A neurose ordinária resulta de um Édipo mal recalcado; a neurose mórbida, de um Édipo traumático

Cada recém-chegado ao mundo está imbuído do dever de consumar o complexo de Édipo; quem não consegue está fadado à neurose.

Na raiz de todo sintoma, encontramos impressões traumáticas que têm origem na vida sexual infantil.

SIGMUND FREUD

Antes de tudo, o que é uma neurose? É um sofrimento psíquico provocado pela coexistência de sentimentos contraditórios de amor, ódio, medo e desejos incestuosos para com quem se ama e de quem se depende. Seguindo essa definição, diremos então que o Édipo não apenas está, como veremos, na origem das neuroses de adultos, como ele próprio é uma neurose, a primeira neurose saudável na vida de um indivíduo, a segunda sendo a crise da adolescência. Mas em que o Édipo é uma neurose? Tudo reside na defasagem entre um eu infantil em formação e um afluxo pulsional transbordante. O eu da criança ainda não dispõe de meios para conter a escalada impetuosa de seus desejos. Esse esforço do eu para conter e assimilar o arrebatamento do desejo traduz-se na criancinha por sentimentos, palavras e comportamentos contraditórios em relação aos pais. Essa atitude ambivalente, até mesmo incoerente da criança, vai instalar-se duradouramente na personalidade do sujeito como um modelo de todas as atitudes que ele adotará, adulto, diante daqueles que despertarem nele o desejo de possuir o outro, ser possuído por ele ou destruí-lo. Eis por que podemos dizer que nossos conflitos mais cotidianos e sempre inevitáveis com quem nos cerca não passam dos prolongamentos naturais, quase reflexos, de nossa neurose infantil conhecida como complexo de Édipo. Em outros termos, nossos conflitos cotidianos provêm do fato de que, no seio de nossos sentimentos mais nobres e mais castos a respeito daqueles que amamos, agitam-se desejos sexuais incestuosos. A crispação da nossa neurose atual é portanto provocada pela impossibilidade de realizar plenamente ou, ao contrário, evitar totalmente nossos impulsos incestuosos. Assim, diremos que o Édipo, primeira neurose saudável da vida, está na origem de nossa penosa neurose ordinária de adulto – neurose penosa decerto, mas, pesando tudo, tolerável e, por que não, uma defesa contra a loucura pulsional que sempre ameaça irromper em cada um de nós.

Isto posto, pode acontecer, e é freqüente, de durante o período edipiano a criança ser arrebatada por sensações de prazer ou dor muito intensas e que essas sensações a marquem para sempre como traumas indeléveis. Pois bem, esses traumas infantis serão a causa não de uma neurose ordinária, mas de uma neurose mórbida que se instala na adolescência e persiste na idade adulta. Em suma, distingo duas grandes variantes do retorno neurótico do Édipo na idade adulta: a neurose ordinária e a neurose mórbida.A neurose ordinária, portanto, consiste no conflito com as criaturas que amamos intimamente porque continuamos sempre a desejá-las com ardor. Essa neurose de todos os dias, perfeitamente compatível com uma vida social aberta e criativa, é resultado da dessexualização insuficiente dos pais edipianos. As fantasias infantis de prazer e angústia mal recalcadas preservaram toda sua virulência e geraram essa neurose cotidiana presente em todos nós.

O outro tipo de distúrbio neurótico é a neurose mórbida e patológica, que, ao contrário, manifesta-se por sintomas recorrentes que encerram o sujeito em uma solidão narcísica e doentia. Esse sofrimento, seja fóbico, obsessivo ou histérico, é provocado por um fator mais grave que o recalcamento insuficiente das fantasias edipianas. Trata-se dos traumas singulares advindos em pleno período do Édipo. Que traumas? Em primeiro lugar, o de um abandono real ou imaginário, que provoca imensa aflição na criança. Essa fantasia infantil de abandono resultará na fobia do adulto. Outro trauma possível é o dos maus-tratos, reais ou imaginários, que infligem uma dolorosa humilhação à criança. Essa fantasia de maus-tratos e de humilhação resultará na obsessão. Terceiro trauma, enfim, o mais espantoso, aquele em que a criança experimenta, durante um contato excessivamente sensual com o adulto de quem depende, um intenso e sufocante prazer. Essa fantasia de sedução resultará na histeria. Quer se trate da aflição do abandono, da humilhação por maus-tratos ou da sufocação ligada à sedução, estamos sempre na presença da angústia de castração sob a forma mais mórbida, que confina com um terror de castração. Diremos, portanto, que a fobia, a obsessão e a histeria são os diferentes modos de retorno do Édipo traumático à idade adulta. Acrescento que essas três categorias de neuroses nunca aparecem isoladas e puras, e sim imbricam-se à maneira de uma neurose mista de predominância fóbica, histérica ou obsessiva. Observemos também que esses traumas edipianos foram às vezes sofridos não pela própria criança, mas por um ascendente que lhe transmitiu inconscientemente a angústia de um choque traumático. Uma mulher sofrendo de agorafobia crônica, por exemplo, declara nunca ter sido abandonada em sua infância, mas descobre, ao longo da análise, que sua mãe fora, ainda pequena, vítima de um abandono brutal durante a guerra. Eis um caso de transmissão transgeracional de uma fantasia de abandono geradora de uma fobia.

Dizíamos então que a neurose patológica, tanto no homem quanto na mulher, é o retorno, na idade adulta, da angústia de castração traumatizante, vivida durante a infância. Segundo o modo de retorno dessa angústia surgirá um sofrimento neurótico específico (ver FIGURA 4. Clinicamente falando, se estivermos em presença de um paciente fóbico, deveremos interrogar sua infância para nela descobrir um eventual incidente em que ele teria ficado angustiado por um brutal abandono, seja este abandono real ou imaginário. Se nosso paciente for histérico, é outra recordação traumática que deveremos procurar. Dessa vez, o analisando lembra-se de ter se assustado não mais com um abandono, mas com outra violência bem mais sutil e insidiosa. Lembra-se de ter sido cativado e excitado por um adulto sedutor – pai, mãe, irmão mais velho ou amigo da família. A propósito desse trauma na origem da histeria, o leitor pode se reportar às páginas 118-20 e, em particular, à FIGURA 6. Enfim, se escutarmos um paciente obsessivo, será sempre uma recordação que deveremos descobrir, mas cuja cena mostra uma criança impotente e furiosa, temendo as represálias do pai por um erro que ignora. Em suma, quer se trate de fobia, histeria ou obsessão, o sofrimento de um neurótico é explicado por sua necessidade de repetir compulsivamente a mesma situação na qual sofreu o impacto de uma angústia traumática. Em outras palavras, a neurose é o retorno compulsivo de uma fantasia infantil de angústia de castração.

Assim, concluiremos que, no caso da neurose masculina, a fobia é o retorno, na idade adulta, da fantasia de angústia de ser abandonado pelo pai repressor; que a histeria é o retorno da fantasia de angústia de ser assediado pelo pai sedutor; e a obsessão, finalmente, é o retorno da fantasia de angústia de ser maltratado e humilhado pelo pai rival (FIGURA 4). Vemos claramente que é sempre o pai o personagem principal das fantasias traumáticas na origem das três neuroses masculinas. Com efeito, a neurose do homem e, como veremos, da mulher resultam da fixação de uma cena em que o personagem principal é freqüentemente o genitor do mesmo sexo. Seja o Édipo mal resolvido ou traumático, o conflito infantil, causa da neurose, é mais freqüentemente travado entre o menino e o pai ou entre a menina e a mãe. Em suma, o que gera a doença não é tanto viver uma experiência intensa com o outro diferente, mas vivê-la com o outro semelhante, o outro “si mesmo”. A neurose do adulto é sempre uma patologia do mesmo, uma doença do narcisismo. Um jovem paciente, por exemplo, me contou: “Sofro por ficar dividido entre o amor pelo meu pai, a vontade de me parecer com ele, o desejo de agradá-lo, o medo de me tornar desprezível, o ódio que sinto por ele e, finalmente, minha revolta contra sua autoridade.” Eis o grito de um filho neurótico que sofre por ficar fascinado e horrorizado com a imagem do pai tão próxima da sua.

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A reativação do Édipo traumático sob a forma da neurose feminina: repulsa sexual, complexo de masculinidade e angústia de ser abandonada

Passemos agora ao caso da mulher neurótica. Uma vez superada a crise edipiana, deveríamos concluir que a menina tornou-se uma criatura pacificada, sem sombra de uma neurose, ilesa das seqüelas do sofrimento passado e da inveja ciumenta? Claro que não. A vida de uma mulher permanece geralmente agitada pela persistência de antigos conflitos edipianos. Afirmo desde já que, de todas as paixões infantis que subsistem na vida de uma mulher, a mais perturbadora é, sem dúvida alguma, a inveja ciumenta do Falo. Quando vivida de forma excessivamente febril na infância, essa inveja infantil pode ressurgir violentamente na idade adulta, manifestando-se seja por uma repulsa sexual histérica, seja por uma atitude caracteriológica denominada “complexo de masculinidade”. No caso da histeria, a mulher continua a achar, como uma menininha, que não é digna de interesse nem de amor e se resigna à sua sorte com amargor e tristeza. Instala-se então nessa mulher despeitada uma viva repulsa pela sexualidade, duplicada por uma grande solidão. No caso do complexo de masculinidade, ao contrário, a mulher substitui a crença de ser castrada e inferior pela crença oposta e igualmente infundada, ser munida do Falo. Em vez de se julgar castrada, julga-se onipotente; brande o Falo, exibe-o em uma atitude de desafio e acentua os traços masculinos a ponto de se tornar mais viril que o homem. Uma das variantes desse complexo de masculinidade assume a forma da homossexualidade manifesta. Observemos de passagem que a hipertrofia da masculinidade na mulher pode revelar-se, além disso, como uma das resistências mais tenazes ao trabalho terapêutico e tornar-se o rochedo contra o qual freqüentemente naufraga o tratamento analítico. A rivalidade odiosa dirigida ao homem pode transformar-se, na analisanda, em uma revolta contra a arbitrária autoridade masculina atribuída ao psicanalista.

Gostaria finalmente de acrescentar outra variante edipiana da neurose feminina, variante próxima da normalidade. Trata-se da angústia; de uma angústia propriamente feminina. Afirmei até aqui que a angústia prevalecia na posição masculina e que a dor de privação caracterizava, em contrapartida, a posição feminina. Entretanto, há uma angústia tipicamente feminina que considero um exemplo da angústia de castração, a saber, o medo na mulher de ser abandonada pelo homem amado. O desejo de ser amada e protegida é tão poderoso no inconsciente feminino que a jovem mulher, não obstante solidamente envolvida em sua relação, tem sempre medo de ser privada do amor de seu companheiro. Ao menor conflito, lança suspeitas sobre seu parceiro querer deixá-la. Criancinha, já fora enganada pela mãe, agora adulta desconfia dos homens. Teme perder a coisa que preza acima de tudo: o amor, a alegria de amar, ser amada e sentir-se protegida. Se, para o homem, o Falo é a força, para a mulher ele é a felicidade de ser amorosa e ser amada por aquele a quem ama. Para o homem, o Falo é a força; para a mulher, é o amor. Da mesma forma que havíamos dito que o homem era uma criatura preocupada em salvaguardar sua virilidade, diremos que a mulher vive na obsessão de ser abandonada. Assim, para a mulher angustiada, o amor permanece uma conquista frágil, a ser reconquistada incessantemente e sempre confirmada (ver FIGURA 5, e FIGURA 8).

Imagino agora o que seria a união do homem e da mulher neuróticos, um em posição masculina temendo que a mulher roube seu sexo (angústia de castração), o outro em posição feminina temendo que o homem a abandone (angústia de ser abandonada). Será a isso que se reduziria o par homem/mulher, a um recrudescimento das angústias edipianas? O homem preocupado com a perda de sua virilidade e a mulher, com a perda do amor? Provavelmente não, pois cada um, por sua presença, demonstra ao outro que sua angústia não é justificada. O homem sinceramente envolvido em sua relação tranqüilizará sua companheira pela autenticidade de suas palavras e seus atos; e a mulher, igualmente engajada, saberá garantir ao companheiro que, apesar das provas difíceis, encontrará sempre junto a ela a confirmação de sua virilidade. É assim que a relação entre um homem e uma mulher deveria poder se estabelecer. E, no entanto, a experiência nos ensina que, entre essa configuração ideal e o fracasso retumbante de um casal, todas as nuances são possíveis.

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Agora, vou lhes propor a vinheta clínica de uma paciente histérica que sofre de anorexia e cuja inveja inconsciente do Falo consome o corpo.

Como escutar uma anoréxica através da teoria do Édipo?

Eis a minha hipótese: a anorexia resulta da

identificação da jovem doente com seu irmão

idealizado como filho predileto do pai.

Volto a pensar em Sarah, nossa paciente anoréxica de quem falei há pouco. Desafiando a razão, ela quer alcançar o limiar quase fatal dos 41 quilos. “O senhor verá, ela me diz bravamente, sou capaz de continuar a viver sem voltar para o hospital! É a minha aposta! Preciso provar a mim mesma que posso atravessar o abismo.” Eis a loucura de Sarah! Um desafio insensato aos limites da vida e uma vontade cega de dominar e controlar o corpo. Ora, onde está aqui a presença do Édipo? De que forma a teoria do Édipo, tal como a concebo, nos permite compreender o sofrimento dessa jovem? Pois bem, quando recebo essa paciente, acho sempre que ela quer se tornar pura e leve até a transparência, apagando todas as curvas e arredondamentos femininos de seu corpo. Queria não ter mais seios nem nádegas, menos ainda barriga. Nenhum relevo. Nada que evocasse a mulher. Seu sonho: tornar-se um menino imberbe sem pênis nem sinal de virilidade. Esse ideal de homem assexuado, esguio e frágil que ela queria ser não é outro, em sua fantasia, senão o filho maravilhoso que seu pai sonha seduzir e possuir sexualmente. Sim, ela queria ser o jovem amante do pai, isto é, assumir o lugar de seu irmão adorado, predileto do pai. Sarah identifica-se assim com a masculinidade do irmão e se recusa a ser uma mulher porque acha, como uma menininha de quatro anos, que ser mulher equivale a ser castrada, fraca e desprezada por um pai que só teria olhos para o filho. Sarah parte do princípio – do falso princípio – de que a mulher é castrada e que, por conseguinte, deve fazer de tudo, até mesmo arriscar a vida, para mostrar a si mesma e ao mundo que é forte e que seu corpo pode ser moldado até atingir a silhueta de um efebo sem órgãos genitais. Nossa paciente está sob a influência da inveja do Falo, que traduzi aqui por sua inveja louca e ciumenta de ser ao mesmo tempo um menino com o desejo masculino de possuir e dominar e uma menina com o desejo feminino de ser possuída pelo pai. Sua anorexia é a expressão do compromisso entre esses dois impulsos inconscientes. Gostaria de dizê-lo de outra forma formulando minha hipótese segundo a qual a anorexia é na maioria das vezes resultado de uma identificação inconsciente da adolescente com o irmão idealizado como o favorito do pai. Naturalmente, nessa hipótese, pode tratar-se de um irmão virtual, de um alter ego masculino, uma vez que, evidentemente, nem todas as anoréxicas têm irmão.

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FIGURA 4

A neurose mórbida no homem é o ressurgimento compulsivo do Édipo traumático na idade adulta.

Comentário da Figura 4

Duas considerações. A primeira diz respeito aos atores presentes. É indiferente que a criança angustiada seja um menino ou uma menina e que o adulto que ameace (repressor, sedutor ou rival) seja o pai, a mãe, o irmão mais velho, a irmã mais velha ou qualquer outro adulto tutelar. Entretanto, a fantasia de angústia de castração mais freqüentemente encontrada nos tratamentos analíticos dos homens neuróticos é a de uma cena em que a criança é um menino e o adulto, seu pai. No caso das mulheres neuróticas, encontramos o mesmo tipo de fantasia, em que a filha tem medo das represálias da mãe. Assim, o conteúdo dessas fantasias é freqüentemente uma cena em que a criança está às voltas com o genitor do mesmo sexo.

Gostaria de dar o exemplo de uma fobia. Penso no caso daquela mulher que tinha fobia dos transportes públicos, cuja análise revelou que a causa de sua neurose remontava a um acontecimento trágico de sua infância: a morte acidental da mãe. Em vez de viver o sofrimento do luto, como teria feito qualquer criança, ela fantasiou essa morte como um castigo inesperado infligido pela mãe amada e falecida. Foi então que sentiu a aflição de ser entregue a novos abandonos, aflição hoje conhecida como fobia dos espaços fechados.

A outra consideração diz respeito a uma leitura cruzada entre as duas colunas da tabela. É possível, por exemplo, que a angústia de ser abandonada pelo pai repressor reapareça sob a forma de uma neurose obsessiva e não mais fóbica, ou que a angústia de haver sido seduzido por um genitor excessivamente carinhoso esteja na origem de uma neurose fóbica, e não mais histérica.

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FIGURA 5

A neurose mórbida na mulher é o ressurgimento compulsivo do Édipo traumático na idade adulta.