demandar conjuntamente o empregador aparente (terceiro) e o empregador real (tomador de serviços), que são, neste aspecto, responsáveis solidários19.
Cuidado, entretanto, porque a maioria das questões de concurso apresentará como alternativa somente a solução do item I da Súmula 331 do TST (vínculo direto com o tomador dos serviços), o que deverá ser considerado correto pelo candidato.
Item II
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
No caso, a questão não é trabalhista, mas constitucional. Apesar de a intermediação de mão de obra não ser tolerada, como regra, pelo sistema jurídico, a contratação pela Administração Pública pressupõe forma solene, qual seja aprovação em concurso público, conforme art. 37, II, da CRFB20.
Em razão disso, ainda que a contratação tenha sido irregular, não terá o condão de gerar vínculo de emprego com a Administração, pois foi realizada sem o devido concurso.
Há que se tomar cuidado somente para não confundir a impossibilidade de formação do vínculo de emprego com a Administração, nos termos deste item II da Súmula 331, com a questão da responsabilização subsidiária do tomador dos serviços, que será analisada em pormenores quando do estudo dos itens IV e V.
Item III
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
Se no item I o TST tratou da terceirização considerada ilícita, aqui, no item III, tratou de regular as hipóteses de terceirização lícita. Com efeito, a jurisprudência admite três modalidades de terceirização21, a saber:
a) Serviços de vigilância, regulados pela Lei nº 7.102/1983, conforme visto;
b) Serviços de conservação e limpeza;
c) Serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.
Faz-se importante traçar a distinção entre atividade-fim e atividade-meio. Não obstante a existência de grandes controvérsias doutrinárias a respeito, a tendência é considerar como atividade-fim aquela ligada indissociavelmente ao objeto social da empresa, ou seja, aquela sem a qual a empresa não realiza seu objetivo, sua atividade principal.
Exemplo: o caixa bancário desempenha, sem nenhuma dúvida, atividade-fim do banco, pois atua diretamente na atividade central da empresa, pelo que é indispensável à dinâmica empresarial. Logo, a atividade de caixa bancário jamais poderá ser terceirizada.
Atividade-meio, por sua vez, seria aquela atividade de apoio, importante, mas não essencial para a consecução dos fins do empreendimento. Conservação e limpeza são exemplos clássicos de atividades-meio, e por isso mesmo constam expressamente no item III da Súmula 331 como passíveis de terceirização.
Nestes casos, a parte final do item é esclarecedora: “desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”. Importante observar que a expressão vale para as três hipóteses (vigilância, conservação e limpeza e atividades-meio).
Isto porque os serviços são não eventuais (se é uma atividade da empresa, não é uma atividade eventual, e sim uma atividade de apoio, mas necessária ao empreendimento) e onerosos. Logo, se também forem pessoais e subordinados, estarão preenchidos os requisitos caracterizadores da relação de emprego constantes do art. 3º da CLT, e aí estará caracterizada, incontestavelmente, a relação de emprego direta com o tomador.
Logo, somente se pode falar em terceirização lícita de atividades de vigilância, conservação e limpeza, e serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que tais serviços sejam prestados no contexto da filosofia da terceirização. Em outras palavras, os serviços devem ser oferecidos como uma atividade pelo terceiro, e não como mera colocação de trabalhadores, com pessoalidade e subordinação em relação ao tomador.
Neste sentido, esclarecedora a lição de Gustavo Filipe Barbosa Garcia:
“Para o tomador, não deve importar a pessoa de quem está efetivamente prestando serviços terceirizados, mas sim a atividade empresarial contratada, sendo irrelevante qualquer substituição de trabalhadores da prestadora. A empresa tomadora, na terceirização, contrata o serviço empresarial oferecido, mas não a mão de obra de certo trabalhador.
(...)
Na terceirização lícita, quem deve fiscalizar, controlar e organizar as atividades do empregado (o serviço terceirizado) não é o ente tomador, mas sim o empregador, que é a empresa prestadora. Afinal, na hipótese em análise, a relação jurídica do tomador é com a referida empresa, e não com os empregados desta.22”
Por esta razão, o trabalho temporário ficou isolado no item I, pois é a única hipótese de “terceirização” em que se admite a pessoalidade e a subordinação diretas com o tomador, tendo em vista que o trabalhador temporário assume um posto direto do tomador, subordinando-se, portanto, a este.
Item IV
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
Este item trata da responsabilização do tomador de serviços nos casos de terceirização. É importantíssimo ter em mente que a responsabilidade do tomador dos serviços, nos casos de terceirização lícita, é subsidiária.
Embora a terceirização seja, neste caso, lícita, o tomador dos serviços responde pelo abuso do direito23 de terceirizar. Ao eleger mal (culpa in eligendo) seu prestador de serviços, e ao não fiscalizar a conduta do mesmo em relação ao cumprimento das obrigações trabalhistas (culpa in vigilando), o tomador dos serviços age em flagrante abuso de direito, razão pela qual lhe cabe também algum tipo de responsabilidade.
Há que se mencionar ainda, como justificativa para a responsabilização subsidiária do tomador dos serviços na terceirização, o princípio da despersonalização do empregador, o qual emana da redação funcional do art. 2º da CLT, que considera empregador a “empresa” e não o “empresário”.
Mas há uma condição para responsabilização subsidiária do tomador dos serviços nas hipóteses de terceirização lícita: o responsável subsidiário tem que ter participado da relação processual, constando do título executivo judicial.
Muito cuidado para não confundir este pormenor processual com a questão do grupo econômico. Como visto no Capítulo 7, atualmente a tendência jurisprudencial é no sentido da irrelevância da participação das demais empresas do grupo econômico na relação processual para fins de responsabilização. No caso de terceirização é diferente: o tomador dos serviços tem que ter participado da relação processual e também tem que constar do título executivo judicial.
Item V
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
Desde a Resolução 96/2000, o item IV da Súmula 331 contemplava também a responsabilidade subsidiária da Administração Pública quanto aos créditos trabalhistas não adimplidos pelo prestador de serviços.
Não obstante, a questão foi atacada por Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 16/2007) ajuizada pelo Governador do Distrito Federal, no sentido de que fosse declarada a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, e, consequentemente, afastada a responsabilização subsidiária da Administração Pública.
Vejamos o referido dispositivo:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1.º A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (grifos nossos)
Tendo em vista que não foi concedida a liminar na ADC 16, o TST continuou aplicando o item IV da Súmula 331, em sua antiga redação, à Administração Pública.
Ocorre que, em 24.11.2010, o STF, por maioria, julgou procedente a ADC 16, no sentido da constitucionalidade do art. 71, § 1.º, da Lei de Licitações, conforme ementa abaixo:
Responsabilidade contratual. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/1993. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995 (STF, ADC 16/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluzo, j. 24.11.2010, DJe 09.09.2011).
Desse modo, deixa de ser aplicável automaticamente à Administração Pública a responsabilização subsidiária prevista no item IV da Súmula 331.
Em consonância com tal entendimento vinha julgando o TST após a declaração de constitucionalidade do mencionado dispositivo da Lei de Licitações, como evidenciam, por exemplo, os seguintes arestos:
RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. CONVÊNIO FIRMADO PARA CONSECUÇÃO DE PROGRAMADE EDUCAÇÃO. ADC Nº 16 DO E. STF. CULPA IN VIGILANDO. PROVIMENTO. Após a decisão do e. STF no julgamento da ADC 16, esta c. Corte vem apreciando com maior zelo as questões que envolvem a responsabilidade de ente público, pela contratação de empregado por meio de terceirização, quando precedida de licitação pública. Cabe ao ente público, no reiterado descumprimento das cláusulas contratuais, pelo prestador dos serviços, reter o pagamento até o implemento das obrigações assumidas. Assim, a celebração de convênio de prestação de serviços na área de saúde, em razão de interesse comum às partes, implica na responsabilização da Administração Pública pelas consequências jurídicas dele decorrentes, devendo, pois, o Município responder subsidiariamente pelos direitos trabalhistas reconhecidos, não se admitindo possa eximir-se da responsabilidade decorrente dos serviços a ele prestados por trabalhadores, cujos créditos não venham a ser adimplidos pelos reais empregadores por ele contratados, na medida em que tal dano decorre da atuação pública, incorrendo o tomador dos serviços, para além de sua responsabilidade objetiva, em culpa in vigilando, nos exatos termos do entendimento consagrado pela Súmula nº 331, IV, do TST. Não há como afastar a responsabilidade subsidiária do ente Público que assume o risco de responder com subsidiariedade, na medida em que a irresponsabilidade contida na lei de licitações não é absoluta, não abrangendo a culpa por omissão. Precedentes da SBDI-1. Recurso de revista conhecido e provido (TST – 6ª Turma – RR 124900-78.2009.5.18.0013 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DEJT 20/05/2011).
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – SÚMULA 331, IV, DO TST – ADC 16 – JULGAMENTO PELO STF. 1. A Súmula 331, IV, do TST é fruto da interpretação sistemática do art. 71 da Lei 8.666/93, para não transformar em letra morta o que a nossa Constituição Federal elegeu como fundamento da ordem econômica e da República Federativa do Brasil: a valorização do trabalho humano (arts. 1º, IV, e 170 da CF). Ademais, é salutar frisar que o art. 193 da CF dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e desse dever não se encontram imunes as entidades públicas tomadoras de serviços, sendo a responsabilidade subsidiária mister para resguardar os direitos do trabalhador. 2. Convém destacar, nessa esteira, a propósito do julgamento da ADC 16 pelo STF em 24/11/10, o posicionamento sedimentado nesta Corte não se alterou. Recentes julgados seguem no sentido de que o TST está autorizado a proceder ao exame de cada caso concreto, a fim de identificar a existência de omissão da Administração Pública na fiscalização do contrato, delimitando o alcance da norma inserta no art. 71 da Lei 8.666/93 com a consideração dos demais dispositivos legais pertinentes (arts. 58, III, e 67 da Lei 8.666/93) (precedentes citados). 3. “In casu”, tendo o Regional registrado que a subsidiariedade estaria relacionada à ideia de responsabilidade “in vigilando” do Distrito Federal com respeito ao prestador inadimplente com as obrigações trabalhistas, sendo certo que a hipótese dos autos retratou o não atendimento de obrigações trabalhistas por parte da 1ª Reclamada, deslindou a controvérsia à luz da Súmula 331, IV, do TST, de modo que somente pela revisão da prova dos autos é que seria possível, em tese, concluir pelo seu desacerto, considerando-se a culpa “in vigilando” do GDF, e, consequentemente, também concluir pelo seu desacerto quanto à manutenção da responsabilização subsidiária do ora Agravante, o que encontra óbice na Súmula 126 do TST. Agravo de instrumento desprovido (TST – 7ª Turma – AIRR 1561-12.2010.5.10.0000 – Rel. Juíza Convocada Maria Doralice Novaes – DEJT 20/05/2011).
Neste diapasão, em maio de 2011 o Pleno do TST pacificou novamente a questão, alterando a redação da Súmula 331, de forma a torná-la compatível com o entendimento do STF. Assim, foi alterada a redação do item IV, excluindo a menção à Administração Pública, bem como acrescentado o item V, o qual esclarece que os entes integrantes da Administração Pública também respondem subsidiariamente em caso de terceirização, desde que fique evidenciada sua conduta culposa, especialmente a culpa in vigilando.
Para fins de concurso público, portanto, o caminho a seguir está novamente claro24.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Além de alterar o item IV e inserir o item V, a Resolução 174/2011 também acrescentou à Súmula 331 o item VI, no sentido de que a responsabilidade subsidiária de que tratam os itens IV e V abrange todas as parcelas decorrentes da condenação imposta ao prestador dos serviços (terceiro), ainda que indenizatórias ou punitivas.
Imagine-se, por exemplo, que o prestador de serviços tenha sido condenado a pagar ao empregado horas extras, reflexos destas nas demais parcelas, férias, aviso-prévio, multa do art. 477 e indenização adicional da Lei 7.238/1984. Neste caso, o tomador dos serviços responde subsidiariamente por todas estas parcelas.
Em consonância com este entendimento, e também exemplificando a hipótese fática, os seguintes arestos do TST:
(...) RESPONSABILIADE SUBSIDIÁRIA – LIMITAÇÃO – MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT – A decisão regional encontra-se em sintonia com a atual jurisprudência desta Corte segundo a qual a condenação subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas devidas pelo devedor principal, incluindo-se as multas. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (...) (TST – 8ª Turma – AIRR 240125-17.2010.5.05.0000 – Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula – DEJT 27/05/2011)
(...) 2. RESPONSABILIDADE DA TOMADORA PELO PAGAMENTO DAS MULTAS PREVISTAS NOS ARTS. 467 E 477 DA CLT. A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que a condenação do tomador de serviços abrange todas as verbas não adimplidas pelo devedor principal, inclusive as multas previstas nos arts. 467 e 477 da CLT, uma vez que se trata de verbas vinculadas ao contrato de trabalho. Recurso de revista não conhecido. (TST, 8ª Turma, RR – 47000-32.2008.5.15.0047, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT 16/05/2011)
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. EXTENSÃO. A pretensão recursal está superada por firme linha de precedentes dessa Corte, no sentido de que a responsabilidade subsidiária abrange todas as parcelas – remuneratórias e rescisórias – devidas ao trabalhador. Precedentes. (TST – 5ª Turma – RR 7000-80.2008.5.09.0459 – Rel. Min. Emmanoel Pereira, DEJT 08/04/2011)
As cooperativas de trabalho, pensadas para melhorar a condição social de seus associados, infelizmente acabam, na esmagadora maioria das vezes, sendo utilizadas como instrumento de fraude, visando encobrir autêntica relação de emprego.
A grande propagação da ideia de se criar uma cooperativa para fraudar relações trabalhistas surgiu no Brasil com a Lei nº 8.949/1994, que incluiu o parágrafo único no art. 442 da CLT, dispondo que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.
A partir de então, muitos empresários “de ocasião” imaginaram ter recebido o salvo-conduto para “cooperativizar” de vez as relações de trabalho, eliminando definitivamente os direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas.
Cabe aqui a mesma consideração já feita a respeito do estágio, do trabalho temporário e do trabalho voluntário. O que a lei cria é uma presunção relativa de ausência do vínculo de emprego nestas hipóteses, o que significa que não haverá vínculo de emprego caso o instituto seja utilizado de forma lícita. Do contrário, sempre deverá ser aplicado o princípio da primazia da realidade, pelo que deve incidir o disposto no art. 9º da CLT.
Dessa forma, obviamente o parágrafo único do art. 442 não tem o condão de assegurar o uso indiscriminado das cooperativas, se limitando a destacar a ausência da relação empregatícia nos casos em que o empreendimento é realmente alinhado às matrizes do cooperativismo.
A atividade das cooperativas em geral é regida pela Lei nº 5.764/1971. As cooperativas de trabalho, por sua vez, foram regulamentadas recentemente pela Lei nº 12.690/2012 (DOU 20.07.2012). Dispõe esta última Lei que estão excluídas de seu âmbito de incidência (art. 1º, parágrafo único):
I – as cooperativas de assistência à saúde na forma da legislação de saúde suplementar;
II – as cooperativas que atuam no setor de transporte regulamentado pelo poder público e que detenham, por si ou por seus sócios, a qualquer título, os meios de trabalho;
III – as cooperativas de profissionais liberais cujos sócios exerçam as atividades em seus próprios estabelecimentos; e
IV – as cooperativas de médicos cujos honorários sejam pagos por procedimento.
Mesmo às cooperativas de trabalho aplica-se, subsidiariamente, a Lei nº 5.764/1971, naquilo que não colidir com as disposições da Lei nº 12.690/2012. Portanto, estudaremos os próximos tópicos à luz dos dois diplomas legais, observando que ainda não está suficientemente amadurecida, sequer na doutrina, a interpretação acerca dos alcances da Lei nº 12.690/2012.
A Lei nº 12.690/2012 conceitua as cooperativas de trabalho nos seguintes termos:
Art. 2º Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.
O Prof. Rodrigo de Lacerda Carelli25 classifica as cooperativas de trabalho, lato sensu, em:
• cooperativas de produção;
• cooperativas de trabalho autônomo ou eventual;
• cooperativas de mão de obra.
Cooperativas de produção são as cooperativas por excelência. Congregam trabalhadores que detêm os meios de produção e se unem a fim de potencializar seus esforços. Podem atuar tanto na atividade industrial como na comercial. Neste modelo não há a figura do patrão, do empregador, do capitalista. Apenas operários, que organizam o empreendimento e dividem lucros e prejuízos igualmente entre si. Nesta modalidade vale o princípio do mutualismo, em que os cooperados se ajudam mutuamente visando ao proveito comum do resultado26.
Neste sentido, o art. 4º, I, da Lei nº 12.690/2012, dispõe que a cooperativa de trabalho pode ser “de produção, quando constituída por sócios que contribuem com trabalho para a produção em comum de bens e a cooperativa detém, a qualquer título, os meios de produção”. Exemplo de cooperativa de produção seria uma cooperativa de artesãos, cujos sócios detêm as ferramentas básicas necessárias ao seu trabalho, e que se unem para produzir e colocar seus produtos no mercado, dividindo, entre si, lucros ou prejuízos. Também as cooperativas de pequenos produtores rurais são exemplo. Outro exemplo bem comum é a assunção da massa falida de determinada empresa pelos seus ex-empregados, como forma de quitação das verbas trabalhistas devidas, sendo que, neste caso, os empregados se organizam sob forma de cooperativa e continuam o negócio.
Cooperativas de trabalho autônomo ou eventual são o resultado da reunião de trabalhadores tecnicamente autônomos que, sem perder tal qualidade, se organizam em cooperativa para potencializar seus resultados e, notadamente, seus ganhos. O exemplo clássico é o da cooperativa de taxistas. Normalmente, a cooperativa de taxistas fornece diversos serviços aos seus associados (venda de combustível a preços subsidiados, serviço de radiotáxi, rastreadores via satélite etc.), de forma que o taxista autônomo tem uma condição muito melhor como sócio da cooperativa do que oferecendo seus serviços individualmente na praça.
O art. 4º, II, da Lei nº 12.690/2012 dispõe que a cooperativa de trabalho pode ser “de serviço, quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego” (grifos meus). De uma forma geral, as cooperativas de produção e as cooperativas de trabalho autônomo ou eventual são lícitas e representam a ideia original do cooperativismo: ajuda mútua.
As cooperativas de mão de obra, por sua vez, são geralmente meras intermediadoras da energia de trabalho humano, pois disponibilizam o trabalho de seus associados a outras empresas. Neste caso, não há qualquer traço de cooperativismo, e sim de mero “aluguel de trabalhadores”, e na pior das formas. Isso porque, no caso da terceirização ilícita, o grande problema é a inidoneidade financeira do empregador (terceiro), mas em tese o trabalhador continua com todos os seus direitos assegurados. O problema se limita, de forma mais visível, à solvabilidade do crédito.
É importante ressaltar que, conforme o art. 5º da Lei nº 12.690/2012, “a cooperativa de trabalho não pode ser utilizada para intermediação de mão de obra subordinada”.
Entre a cooperativa e os cooperados → relação de direito civil/societária
Entre os cooperados e os clientes da cooperativa → depende:
– cooperativas de produção: nenhuma relação [há relação apenas entre a cooperativa e a(s) empresa(s) cliente(s)]
– cooperativas de trabalho: relação jurídica comercial entre a cooperativa e o cliente, e relação de trabalho autônomo entre o cooperado e o cliente (tomador dos serviços)
– cooperativas de mão de obra: em regra, relação de emprego entre os cooperados e o tomador dos serviços, pois se trata de mera intermediação de mão de obra.
Quando da análise acerca da licitude de uma cooperativa devem ser identificados os requisitos tratados a seguir.
É o princípio pelo qual a cooperativa não deve prestar serviços somente a terceiros, mas também, e principalmente, aos seus associados. Neste sentido, o art. 4º, caput, c/c o art. 7º da Lei nº 5.764/1971:
Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:
(...)
Art. 7º As cooperativas singulares se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados.
Se a cooperativa presta serviços somente a terceiros é mera intermediadora de mão de obra, não fazendo jus à forma jurídica de cooperativa.
Exemplo da existência de dupla qualidade: a cooperativa de taxistas, mencionada em exemplo anterior, cujos serviços de radiotáxi, abastecimento de combustível a preços subsidiados, rastreamento dos veículos via satélite, entre outros, são prestados aos cooperados pela cooperativa.
É o princípio pelo qual a associação em cooperativa pressupõe maiores ganhos ao trabalhador.
Com efeito, o que move o trabalhador a ingressar como sócio em uma cooperativa é, sem nenhuma dúvida, potencializar suas possibilidades de ganho econômico. Assim, a cooperativa só se justifica se oferece ao cooperado retribuição pessoal maior em relação ao que receberia sozinho, fosse como empregado, ou ainda como autônomo (trabalhando sozinho). Dessa forma, se o cooperado recebe menos que um trabalhador da mesma categoria, que seja empregado, naturalmente restará descaracterizada a ideia do cooperativismo lícito.
Este também é o sentido do art. 2º, caput, da Lei nº 12.690/2012, ao dispor que “considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho” (grifos meus).
Como o cooperativismo constitui a união de esforços de uma determinada categoria para melhoria de suas condições sociais, naturalmente é requisito da cooperativa lícita que exista a chamada affectio societatis entre os cooperados, ou seja, que todos sejam da mesma categoria profissional, que atuem com objetivos comuns, sob a forma de mutualismo.
Neste diapasão, dispõe o art. 10, § 3º, da Lei nº 12.690/2012, que “a admissão de sócios na cooperativa estará limitada consoante as possibilidades de reunião, abrangência das operações, controle e prestação de serviços e congruente com o objeto estatuído” (grifos meus).
É comum encontrar cooperativas cujos associados têm, cada um, uma profissão diferente, sendo um advogado, um médico, um dentista, uma costureira, uma enfermeira, um comerciante, vários operários. Neste caso, não há se falar em cooperativa, pois não há nenhum objetivo comum entre tais pessoas. São simplesmente, na sua maioria, desempregados aos quais não resta alternativa de trabalho senão se filiar a uma “cooperativa”.
A cooperativa é formada pela união de esforços entre os cooperados, e como tal deve ser constituída com capital próprio, obtido a partir da integralização das cotas pelos associados. Assim, a cooperativa cujos meios de produção são fornecidos por terceiros, e, especificamente, pelo próprio tomador dos serviços, não passa de intermediadora de mão de obra, ao passo que os cooperados simplesmente vendem seu trabalho, sem qualquer participação nos rumos do empreendimento.
Em consonância com este entendimento, o art. 3º, III, da Lei nº 12.690/2012, estabelece que um dos princípios que rege a cooperativa de trabalho é exatamente a participação econômica dos membros.
No mesmo sentido do capital próprio necessário à constituição, o cooperativismo pressupõe a distribuição igualitária de resultados, sejam eles positivos (lucros) ou negativos (prejuízos). Se a cooperativa remunera os associados em percentuais desiguais (ou discrepantes em relação à produção de cada um), foge ao espírito do cooperativismo. É comum nas cooperativas fraudulentas a existência de “diretores”, que geralmente são os “donos do negócio”, os quais recebem parcela bem superior à recebida pelos demais cooperados. Da mesma forma, se os prejuízos não são distribuídos, isso denuncia que o espírito cooperativista não está presente.
Não obstante a isonomia remuneratória seja um dos pilares do cooperativismo lícito, a Lei nº 12.690/2012 inovou, a meu ver de forma perigosa, permitindo a fixação, em Assembleia-Geral Ordinária, de diferentes faixas de retiradas27 dos sócios (art. 14, caput), bem como a fixação, também em Assembleia, das diferenças entre as faixas de retirada de maior e de menor valor (art. 14, parágrafo único).
O § 1º do art. 11 da Lei nº 12.690/2012 dispõe que “o destino das sobras líquidas ou o rateio dos prejuízos será decidido em Assembleia-Geral Ordinária”.
Outro indício importante para identificar possíveis fraudes é a realização ou não de assembleias-gerais para deliberação acerca dos rumos do empreendimento cooperativista, bem como o conhecimento dos direitos e deveres básicos inerentes ao cooperativismo pelos cooperados. De uma forma geral, os trabalhadores mal sabem o que é uma cooperativa, e raramente têm voz quando da definição dos rumos do negócio.
A Lei nº 12.690/2012 arrola como princípio da cooperativa de trabalho a “participação na gestão em todos os níveis de decisão” (art. 3º, XI), bem como estabelece a periodicidade mínima e condição básica para realização das assembleias (artigos 11 a 14).
Acaso estejam presentes, entre o trabalhador e o tomador dos serviços, ou mesmo entre o trabalhador e algum “superior” da cooperativa, os requisitos caracterizadores da relação de emprego, é forçoso reconhecer o vínculo empregatício. O art. 3º da CLT define quem é empregado, ao passo que o art. 2º define quem é empregador. Diante de tais requisitos, não interessa o título jurídico dado à relação, sendo certo que prevalecerá sempre a relação de emprego.
Assim, se os cooperados são subordinados a alguém, se recebem ordens, se têm a jornada controlada, geralmente serão empregados, e não verdadeiros cooperados. Lembre-se que a cooperativa pressupõe a autonomia de seus associados. Autonomia, por sua vez, liga-se à ideia de prestar os serviços de modo autônomo, por conta própria.
Dispõe o § 1º do art. 2º da Lei nº 12.690/2012 que a autonomia, no caso, “deve ser exercida de forma coletiva e coordenada, mediante a fixação, em Assembleia-Geral, das regras de funcionamento da cooperativa e da forma de execução dos trabalhos”. É claro que a coordenação a que alude o dispositivo legal não pode ser, jamais, confundida com subordinação, senão estará presente a relação empregatícia.
Aliás, atualmente, com o desenvolvimento das diferentes dimensões da subordinação, como a subordinação estrutural e a subordinação objetiva (ver item 5.4.1.5), será muito difícil estabelecer tal distinção.
A Lei nº 12.690/2012 previu ainda multa de R$500,00 (por trabalhador prejudicado) para a cooperativa de trabalho que intermediar mão de obra subordinada e para os contratantes de seus serviços (art. 17, § 1º).
Para que a cooperativa seja lícita faz-se necessário sejam cumpridas diversas formalidades, entre as quais o número mínimo de 20 associados, para as cooperativas em geral (art. 6º, I, da Lei nº 5.764/1971), e de sete associados, para as cooperativas de trabalho (art. 6º da Lei nº 12.690/2012); a adesão voluntária (art. 4º, I, da Lei nº 5.764/1971; art. 3º, I, da Lei nº 12.690/2012); além de várias formalidades relativas ao estatuto da cooperativa (art. 15 da Lei nº 5.764/1971; arts. 10 a 16 da Lei nº 12.690/2012).
Observe-se que, se a adesão à cooperativa é a única forma de o trabalhador obter trabalho, não há voluntariedade na adesão, pelo que a cooperativa é ilícita. É comum, na prática, a empresa tomadora dos serviços encaminhar os trabalhadores para uma cooperativa, devendo os mesmos se filiar a esta para, aí sim, começarem a prestar serviços à real empregadora. No caso, é óbvio que a cooperativa é ilícita, servindo apenas como simulacro para disfarçar o vínculo de emprego.
A Lei nº 12.690/2012 estipulou uma série de direitos tipicamente trabalhistas aos sócios de cooperativas de trabalho. Embora seja, em tese, uma medida salutar sob o ponto de vista da melhoria da condição social de tais trabalhadores, provavelmente tal dispositivo oculte a verdadeira intenção – muito menos nobre – do legislador, qual seja a legitimação da intermediação de mão de obra pela via das cooperativas de trabalho.
Também soa no mínimo estranho que o dono de uma “empresa” seja obrigado a garantir direitos para si mesmo.
Todavia, a Lei está aí e, dependendo do concurso para o qual você estiver se preparando, será necessário conhecer seus termos. Vejamos, portanto, os artigos 7º e 8º da Lei nº 12.690/2012:
Art. 7º. A Cooperativa de Trabalho deve garantir aos sócios os seguintes direitos, além de outros que a Assembleia-Geral venha a instituir:
I – retiradas não inferiores ao piso da categoria profissional e, na ausência deste, não inferiores ao salário mínimo, calculadas de forma proporcional às horas trabalhadas ou às atividades desenvolvidas;
II – duração do trabalho normal não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais, exceto quando a atividade, por sua natureza, demandar a prestação de trabalho por meio de plantões ou escalas, facultada a compensação de horários28;
III – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
IV – repouso anual remunerado;
V – retirada para o trabalho noturno superior à do diurno;
VI – adicional sobre a retirada para as atividades insalubres ou perigosas;
VII – seguro de acidente de trabalho.
(...)
Art. 8º. As Cooperativas de Trabalho devem observar as normas de saúde e segurança do trabalho previstas na legislação em vigor e em atos normativos expedidos pelas autoridades competentes.
Alguns doutrinadores têm se manifestado no sentido de que, ante a ausência de regulamentação específica, tais direitos deveriam ser aplicados tomando-se, por analogia, a CLT e a legislação não consolidada que tutela o trabalho subordinado. Não comungo dessa opinião, pois entendo que, em se tratando de sociedade que se caracteriza pela autonomia e pela autogestão, nada mais natural do que a regulamentação de tais direitos ser estabelecida pelo estatuto social da cooperativa.
Todavia, no tocante à observância das normas de saúde e segurança do trabalho, a própria Lei esclareceu que são aquelas (normas) previstas na legislação em vigor e em atos normativos expedidos pelas autoridades competentes, ou seja, a fonte é mesmo a CLT e as NRs, por exemplo.
Se a cooperativa for lícita, não haverá se falar em terceirização, pois será uma cooperativa de produtores (que não são empregados), ou de trabalhadores autônomos ou eventuais, sendo que ambos não se enquadram nos requisitos caracterizadores da relação empregatícia. Se for uma cooperativa de trabalhadores autônomos que preste serviços na atividade-meio de um tomador, será o caso de terceirização de atividade (no sentido da Ciência da Administração), mas não será relevante para o Direito do Trabalho, ao passo que são autônomos. Imagine-se a hipótese de um hipermercado que contrata uma cooperativa de taxistas para levar o cliente que compra acima de um determinado valor à sua casa. Não há se falar em terceirização trabalhista, pois os taxistas são autônomos, logo estão fora da órbita da relação de emprego.
Por sua vez, se a cooperativa for ilícita, também não teremos terceirização propriamente dita, e sim terceirização ilícita (intermediação de mão de obra), aplicando-se, no caso, o disposto no item I da Súmula 331 (vínculo direto com o tomador dos serviços).
Nem sempre, entretanto, a determinação do sujeito passivo da relação de emprego é fácil. Em princípio, o vínculo se formaria com o real empregador, que no mais das vezes é o tomador dos serviços.
Na prática, a solução não é tão simples. Isso porque nem sempre o tomador dos serviços é facilmente identificável. É comum cooperativas de mão de obra prestarem serviços a vários tomadores, exatamente para mascarar ainda mais os requisitos da relação de emprego, notadamente a pessoalidade. Neste caso, torna-se inviável escolher um destes tomadores a fim de atribuir-lhe o vínculo. Costuma ser necessária a responsabilização de um ou mais dos diretores, pessoas físicas, normalmente o(s) “dono(s) do negócio”, pelos vínculos trabalhistas. Outra solução seria considerar todos os cooperados, conforme o caso, vinculados a todos os tomadores, visto não ser a exclusividade uma característica intrínseca à relação de emprego.
A terceirização, embora salutar para a continuidade da empresa diante do mercado atual, altamente competitivo, provoca vários prejuízos graves ao trabalhador, notadamente:
a) Precarização dos direitos trabalhistas em geral, e rebaixamento de salários, em especial;
b) Precarização do meio ambiente de trabalho, ante a pulverização dos trabalhadores;
c) Enfraquecimento do movimento sindical, mediante a dispersão dos trabalhadores em inúmeras empresas pequenas, sem qualquer preocupação com sua integração social.
Especificamente no tocante aos salários, há basicamente duas correntes: a primeira, capitaneada pelo Min. Godinho Delgado, ainda minoritária na doutrina, defende a isonomia entre os trabalhadores terceirizados e os empregados da tomadora dos serviços, a exemplo do que ocorre com o trabalhador temporário (salário equitativo)29; a segunda, defendida pela doutrina majoritária, no sentido de que a lei não exige tratamento igualitário entre o trabalhador terceirizado e os empregados da empresa tomadora dos serviços, salvo no caso do trabalho temporário, em relação à remuneração.
No sentido da segunda corrente, Vólia Bomfim Cassar ensina que “o trabalhador terceirizado receberá a remuneração ajustada com seu empregador (empresa interposta) e seu labor será no horário determinado pela interposta pessoa, assim como o enquadramento sindical”30.
Embora a segunda corrente seja aparentemente predominante na doutrina, a publicação da OJ 383 da SDI-1 provocou incerteza na jurisprudência do TST. Vejamos:
OJ-SDI1-383. Terceirização. Empregados da empresa prestadora de serviços e da tomadora. Isonomia. Art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974 (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010).
A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974.
A grande questão interpretativa, surgida a partir da edição da OJ 383, foi estabelecer seu alcance. Em outras palavras, seria a solução isonômica exclusivamente aplicável às hipóteses de terceirização irregular, notadamente aquelas levadas a efeito por entes da Administração Pública, ou a isonomia seria cabível também em caso de terceirização lícita, como defende o Ministro Godinho Delgado?
Quando do fechamento da primeira edição deste livro não era claro, nem maduro, o entendimento jurisprudencial a respeito. Destarte, a partir da análise de centenas de julgados específicos da aplicação da OJ 383, e compulsando o inteiro teor de vários destes julgados, concluí que havia uma tendência da jurisprudência do TST no sentido da extensão da isonomia também às hipóteses de terceirização lícita. Corroboravam este entendimento alguns julgados. Por sua vez, a controvérsia ficava patente diante da existência de julgados em sentido contrário.
Não obstante, investigando novamente a questão quase um ano depois, é forçoso concluir que o entendimento do TST não avançou no sentido da aplicação da isonomia em caso de terceirização lícita.
O próprio Ministro Godinho Delgado, maior expoente da corrente defensora da isonomia (salário equitativo) em quaisquer hipóteses de terceirização, adverte que ainda é minoritária a tese, nos seguintes termos:
“A questão decisiva que se coloca, hoje, porém, é a seguinte: tal procedimento analógico isonômico aplica-se às demais hipóteses de terceirização?
A jurisprudência não se decidiu, pacificamente, nessa linha, reconheça-se. Mantém-se ainda importante a interpretação de que, desde que seja considerada lícita a terceirização – e não se tratando de trabalho temporário –, não seria aplicável o salário equitativo. Ou seja, em casos de terceirização lícita o padrão remuneratório da empresa tomadora não se comunicaria com o padrão remuneratório dos trabalhadores terceirizados postos a serviço dessa mesma tomadora”31. (grifos no original)
Mencionem-se, a título de exemplo, os seguintes julgados:
Agravo de instrumento em recurso de revista. 1. Terceirização lícita. Isonomia entre os empregados da prestadora e da tomadora de serviços. Impossibilidade. Nos termos da OJ nº 383 da SDI-1 do TST, apenas em caso de irregularidade da contratação é que se cogitaria da possibilidade de isonomia de direitos entre o reclamante e os empregados da segunda reclamada. Ademais, isso dependeria da prova da igualdade das funções exercidas pelo reclamante, empregado terceirizado, e por empregado do tomador de serviços, o que sequer foi examinado no presente caso. Precedentes. (...) (TST, 8ª Turma, AIRR-237000-59.2009.5.15.0077, Rel. Min. Dora Maria da Costa, j. 04.12.2013, DEJT 06.12.2013).
(...) 4. Terceirização lícita. Princípio da isonomia. Equiparação com os empregados da empresa tomadora de serviços. Quando um trabalhador terceirizado realiza as mesmas atividades desempenhadas pelos empregados da empresa tomadora de serviços, não há como lhe negar os direitos assegurados a estes, sob pena de desprestígio do trabalhador e premiação da discriminação, repugnada pela ordem jurídica. Na hipótese dos autos, contudo, o Tribunal Regional entendeu tratar-se de terceirização perfeitamente lícita, haja vista que as tarefas exercidas pelo Reclamante não diziam respeito às atividades-fim da empresa tomadora de serviços, circunstância que afasta o direito aos benefícios assegurados à categoria dos empregados desta. Recurso de revista não conhecido, no aspecto (TST, 3ª Turma, RR-694-05.2010.5.12.0019, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, j. 06.02.2013, DEJT 15.02.2013).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA – DESCABIMENTO. ISONOMIA SALARIAL. APLICAÇÃO DOS BENEFÍCIOS PREVISTOS NAS NORMAS COLETIVAS FIRMADAS PELA TOMADORA DE SERVIÇOS. TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA. IMPOSSIBILIDADE. A jurisprudência desta Corte está posta no sentido de se manter a isonomia de direitos, quando constatada a irregularidade na contratação e a identidade entre as funções exercidas pelos empregados da empresa fornecedora de mão de obra e aquelas desempenhadas pelos contratados diretamente pela tomadora dos serviços (OJ 383/SBDI-1). Ausentes tais requisitos, não há que se falar em diferenças decorrentes de isonomia salarial. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST, 3ª Turma, AIRR – 97100-71.2009.5.05.0002, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 28.09.2012).
(...) Terceirização de serviços lícita. Isonomia salarial com os empregados do tomador dos serviços. Não cabimento. Esta Corte entende ser cabível a aplicação analógica do art. 12, a, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974, em caso de contratação irregular de trabalhador por empresa interposta pela Administração Pública, desde que haja a igualdade de funções, conforme a Orientação Jurisprudencial 383 da SBDI-1 do TST. No caso dos autos, entretanto, o TRT afirma que não foi alegada a irregularidade na contratação por empresa interposta, e não foi reconhecida a igualdade de funções entre a reclamante (recepcionista) e os empregados do tomador dos serviços (aliás, a própria reclamante, em seu recurso de revista, admite a licitude da terceirização dos serviços, e que não desenvolvia atividades típicas dos bancários). Recurso de revista de que não se conhece. (...) (TST, RR 65200-65.2007.5.03.0012, Quinta Turma, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT 02.12.2011).
(...) Enquadramento no PUC-S (Plano Único de Cargos e Salários) da APPA. Diferenças salariais enquadramento no PUC-S (Plano Único de Cargos e Salários) da APPA. Diferenças salariais. O empregado manteve relação de emprego com a empresa prestadora de serviços e não com a tomadora dos serviços, razão pela qual não pode pretender direitos alheios à sua atividade. A distinção aqui tem fundamento na própria natureza da relação de trabalho terceirizada, diferenciada da situação em que o empregado é da mesma empresa. Na terceirização de atividade-meio não é possível o enquadramento na empresa prestadora de serviços no PUC-S da tomadora, pois não há de se falar em isonomia de salários entre desiguais, ainda mais quando se trata de terceirização lícita admitida no ordenamento jurídico, conforme a Súmula nº 331 desta Corte. (...) (TST, RR 153200-21.2004.5.09.0322, Sétima Turma, Rel. Min. Pedro Paulo Manus, DEJT 02.09.2011).
Em sentido contrário, porém em decisão isolada, entendimento recente adotado pela 6ª Turma:
Recurso de revista. Terceirização lícita. Isonomia. Identidade entre as funções. Segurança de transporte metroviário x serviço de vigilância. Provimento. A constatação de que o autor exercia tarefas equivalentes àquelas pelos empregados vigilantes da CBTU dá ensejo ao reconhecimento do seu direito às diferenças pleiteadas, em face da aplicação do princípio da isonomia salarial. Inteligência da Orientação Jurisprudencial nº 383 da c. SBDI-1 do TST. Recurso de revista conhecido e provido (TST, 6ª Turma, RR-1957-05.2011.5.03.0111, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 16.10.2013, DEJT 18.10.2013).
Em razão de todo o exposto, atualmente é mais prudente, em eventual questão objetiva de concurso sobre o tema, seguir a orientação segundo a qual não se aplica a isonomia às hipóteses de terceirização lícita (salvo, é claro, no trabalho temporário, quanto ao salário). Em questões discursivas, como sempre, você terá a liberdade para expor as duas correntes e, se for o caso, defender uma delas. Neste último caso, não deixe de mencionar o posicionamento do Ministro Godinho Delgado, dado o prestígio conferido às suas teses na seara trabalhista.
TERCEIRIZAÇÃO
Conceito:
➢ “É a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade”.
Conceito trabalhista:
➢ É a relação triangular formada entre trabalhador, empresa prestadora de serviços e tomador dos serviços. O empregado se vincula (estabelece relação de emprego) à empresa prestadora de serviços que, por sua vez, fornece (através de um contrato civil) a atividade a um tomador de serviços.
Limites à terceirização:
➢ Dignidade da pessoa humana ⇒ o trabalho humano não pode ser tratado como mercadoria, razão pela qual não se admite o mero “aluguel” de trabalhadores.
➢ A única hipótese lícita de intermediação de mão de obra é o trabalho temporário, na forma da Lei nº 6.019/1974.
➢ Modulação dos efeitos construída pela jurisprudência e consubstanciada na Súmula 331 do TST (ver adiante).
Art. 455 da CLT (empreitada a subempreitada):
➢ O empreiteiro responde pelos débitos trabalhistas não adimplidos pelo subempreiteiro.
➢ Tecnicamente sequer pode ser chamada da hipótese típica de terceirização, mas parte da doutrina assim o faz.
➢ A responsabilidade, para a corrente atualmente mais prestigiada, é subsidiária.
➢ O dono da obra de construção civil não responde pelos débitos trabalhistas do empreiteiro, salvo se for construtora ou incorporadora.
Lei nº 6.019/1974 (trabalho temporário):
➢ O trabalho temporário é a única hipótese legal de intermediação de mão de obra, assim considerado o fornecimento de trabalhadores por empresa interposta (empresa de trabalho temporário).
➢ Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços.
➢ Quanto à forma, o trabalho temporário exige contrato escrito tanto entre a empresa tomadora e a empresa de trabalho temporário, quanto entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário.
➢ No trabalho temporário o empregado fica diretamente subordinado ao tomador dos serviços, pelo que o poder diretivo é compartilhado.
➢ O prazo máximo do contrato de trabalho temporário é de três meses, renovável por igual período, apenas uma vez, mediante autorização do MTE.
➢ Direitos assegurados ao trabalhador temporário:
• Remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente, calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo;
• Jornada de trabalho normal estabelecida pela CRFB/88 (8h diárias e 44h semanais) e horas extras (mín. 50%);
• DSR;
• Adicional noturno;
• Seguro contra acidente do trabalho;
• Proteção previdenciária;
• 13º salário (assegurado pela CRFB/88);
• Vale-transporte;
• FGTS;
• PIS.
➢ Aplicam-se ao trabalhador temporário as hipóteses de justa causa (art. 482, CLT) e de despedida indireta (art. 483, CLT), bem como a indenização do art. 479 da CLT.
➢ No caso de falência da empresa de trabalho temporário, o tomador dos serviços é solidariamente responsável pelos créditos trabalhistas.
➢ É vedada a cobrança de quaisquer taxas do trabalhador temporário.
Lei nº 7.102/1983 (serviços de vigilância):
➢ As atividades de vigilância patrimonial, pública ou privada, podem, de forma geral, ser terceirizadas;
➢ Vigilante é o profissional qualificado, treinado especificamente para a atividade que desempenha, integrante de categoria profissional diferenciada.
➢ Vigia é o trabalhador não especializado ou, no máximo, semiespecializado, o qual se vincula diretamente ao tomador dos serviços.
Decreto-Lei nº 200/1967 (terceirização na Administração Pública):
➢ Prevê a terceirização das atividades de apoio (atividades-meio) da Administração Pública.
Lei nº 7.492/1997 (serviços de telecomunicações):
➢ Autoriza a terceirização de “atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço” de telecomunicação.
➢ O TST tem entendido, de forma hoje amplamente majoritária, que o dispositivo não autoriza a terceirização em atividade-fim nestas atividades.
Súmula 331 do TST:
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)
➢ A intermediação de mão de obra (contratação mediante empresa interposta) é ilegal, salvo nos casos de trabalho temporário;
➢ Se a terceirização é irregular, o vínculo de emprego se forma diretamente com o tomador dos serviços.
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
Mesmo a terceirização ilícita não gera vínculo de emprego com o Estado, ante a indispensabilidade do concurso público.
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
➢ São admitidas pela jurisprudência as seguintes hipóteses de terceirização (além do trabalho temporário):
• Serviços de vigilância, regulados pela Lei nº 7.102/1983;
• Serviços de conservação e limpeza;
• Serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.
➢ Nas três hipóteses, não pode existir pessoalidade ou subordinação em relação ao tomador dos serviços, sob pena de desconsideração da terceirização e consequente vínculo direto com o tomador dos serviços.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo.
➢ O tomador dos serviços que terceiriza licitamente determinada atividade fica sujeito à responsabilização subsidiária nos casos de inadimplemento do empregador (prestador de serviços). Exige-se, contudo, que o tomador dos serviços tenha participado do processo desde a fase cognitiva e conste do título executivo judicial;
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666/1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
➢ O novo item compatibiliza a responsabilização subsidiária da Administração Pública com o entendimento do STF.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação.
➢ A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange parcelas indenizatórias ou condenatórias decorrentes da condenação imposta ao prestador de serviços.
Cooperativas:
➢ O parágrafo único do art. 442 da CLT não constitui “cheque em branco” para utilização de cooperativas de forma fraudulenta. Só não configura vínculo empregatício a relação jurídica do cooperado com cooperativa lícita/regular.
➢ Tipos de cooperativa:
• Cooperativa de produção: congregam trabalhadores que detém os meios de produção e se unem a fim de potencializar seus esforços. Ex.: cooperativa de artesãos.
• Cooperativa de trabalho autônomo ou eventual: resultado da reunião de trabalhadores tecnicamente autônomos que, sem perder tal qualidade, se organizam em cooperativa para potencializar seus resultados e, notadamente, seus ganhos. Ex.: cooperativa de taxistas.
• Cooperativas de mão de obra: normalmente são irregulares, visando tão somente a intermediação de mão de obra (aluguel de trabalhadores), o que é vedado pela ordem jurídica.
➢ Requisitos do cooperativismo regular:
• Atendimento ao princípio da dupla qualidade, segundo o qual a cooperativa também presta serviços a seus associados, e não só estes os prestam à cooperativa e/ou a terceiros.
• Atendimento ao princípio da retribuição pessoal diferenciada, o que significa a obtenção de retribuição ao cooperado notadamente superior àquela que ele obteria como empregado.
• Presença da affectio societatis, ou seja, da união de esforços de trabalhadores que possuem objetivos comuns, identidade de interesses. Logo, uma cooperativa formada por trabalhadores de diversas profissões, cujo interesse comum é tão somente arranjar uma colocação, não observam o ideal básico do cooperativismo.
• Existência de capital próprio, a partir do qual se erguerá a associação.
• Divisão de resultados (lucros ou prejuízos) entre os associados.
• Realização de assembleias-gerais e conhecimento dos ideais do cooperativismo pelos associados.
• Ausência dos requisitos da relação de emprego, notadamente subordinação jurídica.
• Exigências formais da Lei nº 5.764/1971 ou da Lei nº 12.690/2012, conforme o caso (número mínimo de associados, adesão voluntária etc.).
➢ Embora seja frequente na prática, a utilização de cooperativas em situações de terceirização não se molda a qualquer figura trabalhista clássica, constituindo, das duas, uma: a) fato irrelevante para o Direito do Trabalho, no caso de terceirização de atividade para cooperativa de trabalhadores autônomos; b) terceirização irregular, com o consequente vínculo direto com o tomador dos serviços, no caso de mera intermediação de mão de obra, hipótese em que estão presentes os requisitos da relação de emprego diretamente com o tomador dos serviços, ou mesmo com a cooperativa, que pode ser um empreendimento disfarçado.
Efeitos da terceirização:
➢ Precarização dos direitos trabalhistas;
➢ Precarização do meio ambiente de trabalho;
➢ Enfraquecimento do movimento sindical.
Terceirização e isonomia:
➢ Posição clássica: o empregado terceirizado não tem direito ao mesmo tratamento dispensado ao empregado efetivo da empresa tomadora de serviços.
➢ Posição atual do TST, em relação à terceirização irregular: o empregado terceirizado tem direito à isonomia em relação aos efetivos.
➢ O TST não desenvolveu a tese da aplicação da isonomia na terceirização lícita. A questão ainda é controvertida, com a maioria dos julgados em sentido contrário a tal tese.
1. A terceirização constitui o fornecimento de atividade especializada, e não o fornecimento de trabalhadores.
2. Visando proteger a dignidade humana adota-se a premissa de que o trabalho não é mercadoria, não é coisa que possa ser comercializada.
3. Não há, na área trabalhista, nenhuma norma jurídica que regule de forma ampla a questão da terceirização. A grande maioria das questões se resolve pela Súmula 331 do TST.
4. A terceirização não é vedada, desde que a relação de emprego não reste configurada entre tomador e empregado.
5. Na terceirização, tem-se o fornecimento de uma atividade especializada pelo terceiro ao tomador, que não tem qualquer relação de gerenciamento com os trabalhadores.
6. Na intermediação de mão de obra, por sua vez, verifica-se o mero aluguel de trabalhadores. A única hipótese de intermediação de mão de obra admitida é o trabalho temporário.
7. Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços.
8. Nos contratos de subempreitada, responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro. Para a corrente atualmente majoritária, a responsabilidade é subsidiária.
9. O empreiteiro tem direito de regresso em face do subempreiteiro.
10. Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.
11. Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos.
12. O trabalho temporário foge à regra geral da relação de emprego, que pressupõe bilateralidade, e cria uma relação trilateral, em que o tomador dos serviços contrata a empresa de trabalho temporário que, por sua vez, fornece os trabalhadores ao tomador.
13. Considera-se acréscimo extraordinário de serviço, não só aquela demanda oriunda de fatores imprevisíveis, como também os denominados “picos de venda” ou “picos de produção”.
14. O trabalho temporário exige contrato escrito entre a tomadora e a empresa de trabalho temporário, bem como entre esta e o trabalhador temporário.
15. No caso de trabalho temporário há subordinação direta do trabalhador ao tomador dos serviços, tendo em vista que o objetivo é o fornecimento do trabalhador em si (intermediação de mão de obra), e não de atividade especializada.
16. O contrato de trabalho temporário pode ser firmado por prazo limitado a três meses, renovável por igual período, desde que autorizado pelo MTE.
17. É nula de pleno direito qualquer cláusula de reserva, no sentido de proibir a empresa tomadora de efetivar o trabalhador ao final do prazo do contrato de trabalho temporário.
18. O trabalhador temporário tem direito à remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente, calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo.
19. O trabalhador temporário tem direito à jornada padrão de trabalho (8h diárias e 44h semanais), bem como à remuneração pelo trabalho extraordinário (adicional de, no mínimo, 50%).
20. O trabalhador temporário tem direito a férias proporcionais, ao DSR, ao adicional por trabalho noturno, a seguro contra acidente de trabalho, à proteção previdenciária, ao 13º salário, ao vale-transporte, ao FGTS e ao PIS.
21. Aplicam-se ao trabalhador temporário as hipóteses de justa causa e de despedida indireta previstas na CLT, bem como a indenização por ruptura antecipada de contrato a termo (art. 479).
22. No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta Lei.
23. Não é permitido às empresas de trabalho temporário contratar estrangeiros com visto provisório de permanência no Brasil.
24. Não é permitida a cobrança de quaisquer taxas ao trabalhador temporário.
25. O poder diretivo decorrente da relação de emprego é, no caso do trabalho temporário, compartilhado entre o empregador (empresa de trabalho temporário) e o tomador dos serviços.
26. Exceto no caso dos bancos, cuja atividade de vigilância pode ser organizada por meios próprios, desde que atendidos os requisitos legais, a vigilância configura hipótese de terceirização obrigatória, tendo em vista que deve necessariamente ser desenvolvida por empresa especializada, nos termos da Lei nº 7.102/1983.
27. Não se confundem as figuras do vigilante e do vigia. Vigilante é o profissional qualificado, treinado especificamente para a atividade que desempenha, integrante de categoria profissional diferenciada. Vigia, por sua vez, é o trabalhador não especializado ou, no máximo, semiespecializado, que se vincula diretamente ao tomador dos serviços.
28. Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
29. No cumprimento de seus deveres, a concessionária de serviços de telecomunicações poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência, contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.
30. A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
31. A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
32. É lícita a terceirização de serviços de vigilância, de conservação e limpeza, bem como de atividades-meio do tomador, desde que, em qualquer dos casos, não haja subordinação e pessoalidade em relação ao tomador.
33. O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.
34. Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, na forma do item IV da Súmula 331, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações decorrentes da Lei 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
35. São princípios basilares do cooperativismo a dupla qualidade e a retribuição pessoal diferenciada.
36. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela, desde que o empreendimento seja realmente uma cooperativa regular.
37. A cooperativa de trabalho pode ser de produção, quando constituída por sócios que contribuem com trabalho para a produção em comum de bens e a cooperativa detém, a qualquer título, os meios de produção.
38. Exemplo de cooperativa de produção seria uma cooperativa de artesãos, cujos sócios detêm as ferramentas básicas necessárias ao seu trabalho, e que se unem para produzir e colocar seus produtos no mercado, dividindo, entre si, lucros ou prejuízos.
39. A cooperativa de trabalho pode ainda ser de serviço, quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego.
40. De uma forma geral, as cooperativas de produção e as cooperativas de trabalho autônomo ou eventual (ou de serviço) são lícitas e representam a ideia original do cooperativismo: ajuda mútua.
41. As cooperativas de mão de obra, por sua vez, são geralmente meras intermediadoras da energia de trabalho humano, pois disponibilizam o trabalho de seus associados a outras empresas. Neste caso, não há qualquer traço de cooperativismo, e sim de mero “aluguel de trabalhadores”.
42. Entre a cooperativa e os cooperados há relação de direito civil, relação societária. Se o empreendimento não for, a rigor, uma cooperativa, mas apenas um simulacro, haverá relação de emprego.
43. As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados. As cooperativas singulares se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados. Daí se extrai o princípio da dupla qualidade.
44. A cooperativa só se justifica se oferece ao cooperado retribuição pessoal maior em relação ao que receberia sozinho, fosse como empregado, ou ainda como autônomo (trabalhando sozinho). Tem-se, neste caso, o princípio da retribuição pessoal diferenciada.
45. Como o cooperativismo constitui a união de esforços de uma determinada categoria para melhoria de suas condições sociais, naturalmente é requisito da cooperativa lícita que exista a chamada affectio societatis entre os cooperados, ou seja, que todos sejam da mesma categoria profissional, que atuem com objetivos comuns, sob a forma de mutualismo.
46. A cooperativa é formada pela união de esforços entre os cooperados, e como tal deve ser constituída com capital próprio, obtido a partir da integralização das cotas pelos associados.
47. O cooperativismo pressupõe a distribuição igualitária de resultados, sejam eles positivos (lucros) ou negativos (prejuízos).
48. Como em uma cooperativa são os associados que definem os rumos do empreendimento, é imprescindível a realização regular de assembleias-gerais, bem como que os cooperados conheçam os princípios e ideais do cooperativismo.
49. Acaso estejam presentes, entre o trabalhador e o tomador dos serviços, ou mesmo entre o trabalhador e algum “superior” da cooperativa, os requisitos caracterizadores da relação de emprego, é forçoso reconhecer o vínculo empregatício. O verdadeiro cooperado é autônomo, frise-se.
50. Para que a cooperativa seja lícita, faz-se necessário sejam cumpridas diversas formalidades, entre as quais o número mínimo de associados, a adesão voluntária, além de várias formalidades relativas ao estatuto da cooperativa.
51. Se a adesão à cooperativa é a única forma de o trabalhador obter trabalho, não há voluntariedade na adesão, pelo que a cooperativa é ilícita.
52. A contratação irregular de trabalhador mediante empresa interposta, pela Administração Pública, dá ensejo ao tratamento isonômico entre terceirizados e empregados do tomador dos serviços, desde que haja igualdade de funções.
___________
1 SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. São Paulo: LTr, 1997, p. 30.
2 Se o tomador é o Estado, o vínculo é público, de natureza administrativa, consubstanciado em um contrato administrativo precedido de licitação, nos termos da Lei.
3 (CRFB/88) Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV – os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa; (...)
4 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 4. ed. Niterói: Impetus, 2010, p. 495.
5 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 458.
6 Esta questão apresenta uma curiosidade: o gabarito preliminar indicava alternativa que trocava o termo “subsidiariamente” da assertiva acima por “solidariamente”, ou seja, alinhava-se à corrente da responsabilidade solidária do empreiteiro. Não obstante, o gabarito foi alterado após os recursos, moldando-se à corrente oposta, provavelmente em virtude da demonstração, pelos candidatos recorrentes, da dominância doutrinária atual da segunda corrente.
7 Estratégia de estudo: se o conteúdo programático do concurso que o leitor prestará não inclui expressamente o trabalho temporário, basta a leitura da definição e a noção de que o trabalho temporário é uma das formas de terceirização lícita (tecnicamente, intermediação de mão de obra), sendo desnecessária a leitura de todo este tópico 8.6.2.
8 Neste sentido, DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, p. 432.
9 Consta no site da Presidência da República (www.planalto.gov.br) que a Lei nº 5.107/1966, à qual se refere a alínea “c” do art. 12 da Lei nº 6.019/1974, foi revogada pela Lei nº 7.389/1989. Ocorre que o mencionado art. 25 da Lei nº 5.107/1966 (já revogada, frise-se) não guarda qualquer relação com o instituto das férias proporcionais. Não obstante, a doutrina majoritária continua mencionando as férias proporcionais como direito do trabalhador temporário, razão pela qual é este o entendimento que sugiro para concursos públicos. Neste sentido, por todos, DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 437.
10 Atualmente, a proteção previdenciária a que alude a alínea “h” é regulamentada pela Lei nº 8.213/1991, bem como pelo Decreto nº 3.048/1999, sendo que este último revogou o Decreto nº 72.771/1973.
11 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 6. ed., p. 448.
12 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 9. ed., p. 438.
13 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho, p. 499.
14 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, p. 457.
15 Sobre os conceitos de categoria diferenciada e categoria preponderante, ver o Capítulo 29, sobre Direito Coletivo do Trabalho.
16 No mesmo sentido diversos julgados posteriores da SDI-1, como, por exemplo, E-RR-5941-89.2010.5.06.0000 (DEJT 19.12.2013).
17 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed., p. 443.
18 Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
19 Neste sentido, a título de exemplo, AIRR - 1658-67.2011.5.03.0001, TST, 6ª Turma, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 09.11.2012.
20 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (...)
21 Além destas, também é lícito o trabalho temporário regulado pela Lei nº 6.019/1974, tratado como terceirização pela doutrina majoritária e pelo próprio TST (Sumula 331, I).
22 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: Forense, 2010, p. 347.
23 O enquadramento do abuso de direito como ato ilícito está previsto no art. 187 do Código Civil. A responsabilização por abuso de direito, por sua vez, encontra seu fundamento no art. 927 do Código Civil.
24 Na prática, entretanto, existe nova celeuma sobre o assunto. Conforme notícia publicada no site do TST (<www.tst.gov.br>, consultado em 22.03.2012) em 08.03.2012, a SDI-1 suspendeu a tramitação de todos os processos que tratem da responsabilidade subsidiária de ente público tomador de serviços no caso de não cumprimento de obrigações trabalhistas pela empresa prestadora. A suspensão vigorará até que seja julgado, pelo STF, o RE nº 603.397, que trata do tema e teve repercussão geral reconhecida. Até o fechamento desta edição o RE 603.397 não havia sido julgado. Para fins de concursos públicos, continua valendo a literalidade do item V da Súmula 331.
25 CARELLI, Rodrigo Lacerda. Formas atípicas de trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 55.
26 CARELLI, Rodrigo Lacerda. Formas atípicas de trabalho, p. 56.
27 Retirada, no jargão das cooperativas, normalmente designa a remuneração dos cooperados.
28 Não é um contrassenso alguém ser dono do negócio e controlar a própria jornada de trabalho? Pior ainda será se os sócios forem submetidos a controle de jornada pelo coordenador. Tudo indica que a referida Lei trará muito mais facilidades ao tomador dos serviços que ao trabalhador.
29 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, p. 427.
30 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho, p. 513.
31 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11 ed., p. 453.