Desempenha o magistrado a função de aplicar o direito ao caso concreto, provido que é do poder jurisdicional, razão pela qual, na relação processual, é sujeito, mas não parte. Atua como órgão imparcial, acima das partes, fazendo atuar a lei e compondo os interesses do acusador e do acusado, os outros dois sujeitos da tríplice – e principal – relação processual, até decisão final. É esta a visão predominante atualmente na doutrina: FREDERICO MARQUES (Elementos de direito processual penal, v. 1, p. 358); TOURINHO FILHO (Código de Processo Penal comentado, v. 1, p. 455); MIRABETE (Código de Processo Penal interpretado, p. 323); PAULO LÚCIO NOGUEIRA (Curso completo de processo penal, p. 232); MAGALHÃES NORONHA (Curso de direito processual penal, p. 136).
Acentua FREDERICO MARQUES (Elementos de direito processual penal, v. 1, p. 361), com propriedade, que, na relação processual, atuam outros sujeitos e partes secundárias ou acessórias, que podem intervir no feito e deduzir pretensões. São os seguintes casos:
a) do ofendido, quando ingressa como assistente da acusação (art. 268, CPP);
b) do terceiro prejudicado, que pode ingressar com pedido de restituição de coisas apreendidas (art. 120, § 2.°, CPP), bem como embargar o sequestro (art. 130, II, CPP);
c) do fiador do réu, nos incidentes relativos à fiança (arts. 329, parágrafo único, 335, 347, CPP).
Terceiros, no processo penal, por sua vez, “são todas as pessoas que nele intervêm e cooperam para o desenvolvimento da relação jurídico-processual sem se converterem em sujeitos ou partes, ou em órgãos auxiliares dos mesmos. Não lhes interessa a relação processual, que se desenvolve independentemente de seu concurso, tanto principal como acessório. De algum modo podem estar interessados na relação de direito material ou não serem estranhos a ela. Em regra trazem ao processo elementos probatórios” (FREDERICO MARQUES, op. cit., p. 362). São terceiros os órgãos auxiliares dos sujeitos do processo, como peritos, tradutores, intérpretes, funcionários da justiça, bem como o ofendido, quando não ingressa como assistente, seus parentes, a pessoa que efetuou a notícia da ocorrência do crime, dentre outras.
Os advogados ocupam posição especial, tanto quando representam o querelante, como quando atuam em nome do réu, visto serem representantes de interesse de outrem, por deterem capacidade postulatória exclusiva perante o Poder Judiciário (art. 133, CF). Não são, pessoalmente, sujeitos da relação processual, nem tampouco parte.
Deve o magistrado, uma vez iniciada a ação penal, conduzir o desenvolvimento dos atos processuais, conforme o procedimento previsto em lei, até o final da instrução, quando, então, será proferida sentença. Não se admite, no processo penal, a extinção do feito, sem julgamento de mérito, por inépcia de qualquer das partes, cabendo ao juiz prover a regularidade do processo. Note-se que, até mesmo nos crimes de ação privada, quando há desídia na condução da causa, o juiz julga perempta a ação penal, extinguindo a punibilidade do querelado, o que não deixa de ser um julgamento final e de mérito, em sentido amplo (art. 60, CPP).
Possui o magistrado poder de polícia na condução do processo, mantendo a ordem e a regularidade dos atos processuais, utilizando, quando for o caso, do emprego de força pública, que, nas dependências do Poder Judiciário, lhe é subordinada. Não se concebe, durante o transcurso de uma audiência, por exemplo, existam mais pessoas a quem a polícia ou a segurança local deva prestar obediência, uma vez que a lei atribuiu ao juiz a presidência dos trabalhos. Se exagerar, abusando da sua autoridade, responderá pelo mal causado.
A possibilidade constitucional e legal de compor conflitos, aplicando a lei ao caso concreto, é denominada jurisdição. Adquiri-la significa a presença de investidura, capacidade e imparcialidade. Como ensina Greco Filho, essas são as qualidades exigidas pela lei para o magistrado atuar: um procedimento prévio, através de concurso público, que atribui a alguém o cargo de juiz, seguido de capacidade técnica, física e mental, para julgar, o que é presumido pela investidura, além de agir com imparcialidade, sem chamar a si o interesse de qualquer das partes (Manual de processo penal, p. 214-215).
Considera-se impedido de atuar o juiz que é parcial, situação presumida pela lei, em casos específicos. Logo, as hipóteses previstas no art. 252 do CPP, de caráter objetivo, indicam a impossibilidade de exercício jurisdicional em determinado processo. A sua infração implica inexistência dos atos praticados.
O rol do referido art. 252 é, como regra, taxativo, não podendo ser ampliado. Outras situações, no entanto, a nosso ver, demonstrativas da parcialidade do juiz na apreciação da causa, devem ser incluídas no contexto da suspeição.
São situações que acarretam o impedimento:
a) participação, na causa, de cônjuge ou parente: faz nascer a vinculação e a indevida relação de interesse entre o juiz e o objeto do litígio, tornando-o parcial, o que ofende o princípio constitucional do juiz imparcial, razão pela qual lhe falece jurisdição para atuar. Atualmente, diante da consistência constitucional da união estável (art. 226, § 3.°, CF), parece-nos aplicável esta hipótese de impedimento, quando tomar parte no processo a companheira do juiz (ou companheiro da juíza), atuando como defensor, promotor, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
b) juiz atuante em função diversa da jurisdicional: se o magistrado, por alguma razão, tiver atuado, anteriormente à investidura, como advogado, promotor, delegado, auxiliar da justiça ou perito, bem como tiver servido como testemunha, no processo, deve dar-se por impedido. Aliás, essa é uma das hipóteses mais flagrantes de parcialidade, pois é ilógico exigir-se de alguém que atue diferentemente de posição anterior assumida. Estas situações não servem para ofender apenas o princípio do juiz natural e imparcial, mas também os do contraditório e da ampla defesa. Afinal, se o juiz foi testemunha, como contraditá-la, questioná-la e impugná-la, já que se transformou em órgão julgador? Se foi perito e deu seu parecer, como tornar controversas suas conclusões, se o experto será também órgão decisório? Enfim, não se pode admitir tal situação, em respeito ao devido processo legal;
c) atuação como juiz de instância diversa: qualquer participação do magistrado em instância diversa, no processo ao qual é chamado a julgar, faz nascer o impedimento. Assim, se tiver decidido qualquer tipo de questão – excetuando-se despachos de mero expediente, pois a lei fala em matéria de fato ou direito – em primeiro grau, não poderá integrar colegiado de grau superior, para julgar recurso contra decisão proferida no feito. Caso tenha sido convocado a integrar colegiado, sendo ainda juiz de primeira instância, tornando à Vara, deve abster-se de decidir questão envolvendo o processo do qual participou, enquanto estava em segundo grau. Ressalte-se que a lei processual penal veda o exercício da jurisdição quando o magistrado tenha atuado, no mesmo processo, contra o réu, devendo julgar novamente o caso (ex.: era juiz de primeiro grau quando julgou o caso; promovido ao tribunal, tornou a receber, como relator, o mesmo processo: há impedimento). Entretanto, o fato de já ter o juiz conhecido e julgado feito contra um determinado réu, tornando a deparar-se com ele em outro processo não é causa de impedimento;
d) juiz, cônjuge ou parente como parte: é mais do que natural não possa o magistrado atuar no processo onde é parte ou pessoa interessada no deslinde da causa (ex.: julgar um roubo, cuja vítima é ele mesmo), abrangendo, ainda, o interesse de seu cônjuge (companheiro/a) ou parente próximo, nos termos deste dispositivo;
e) nos juízos coletivos (tribunais), os parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o terceiro grau: o exercício jurisdicional, em instância superior, dá-se regularmente por colegiados, compostos por turmas, câmaras ou grupos (art. 253, CPP). Havendo parentes na magistratura, há presunção absoluta de parcialidade, caso integrem o mesmo órgão encarregado de julgar um processo. Por interpretação analógica, usando como base o disposto no artigo anterior, deve-se incluir também o cônjuge (companheiro/a).
A suspeição é causa de parcialidade do juiz, viciando o processo, caso haja sua atuação. Ofende, primordialmente, o princípio constitucional do juiz natural e imparcial. Pode dar-se a suspeição pelo vínculo estabelecido entre o juiz e a parte ou entre o juiz e a questão discutida no feito. Note-se que não se trata de vínculo entre o magistrado e o objeto do litígio – o que é causa de impedimento – mas de mero interesse entre o julgador e a matéria em debate.
O rol estabelecido no art. 254 do Código de Processo Penal, embora muitos sustentem ser taxativo, é, em verdade, exemplificativo. Afinal, este rol não cuida dos motivos de impedimento, que vedam o exercício jurisdicional, como ocorre com o disposto no art. 252, mas, sim, da enumeração de hipóteses que tornam o juiz não isento.
Várias situações não previstas expressamente em lei podem surgir que retirem do julgador o que ele tem de mais caro às partes: sua imparcialidade. Assim, é de se admitir que possa haver outra razão qualquer, não expressamente enumerada neste artigo, fundamentando causa de suspeição. Imagine-se o juiz que tenha sido vítima recente de um crime de extorsão mediante sequestro. Pode não se apresentar em condições psicológicas adequadas para o julgamento naquela fase de recuperação, motivo pelo qual é caso de se afastar do feito onde tenha que julgar algum caso similar. Se não o fizer, cabe à parte ingressar com exceção de suspeição. Note-se que o afirmado nesta nota não significa agir o magistrado com preconceito, mas, ao contrário, quer dizer estar ele enfrentando uma fase específica de sua vida, quando não consegue manter sua imparcialidade. Não olvidemos, ainda, o fato de que a garantia do juiz imparcial, expressamente afirmada pelo art. 8.°, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, está em pleno vigor no Brasil.
São situações geradoras de suspeição:
a) amizade íntima ou inimizade capital: a amizade íntima é o forte e seguro vínculo de fidelidade e afeição nascido entre pessoas, implicando convívio amiúde. Logo, não se consideram laços superficiais, coleguismo profissional ou escolar, contatos sociais em clubes, associações ou outros lugares típicos de convívio, cordialidade no trato, nem tampouco pura afeição, simpatia ou ternura. Fosse assim e os motivos de suspeição cresceriam em medidas desproporcionais à intenção da lei, que é a de evitar a atuação de magistrados efetivamente parciais na apreciação do caso. Inimizade capital é a aversão contundente e inequívoca entre duas pessoas, implicando conhecimento geral ou, ao menos, notoriedade parcial, que transcenda a terceiros.
Não se concebe que dois indivíduos sejam inimigos capitais sem que ninguém saiba disso. Por outro prisma, não se incluem nessas situações meras rusgas, discussões calorosas, desentendimentos no ambiente profissional ou escolar, disputas ou competições esportivas ou em outros setores, nem tampouco antipatia gratuita. É fundamental a existência de uma base solidificada de atritos e mútuas agressões, físicas ou verbais, para que a aversão seja considerada profunda, logo, capital. As decisões jurisdicionais que o magistrado tome contra o interesse das partes – decretando a prisão cautelar do réu ou indeferindo pedido nesse sentido feito pelo promotor, por exemplo, ainda que com fundamentação entusiasmada – não dá margem à inimizade, mormente capital. Relata Espínola Filho a decisão do Min. Mário Guimarães sobre o tema: “O procedimento acaso enérgico do juiz não justifica seja averbado de suspeito” (Código de Processo Penal brasileiro anotado, v. 2, p. 259).
E mais: a amizade íntima e a inimizade capital são sentimentos recíprocos, ou seja, é ilógico supor que alguém se torne amigo íntimo de outra pessoa, que não a considera como tal, nem sequer inimigo capital pode ser unilateral e platônico. Costuma-se sustentar que esses especiais vínculos devem ser mantidos com a parte e não com seu representante. Não abrangeria, pois, o representante do Ministério Público, nem o advogado, mas unicamente o réu e a vítima. Discordamos, com a devida vênia. Em primeiro lugar, porque, no processo penal, a parte que ocupa o polo ativo é, como regra, o Ministério Público, agindo em nome da sociedade. Contra esta é que o juiz não nutrirá particular vínculo de afeição ou ódio – e se o fizer, é caso patológico. Voltar-se-á, se for o caso, contra o seu representante. Por outro lado, o ofendido, quando não integra a relação processual, através do assistente de acusação, não pode ser considerado parte. Restaria apenas o réu, sabendo-se, ainda, que inúmeros casos de perda da parcialidade decorrem da aversão existente, ou extrema afeição, entre juiz e defensor.
Por isso, se o objetivo maior é garantir a imparcialidade do magistrado, conforme preceito constitucional, é de ser aceita a possibilidade de arguição de exceção de suspeição, em caso de amizade íntima ou inimizade capital, entre juiz e promotor, bem como entre juiz e advogado. É o que resta sobejamente concretizado nas relações processuais existentes, não sendo possível ignorar o fato de o magistrado ser falível como todos não conseguindo manter a sua neutralidade caso, v. g., estimar por demasia o promotor ou o odiar com todas as forças. O mesmo se diga do defensor. Dessa forma, se o juiz iniciou sua atuação em primeiro lugar, não cabe a alegação de que o réu contratou para sua defesa um inimigo capital do magistrado para que este seja afastado. Se o fez, sendo alertado para o fato, assume o risco da perda da parcialidade do julgador, até porque a exceção de suspeição não é obrigatória. Entretanto, se o advogado já atuava no feito, trocando-se o juiz, é preciso que este se afaste ou poderá ser interposta a devida exceção.
Sobre o assunto, mencionou ESPÍNOLA FILHO a lição de HEROTIDES DA SILVA LIMA, na linha que assumimos: “É preciso atentar para a realidade da vida. O magistrado pode ter motivos para ser agradável ao advogado e, favorecendo-o, favorecer diretamente a parte; e é sabido mesmo que certos indivíduos por esperteza ou por má-fé contratam determinados advogados por saberem de suas ligações com os julgadores. Tem havido, infelizmente, casos que ferem a sensibilidade da opinião pública; advogados que deixam certos cargos públicos são logo constituídos procuradores em questões de vulto e retumbantes, porque exerceram influência sobre juízes, nomeando-os e promovendo-os, despertando-lhes sentimentos de gratidão. Às vezes, subitamente, certos escritórios se movimentam com a notícia de novos rumos na vida política. E depois é preciso assinalar que o advogado tem interesse direto no êxito da questão submetida ao seu patrocínio, e pela vitória faz todo o esforço. Pode não recorrer aos fatores desonestos, mas não os repele, quando se apresentam em favor de sua pretensão. Para cortar toda a dúvida, é preferível a suspeição porque, perdida a causa, o adversário da parte favorecida com o advogado influente terá sempre argumentos para atacar a isenção dos juízes. O advogado põe em certas causas todo o seu desvelo, arrisca seu crédito profissional, o seu nome, o seu futuro e de sua família, o seu bem-estar, o êxito financeiro de sua vida, a tranquilidade nos dias futuros. Há causas que significam a fama, a glória para o advogado. Como afirmar-se que ele não tem interesse em que a decisão seja neste ou naquele sentido, e interesse fundamental? As leis antigas foram sábias e vedavam a advocacia aos poderosos, justamente pela influência que podiam exercer no ânimo dos juízes timoratos, covardes, interesseiros, acomodatícios, com parentes para empregar e promover, dependendo da boa vontade dos poderosos. Essa suspeição é um dever de moralidade” (op. cit., p. 261). Com essa posição, muito embora, Espínola Filho, a despeito de considerá-la psicologicamente relevante, não concorda. Prefere acreditar na elevação de caráter, que se exige de todo julgador, e, quando for o caso, certamente, o próprio juiz iria invocar razões de ordem íntima para não continuar no feito (idem, p. 261-262). Tudo o que foi mencionado no tocante ao advogado, certamente vale para o promotor.
Insistimos, no entanto, em nossa posição, afirmando que não se pode deixar a credibilidade da Justiça nas mãos da “elevação de caráter” do julgador, que, realmente, segundo cremos, a maioria possui, mas não todos. Não é correto permitir-se que uma das partes assista, inerte e vencida de antemão, o juiz amicíssimo do representante da parte contrária conduzir a causa ou, em caso de inimizade capital, veja-se obrigada a lançar mão de toda a sorte de recursos para combater os atos decisórios do magistrado, eivados, no seu entender, de parcialidade. Garantir um juiz isento é dever do Estado e, nessa linha, a exceção de suspeição é o mecanismo mais abalizado a ser utilizado. A interpretação extensiva do conceito de parte, pois, é o remédio mais palatável, envolvendo a de seu representante. Isso não significa, como já dissemos, estar o juiz entregue ao inescrupuloso réu, que contrata o inimigo capital do magistrado somente para afastá-lo. Arca com sua má-fé, mantendo-se o julgador no feito. O bom senso e o caso concreto devem ditar a melhor solução à situação;
b) interesse na matéria em debate: como já afirmado, quando o juiz tem interesse direto no objeto do litígio (é vítima do crime a ser julgado, por exemplo), está impedido de exercer jurisdição no processo. Esta hipótese, no entanto, contempla a ligação do magistrado com a matéria em discussão, na medida em que possui interesse em outro feito, onde ele mesmo, seu cônjuge (companheiro/a), ascendente ou descendente esteja respondendo por fato semelhante. É possível que, ao julgar um caso de sonegação fiscal, por exemplo, sendo seu filho réu em processo análogo, resolva decidir pelo reconhecimento do princípio da insignificância, considerando atípica a conduta do acusado, visando à formação de jurisprudência positiva ao seu interesse, influenciando o feito de seu descendente;
c) parentesco consanguíneo e por afinidade: estabelece o Código Civil serem parentes, em linha reta, “as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes” (pai e filho, mãe e filho, avô e neta, bisavó e bisneta etc.), conforme art. 1.591. “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra” (primos, tio e sobrinho etc.), conforme art. 1.592. Consideram-se afins os parentes de um cônjuge em relação ao outro, em linha reta (sogro e nora, sogra e genro etc.) ou colateral (cunhados, marido da tia etc.), conforme art. 1.595, caput. O Código de Processo Penal fixa o grau de parentesco, para efeito de suspeição, até o terceiro grau. Por outro lado, deixa de mencionar o parentesco civil, decorrente de adoção, embora, para o fim preconizado neste dispositivo, seja correto incluí-lo, através de interpretação extensiva. Ressalte-se o disposto no art. 41, caput, da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente: “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”;
d) interesse em causa diversa: o juiz não deve ser considerado imparcial, caso possua ele mesmo, seu cônjuge (companheiro/a) ou parente demanda, na condição de autor ou réu, que será julgada por outro juiz, também interessado em causa diversa, esta a ser decidida por aquele magistrado. Imagine-se que a vítima de um estelionato, igualmente magistrado, seja o juiz do processo de separação judicial do filho do julgador do caso criminal. Não haverá isenção suficiente para absolver, se for preciso, o réu, sabendo que, posteriormente, seu descendente terá importante questão da vida decidida por aquele que ficou inconformado com a sentença proferida;
e) aconselhamento: caso o juiz tenha, anteriormente, dado conselhos referentes a determinado caso criminal a réu ou vítima, tão logo tomasse conhecimento do ocorrido, é considerado suspeito para decidir o feito, quando lhe chegue às mãos. Ex.: após uma prisão em flagrante, o indiciado, conhecido de certo magistrado, aconselha-se com o mesmo, buscando livrar-se, de algum modo, da imputação. Posteriormente, o processo é distribuído justamente ao conselheiro, que forneceu importantes subsídios para o acusado. Não deve permanecer no caso;
f) interesse movido pelos laços existentes: embora não conectados aos aspectos sentimentais, como amizade íntima ou inimizade capital, é natural que o magistrado, credor ou devedor de uma das partes, não está isento na apreciação do caso. Sua decisão pode influenciar seu próprio futuro, o que lhe retira a isenção de ânimo aguardada. O mesmo ocorre se agir como tutor ou curador dos envolvidos no feito criminal;
g) interesse financeiro: o vínculo de associação mantido entre o magistrado e qualquer sociedade interessada no processo é motivo bastante para fazer nascer a suspeição. Ex.: o juiz é sócio da empresa acusada da prática de crime ambiental. Torna-se bastante provável a hipótese de buscar absolvê-la, até para não onerar seus próprios ganhos, caso seja a pessoa jurídica condenada criminalmente, envolvendo o pagamento de multa ou outra prestação alternativa.
A hipótese de impedimento ou suspeição cessa entre afins, quando o casamento é dissolvido (nas situações de divórcio, anulação ou morte, não se incluindo a separação judicial, pois, neste caso, o vínculo não se extingue, continuando a haver os laços de parentesco), salvo se da relação houver descendentes (ex.: o marido e o sobrinho da sua esposa – seu sobrinho por afinidade – se o casal tiver filhos).
Não havendo descendência, permanece, com a dissolução do casamento, somente o obstáculo do impedimento ou da suspeição nas hipóteses expressamente indicadas na lei processual penal, ou seja, sogro/sogra em relação ao genro/nora e vice-versa, padrasto/madrasta em relação ao enteado/enteada e vice-versa e cunhados entre si. Exemplo dessa última situação: o juiz é cunhado da parte, em relação de afinidade, mantendo-se o vínculo para efeito de impedimento ou suspeição, ainda que o seu casamento com a irmã da parte dissolva-se.
Não dá margem à posterior arguição de suspeição do juiz. É absolutamente correto o dispositivo (art. 256, CPP), pois não se pode privilegiar a malícia ou a má-fé, como causas de afastamento do juiz natural. Se a parte ofende o magistrado, nos autos ou fora dele, somente para, em seguida, acoimá-lo de inimigo capital, deve arcar com sua viperina atitude. Não fosse assim e seria muito fácil afastar de determinado processo, ainda que sofra consequências – como um processo-crime por injúria –, um juiz considerado extremamente rigoroso, na visão do réu, ou muito liberal, na ótica do ofendido.
Preceitua a Constituição Federal, no Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça), do Título IV (Da Organização dos Poderes), ser o Ministério Público uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput), regendo-se pelos princípios da unidade (podem os seus representantes substituir-se uns aos outros na prática de determinado ato), da indivisibilidade (atuam seus representantes em nome da instituição) e da independência funcional (cada um dos seus representantes possui convicção própria, que deve ser respeitada).
No art. 129, I, está prevista, como função institucional, a promoção, em caráter privativo, da ação penal pública, na forma legal. Por isso, ocupa, no processo penal, o Ministério Público a posição de sujeito da relação processual, ao lado do juiz e do acusado, além de ser também parte, pois defende interesse do Estado, que é a efetivação de seu direito de punir o criminoso.
Embora, atualmente, não lhe seja mais possível negar o caráter de parte imparcial, visto não estar obrigado a pleitear a condenação de quem julga inocente, nem mesmo de propor ação penal contra quem não existam provas suficientes, não deixa de estar vinculado ao polo ativo da demanda, possuindo pretensões contrapostas, na maior parte das vezes, ao interesse da parte contrária, que é o réu, figurando no polo passivo. Negando a denominação de parte imparcial ao representante do Ministério Público, Gustavo Badaró esclarece que, não tivesse o Ministério Público um interesse pessoal e antagônico ao do acusado, não teria sentido afirmar que ele tem o ônus da prova, pois este é decorrência do próprio interesse. Parte desinteressada não deveria ter ônus algum. Assim, ontologicamente, é o Ministério Público parte parcial. Sua caracterização como imparcial não tem outra finalidade senão “agregar uma maior credibilidade à tese acusatória – porque a acusação, de forma imparcial e desinteressada, concluiu pela culpa do acusado – em relação à posição defensiva – que postula a absolvição, porque sempre deverá defender o acusado, bradando por sua inocência, ainda que ele seja culpado” (Ônus da prova no processo penal, p. 207-221).
Ainda que em muitas situações haja a utilização desse discurso no processo, especialmente no Tribunal do Júri, quando as partes se dirigem a juízes leigos, não é irrazoável destacar que, pelas regras processuais penais, o Ministério Público pode, na realidade, pedir não somente a absolvição do réu como outros benefícios que julgue cabíveis, o que, efetivamente, a defesa não pode, em sentido contrário, propor. Vincula-se esta à defesa parcial do réu, ainda que seja culpado – e não há dúvida disso.
Por tal motivo, não nos parece inadequada a denominação feita ao membro do Ministério Público como parte imparcial. Nas ações penais privadas, o Ministério Público atua como fiscal da lei, sendo considerado, de qualquer modo, parte, pois continua a encarnar a pretensão punitiva do Estado – lembremos que o monopólio de aplicação da lei penal é sempre estatal e nunca é transferido ao particular. Tanto isso é certo que, procedente a ação penal privada, o órgão principal encarregado de provocar a execução da sanção penal aplicada é o Ministério Público e não o particular. Assim, quando o ofendido promove a ação penal, porque a lei lhe conferiu essa iniciativa, age como substituto processual do Estado, no sentido formal, mas, materialmente, quem acompanha a ação, para zelar pela pretensão punitiva, é o Ministério Público. Na excepcional situação de ação pública movida pelo ofendido – ação penal privada subsidiária da pública –, o querelante atua como substituto processual do Estado, havendo, do mesmo modo, a participação do Ministério Público, único órgão verdadeiramente legitimado a representar o Estado na sua função punitiva.
Dispõe o art. 128 da Constituição Federal que a instituição envolve o Ministério Público da União (Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar, Ministério Público do Distrito Federal) e o Ministério Público dos Estados. O primeiro é chefiado pelo Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República, dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após aprovação do nome pelo Senado Federal, por maioria absoluta, com mandato de dois anos, permitida a recondução (art. 128, § 1.°, CF). O segundo (incluído neste o Ministério Público do Distrito Federal) é chefiado pelo Procurador-Geral de Justiça, cujo nome emergirá de lista tríplice, dentre integrantes da carreira, escolhido pelo Governador, para mandato de dois anos, permitida uma recondução (art. 128, § 3.°, CF).
Por outro lado, compete ao Ministério Público Federal exercer as funções do Ministério Público junto à Justiça Eleitoral. O Procurador-Geral da República é o Procurador-Geral Eleitoral, oficiando junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Cabe-lhe, ainda, designar o Procurador Regional Eleitoral em cada Estado e no Distrito Federal, que exercerá suas funções junto ao Tribunal Regional Eleitoral. Prevê, ainda, a Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público) que “as funções eleitorais do Ministério Público Federal perante os Juízes e Juntas Eleitorais serão exercidas pelo Promotor Eleitoral” (art. 78). Este, por sua vez, será o “membro do Ministério Público local que oficie junto ao Juízo incumbido do serviço eleitoral de cada Zona” (art. 79). Trata-se da aplicação do princípio da delegação, como ensina Joel José Cândido (Direito eleitoral brasileiro, p. 58).
Finalize-se, lembrando que cabe exceção de impedimento ou suspeição contra membro do Ministério Público, o que não é possível no tocante à defesa, esta, sim, pela sua própria natureza, parte parcial. Exige-se, portanto, uma acusação imparcial, ainda que, processualmente, possa o representante do Ministério Público atuar em nome dos interesses da sociedade.
É a hipótese semelhante ao disposto no art. 252, I, do CPP, que regula o impedimento do juiz. É verdade que naquele dispositivo já se impede a atuação do magistrado, quando o órgão do Ministério Público tiver funcionado, anteriormente, sendo ele seu cônjuge ou parente. Neste dispositivo, inverte-se: o promotor não deve atuar quando já tiver funcionado – ou esteja presidindo a instrução – juiz que seja seu cônjuge ou parente. Acrescenta-se, ainda: não atuará, quando seu cônjuge ou parente for parte (acusado ou ofendido).
Além disso, finaliza o art. 258 do CPP, as demais hipóteses previstas para o juiz, em relação às causas de impedimento e suspeição, também se aplicam ao representante do Ministério Público. Não se menciona a incompatibilidade, porque se trata unicamente da suspeição afirmada de ofício. É o que mais ressalta a sua posição de parte imparcial.
Lembremos que o promotor que participa da investigação policial não se torna impedido, nem suspeito para oferecer denúncia. Nesse sentido, ver Súmula 234 do Superior Tribunal de Justiça: “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.
Preceitua o art. 257 do CPP, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, caber ao Ministério Público o seguinte: a) promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida no Código de Processo Penal; b) fiscalizar a execução da lei.
Como titular primeiro da ação penal pública, conforme previsão advinda do art. 129, I, da Constituição Federal, cabe-lhe a promoção privativa da demanda, na esfera criminal. Somente em casos de retardamento, pode o ofendido tomar a frente, propondo a ação privada subsidiária da pública (art. 29, CPP). Vale destacar que a parte final do inciso I do art. 257 recomenda a propositura da ação na forma estabelecida neste Código, ou seja, conforme o mecanismo fixado pelo Código de Processo Penal e não por outra lei ordinária qualquer.
Portanto, pode-se deduzir que o método específico para a investigação criminal concentra-se no inquérito policial, presidido pela autoridade policial. Concluído o inquérito, remetem-se os autos ao Ministério Público, que poderá exigir outras diligências, pedir o arquivamento ou a extinção de punibilidade, bem como oferecer denúncia. Logo, não cabe, segundo o Código de Processo Penal, à instituição exercer a função de investigação criminal, pois é atribuição da polícia judiciária. Este é mais um argumento a ser somado ao debate acerca da possibilidade de realização de investigação criminal pelo Ministério Público (ver o item 4 do Capítulo IX).
É o sujeito passivo da relação processual. Enquanto transcorre a investigação, deve-se denominá-lo de indiciado, se, formalmente, apontado como suspeito pelo Estado. No momento do oferecimento da denúncia, o correto é chamá-lo de denunciado ou imputado. Após o recebimento da denúncia, torna-se acusado ou réu. Tratando-se de queixa, denomina-se querelado. Pode ser tanto a pessoa física, desde que maior de dezoito anos, quanto a pessoa jurídica. Neste último caso, atualmente, há a previsão expressa no art. 3.° da Lei 9.605/98, permitindo que figure como autora de crimes contra o meio ambiente a pessoa jurídica, o que é expressamente autorizado pela Constituição Federal (art. 225, § 3.°).
Em face do princípio da intranscendência, a acusação não deve voltar-se senão contra o imputado – aquele a quem se atribui a prática da infração penal –, deixando de abranger qualquer outra pessoa, por mais próxima que lhe seja, como o cônjuge ou parente. Jamais figuram, no polo passivo da ação penal, os animais e as coisas – algo que, no direito penal antigo, já foi permitido.
▶ LEMBRETE
O princípio da intranscendência deve ser cuidadosamente observado, tendo em vista que garante outros importantes princípios constitucionais, como o da responsabilidade penal pessoal e o da culpabilidade.
Vale salientar que a ação penal somente pode ser promovida contra pessoa individualizada e devidamente identificada, conforme preceituado no art. 41 do Código de Processo Penal. Entretanto, o que se permite é o ajuizamento de ação penal contra determinado sujeito, cujos dados qualificativos são desconhecidos, mas sua identidade, como pessoa, é inequívoca. É o que ocorre com o indiciado, que não possui documentos, nem fornece elementos à autoridade policial para obter seu verdadeiro nome, filiação, profissão, entre outros (o que acontece com mendigos, sem endereço ou família, por exemplo), mas é suficiente que a identificação seja feita pelo método dactiloscópico. Não haverá, pois, equívoco no tocante ao autor da infração penal, ainda que se tenha dúvida quanto à sua qualificação.
Se a ação penal é sempre movida contra pessoa certa, ainda que duvidosos os seus dados de qualificação (nome, filiação, profissão, endereço etc.), pode-se retificar ou incluir tais elementos, em qualquer momento processual, inclusive se já tiver havido condenação e estiver o feito em plena execução da pena (art. 259, CPP). Por outro lado, é possível que o réu apresente documentos de outra pessoa, passando-se por quem efetivamente não é. Tal conduta não é suficiente para anular a instrução ou a condenação, bastando que o juiz, descoberta a verdadeira qualificação, determine a correção nos autos e no distribuidor, comunicando-se ao Instituto de Identificação.
A indisponibilidade do direito de defesa é uma decorrência da indisponibilidade do direito à liberdade, razão pela qual o réu, ainda que não queira, terá nomeado um defensor, habilitado para a função, para o patrocínio de sua defesa (art. 261, CPP). E tal medida ainda não é o bastante. Torna-se fundamental que o magistrado zele pela qualidade da defesa técnica, declarando, se for preciso, indefeso o acusado e nomeando outro advogado para desempenhar a função. Note-se que nem mesmo o defensor constituído pelo réu escapa a esse controle de eficiência. Não correspondendo ao mínimo aguardado para uma efetiva ampla defesa, pode o juiz desconstituí-lo, nomeando um substituto dativo, embora deva dar prazo ao acusado para a indicação de outro profissional de sua confiança.
Anota a doutrina, por fim, que a ausência de profissional habilitado ao patrocínio da causa, na Comarca – o que é situação rara nos dias de hoje –, não é empecilho para que o juiz nomeie um leigo, com mínima capacitação (como, por exemplo, tendo curso superior) a fim de ser garantida a ampla defesa.
O art. 260 do Código de Processo Penal, se interpretado literalmente, fornece a impressão de que o acusado deve contribuir para a produção de prova contra si mesmo, o que não é realidade (“Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”).
Esclarece João Claudio Couceiro que “o direito a não colaborar na produção de prova abrange não só o direito ao silêncio, como também o direito a não comparecer à audiência, ou o direito a não fornecer documentos, ou material biológico para análise (ainda que tal obrigação venha prevista em lei ordinária, como a do art. 260 do CPP, ou do art. 195 do CTN)” (A garantia constitucional do direito ao silêncio, p. 331).
▶ LEMBRETE
O princípio constitucional de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo garante que o acusado seja preservado durante a instrução criminal, não podendo ser obrigado a participar da formação de conjunto probatório que lhe é desfavorável.
Deve ser sempre advogado o defensor do réu, já que, segundo o disposto no art. 133 da Constituição Federal, o advogado é “indispensável à administração da justiça” e, conforme estabelecido na Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), é atividade privativa da advocacia “a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais” (art. 1.°, I – neste último caso, pendia de julgamento a ADIn 1.127-8 no STF, a respeito da constitucionalidade da inclusão dos “juizados especiais”. Havia liminar deferida para não incluí-los na atividade privativa da advocacia, além de dispor que “no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social” (art. 2.°, § 1.°). Chegou o Plenário à conclusão seguinte: por unanimidade, em relação ao inciso I do art. 1.° da Lei 8.906/94, julgou prejudicada a alegação de inconstitucionalidade relativamente à expressão “juizados especiais”, e, por maioria, quanto à expressão “qualquer”, julgou procedente a ação direta, vencidos os Ministros Relator e Carlos Britto. Assim, é possível postular em alguns juízos, sem a participação do advogado, como ocorre nos Juizados Especiais Cíveis).
Deve, sempre, como representante que é do acusado – este sim, parte passiva na relação processual –, buscar decisão favorável ao seu constituinte (Lei 8.906/94, art. 2.°, § 2.°). Note-se que o defensor não é parte, nem consorte necessário com o réu (cf. ROGÉRIO LAURIA TUCCI, Habeas corpus, ação e processo penal, p. 180). Para o fiel exercício de seu mandato, fazendo-o com liberdade, “é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei” (art. 2.°, § 3.°).
Excepcionalmente, mas em homenagem à ampla defesa, o réu pode produzir, em seu interrogatório, a autodefesa – que precisa ser levada em conta pelo juiz – bem como pode recorrer de decisões contrárias ao seu interesse, além de impetrar habeas corpus, sem auxílio do advogado.
O defensor não deve agir com a mesma imparcialidade exigida do representante do Ministério Público, pois está vinculado ao interesse do acusado, que não é órgão público e tem legítimo interesse em manter o seu direito indisponível à liberdade. Deve pleitear, invariavelmente, em seu benefício, embora possa até pedir a condenação, quando alternativa viável e técnica não lhe restar (em caso de réu confesso, por exemplo), mas visando à atenuação de sua pena ou algum benefício legal para o cumprimento da sanção penal (como penas alternativas ou sursis). Isso não significa que deva requerer ou agir contra a lei, burlando normas e agindo sem ética, durante o processo penal. Seus desvios, na atuação defensiva, podem tornar-se infrações penais ou funcionais.
Preocupou-se o legislador, ao editar a Lei 10.792/2003, acrescentando o parágrafo único ao art. 261 do CPP, com a efetividade da defesa, especialmente no que concerne ao defensor público ou dativo. E agiu corretamente. Passou-se a exigir a manifestação fundamentada do defensor público ou dativo, mas não envolveu o constituído pela simples razão de ser esse profissional da confiança do acusado, motivo pelo qual o juiz deve exercitar controle menos rígido sobre sua atuação.
Embora existente a fiscalização, com possibilidade de considerar o réu indefeso, em casos teratológicos de defesas contraditórias e absolutamente ineficientes, no geral, deve ser respeitada a vontade do réu ao eleger seu defensor e, com isso, cabe a este profissional optar pelos melhores caminhos e estratégias a seguir. Dessa maneira, manifestações suas, consideradas sintéticas, ainda que possam parecer desmotivadas, como ocorre, por exemplo – e não raro –, nas alegações finais do procedimento do júri pedindo a pronúncia, mas destacando que a efetiva defesa será desenvolvida em plenário, diante dos jurados, necessita ser respeitada. Afinal, faz parte de uma estratégia de defesa, buscando evitar, por exemplo, que o magistrado, na decisão de pronúncia, buscando refutar as teses defensivas, termine por ingressar no exame aprofundado das provas, influenciando, no futuro, a decisão dos jurados.
Trata-se de estratégia de duplo efeito: em primeiro lugar, quando assim agem, os defensores constituídos experimentados não desejam que o magistrado, ao pronunciar o réu – o que sabem ser inexorável pela prova produzida e uma vez que se cuida de mero juízo de admissibilidade da acusação –, ingresse em considerações mais aprofundadas sobre a prova, o que poderia enfraquecer a tese defensiva em plenário. Em segundo lugar, muitos deles não pretendem adiantar ao órgão acusatório – e não precisam, de fato, fazê-lo – qual será a linha defensiva, reservada para o momento crucial e decisivo do julgamento, diante do juiz natural da causa, que é o Conselho de Sentença. Assim, com essa ilustração, verifica-se que o defensor constituído está fora da exigência feita pelo parágrafo único do art. 261, não significando que toda e qualquer de suas manifestações possa ser desmotivada e sem fundamentação, dependendo, pois, do caso concreto.
Por outro lado, o defensor público e o dativo são profissionais patrocinados pelo Estado para a defesa do acusado hipossuficiente. Não podendo pagar advogado, vale-se o réu do disposto no art. 5.°, LXXIV, da Constituição Federal: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Ora, para tanto, o mínimo que se espera é um desempenho positivo e confiável, já que não foi o profissional eleito pelo réu. Para que sua eficiência possa ser mais bem analisada e fiscalizada nada mais indicado do que exigir que todas as suas manifestações nos autos sejam fundamentadas.
Logo, o defensor público e o dativo não podem, pretendendo desenvolver “estratégias”, ter a mesma liberdade do constituído, devendo expor suas ideias, concordando com pedidos ou rejeitando requerimentos da parte contrária, ou ainda respondendo a despachos do juiz, através de esclarecimentos motivados. Nada mais justo, por se tratar de profissional nomeado pelo magistrado para atuar em defesa de pessoa que não o escolheu diretamente. A manifestação de defensor público ou dativo sem a devida fundamentação, como passa a exigir este artigo, é causa de nulidade relativa, isto é, depende da prova de haver prejuízo para o réu. Lembremos que a falta de defesa gera nulidade absoluta, enquanto que a deficiência, nulidade relativa.
Quando necessária, pois o réu pode não possuir defensor constituído, a nomeação de defensor dativo é ato exclusivo do magistrado. O processo penal é regido pelo princípio da prevalência do interesse do réu, bem como pelo devido processo legal, que envolve a ampla defesa como seu corolário obrigatório (art. 263, CPP).
Por isso, o juiz deve zelar pelo fiel exercício da ampla e eficaz defesa, cuidando de garantir ao acusado todos os meios possíveis e legítimos para tanto. Não tem o menor cabimento que outros órgãos interfiram na nomeação, obrigando o juiz a acolher um defensor qualquer ao réu. A submissão a tal proposta poderia levar à anulação do feito, a partir do instante em que o magistrado detectasse ser o advogado indicado pela OAB, pela Procuradoria do Estado ou pela Defensoria Pública inábil para a função, declarando o réu indefeso e nomeando-lhe outro defensor, o que é incompatível com a economia processual.
Assim, caso confie nos critérios de indicação de profissional habilitado à defesa dos réus de sua Vara, pode o juiz oficiar ao órgão de classe pertinente solicitando a indicação de um advogado, que será, então, nomeado. Mas, verificando que as indicações não têm atendido ao interesse público, que é garantir uma defesa eficiente, pode escolher qualquer profissional da lista que possuir em mãos. A única consequência que pode haver, caso não cumpra a ordem da listagem remetida pela OAB, pela Procuradoria do Estado ou pela Defensoria Pública é a não percepção imediata de remuneração pelo profissional, por ter havido infringência aos critérios do convênio de prestação de assistência judiciária. Pode, então, o defensor nomeado acionar o Estado para receber o que lhe é devido.
A despeito da nomeação feita pelo magistrado, a qualquer tempo pode o acusado, o que é consequência lógica da sua situação e dos direitos constitucionais que possui, nomear outro profissional de sua confiança, ou mesmo defender-se sozinho, caso seja advogado (art. 263, CPP). Entretanto, nem mesmo o réu interfere diretamente na nomeação do dativo pelo magistrado. Confira-se a lição de ROGÉRIO LAURIA TUCCI: “O fato de poder o acusado, a quem tenha sido dado defensor ex officio, nomear outro de sua confiança, ‘a todo tempo’, não significa tenha ele direito à substituição do anteriormente designado, por novo defensor também nomeado pelo órgão jurisdicional: restringe-se, obviamente, o seu direito, à constituição de outro de sua confiança, em prol do aperfeiçoamento de sua defesa” (Habeas corpus, ação e processo penal, p. 179).
Quanto à possibilidade de se autodefender, caso possua habilitação técnica, não julgamos recomendável que tal se dê no plenário do Tribunal do Júri. Diante dos jurados, onde impera a plenitude de defesa, princípio mais forte do que a ampla defesa – feita perante o juiz togado –, é preciso que haja uma dissociação entre a figura do acusado e a de seu defensor. Afinal, no Tribunal Popular, os mínimos gestos de um e de outro são observados atentamente pelos jurados, além de se privilegiar o princípio da oralidade, com seus corolários – imediatidade, identidade física do juiz e concentração – exigindo que todo o julgamento se dê sem interrupção, a não ser para descanso dos envolvidos na sessão. Imagine-se a situação vexatória e impossível de ser conciliada com a plenitude de defesa, caso o réu, preso, sendo advogado, deseje defender-se e falar aos jurados, mormente quando o juiz presidente não autorize, por absoluta necessidade, a retirada das algemas.
E não somente isso, mas o momento dos debates entre acusação e defesa não prescinde do lado emocional e vibrante, algo que se tornaria inviável, não gerando credibilidade, caso o defensor faça referência a si mesmo, ressaltando suas qualidades aos jurados, enquanto o promotor, promovendo a acusação, critica o acusado com veemência, na verdade também o defensor. Enfim, deve ser coibida essa hipótese, em seguimento à plenitude de defesa e para a proteção do próprio réu. O juiz togado pode até dissociar, em seu julgamento, a figura do réu dos argumentos tecidos pela sua defesa, no caso do acusado atuar em sua causa própria, mas os juízes leigos, no Tribunal do Júri, dificilmente conseguirão evitar a identificação entre um e outro, o que poderá ferir, seriamente, a plenitude de defesa.
No tocante ao custeio da defesa, dispõe a Constituição Federal que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5.°, LXXIV), significando que o encargo não é geral, mas específico. Réus pobres têm o direito fundamental de obter defesa técnica gratuita nos processos criminais, mas aqueles que, favorecidos economicamente, não desejando contratar advogado, por razões variadas, obrigarem o juiz a nomear um defensor dativo ou mesmo um membro da defensoria pública, devem ser responsabilizados pelos honorários do profissional. Pode o Estado antecipar o pagamento do dativo, mas o ressarcimento há de ser exigido diretamente do acusado, em ação à parte. Quanto aos defensores públicos, do mesmo modo, estão eles obrigados a atuar em defesa daquele que não quer ser defendido, pois o direito é indisponível, mas o Estado cobrará os honorários devidos, igualmente (art. 263, parágrafo único, CPP).
Dispõe o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, art. 34) que constitui infração disciplinar: “XII – recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública”. E preceitua, ainda, que “o advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado” (art. 22, § 1.°).
Logo, em primeiro lugar, deve-se observar que a nomeação do defensor, para o patrocínio de qualquer causa, somente ocorrerá quando, na Comarca, não houver órgão da Defensoria Pública (ou Procuradoria do Estado, com serviço de assistência judiciária). Nesse caso, deve o advogado aceitar a incumbência, a menos que demonstre a total impossibilidade, aduzindo motivos plausíveis (art. 264, CPP). E, se atuar, deve ser remunerado pelos seus serviços, seja pelo próprio réu – quando tiver condições econômicas – seja pelo Estado, conforme tabela organizada pela OAB. Na prática, os juízes evitam nomear advogados conceituados, que possuem grande clientela, pois isso iria sobrecarregá-los ainda mais, dando preferência para os que estão disponíveis, por livre iniciativa, a atender aos réus carentes. Por outro lado, em alguns lugares, há um convênio entre a OAB e a Procuradoria de Assistência Judiciária, estabelecendo uma lista de profissionais dispostos a aceitar a nomeação, conforme a área de atuação, bem como existe uma tabela que serve de baliza para a fixação dos honorários a ser feita pelo magistrado.
Ressalte-se ser inviável a nomeação de estagiários para patrocinar causas criminais, pois tal providência é vedada pelo Estatuto da Advocacia, mormente se estiver desacompanhado de advogado (art. 3.°, § 2.°).
Eventual desligamento do defensor da causa somente pode dar-se por motivo imperioso, havendo comunicação prévia ao juiz (art. 265, caput, do CPP, com a redação dada pela Lei 11.719/2008). Se o motivo não for considerado relevante ou não se fizer a comunicação exigida, poderá ser imposta a multa de 10 a 100 salários mínimos, conforme a condição econômica do advogado. Além disso, deve o magistrado oficiar à OAB ou à Defensoria Pública, para que medidas administrativas possam ser tomadas.
Na realidade, trata-se de direito do profissional deixar de patrocinar a defesa do réu, por motivos variados, inclusive de foro íntimo, desde que cumpra, também, o disposto na Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia): “O advogado que renunciar ao mandato continuará, durante os 10 (dez) dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo” (art. 5.°, § 3.°). Embora a menção seja feita à renúncia ao mandato, é natural que possa também o dativo recusar-se a continuar na causa, desde que comunique tal fato ao juiz e aguarde a nomeação de outro defensor.
A nomeação de defensor substituto ou ad hoc (para o ato) ocorrerá quando houver ausência injustificada do defensor, constituído ou dativo, regularmente intimado para determinado ato processual, especialmente audiências de instrução, de forma a não impedir a sua realização (art. 265, § 2.°, CPP).
A lei processual penal dizia que a falta de comparecimento não determinaria o adiamento do ato, ainda que fosse ausência motivada. Essa situação configurava um exagero, podendo implicar sério gravame ao direito à ampla defesa, que todo réu possui.
Alterada a redação do art. 265, inseriu-se o § 1.° (Lei 11.719/2008): “a audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer”. A nova disposição é correta e deve ser implementada, desde que o defensor prove o seu impedimento até a abertura da audiência (art. 265, § 2.°, CPP). Se não o fizer, o ato será realizado com a presença do defensor substituto.
Por outro lado, quando se tratar de atos fundamentais do processo, como audiência de debates e julgamento ou plenário do júri, não há possibilidade de se nomear defensor ad hoc, pois haveria evidente prejuízo para a defesa do réu. Deve-se adiar a audiência, comunicando-se a falta injustificada à OAB ou à Defensoria Pública, para as medidas disciplinares cabíveis. Persistindo a falta em julgamento posterior, pode o magistrado declarar o acusado indefeso, nomeando-lhe substituto, após dar-lhe prazo para escolher outro profissional para defendê-lo. Acrescente-se, ainda, que, se a falta imotivada for de defensor dativo, pode o magistrado substituí-lo definitivamente.
Atualmente, foram instituídas as denominadas audiências únicas para o procedimento comum e também para a fase de formação da culpa, no procedimento especial do júri. Significa, portanto, que toda a prova será colhida num único dia e, na sequência, dar-se-ão os debates e julgamento. A ausência do defensor do réu nessa data, especialmente se for constituído, mesmo que imotivada, deve provocar apenas a colheita da prova. Não se deve admitir a realização dos debates e julgamento, uma vez que o defensor substituto (ou ad hoc) pode não ter preparo suficiente, nem contato razoável com o acusado, para conduzir os debates e invocar teses defensivas seguras em nome do réu. Acrescente-se, ainda, que, conforme o grau de complexidade da causa, nem mesmo a coleta da prova deverá ser feita, pois a ampla defesa pode ser seriamente prejudicada. Nessa hipótese, declara-se indefeso o réu, nomeando-se outro defensor ou indicando-lhe um defensor público, porém, deve-se adiar a audiência para outra data.
É possível que o réu indique seu defensor por meio do instrumento de mandato ou prefira fazê-lo no termo da audiência. A nomeação diretamente no termo chama-se apud acta.
Na esteira do que já se viu, quanto ao parentesco entre juiz e defensor (art. 252, I, CPP), não pode funcionar no processo, como advogado do réu, o familiar do magistrado (art. 267, CPP). A diferença daquele artigo (252, I) para este (267), é que, naquela hipótese, o juiz torna-se impedido, pois o seu parente já atuou ou está atuando como defensor. Neste caso, é o advogado que não pode ingressar, uma vez que o magistrado já se encontra, anteriormente, atuando no processo.
Dispõe o art. 262 do Código de Processo Penal que “ao acusado menor dar-se-á curador”. Essa norma não tem mais aplicação, não somente pelo preceituado no art. 5.° do Código Civil (Lei 10.406/2002), que considera maior, para todos os fins, a pessoa que atinja 18 anos, mas sobretudo pela modificação introduzida pela Lei 10.792/2003, que revogou expressamente o art. 194 do CPP, justamente a norma que previa a mesma situação por ocasião do interrogatório. Ora, se o juiz não está mais obrigado a nomear curador para a realização do interrogatório, é natural que o art. 262 tenha perdido a eficácia.
Ademais, o acusado, maior de 18 anos, é plenamente capaz para todos os atos da vida civil, não possuindo mais representante legal, nem sendo, obviamente, necessária a nomeação de curador para acompanhá-lo em qualquer ato do processo.
É a posição ocupada pelo ofendido, quando ingressa no feito, atuando, ao lado do Ministério Público, no polo ativo. Trata-se de sujeito e parte secundária na relação processual. Não intervém obrigatoriamente, mas, fazendo-o, exerce nitidamente o direito de agir, manifestando pretensão contraposta à do acusado.
A posição da vítima, no processo penal, atuando como assistente de acusação, não mais pode ser analisada como o mero intuito de conseguir a sentença condenatória, para que sirva de título executivo judicial a ser deduzido no cível, em ação civil ex delicto, tendo por objetivo a reparação do dano.
Como explica BENTO DE FARIA, “não é, portanto, mero auxiliar da acusação, pois atua com o direito de agir, desde que lhe é assegurado o de recorrer (...) até então deferido unicamente ao Promotor Público. A circunstância de não haver se antecipado no oferecimento da queixa não importa na desistência do direito de também pedir a pena no interesse público. Cooperar assim na repressão do crime, não transforma a posição do assistente em oponente, nem expressa a consagração do direito de vingança. O interesse social que orienta a sua atividade havia de repelir semelhante conceituação, tanto mais quando esse direito não é assegurado a qualquer, mas tão somente deferido à vítima da ofensa” (Código de Processo Penal, v. 2, p. 21).
E, na mesma ótica, confira-se a lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES: “Pensamos, porém, que o assistente também intervém no processo com a finalidade de cooperar com a justiça, figurando como assistente do MP ad coadjuvandum. Assim, com relação à condenação, o ofendido tem o mesmo interesse-utilidade da parte principal na justa aplicação da pena. Já com relação à revogação de benefícios penais, como o sursis, a atividade de colaboração do ofendido com a justiça esgota-se, no nosso sistema processual, com a condenação (art. 598, CPP), não se podendo vislumbrar seu interesse na modificação de benefícios inerentes à execução da pena” (Recursos no processo penal, p. 88).
É ele o principal interessado a pleitear sua inclusão como assistente de acusação, embora o art. 268 do Código de Processo Penal preveja, ainda, como legitimados, os seus sucessores, em caso de morte: cônjuge (incluindo-se companheiro/a), ascendente, descendente e irmão.
Assim, embora o direito de punir seja unicamente do Estado e legitimado, para a ação penal, seja o Ministério Público, como seu representante, nos casos de ação pública, é cabível a formação de litisconsórcio ativo, integrando o polo ativo a vítima do crime.
Quando se trata de ação penal privada exclusiva ou subsidiária da pública, estando o ofendido no polo ativo, exercendo o direito de ação, o Ministério Público ingressa, obrigatoriamente, no feito como fiscal da lei, atuando, também, como parte, embora não seja assistente do querelante.
Na ação penal privada exclusiva, é incabível a intervenção de assistente, pois o ofendido já ocupa a posição de dominus litis, ou seja, é a parte legitimada a ajuizar a ação penal, não tendo cabimento ser assistido por si mesmo.
Anote-se a desnecessidade de se mencionar a figura do representante legal do ofendido, pois este somente ingressa, nos autos, como assistente, em nome da vítima incapacitada de defender seu direito sozinha. Logo, não agindo em nome próprio, basta a menção à pessoa do ofendido.
Quando houver interesse na assistência por parte de mais de um sucessor habilitado, ingressam todos, desde que respeitada a ordem prevista no art. 31 do Código de Processo Penal. Imagine-se um casal separado, cujo filho tenha sido assassinado. Não acordando a respeito de quem ingressará no polo ativo, como assistente de acusação, nada impede que o juiz admita tanto o pai, quanto a mãe, cada qual representado por um advogado diferente.
Cremos admissível o ingresso de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, como assistentes de acusação, diante do interesse público presente. Afinal, utiliza-se a aplicação analógica ao disposto no art. 2.°, § 1.°, do Decreto-lei 201/67, que prevê: “Os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da responsabilidade do Prefeito, podem requerer a abertura de inquérito policial ou a instauração da ação penal pelo Ministério Público, bem como intervir, em qualquer fase do processo, como assistente da acusação”.
Logo, outras hipóteses podem surgir, dando ensejo a que algum órgão federal, estadual ou municipal tenha interesse em acompanhar o feito, contra determinado réu, como assistente de acusação. Pouco importa seja o Ministério Público também um órgão do Estado, já que é considerado uma instituição permanente essencial à Justiça, mas que não integra os quadros de nenhum dos Poderes de Estado. Ademais, dispõe o art. 81, caput, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que “a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo”. E, no art. 82, que “para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I – o Ministério Público; II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III – as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código; IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear”. Estão legitimados outros entes, que não o Ministério Público, para a proteção do consumidor em juízo, inclusive na esfera criminal.
Ainda ilustrando, pode-se mencionar o disposto no art. 26, parágrafo único, da Lei 7.492/86: “Sem prejuízo do disposto no art. 268 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, será admitida a assistência da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa Autarquia, e do Banco Central do Brasil quando, fora daquela hipótese, houver sido cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e fiscalização” (grifamos).
Outras situações podem surgir, como já mencionamos, ainda que por aplicação da analogia. Contrariamente à intervenção de órgãos do Poder Público como assistentes de acusação: TOURINHO Filho (Código de Processo Penal comentado, v. 1, p. 486); MIRABETE (Código de Processo Penal interpretado, p. 352). Adotando a possibilidade do ingresso: PAULO LÚCIO NOGUEIRA (Curso completo de processo penal, p. 261-262), VICENTE GRECO FILHO (Manual de processo penal, p. 223).
Trata-se de hipótese atualmente prevista no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), no art. 49: “Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta Lei. Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB”.
O dispositivo deve ser adaptado ao contexto do processo penal, tornando possível que a OAB deseje atuar como assistente de acusação em caso envolvendo advogado como réu, cuja demanda desperte o interesse de toda a classe dos advogados. Entretanto, é preciso salientar que a Lei 8.906/94 autoriza, expressamente, a assistência, também, do advogado que seja réu ou querelado, pois refere-se à intervenção em inquéritos e processos em que sejam indiciados (nítida hipótese criminal), acusados ou ofendidos (em igual prisma) os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil.
Dessa forma, nos moldes propostos pelo Código de Processo Civil, aplicado por analogia neste caso de lacuna do Processo Penal, a OAB pode atuar como assistente da defesa, quando possui interesse de que a sentença seja favorável ao réu-advogado (art. 50, CPC).
É a regra do ingresso do assistente de acusação, evitando-se tumultos indevidos e a propositura de novas provas ou outras diligências, que somente fariam o procedimento inverter o seu curso, o que é inadmissível. Assim, a partir do recebimento da denúncia, até o trânsito em julgado da decisão, pode haver o ingresso do assistente, mas sem qualquer tipo de regressão no desenvolvimento regular da instrução (art. 269, CPP).
Durante o curso do inquérito policial, não se admite o ingresso de assistente de acusação, pois não há interesse algum do ofendido em participar das investigações preliminares ao eventual processo. Afinal, o inquérito é inquisitivo e dele nem mesmo toma parte ativa o indiciado, como regra, devendo aguardar o início da ação penal para manifestar o seu interesse em dela participar.
Trata-se de hipótese inviável e, por isso, vetada pela lei (art. 270, CPP). Não tem o menor cabimento o corréu pretender a condenação de quem agiu juntamente com ele para a prática da infração penal. O espírito poderia ser de pura emulação ou vingança. Imagine-se, no caso de separação dos processos, que um corréu já tenha sido julgado e condenado. Para buscar a condenação de comparsa seu, que inclusive delatou, pleiteia a intervenção como assistente de acusação. Nota-se, pois, flagrante abuso, visto que seu interesse não é justificado, como ocorre com o ofendido pela prática da infração penal.
O mesmo vale para a situação em que os corréus ocupam as posições de autores e vítimas da infração penal, como ocorre no caso de lesões recíprocas. Andou bem o legislador ao vedar-lhe tal possibilidade.
Entretanto, é admissível a interposição de recurso de corréu contra a absolvição de outro, desde que o Ministério Público não tenha recorrido. Pensemos na hipótese de um corréu ser condenado e o outro absolvido. Se tiver o promotor apresentado apelação contra a absolvição, nada tem o corréu condenado a fazer (nem mesmo vai arrazoar o recurso, pois isso seria o equivalente a admiti-lo como assistente, o que é legalmente vedado), mas nada o impede de interpor recurso, pleiteando a condenação do outro, que foi absolvido, se o representante do Ministério Público deixou de fazê-lo. Concordamos com a lição de TOURINHO FILHO, que menciona, ainda, as posições de FREDERICO MARQUES e ESPÍNOLA FILHO: “Uma vez que o Juiz proferiu sentença e o Promotor com ela concordou, qual a razão que poderá impedir o corréu condenado de se insurgir contra a absolvição do outro? Nenhuma. (...) E vamos mais longe: se ambos forem absolvidos sem recurso do Ministério Público, nada impede possam interpor apelo, porquanto já não subsistem as razões que os impediam de intervir como assistentes de acusação” (Código de Processo Penal comentado, v. 1, p. 490).
Segundo o disposto no art. 271 do Código de Processo Penal, são atribuições do assistente: a) propor meios de prova; b) requerer perguntas às testemunhas; c) aditar o libelo-crime acusatório e os articulados; d) participar do debate oral; e) arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, conforme o caso. Lembremos que o libelo foi suprimido pela Lei 11.689/2008.
Quanto ao direito de reperguntar, tem o assistente o direito de propor perguntas não somente às testemunhas, mas também às pessoas que forem ouvidas como simples declarantes.
No caso de aditamento ao libelo, peça não mais existente, pouco lhe resta a fazer, a não ser, por exemplo, apresentar outras testemunhas para serem ouvidas em plenário, caso o Ministério Público não tenha esgotado o número legal, que é de cinco (art. 422, CPP). O chamado aditamento de articulado não tem aplicação, pois esta forma processual, na realidade, é a peça denominada alegações finais, que o assistente de acusação apresenta individualmente e não em complementação à do Ministério Público.
O direito de debater oralmente ocorre nos procedimentos ordinário, sumário e sumaríssimo. No Tribunal do Júri, deve dividir o tempo com o promotor. Caso haja divergência quanto a isso, quem deve decidir é o juiz presidente, mas sem retirar a possibilidade do assistente manifestar-se.
Além do direito de arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, pode o assistente de acusação apresentar os seus diretamente, nas seguintes hipóteses: a) decisão de impronúncia (art. 584, § 1.°, atualmente, impugnada por apelação); b) julgamento de extinção da punibilidade (art. 584, § 1.°); c) sentença absolutória (art. 598); d) sentença condenatória visando ao aumento de pena (esta última situação é controversa e será melhor analisada no capítulo referente aos recursos). Como decorrência lógica da possibilidade de interpor alguns recursos, é possível, ainda, conferir-se ao assistente legitimidade para ingressar com carta testemunhável, embargos de declaração e recursos especial e extraordinário.
Sobre o tema, confira-se o disposto nas seguintes Súmulas do Supremo Tribunal Federal: 208 – “O assistente do Ministério Público não pode recorrer, extraordinariamente, de decisão concessiva de habeas corpus”; 210 – “O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1.°, e 598 do Código de Processo Penal”.
O direito de propor meios de provas decorre da sua ativa participação no polo ativo da demanda. Não se pode verdadeiramente assistir alguém, sem que haja instrumentos a tanto. Ouve-se o Ministério Público, antes da decisão, a fim de se evitar tumulto causado pelo assistente, ao propor provas, por exemplo, indevidas ou prejudiciais à posição acusatória (art. 271, § 1.°, CPP).
Uma vez admitido no processo, deve o assistente, através do seu advogado, ser intimado para todos os atos que devam se realizar no feito, como é o caso das audiências de instrução. Entretanto, se deixar de comparecer a qualquer deles, para os quais tenha sido regularmente cientificado, sem fornecer a devida justificativa, não mais será intimado. Sua função de auxiliar da acusação não é indispensável, sendo razoável que ele zele pela sua participação, não abandonando a causa sem justa razão. Se o fizer, não é desabilitado, mas não será mais intimado (art. 271, § 2.°, CPP).
Sobre a possibilidade de o assistente de acusação arrolar testemunhas
Em nosso entender, tratando-se de um meio de prova (Capítulo VI, do Título VII, do Código de Processo Penal), logicamente, pode o assistente de acusação arrolar testemunhas.
O único obstáculo que encontra é o número legal, fixado de modo equânime, tanto para a acusação, quanto para a defesa, bem como a tempestividade. Logo, somente quando o Ministério Público não esgota o número legal, que lhe é reservado, pode o assistente suprir o rol, acrescentando outras testemunhas. E deve fazê-lo até que ocorra o interrogatório do réu, uma vez que, após esse ato processual, nasce o direito da defesa de arrolar testemunhas e não mais da acusação. É o que defende ESPÍNOLA FILHO (Código de Processo Penal brasileiro anotado, v. 3, p. 274). Com a reforma penal de 2008, em lugar do interrogatório, que passa para o final da instrução, surge a defesa prévia, por escrito. Portanto, para essa posição, o assistente somente pode arrolar testemunhas até o oferecimento da defesa do réu.
Eventual intempestividade ou esgotamento do número legal não afasta a possibilidade de o assistente de acusação pleitear ao juiz que ouça alguém como testemunha do juízo, expediente que tanto o Ministério Público, quanto a defesa, utilizam. Como sustentamos já há jurisprudência: “Embora seja do melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial, que ao Assistente de Acusação é defeso arrolar testemunhas, é de se ter presente que, diante do que lhe é permitido propor pelo art. 271 do Código de Processo Penal, se arrolar testemunhas antes do início da instrução acusatória, em número que somado ao das arroladas na denúncia não ultrapasse o número legal, sem oposição do Ministério Público, não se vê porque não admitir o rol apresentado, principalmente sabendo-se que ao parquet é lícito desistir de testemunhas arroladas, substituí-las pelas não encontradas e até mesmo requerer a oitiva de testemunhas referidas” (TJSP, Cor. Parc. 326.492-3, São Paulo, 1.a C., rel. Raul Motta, 05.02.2001, v. u., JUBI 56/2001). Contrariamente estão as posições de Vicente Greco Filho, para quem “não pode, portanto, arrolar testemunhas, nem para completar o número legal, não só porque a oportunidade da acusação já está ultrapassada (foi na denúncia), mas também porque propor prova é diferente da faculdade das partes de arrolar testemunhas, que gera a presunção da pertinência da prova” (Manual de processo penal, p. 225) e Tourinho Filho (Código de Processo Penal comentado, v. 1, p. 491).
Somente deve dar-se em caso de falta de legitimação. Assim, quando o promotor insurgir-se contra a intervenção do assistente, por outras causas, deve o juiz admiti-lo. Não nos parece correto o entendimento daqueles que sustentam ser um juízo discricionário do representante do Ministério Público o ingresso, no feito, do assistente de acusação, baseado na conveniência e oportunidade do acompanhamento.
Narra MAGALHÃES NORONHA o seguinte: “O Ministério Público será sempre ouvido sobre o pedido de assistência, o que é natural, pois trata-se de auxílio à acusação, de reforço ao dominus litis, não podendo este deixar de opinar sobre a conveniência dele. Pessoalmente, quando Promotor Público, tivemos ocasião de impugnar o pedido de assistência do marido de meretriz assassinada, não se compreendendo tal presença no processo, em face da absoluta falta de idoneidade moral. Sua participação nos debates do plenário seria, realmente, magnífico reforço (...) à defesa” (Curso de direito processual penal, p. 145). Ficamos com a posição de ESPÍNOLA FILHO, mais consentânea, em nosso sentir, com a finalidade da previsão legal feita pelo Código de Processo Penal, admitindo o ingresso do ofendido no feito. Defende que a avaliação do promotor deve fundar-se, exclusivamente, no aspecto da legitimidade: “Parece-nos que é o único motivo, pelo qual pode ser recusado o assistente, e, se o órgão do Ministério Público se manifestar contrário, invocando a desnecessidade de auxílio, ou outro motivo desta ordem, o juiz, a quem cabe solucionar em caráter definitivo (sem possibilidade de qualquer recurso), o incidente, não deixará de apoiar a pretensão da parte privada, que se apresenta com qualidade legal para tomar tal posição” (Código de Processo Penal brasileiro anotado, v. 3, p. 272).
Note-se que foi conferida legitimidade para o ofendido ingressar com a ação penal, ainda que seja ela pública, quando o Ministério Público não o faz no prazo legal (art. 29, CPP), pouco interessando a idoneidade moral da vítima ou qualquer outro fator que não seja o seu interesse em ser aplicada justiça ao criminoso, razão pela qual, se foi o promotor o autor da ação, é justo que possa o ofendido auxiliá-lo nesse objetivo, aprecie ou não o dominus litis. No mesmo sentido defende MIRABETE, afirmando, ainda, que, se no curso do processo o assistente trair o “sentido teleológico da assistência, que é o de reforçar a acusação”, pode o Ministério Público solicitar a sua exclusão (Código de Processo Penal interpretado, p. 361).
O indeferimento do ingresso do assistente não comporta recurso específico (art. 273, CPP), mas tem a jurisprudência, com acerto, acolhido o uso do mandado de segurança. Afinal, é direito líquido e certo do ofendido, quando demonstre a sua condição documentalmente – ou de seus sucessores – ingressar no polo ativo, auxiliando a acusação. Não se compreende seja o juiz o árbitro único e último do exercício desse direito, podendo dar margem a abusos de toda ordem. Logo, o caminho possível a contornar esse dispositivo, que, aliás, é remédio constitucional, é o mandado de segurança (cf. VICENTE GRECO FILHO, Manual de processo penal, p. 224).
Serventuários e funcionários da justiça são termos correlatos, que designam os funcionários públicos, ocupando cargos criados por lei, percebendo vencimentos pagos pelo Estado, a serviço do Poder Judiciário. São os escrivães-diretores, escreventes, oficiais de justiça, auxiliares judiciários, dentre outros.
Segundo entendemos, não há sentido no disposto pelo art. 274 do Código de Processo Penal (regras de suspeição do juiz estendem-se aos funcionários), tendo em vista que os funcionários da justiça não exercem qualquer ato decisório, de repercussão para a parte, no processo.
Limitam-se a cumprir as ordens do juiz, sem qualquer poder de deliberação próprio. Embora possam lançar, nos autos, certidões que gozam de fé pública, é preciso ressaltar que estão sujeitos à corregedoria permanente do magistrado titular da Vara, razão pela qual qualquer desvio nessa função representará a instauração de processo administrativo. Logo, inexiste razão para o escrevente, que trabalha na sala de audiências, por exemplo, não poder atuar somente porque é amigo ou inimigo do réu. O ditado dos depoimentos será feito pelo magistrado, não havendo nada mais a fazer a não ser reduzir a termo.
Atualmente, a fiscalização que as partes exercem sobre o juiz e seus auxiliares é tão intensa que nem mesmo as afirmações feitas pelo magistrado, nos autos, escapa de uma impugnação ou de um questionamento. Não há presunção absoluta para os atos e certidões insertos no processo, todos passíveis de prova em contrário. Aliás, se o funcionário pode responder por corrupção ou prevaricação, quando colocar seus interesses particulares acima dos interesses públicos, no exercício da sua atividade, além de poder ser demitido por isso, não vemos razão para sujeitá-los às mesmas proibições feitas para o magistrado, pessoa encarregada de decidir a lide, que goza de vitaliciedade e, realmente, necessita atuar com imparcialidade absoluta.
É o especialista em determinada matéria, encarregado de servir como auxiliar da justiça, esclarecendo pontos específicos distantes do conhecimento jurídico do magistrado. O perito pode ser oficial – quando funcionário do Estado –, sendo-lhe dispensado o compromisso, pois investido na função por lei, ou nomeado pelo juiz, quando deverá ser compromissado a bem desempenhar a sua função.
É a pessoa conhecedora de determinados idiomas estrangeiros ou linguagens específicas, que serve de intermediário entre pessoa a ser ouvida em juízo e o magistrado e as partes. Atua como perito, devidamente compromissado a bem desempenhar a sua função.
Não há possibilidade legal de tal situação ocorrer. O magistrado não pode perder a sua imparcialidade, participando ativamente da produção da prova, razão pela qual, ainda que conheça o idioma estrangeiro, deve nomear intérprete; mesmo que conheça determinado assunto profundamente, jamais poderá emitir sua opinião como técnico.
Refere-se o art. 275 do Código de Processo Penal à obrigação que possui o perito, seja ele oficial (funcionário público) ou não oficial (de livre escolha do magistrado, porém nos termos disciplinados no art. 159, §§ 1.° e 2.°, do CPP), de cumprir fielmente seu encargo, servindo de auxiliar do juiz na verificação e análise de fatos para os quais se exige conhecimento específico.
A disciplina judiciária o coloca em pé de igualdade com os demais funcionários públicos, ainda que se trate de perito não oficial, podendo responder pelos crimes previstos no Capítulo I do Título XI da Parte Especial do Código Penal (ver a nota 210 ao art. 327 do nosso Código Penal comentado).
Note-se, ainda, porque pertinente, o disposto no art. 147 do Código de Processo Civil: “O perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas, responderá pelos prejuízos que causar à parte, ficará inabilitado, por 2 (dois) anos, a funcionar em outras perícias e incorrerá na sanção que a lei penal estabelecer”. Aliás, quanto ao perito não oficial, o que é praticamente regra no processo civil, inovou o art. 422 do Código de Processo Civil, com a redação determinada pela Lei 8.455/92, permitindo que o perito nomeado pelo magistrado exerça seu encargo independentemente do termo de compromisso, lavrado em cartório. Isso não quer dizer que não é compromissado a bem desempenhar sua função, mas sim que é dispensável o termo, uma vez que o compromisso advém da lei. Assim, o despacho de nomeação é suficiente para gerá-lo. No processo penal, entretanto, permanece a exigência do termo de compromisso, em face do disposto no art. 159, § 2.°, do CPP.
Trata-se do princípio regente em processo penal, desvestindo as partes do direito de sugerir nomes para a função de perito, até mesmo porque, atualmente, a grande maioria dos expertos é oficial, independendo de qualquer tipo de nomeação ou compromisso. São funcionários do Estado, embora considerados auxiliares da justiça, quando atuam no processo.
Passou a existir a possibilidade de indicação de assistentes técnicos, bem como o oferecimento de quesitos pelas partes (art. 159, § 3.°, CPP).
Deve-se utilizar o preceituado no art. 277 do CPP (obrigatoriedade do perito de aceitar a nomeação feita pelo juiz) com a máxima prudência, pois o juiz não deve exigir de determinados profissionais encargos, que lhes poderão retirar tempo útil, sem a devida remuneração, o que raramente acontece no processo criminal – diversamente do cível, quando as partes podem suportar os salários periciais.
Por outro lado, a multa prevista no mencionado art. 277, por não ter sido atualizado, é inaplicável. E mais uma vez, frise-se: a maioria das perícias feitas, nos dias de hoje, é oficial, de modo que seria impossível a recusa do funcionário público de cumprir com o seu dever, sob pena de responsabilização funcional.
A lei prevê a possibilidade de condução coercitiva de peritos para a realização de seu trabalho (art. 278, CPP). Ora, tal situação somente teria, em tese, aplicabilidade se falarmos dos peritos não oficiais, uma vez que os oficiais devem cumprir com zelo os seus deveres, sob pena de responderem funcionalmente, sujeitos que estão às mais diversas penalidades administrativas.
Aliás, parece-nos um dispositivo de pouca valia, pois de que adianta obrigar um profissional qualquer a realizar um laudo a contragosto, se é ele justamente o encarregado de auxiliar o juiz no seu esclarecimento sobre matéria que lhe é desconhecida? Mais eficaz é nomear outro profissional, menos renitente, para o desempenho da função, em nome do interesse da justiça e das partes.
Não podem exercer a função de perito aqueles que estiverem cumprindo pena restritiva de direitos (art. 47, I e II, CP), impeditiva do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de profissão, atividade ou ofício que dependa de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público.
O mesmo se dá caso o perito já tenha participado do processo como testemunha ou tenha dado sua opinião sobre o caso em oportunidade anterior (art. 112 c/c art. 252, II e III, e art. 254, IV, CPP).
São inviabilizados para atuar como peritos os analfabetos e os menores de 21 anos (art. 279, III, CPP). A disposição, atualmente, é praticamente vazia de conteúdo e aplicabilidade. Os peritos oficiais são concursados e, como regra, preenchem os requisitos legais para o exercício de sua função. Os não oficiais devem, no mínimo, possuir curso superior (art. 159, § 1.°, CPP), condição que analfabetos não preenchem e, raramente, os menores de 21 anos. Aliás, com a edição do novo Código Civil, considerando o maior de 18 anos plenamente capaz para todos os atos da vida civil, não teria sentido proibir alguém de exercer a função de perito somente porque contaria, por exemplo, com 20 anos de idade.
Estão os técnicos habilitados a auxiliar o juiz na compreensão e conhecimento de determinadas matérias específicas e sujeitos às mesmas regras de suspeição dos juízes (art. 254, CPP), o que é razoável. Eles detêm enorme influência no poder decisório do magistrado, na esfera criminal, influindo consideravelmente na solução da causa, razão pela qual devem agir com total imparcialidade, o que poderia não ocorrer, estando presente alguma das causas de suspeição previstas em lei.
E toda a disciplina dos peritos é aplicável aos intérpretes, também auxiliares do juiz, na compreensão de idiomas e linguagens estranhas, merecendo, pois, atuar com imparcialidade e ter conhecimento suficiente a tanto.
Síntese
Juiz: é sujeito na relação processual, mas não parte. Atua suprapartes, com visão totalmente imparcial, fazendo valer a lei ao caso concreto.
Ministério Público: é parte, figurando ora no polo ativo, conduzindo a demanda, ora como fiscal da lei, nas ações penais privadas. Pode-se denominá-lo de parte imparcial, uma vez que não está vinculado necessariamente à defesa de propostas prejudiciais ao réu.
Acusado: é parte na relação processual, figurando no polo passivo.
Defensor: não é parte, mas representante do acusado. Excepcionalmente, quando o réu for advogado e quiser promover a sua própria defesa, torna-se parte. Está sempre vinculado à defesa dos interesses do réu, constituindo parte parcial.
Curador: não há mais no processo penal para o acusado menor de 21 anos. Pode existir apenas para o réu considerado incapaz por outras causas, como enfermidade mental.
Assistente de acusação: é a posição ocupada pelo ofendido, que atua no polo ativo, ao lado do Ministério Público. Pode ser atuação desenvolvida pelos sucessores do ofendido (cônjuge, companheiro ou companheira, ascendente, descendente ou irmão). Excepcionalmente, a posição pode ser ocupada por pessoas jurídicas de direito público ou privado interessadas na defesa de determinados interesses, como órgãos de defesa do consumidor.
Funcionário da justiça: são os funcionários públicos que ocupam cargos criados por lei, percebendo vencimentos do Estado, a serviço do Poder Judiciário.
Perito: é o especialista em determinada matéria, encarregado de servir como auxiliar da justiça, esclarecendo temas de interesse ao processo penal, sempre da confiança do juiz.
Intérprete: é o especialista em idiomas estrangeiros ou determinada forma de linguagem, que serve de intermediário entre pessoa a ser ouvida e o magistrado e as partes, devendo igualmente ser da confiança do magistrado.