Logo após a guerra, Jean Cocteau comprou um exemplar do Le Figaro em Paris e descobriu que lhe haviam cobrado o dobro do preço de capa e que o jornal era de dois anos antes. Quando reclamou, o vendedor respondeu: “Mas, cher monsieur, é precisamente por isso que é mais caro – porque ainda há uma guerra nele”.1
A Primeira Guerra Mundial foi a primeira guerra midiática. Obviamente, guerras anteriores haviam saído nos jornais. E, em algumas ocasiões – como no caso da Guerra da Crimeia e da Guerra dos Bôeres –, a cobertura da imprensa havia influenciado a condução do combate: vem à mente a condenação do The Times ao modo pelo qual os generais conduziram o cerco de Sebastopol em dezembro de 1854, a crítica à guerra sul-africana na imprensa liberal ou os ataques a Bülow por parte da imprensa católica alemã pela maneira como ele lidou com a revolta dos Herero no Sudoeste Africano. Mas, antes de 1914, os meios de comunicação de massa, cuja origem era comparativamente recente quando a guerra começou, nunca haviam sido usados como uma arma de guerra. De fato, um dos maiores mitos sobre a Primeira Guerra Mundial é que ela foi efetivamente decidida pela mídia, usada como um canal de propaganda pelos governos.
Argumenta-se que nem todos os governos aprenderam à mesma velocidade: daí a afirmação de que a propaganda superior da Entente desempenhou um papel decisivo na derrota dos Impérios Centrais. “Hoje, as palavras se tornaram batalhas”, declarou Ludendorff: “Palavras corretas, batalhas ganhas; palavras erradas, batalhas perdidas”.2 Em suas memórias, tanto ele quanto Hindenburg viam a propaganda como estratégica para a “desmoralização” de suas tropas em 1918. “Estávamos hipnotizados […] como um coelho por uma cobra”, escreveu Ludendorff. “Nos países neutros, fomos sujeitados a uma espécie de bloqueio moral.”3 Em particular, a análise alemã no pós-guerra focou no papel do lorde Northcliffe: o mais velho dos dois irmãos Harmsworth, que em 1914 haviam erigido o maior grupo de imprensa da Grã-Bretanha.4 Já detestado por liberais na Grã-Bretanha antes da guerra, Northcliffe se tornou uma figura odiada na Alemanha por causa da propaganda que dirigiu aos soldados alemães nas últimas etapas do conflito. Conforme escreveu um alemão ressentido em uma carta aberta a ele em 1921:
A propaganda alemã era, em espírito, a propaganda de estudiosos, conselheiros particulares e professores. Como esses homens honestos e elevados poderiam lidar com os demônios do jornalismo, especializados em envenenar as massas como você? A propaganda alemã, o que houve dela, foi dirigida à razão, à inteligência, à consciência […] como os fatos puros e simples poderiam competir com as mentiras espalhafatosas, o hipnotismo do ódio, as cruéis […] sensações que você servia […] Os alemães […] sempre se recusaram a descer a seu nível.5
Esta foi uma visão ecoada por um pacifista do lado vencedor: para Norman Angell, os jornais britânicos durante a guerra foram “um instrumento mais desprezível do que Bismarck já esperou criar”.6 Para Hitler, ao contrário, a propaganda de guerra de Northcliffe era “a obra inspirada de um gênio”: “Eu mesmo aprendi muitíssimo com a propaganda do inimigo”, declarou em Minha luta.7 Em Propaganda and National Power (1933) [Propaganda e poder nacional], o propagandista nazista Eugen Hadamovsky afirmou com todas as letras: “O povo alemão não foi vencido no campo de batalha; foi vencido na guerra de palavras”.8 Uma série de estudos feitos no Terceiro Reich elaborou mais detalhadamente esse argumento, tentando mostrar como a propaganda havia sido responsável por garantir o apoio da Itália às potências da Entente.9 Sem dúvida, decorre desse argumento que a propaganda alemã foi um fracasso e que a imprensa judaica e/ou socialista minou sistematicamente o moral alemão: um dos primeiros exemplos de atribuição do rótulo “punhalada pelas costas” à imprensa foi o ataque de Alfred Rosenberg ao Berliner Tageblatt.10
Os responsáveis pela propaganda dos Aliados pensavam a mesma coisa, o que não é de surpreender. “Se o povo realmente soubesse [das coisas]”, disse Lloyd George a C. P. Scott, do Manchester Guardian, num momento delicado em dezembro de 1917, “a guerra seria interrompida amanhã. Mas é claro que eles não sabem – e não podem saber. Os correspondentes não escrevem e a censura não permitiria que se contasse a verdade”.11 O romancista John Buchan, que exerceu um papel importante na propaganda britânica, concordava: “No que concerne à Grã-Bretanha”, comentou em 1917, “a guerra não poderia ter sido travada durante um mês se não fosse por seus jornais”.12 Beaverbrook afirmou que os cinejornais que ele produzira como ministro da Informação foram “o fator decisivo na preservação do moral do povo durante os dias sombrios no começo do verão de 1918”.13 Northcliffe inclusive chegou a afirmar que “a boa propaganda provavelmente economizou um ano de guerra, e isso significava a economia de bilhões em dinheiro e, talvez, de pelo menos um milhão de vidas”.14 Sem dúvida, a missão do propagandista não era das mais nobres. Nas palavras de A. R. Buchanan, “um cínico poderia ficar tentado a dizer que, enquanto alguns patriotas foram à frente de batalha e morreram por seu país, outros ficaram em casa e mentiram por ele”.15 Mas a renúncia à integridade feita por aqueles que administravam a imprensa britânica durante a guerra continua a ser amplamente aceita como válida (ou, no mínimo, eficaz).16
Os cargos concedidos aos proprietários de jornais durante a guerra pare-cem falar por si. Northcliffe foi incumbido por Lloyd George de uma missão especial nos Estados Unidos em maio de 1917, e em fevereiro de 1918 aceitou o cargo de diretor de propaganda em países inimigos. Seu irmão foi nomeado diretor-geral do Departamento de Vestuário do Exército em 1916 e se tornou ministro da Aeronáutica um ano mais tarde. Sir Max Aitken, um executivo canadense e membro do Parlamento pelo Partido Unionista que em dezembro de 1916 havia se tornado sócio majoritário do Daily Express, foi chanceler do ducado de Lancaster e, a partir de fevereiro de 1918, ministro da Informação. A lista de títulos honoríficos conta uma história similar. North-cliffe (que se tornara lorde em 1905) foi nomeado visconde em 1917. Seu irmão Harold se tornou barão em 1914 e visconde de Rothermere em 1919. Em dezembro de 1916, Aitken foi agraciado lorde Beaverbrook, tendo se tornado cavaleiro em 1911 e baronete em janeiro de 1916. Waldorf Astor, proprietário do Observer, tornou-se visconde em 1917. Sir George Riddell, proprietário do News of the World, foi nomeado lorde em 1918, assim como, em 1921, Henry Dalziel, da United Newspapers, e W. E. Berry, do Sunday Times e do Financial Times. Em 1916, Robert Donald, editor do Daily Chronicle, recebeu a oferta de se tornar baronete, mas a recusou. Pelo menos 12 títulos de cavalaria foram concedidos a homens ligados à imprensa.17 Essa foi a maneira que Lloyd George encontrou para agradecer os “lordes da imprensa” por seu serviço leal.
A ideia de que a imprensa exercia poder excessivo sem responsabilidade adequada não foi, é claro, uma invenção da Primeira Guerra Mundial. Mas em todos os países a guerra pareceu aumentar de maneira acentuada o poder da mídia. De fato, a tese do satirista vienense Karl Kraus era de que a imprensa foi a principal beneficiária – e talvez a instigadora – da guerra. Afirma-se que até mesmo os famosos Catorze Pontos do presidente Wilson foram elaborados em resposta a uma solicitação de Edgar Sisson, o representante do Comitê de Informação Pública dos Estados Unidos em Petrogrado.18
Mas a ideia de que havia uma profunda diferença entre as técnicas de propaganda usadas de ambos os lados, por mais conveniente que seja para os que buscam uma explicação não militar para o resultado da guerra, não sobrevive a uma análise mais atenta. Como observou Georges Weill, “cada uma das nações beligerantes se convenceu de que seu governo havia negligenciado a propaganda, e de que o inimigo […] havia sido mais eficaz”.19 Em nenhum país a imprensa foi totalmente controlada, nem tampouco submetida à uniformidade. Em todos os casos, as instituições responsáveis por censurar e administrar as notícias precisaram ser improvisadas e não funcionavam de maneira eficiente. No início, a maior parte da propaganda era dirigida aos países neutros, e não à opinião pública nacional. Quando se tentou influenciar a “Frente Interna”, o principal objetivo era negativo: suprimir o dissenso. As metas positivas primordiais eram aumentar a venda de títulos de guerra ou (na Grã-Bretanha e em seu Império) o recrutamento. Durante a maior parte do conflito, pouquíssimas propagandas foram dirigidas aos soldados; mas foram eles, afinal, que determinaram o curso da guerra.
Vale enfatizar a grande diversidade de opiniões na imprensa europeia no momento em que a guerra começou. Em 30 de junho de 1914, a Neue Freie Presse, o bastião da opinião liberal vienense, anunciou que, apesar dos assassinatos em Sarajevo, “os objetivos fundamentais da política da monarquia” continuavam sendo “a paz honrada e invulnerável e a defesa dos [nossos] interesses”, acrescentando, em 2 de julho, que “as guerras por revanche estão hoje fora de cogitação”.20 Duas semanas depois, continuava a ver o cenário internacional com equanimidade. “Não se verá […] o homem que […] daria a ordem […] de incendiar o mundo em nome da Grande Sérvia”, declarou, reafirmando em 16 de julho “a atitude pacífica da monarquia”. Mesmo quando começou a adotar um tom mais belicoso com relação à Sérvia, argumentou de maneira sistemática que “os conflitos locais não devem se transformar em guerras mundiais” (18 de julho).21 O jornal húngaro Pester Lloyd adotou um tom igualmente comedido durante todo o mês de julho.22
Na Alemanha, o jornal liberal Berliner Tageblatt foi atípico ao considerar a “questão da Grande Sérvia” “uma das mais ameaçadoras e preocupantes [que] dizem respeito a todos nós”. Mas em 30 de julho continuava insistindo: “O povo alemão é absolutamente pacífico”, e pediu não mais do que a “segurança da fronteira” ao receber uma notificação oficial de mobilização da Rússia.23 Seu equivalente no oeste da Alemanha, o Frankfurter Zeitung, também não se entusiasmava com a ideia de uma guerra.24 Tampouco a imprensa católica era belicosa: em 30 de julho, o Germania insistiu que o povo alemão queria “a paz acima de tudo”, embora seja verdade que o Kölnische Zeitung manifestou um “patriotismo entusiástico” extremo depois que a guerra eclodiu.25 Tradicionalmente inspirado no governo, o conservador Norddeutsche Allgemeine Zeitung argumentou repetidas vezes a favor de que o conflito entre a Áustria e a Sérvia fosse localizado,26 e inclusive refutou a advertência pessimista do Berliner Tageblatt em 1ºo de agosto de que a guerra era inevitável.27 É claro, essa diversidade de opiniões pode ser atribuída ao maquiavelismo do governo alemão, procurando mascarar suas ações beligerantes com editoriais pacíficos. Entretanto, isso parece anacrônico; muito mais provável é uma mera falta de liderança clara por parte de um governo totalmente preocupado com questões diplomáticas e militares.28
Na Grã-Bretanha, com uma única exceção, a imprensa, no início, viu a guerra com desinteresse ou desgosto. O Manchester Guardian pôde afirmar com segurança em julho de 1914 que não havia “nenhum risco de [a Grã-Bretanha] ser arrastada para o conflito [entre a Áustria e a Sérvia] por tratados de aliança”.29 Em 1ºo de agosto, seu editor, C. P. Scott, argumentou que a intervenção “violaria dezenas de promessas feitas ao nosso próprio povo, promessas de buscar a paz, de proteger os pobres, de poupar os recursos do país, de promover o progresso pacífico”.30 Quando a guerra começou, o jornal protestou, com fúria: “por algum contrato secreto, a Inglaterra foi, pelas costas, tecnicamente comprometida à loucura devastadora de participar do jogo violento de uma guerra entre duas ligas militares”. Embora tenha finalmente concluído que “nossa frente está unida”, o Guardian alertou de maneira solene: “será uma guerra em que arriscaremos tudo aquilo de que temos orgulho, e com a qual não ganharemos nada […] Algum dia nos arrependeremos disso”.31
Ainda mais avesso a “sacrificar […] a vida britânica […] em nome da hegemonia russa do mundo eslavo” era o Daily News. Em 1ºo de agosto, o jornal publicou um artigo de A. G. Gardiner intitulado simplesmente: “Por que não devemos lutar”. “Onde, no mundo, nossos interesses colidem com os da Alemanha?”, perguntou Gardiner, e respondeu: “Em nenhum lugar”. “Se aniquilarmos a Alemanha e tornarmos a Rússia a ditadora da Europa e da Ásia, será o maior desastre que já acometeu a cultura e a civilização do Ocidente”.32 No dia 3, o jornal afirmou que não havia “nenhum partidário da guerra neste país” porque “os horrores da guerra já tomaram conta da imaginação popular”.33 Embora o News finalmente houvesse admitido que a Grã-Bretanha deveria ganhar a guerra em que havia entrado, ainda assim deplorou, no dia 4, “o terrível conflito” e “a política externa equivocada” de Grey.34Sir George Riddell, proprietário do popular dominical News of the World, falou em nome da maioria dos jornalistas liberais quando disse a Lloyd George que sentia “intensa exasperação […] diante da perspectiva de o governo entrar na guerra”.35
A imprensa liberal nas províncias tampouco estava entusiasmada. O Yorkshire Evening News afirmou, em 29 de julho, que era “certamente do interesse da Grã-Bretanha que nos mantivéssemos fora da disputa”. O Northern Daily Mail foi mais longe: a Grã-Bretanha “pode[ria] e deve[ria] permanecer neutra durante todo o curso da guerra”, defendeu em 28 de julho.36 “O pior aconteceu”, exclamou o Carlisle Journal em 4 de agosto. Havia “pouca dúvida de que a maioria dos ingleses considerava a possibilidade de ser arrastada para esta guerra com sentimentos de assombro e horror”.37 Foi só em 8 de agosto que jornais como o Lancaster Guardian e o Barrow News se convenceram de que a guerra era necessária para “salvar da bocarra alemã esses Estados autônomos, pequenos, mas resistentes”.38
Em toda a Europa, apenas um jornal importante defendeu a guerra entre as grandes potências: o The Times, que previu uma guerra europeia já em 22 de julho, e cinco dias mais tarde solicitou a participação britânica – algo que se repetiu nos editoriais de 29 e 31 de julho.39 Já vimos como Northcliffe e seu editor do caderno internacional, Steed, rejeitaram os apelos dos Rothschild para que abrandassem a linha editorial. Nessa perspectiva, há algo a ser dito a favor do ex-ministro liberal, lorde Fitzmaurice, que, em 31 de julho, afirmou que a imprensa de Northcliffe estava fazendo “uma campanha para levar este país a se unir à guerra”.40 (De maneira reveladora, quando o correspondente do francês Figaro em Londres estava perdendo as esperanças no governo britânico, ele exclamou: “Lorde Northcliffe e o Mail não podem fazer alguma coisa?”)41
Mas nem mesmo Northcliffe tinha clareza quanto ao papel que ele queria que a Grã-Bretanha desempenhasse na guerra. Ele tardou em avaliar a importância da crise balcânica em julho.42 Quando a guerra começou, seus jornais não fizeram nenhuma tentativa de atenuar as implicações catastróficas. Até o The Times previu, em 3 de agosto, “a guerra mais terrível [na Europa] […] desde a queda do Império Romano”. Considerou “assustador pensar” “[…] [n]as perdas de vida humana e na riqueza acumulada de gerações que um conflito como este exigiria”.43 E foi só em 5 de agosto que Northcliffe surpreendeu seus altos executivos ao se manifestar veementemente contra o envio da Força Expedicionária Britânica. “Que história é essa de uma Força Expedicionária Britânica para a França?”, indagou ao editor do Mail, Thomas Marlowe:
É absurdo. Nem um único soldado deve sair deste país. Temos uma frota excelente, que dará toda a ajuda que estiver em seu poder, mas não apoiarei o envio de um único soldado britânico. E quanto à invasão? E quanto ao nosso próprio país? Coloque isso no editorial. Você me ouviu? Nem um único soldado irá sem o meu consentimento. Diga isso no jornal de amanhã.
Ele inclusive escreveu um editorial com esse fim, e só concordou em publicar a versão alternativa de Marlowe – defendendo o envio da Força Expedicionária Britânica – depois de um debate acalorado.44
Mesmo no fim de novembro de 1914, o The Times não via nenhuma razão para embelezar a verdade sobre o que estava acontecendo no front. “Todo o lado espetacular da guerra se foi, para jamais reaparecer”, informou com tristeza seu correspondente:
Trincheiras e mais trincheiras, e, dentro do alcance das armas escondidas, a invisibilidade é a lei suprema […] Dia após dia, os anônimos são exterminados pelos invisíveis […] A guerra se tornou estúpida […] A pressão sobre a infantaria é enorme, e interminável […] À custa de milhares de vidas, talvez se conquistem algumas poucas centenas de jardas, mas raramente [até mesmo] o ataque mais brilhante surte algum efeito […] Novas tropas trazidas sob a proteção de um tremendo fogo de artilharia que se abre de surpresa podem abrir uma brecha […] Mas só com grandes perdas um ataque como este pode ser realizado.45
Isso dificilmente foi calculado para alimentar a esperança de que os soldados britânicos estariam celebrando o Natal em Berlim.
E também não foi a única nota dissonante emitida por jornais conservadores. No fim de julho, o Yorkshire Post publicou um editorial declarando que
não [estava] convencido de que, se a Rússia e a França esmagassem a Alemanha e a Áustria, a posição deste país seria melhor do que se a vitória estivesse do outro lado; acreditamos que, de uma forma ou de outra, a perturbação das condições existentes se mostraria extremamente desvantajosa para nós. Portanto, de maneira alguma somos da opinião de que o governo britânico deveria se apressar em se unir a uma guerra europeia, de um lado ou do outro.46
Em 1ºde agosto, o Pall Mall Gazette anunciou que era “um golpe cruel do destino que [a Grã-Bretanha e a Alemanha] fossem colocadas cara a cara no momento em que a má vontade parece[parecia] ter diminuído”, acrescentando:
Acreditamos que o Imperador GUILHERME e seus conselheiros têm trabalhado arduamente pela paz. Se, como parece muitíssimo provável, seus esforços foram vencidos por forças além do seu controle, por que devemos lhes dirigir palavras de ódio? Nós não faremos isso. Embora condenados, com o coração pesado […], a sacar a espada, lutaremos como cavalheiros, respeitando um nobre adversário.47
O editorial de Horatio Bottomley em John Bull para a semana de 8 de agosto foi ainda mais excêntrico: “QUE A SÉRVIA VÁ PARA O INFERNO”, começava, acrescentando: “A Sérvia deve ser eliminada. Que a Sérvia seja removida do mapa da Europa”. Este superou até os mais estridentes editoriais austríacos. Entretanto, prosseguiu Bottomley, o governo britânico deveria
aproveitar a crise para se livrar de uma vez por todas da ameaça alemã […] Na ausência de uma garantia satisfatória de modificação nos planos de nosso rival teutônico, o único curso de ação possível para estadistas patrióticos perspicazes seria aniquilar a frota alemã imediatamente […]
Uma vez mais – “QUE A SÉRVIA VÁ PARA O INFERNO!”
DEUS SALVE O REI.48
Como bem ilustra essa estranha argumentação, a reação da imprensa ao início da guerra foi tudo menos uniforme.
Os governos também jamais conseguiram estabelecer certa uniformidade; de fato, não está nem um pouco claro se eles sequer tentaram fazê-lo. Para começar, não se tentou muita coisa além da censura para evitar a publicação de informações militares que poderiam ser úteis ao inimigo. Para isso, normalmente havia precedentes. Na Grã-Bretanha, onde já existia uma tradição de censura das artes a cargo do lorde chanceler, os jornais já haviam aceitado um sistema de autocensura em assuntos militares sob a égide de um Comitê Permanente Conjunto instaurado em 1912.49 A Lei de Defesa do Reino (DORA, na sigla em inglês), aprovada em 8 de agosto de 1914 (e ampliada em seis ocasiões posteriores), aumentou de maneira drástica o poder do Estado nesse aspecto. O Regulamento 27 proibia explicitamente informes ou declarações “orais ou escritas, ou em qualquer jornal, periódico […] ou outra publicação impressa” que tivessem “intenção ou possibilidade” de minar a lealdade ao rei, o recrutamento ou a confiança na moeda.50 Os censores também baniram a publicação de notícias sobre a movimentação das tropas, ou mesmo a especulação a respeito, em 26 de setembro de 1914. Em março seguinte, a imprensa foi alertada a não exagerar o alcance do sucesso britânico, embora (como retorquiu um proprietário) tal otimismo exacerbado fosse a especialidade do próprio sir John French.51 As listas de baixas só começaram a ser publicadas em maio de 1915. A imprensa conseguiu resistir a tentativas de uma censura ainda mais estrita no outono de 1915, mas, ainda assim, permaneceu sob rígido controle durante toda a guerra. Os jornais também estiveram sujeitos à censura na maior parte do Império Britânico.52 Embora o sistema de “D-Notices” fornecesse informações sobre a guerra a editores de 40 publicações, estas deveriam ser tratadas como estritamente confidenciais; o que também se aplicava às abundantes informações internas fornecidas ao correspondente de guerra do The Times, Charles à Court Repington (ele próprio, um ex-coronel do Exército). Como o próprio Lloyd George admitiu: “O público só conhece metade da história”; a imprensa conhecia uns três quartos.53
A DORA era para os escritores britânicos o que a “Anastasie” era para os escritores franceses: a personificação da censura em tempos de guerra.54 Esta foi imposta com base nas leis do Estado de cerco de 1849 e 1878, que permitiam às autoridades militares proibirem qualquer publicação que fosse nociva à ordem pública. Em 3 de agosto, o Gabinete de Guerra instaurou um Departamento de Imprensa para fazer que isso fosse cumprido. Uma lei aprovada dois dias depois foi ainda mais longe, proibindo a imprensa de publicar informações relacionadas a operações militares, com exceção das especificadas pelo governo.55 Em setembro, quando o ministro da Guerra Alexandre Millerrand tornou o controle ainda mais estrito, também estava proibida a publicação do nome dos mortos na guerra.56
Na Alemanha, assim como na França, uma antiga lei do Estado de cerco (a de 1851) entrou em vigor quando as hostilidades começaram, suspendendo “o direito de expressar opiniões livremente por meio oral, impresso ou fotográfico” e autorizando os comandantes militares regionais a censurar ou proibir publicações. Para desencorajar ainda mais a publicação de “informações não confiáveis”, o chanceler do Reich emitiu uma circular à imprensa listando 26 proibições específicas. Recomendações adicionais foram feitas pelo Ministério da Guerra em 1915, banindo, entre outras coisas, a publicação do total de mortes (nem mesmo os quadros de honra deveriam usar numeração consecutiva).57 Ao todo, foram cerca de 2 mil regras de censura até o fim de 1916. Em decorrência de sua aplicação inconsistente por parte dos comandantes militares, entretanto, em fevereiro de 1915 foi instaurado um Gabinete Central de Censura (Oberszensurstelle), que se tornou o Departamento de Imprensa de Guerra (Kriegspresseamt) sete meses depois.58 Na Áustria, a mesma função era desempenhada por um Departamento de Supervisão de Guerra (Kriegsüberwachungsamt).59 Medidas similares foram implementadas na Itália, mesmo antes de o país entrar na guerra.60
A censura era um instrumento obtuso. Em 1915, o The Times e o Labour Leader foram multados por violar as regras. Em 14 de agosto, o Figaro foi censurado, para seu constrangimento, por uma reportagem sobre o Marrocos.61L’Homme Libre, de Clemenceau, foi suspenso por publicar uma história sobre o transporte de soldados feridos em condições tão precárias de higiene que os homens contraíram tétano; quando a publicação reapareceu como L’Homme Enchaîné, foi banida novamente.62 Como Alfred Capus afirmou em 27 de setembro de 1914: “Conquanto não se mencionassem as autoridades, o governo, a política […] os bancos, os feridos, as atrocidades alemãs [ou] o serviço postal, era possível expressar-se livremente com a permissão de dois ou três censores”.63 Entre os jornais alemães censurados ou suprimidos por revelarem informações militares estava o obscuro e inócuo Tägliche Rundschau für Schlesien und Posen.
Pouco a pouco, no entanto, todos os países foram além da censura de informações militares e usaram de sua influência em um sentido mais abertamente político. Na Grã-Bretanha, os jornais ou revistas suprimidos em um ou outro momento durante a guerra incluíam o Irish Worker, o Irish Volunteer, o Irish Freedom e o Sinn Féin, bem como o Nation e o pacifista Tribunal. Tomou-se cuidado, em particular, para evitar a exportação de qualquer coisa considerada potencialmente nociva aos “esforços de guerra”. Compilaram-se listas detalhadas de material proibido: não só jornais de grupos socialistas, pacifistas e nacionalistas irlandeses, como também revistas escolares – que, por descuido, publicaram relatos muito detalhados sobre as atividades dos ex-alunos no front – e gazetas ferroviárias – que revelaram informações supostamente confidenciais sobre o sistema de transportes britânico. A revista da Associação Britânica dos Ex-Alunos de Heidelberg também foi vítima.64 A DORA se propunha a assumir o papel do lorde chanceler como “babá literária” da nação. A versão em livro da obra teatral de Fenner Brockway, O advogado do diabo, foi banida em 1914. Quatro anos depois, Rose Allatini foi processada por seu romance (publicado sob um pseudônimo) Despised and Rejected [Desprezado e rejeitado], que girava em torno de um homossexual que se opunha a lutar na guerra: a editora foi multada e exemplares do livro foram destruídos.65 Portanto, pouco a pouco a Grã-Bretanha se tornou, durante a guerra, uma espécie de Estado policial. Só em 1916, o Departamento de Imprensa, auxiliado pelo departamento de serviço secreto MI7(a), analisou mais de 38 mil artigos, 25 mil fotografias e nada menos que 300 mil telegramas particulares.66 Metternich teria ficado com inveja. Como o Nation lamentou com razão em maio de 1916, era “uma tragédia nacional [o fato de] que o país que saiu em defesa da liberdade esteja perdendo suas liberdades uma a uma, e que o Governo que começou contando com a opinião pública como uma grande aliada agora tenha passado a temê-la e cerceá-la”.67
A mesma situação ocorreu em outros lugares. Em 1917, um tribunal francês determinou que a legislação de 1914 banindo a publicação de informações militares não autorizadas fosse usada para proibir a publicação de “manifestações de derrotismo”.68 Com base nisso, o pacifista Bonnet Rouge foi censurado nada menos que 1.076 vezes entre maio de 1916 e julho de 1917.69
Na Alemanha, o Vorwärts foi banido entre 27 e 30 de setembro de 1914, e só foi autorizado a retomar suas publicações se não fizesse referências a “ódio entre classes e luta de classes”; uma proibição similar foi imposta em janeiro de 1918 quando o jornal defendeu uma greve geral.70 Filmes estrangeiros foram banidos no começo da guerra, e o sistema existente de censura cinematográfica foi alterado para que apenas os filmes passíveis de “preservar o moral e promover o patriotismo” fossem aprovados.71 No início de 1915, os jornalistas foram alertados a não “questionar o sentimento e a determinação nacional de qualquer alemão”; curiosamente, também foram instados a desistir de suas “demandas repulsivas de que a guerra fosse conduzida com crueldade e de que os povos estrangeiros fossem aniquilados”. Em novembro de 1915, proibiu-se que os objetivos de guerra da Alemanha fossem discutidos publicamente. A partir de 1916, entrevistas com generais, discussões sobre as relações entre a Alemanha e os Estados Unidos e referências ao Kaiser precisavam ser examinadas pelo Departamento de Imprensa de Guerra antes de serem publicadas. Além disso, os comandantes militares locais davam suas próprias ordens quando julgavam conveniente.72 O Berliner Tageblatt foi vítima dos preconceitos políticos do general responsável por censura na região de Marks quando foi temporariamente suspenso por defender Bethmann contra os ataques dos anexionistas!73
Mas em nenhum país continental houve censura em uma escala totalitária. Os censores franceses, por exemplo, permitiram que o recém-fundado e perverso L’Oeuvre (cujo slogan era: “Os imbecis não leem o L’Oeuvre”) publicasse em fascículos a obra Le Feu [O fogo], de Barbusse.74 E os censores também não fizeram muito para controlar a revista satírica Le Canard Enchaîné, lançada em setembro de 1915 por Maurice Maréchal e seus amigos.75 Na Alemanha, os debates na imprensa sobre os objetivos de guerra (depois que a proibição de novembro de 1916 foi suspensa) foram mais abrangentes do que se teria permitido na França. Ainda mais notável é o fato de que os censores alemães nunca tenham banido a publicação dos comunicados militares dos Aliados nos jornais alemães.76
Além do mais, a experiência europeia – e mesmo a britânica – tende a ser insignificante ao lado das medidas draconianas adotadas nos Estados Unidos: um reflexo, sem dúvida, da incerteza norte-americana com relação ao nível de patriotismo em uma população multiétnica. (14,5 milhões dos 100 milhões de norte-americanos em 1914 haviam nascido no exterior; em torno de 8 milhões de norte-americanos pertenciam à primeira ou à segunda geração de famílias alemãs.)77 Depois que a Lei de Espionagem de 1917 foi ampliada pela Lei de Sedição de maio de 1918, até mesmo criticar a guerra em uma pensão se tornou ilegal. Mais de 2.500 norte-americanos foram indiciados sob essa legislação, dos quais aproximadamente cem receberam sentenças de prisão de 10 a 20 anos. O diretor de um filme supostamente patriótico chamado The Spirit of ’76 [O espírito de 1776] foi condenado a 15 anos de prisão porque (como muitos inferiram pelo título) era antibritânico.78 Nem mesmo a Grã-Bretanha cerceou tanto a liberdade de expressão durante a guerra. Tais medidas tornavam risível a alegação das potências aliadas de estarem lutando por liberdade.
Instituições ativamente dedicadas à supervisão de notícias (sobretudo a cobertura da guerra em países neutros) precisaram ser improvisadas. Os primeiros comunicados militares britânicos foram simplesmente lidos em voz alta aos membros do Gabinete Paralelo por ministros em reuniões fechadas; foi só em setembro que o major Ernest Swinton recebeu a tarefa de transmitir mensagens à imprensa, que foram devidamente publicadas sob o crédito “Testemunha Ocular” (Max Aitken desempenhou um papel similar para as forças canadenses). Para informações mais detalhadas, sir George Riddell, da Associação de Proprietários de Jornais, atuou como um representante da imprensa nos corredores do poder, transmitindo o que ouviu de Asquith, Churchill e outros a seus colegas proprietários e seus editores em coletivas semanais, um procedimento formalizado em março de 1915.79 Foi só em novembro de 1915 que se implementou um sistema de correspondentes de guerra credenciados; seus informes, no entanto, eram submetidos a controle estrito.80
Os primeiros passos para coordenar uma propaganda britânica ativa no exterior foram dados quando Charles Masterman, chanceler do ducado de Lancaster, convidou um grupo seleto de importantes escritores de ficção e de não ficção à Wellington House [o Departamento de Propaganda de Guerra], no Buckingham Gate (o edifício que, antes da guerra, abrigava a Comissão de Seguridade Social, considerada uma boa “frente”).81 No fim de 1914, havia traduzido mais de 20 publicações para distribuição em países neutros; em junho de 1915, havia encomendado e publicado em torno de 2,5 milhões de livros. Também enviou um boletim informativo a cerca de 360 jornais norte-americanos e patrocinou uma série de filmes, em sua maioria documentários. Além disso, um Comitê Parlamentar dos Objetivos de Guerra, constituído às pressas, instaurou um Departamento de Imprensa sob direção do unionista F. E. Smith em agosto de 1914.82
Entretanto, em 1916, Lloyd George solicitou ao editor do Daily Chronicle, Robert Donald, que avaliasse o desempenho da Wellington House e, em virtude de suas críticas, instaurou-se um novo Departamento de Informação. Dois meses depois, em fevereiro de 1917, a administração do departamento foi confiada ao popular romancista e advogado – e, por vezes, administrador imperial – John Buchan.83 Quando o departamento foi transformado em Minis-tério em julho de 1917, Buchan passou a ser, em teoria, subordinado ao líder unionista do Ulster, sir Edward Carson; mas a falta de interesse deste último levou o Conselho Consultivo de Imprensa a renunciar em protesto, forçando Lloyd George a criar um novo Ministério da Informação a cargo de Beaverbrook (fevereiro de 1918).84 Isso incitou uma prolongada medida reacionária do ministro das Relações Exteriores, Balfour, visando manter o controle sobre a difusão da propaganda britânica no exterior.85 Uma função interna paralela foi exercida pelo Comitê Nacional dos Objetivos de Guerra instaurado em junho de 1917, um organismo interpartidário que, entre setembro daquele ano e março do ano seguinte, organizou 1.244 comícios e, na primavera de 1919, havia distribuído 107 milhões de exemplares de suas publicações e alimentado 650 jornais com editoriais padronizados pró-governo.86
No continente europeu, o processo de formação das instituições não foi tão diferente quanto muitas vezes se afirma. Em outubro de 1914, o Exército francês instaurou uma Seção de Informação sob sua Divisão de Inteligência Militar, que no início apenas editava e publicava comunicados militares três vezes por dia, mas posteriormente passou a fornecer aos jornais informes mais ou menos anódinos da vida na frente de batalha. O general Nivelle mais tarde revitalizou essa seção como o Serviço de Informação para as Forças Armadas e, pela primeira vez, permitiu que jornalistas credenciados (em vez de oficiais do Exército) informassem o que se passava no front. Enquanto isso, o Ministério das Relações Exteriores instituiu seu próprio departamento de Imprensa e Informação (Bureau de la presse et de l’information). Foi só em janeiro de 1916 que uma Casa da Imprensa (Maison de la Presse) foi criada para coordenar a propaganda francesa no exterior.87
Na Alemanha, de 3 de agosto em diante um oficial do Estado-Maior enviava informes diários (às 11 horas da manhã) para os correspondentes, cujos sumários eram entregues à Wolff Telegraphisches Bureau [Agência de Telégrafos Wolff]; em setembro de 1915, o novo Departamento de Imprensa de Guerra acrescentou um segundo informe noturno e também produziu três novos boletins militares. Como na Grã-Bretanha, as informações eram às vezes disponibilizadas com a condição de que não fossem publicadas.88 No início, houve certo dualismo institucional. O Ministério das Relações Exteriores tinha seu próprio Departamento de Notícias (Nachrichtenabtei-lung), responsável pela propaganda em países neutros. Em 1917, no entanto, o Comando Supremo instituiu um serviço de imprensa exclusivo, o Serviço de Notícias de Guerra Alemão (Deutsche Kriegsnachrichtendienst), parte da centralização geral do governo promovida por Ludendorff. Embora o novo chanceler Georg Michaelis houvesse tentado reafirmar o controle civil sobre a propaganda nomeando um chefe de imprensa no fim do verão de 1917, os generais mantiveram o controle até o fim.89
A Áustria também instituiu um Departamento de Imprensa de Guerra (Kriegspressequartier), que produziu boletins oficiais para consumo interno e externo.90 Quando entraram na guerra, os norte-americanos fizeram mais ou menos a mesma coisa, criando um Comitê de Informação Pública em abril de 1917 que, no fim do conflito, havia produzido e distribuído nada menos que 75 milhões de exemplares de publicações pró-guerra.91
Além de tentar dominar a opinião pública, um importante objetivo de toda essa atividade era fortalecer as decisões internas. De particular importância era a necessidade de angariar fundos. Os filmes britânicos You! [Você!] e For the Empire [Para o Império] (encomendados pelo Comitê de Empréstimos de Guerra para o Pequeno Investidor) encorajavam os espectadores a investirem em títulos de guerra; o último entrou em detalhes e mostrou “a quantidade de munições” que o investimento de 15 xelins e 6 pence viabilizaria.92 A Alemanha contava ainda mais com a boa vontade de seus cidadãos para emprestar dinheiro ao governo; assim, produziu-se um grande número de cartazes para encorajar o público a comprar títulos de guerra. O cartaz de Lucian Bernhard de 1917 retrata um oficial da Marinha explicando a um soldado enquanto eles observam um navio inimigo afundando: “É assim que o seu dinheiro o ajuda a lutar. Transformado em um submarino, ele o protege dos bombardeios do inimigo. Por isso, contribua com os empréstimos de guerra!”.93 Nos Estados Unidos, 2 milhões de cartazes foram distribuídos para a campanha do primeiro empréstimo Liberty [como foram denominadas as quatro primeiras emissões de títulos de guerra], e no terceiro empréstimo esse número havia aumentado para 9 milhões.94
Por outro lado, as tentativas de doutrinar os soldados com qualquer coisa além do ethos tradicional de obediência às ordens foram extremamente limitadas. E as tentativas de influenciar o pensamento dos soldados inimigos só vieram muito depois. Em julho de 1917, edições falsas de jornais alemães como o Frankfurter Zeitung foram infiltradas na Alemanha por agentes franceses.95 O serviço secreto britânico estava pronto para o mesmo truque, embora a técnica só tenha vindo a público com a nomeação de Northcliffe ao Departamento de Propaganda do Ministério da Informação, conhecido como “Crewe House”. Nos seis meses que se seguiram a junho de 1918, aproximadamente 20 milhões de panfletos foram lançados sobre as tropas alemãs em retirada, com títulos como “Olá, terra natal” (“Grüße an die Heimat”) e detalhes sobre as baixas no Exército alemão e o colapso dos aliados da Alemanha.96
Os Impérios Centrais não fizeram nenhuma tentativa dessa magnitude. Os alemães preferiram tentar se infiltrar em jornais pacifistas por meio de subornos, na forma de investimentos feitos por “laranjas” em países neutros. Os casos notórios na França envolveram o Le Journal, que recebeu em torno de 10 milhões de francos de fontes alemãs, o Le Pays, o novo jornal fundado em 1917 para promover a ideia de Joseph Caillaux de uma paz negociada com a Alemanha, e o Bonnet Rouge, cujos diretor e editor foram presos e acusados de traição em julho de 1917 (um cometeu suicídio na prisão, o outro foi considerado culpado e executado).97
Até aqui, assumiu-se que propaganda significa propaganda do governo. Na verdade, grande parte da propaganda durante a guerra não foi produzida por órgãos do governo, mas por organizações autônomas ou indivíduos, de modo que, em grande parte do tempo, o papel das instituições descritas acima foi meramente de coordenação.98 Isso é bem ilustrado pelo caso do cinema – o mais caro de todos os meios de comunicação, e portanto aquele em que se esperaria que o governo desempenhasse o papel mais importante. O Comitê Parlamentar de Recrutamento, por exemplo, era um órgão do governo? Na verdade, não – seu trabalho era feito voluntariamente por membros do Parlamento e por outras figuras públicas. Foi esse comitê, no entanto, e não o Gabinete de Guerra, que encomendou o longa-metragem You! [Você!] em 1915, que promovia o recrutamento.99 É verdade que o Gabinete de Guerra havia começado a usar o cinema para atrair recrutas mesmo antes da guerra, encomendando o The British Army Film (1914) [O filme do Exército britânico].100 Mas fez pouco além de tolerar as atividades do Comitê Britânico de Atualidades para Filmes de Guerra, um cartel de produtoras independentes que pagava ao Gabinete de Guerra pelo privilégio de filmar no front e então vendia ao governo a filmagem resultante para ser usada em propaganda. O primeiro longa-metragem produzido dessa maneira – Britain Prepared [Grã-Bretanha preparada] – foi exibido em dezembro de 1915. Foi seguido por The Battle of the Somme [A Batalha do Somme] (agosto de 1916) e The German Retreat and the Battle of Arras [A retirada alemã e a Batalha de Arras] (junho de 1917).101 Longe de influenciar o estilo documental desses filmes, o Gabinete de Guerra tendeu a se distanciar deles. Os cineastas britânicos produziram em torno de 240 filmes entre 1915 e 1918, além do cinejornal quinzenal introduzido em maio de 1917. A proporção daqueles diretamente inspirados por departamentos do governo foi bem pequena – apesar de, na época, assim como hoje, os cineastas britânicos estarem sempre em busca de subsídios estatais.
Também na Alemanha, os chamados filmes feldgrau*, como How Max Won the Iron Cross [Como Max ganhou a Cruz de Ferro], On the Field of Honour [No campo da honra], Miss Field-grey [Senhorita Feldgrau] e It Should be All of Germany [Deveria ser tudo da Alemanha] foram produzidos pelo setor privado, com incentivo mínimo das autoridades.102 A proibição de filmes estrangeiros ajudou, assim como as comissões secretas do Ministério da Guerra (a partir de 1916). Mas, essencialmente, o cinema de guerra alemão foi autopromovido. Foi o produtor cinematográfico Oskar Messter que, de maneira oportunista, abordou as autoridades militares com uma proposta de administrar a filmagem nos vários palcos de guerra. O cinejornal Messter--Woche rapidamente ocupou uma posição quase monopolista em virtude do controle oficial de Messter sobre as licenças para filmar no front, para insatisfação dos concorrentes. Foi só bem mais tarde que o Comando Supremo estabeleceu um controle burocrático sobre o cinema, começando em outubro de 1916 com a criação do Departamento Militar de Filmagem e Fotografia (Militärische Film- und Photostelle), que se tornou o Departamento Cinematográfico e Fotográfico (Bild- und Filmamt) em janeiro de 1917. Quando Ludendorff procurou incrementar a propaganda cinematográfica com um programa de “instrução patriótica” na segunda metade de 1917, esta foi confiada a uma nova empresa, a Universum-Film-AG (UFA), financiada em conjunto pelo Estado e pelo setor privado. Depois da guerra, esta emergiu rapidamente como a maior produtora de cinema particular da Europa.103
O menos interessado na participação do governo era o cinema norte-americano. Em grande parte por iniciativa própria, Hollywood fundou a Associação Nacional da Indústria Cinematográfica, responsável por filmes belicosos como How the War Came to America [Como a guerra chegou à América],The Kaiserite in America [O kaiserista na América] e German War Practices [Práticas de guerra alemãs].104
Além disso, um número considerável de “propagandas” não tão caras foi produzido, sem qualquer referência ao governo, por associações como o Fight for Right Movement [Movimento de Luta por Direitos], de sir Francis Younghusband, o Council of Loyal British Subjects [Conselho de Súditos Britânicos Leais], a Victoria League [Liga Vitória], a British Empire Union [União do Império Britânico] e o Central Council for National Patriotic Organisations [Conselho Central para Organizações Patrióticas Nacionais].105 A mesma coisa pode ser dita com relação à Alemanha, onde a Liga Pangermânica e o novo Partido da Pátria desempenharam um papel independente similar. Nos Estados Unidos, a busca pelo inimigo interno foi conduzida não tanto pelo Departamento de Justiça, mas por grupos paramilitares como a American Patriotic League [Liga Patriótica Norte-Americana], a Patriotic Order of Sons of America [Ordem Patriótica dos Filhos da América] e os Knights of Liberty [Cavaleiros da Liberdade]. Organizações como essas foram responsáveis por centenas de incidentes de violência extralegal durante os anos de guerra, incluindo linchamentos de indivíduos suspeitos de simpatizar com o inimigo.106
Foi não só uma guerra da mídia, mas também uma guerra dos senhores da mídia. Em 4 de outubro de 1914, por sugestão do Ministério da Marinha, 93 acadêmicos, artistas e intelectuais alemães proeminentes (incluindo os cientistas Max Planck e Fritz Haber, o dramaturgo Gerhart Hauptmann e os economistas Lujo Brentano e Gustav Schmoller) publicaram um manifesto na imprensa alemã intitulado “Para o mundo da cultura!”, que justificava as ações alemãs na Bélgica (inclusive o incêndio de Louvain) e denunciava a intervenção da Grã-Bretanha ao lado da Rússia, “bárbara” e “semiasiática”. No fim de agosto, os famosos acadêmicos Ernest Hackel e Rudolph Eucken já haviam declarado em um manifesto similar: “É culpa da Inglaterra que esta guerra tenha se transformado em uma guerra mundial”.107 Esta foi seguida de uma declaração no mesmo estilo publicada pela Liga Cultural de Acadêmicos Alemães e de Why We Are At War [Por que estamos em guerra], dos historiadores Friedrich Meinecke e Hermann Oncken.
Os escritores, com efeito, reagiram mais depressa. Como é bem sabido, o contramanifesto de 52 “homens conhecidos de letras”, publicado no The Times em 18 de setembro de 1914, foi resultado de uma reunião organizada por Masterman em 2 de setembro na Wellington House.108 Mas os signatários não precisaram ser encorajados; a maioria já estava impaciente por isso. Entre os que vieram à Wellington House ou firmaram a “Declaração de Autores” do The Times estavam G. K. Chesterton, Arthur Conan Doyle, John Masefield, Rudyard Kipling e o editor da revista Punch, Owen Seaman – uma lista de escritores patrióticos, para não dizer tories. Thomas Hardy e o profeta da guerra (agora justificado) H. G. Wells também estavam presentes, e ávidos por ação verbal. Mais inesperadas foram as assinaturas dos romancistas Arnold Bennett e John Galsworthy, do classicista Gilbert Murray e do historiador G. M. Trevelyan, nenhum dos quais havia recebido a eclosão da guerra com muito entusiasmo.109
Um exemplo especialmente notável de mobilização intelectual é o caso da Faculdade de História de Oxford. Trabalhando com velocidade pouco usual – talvez até sem precedentes – nos anais da universidade, cinco historiadores de Oxford liderados por H. W. C. Davies e Ernest Barker escreveram Why We Are At War: Great Britain’s Case [Porque estamos em guerra: o caso da Grã-Bretanha] – às vezes também chamado de The Red Book [O livro vermelho] – que a University Press [a editora da universidade] conseguiu publicar já em 14 de setembro, apenas duas semanas depois de o original ter sido entregue.110 Mais tarde veio uma série de panfletos de Oxford para “o homem trabalhador inteligente”. Historiadores das universidades “provinciais” também participaram, entre os quais D. J. Medley, de Glasgow, e Ramsay Muir, de Manchester. Houve palestras nas principais cidades para combater a possível crença “entre muitos de nossos trabalhadores […] de que se a Alemanha ganhar a guerra eles não estarão em pior situação do que estão hoje”.111 Professores de outras faculdades deram contribuições similares. Além de assinar o manifesto dos “homens de letras”, Gilbert Murray escreveu How Can War Ever Be Right? [Como pode uma guerra ser justa?] e The Foreign Policy of Sir Edward Grey 1906-1915 [A política externa de sir Edward Grey, 1906-1915], um relato apologético publicado em junho de 1915 e descartado por Ramsay MacDonald (com razão) por considerá-lo um “exercício extraordinário de encobrimento e manipulação”.112
Deve-se notar que foram poucos os autores consagrados dentre os mencionados acima que aceitaram pagamento por seus escritos durante a guerra: Galsworthy e Wells escreveram seus artigos para a Wellington House de graça, para apreensão de seus agentes literários.113 Foi só bem mais tarde na guerra que os escritores mais assíduos, como Arnold Bennett, se tornaram funcionários do governo no Ministério da Informação de Beaverbrook. O mesmo aconteceu na França.114
Os poetas também se mobilizaram. O The Times estimou que recebia em torno de cem poemas por dia em agosto de 1914, a grande maioria de espírito romântico e patriótico. De acordo com uma estimativa, cerca de 50 mil poemas de guerra foram escritos na Alemanha naquele mesmo mês. Uma bibliografia da poesia de guerra britânica, majoritariamente patriótica, lista mais de 3 mil volumes; os 350 volumes contabilizados na Alemanha talvez sejam uma subestimação – ou talvez os Denker tenham superado os Dichter* depois dos dias de agosto.115 Sem dúvida, os poetas medíocres foram encorajados pelo governo: o jornalista Ernst Lissauer, por exemplo, recebeu a Cruz de Ferro por seu “Hino de ódio”. Mas ele o escreveu por iniciativa própria. Da mesma maneira, os dramaturgos não precisaram de incentivo para escrever obras patrióticas para o teatro.116
Em todas as esferas da sociedade, a propaganda de guerra não precisou ser produzida pelos governos: acadêmicos, jornalistas, poetas amadores e pessoas comuns a criaram de maneira espontânea. Os negócios também a fabricaram. Possivelmente, nada ilustra isso tão bem quanto a produção de brinquedos e histórias em quadrinhos para crianças, um fenômeno discernível em quase todos os países combatentes.117 Na Grã-Bretanha, foram produzidos tanques de brinquedo (disponíveis seis meses depois de terem sido usados pela primeira vez em batalha); na França, quebra-cabeças do navio Lusitania e uma versão militarizada do jogo Monopoly [Banco Imobiliário]; na Alemanha, peças de artilharia em miniatura que atiravam grãos de ervilha.118
Como grande parte da propaganda não foi controlada pelo governo, esta muitas vezes adquiriu vida própria. Típico do modo como os grupos de pressão nacionalistas enfraqueceram Bethmann Hollweg foi o tratado escrito por Wolfgang Kapp,Nationalist Circles and the Reich Chancellor (1916) [Círculos nacionalistas e o chanceler do Reich], parte da implacável campanha (reco nhecidamente, com a conivência do Ministério da Marinha) para eliminar as restrições sobre a guerra submarina.119 Um exemplo ainda melhor é a maneira extraordinária com que Northcliffe perseguiu sucessivos governos britânicos. Em certas ocasiões, Charles à Court Repington se referiu à imprensa leal ao governo como “imprensa governista”; mas às vezes a Grã-Bretanha parecia estar caminhando para um governismo da imprensa.120 Northcliffe usou seus jornais para fazer campanha contra Haldane em 1914, contra Kitchener em 1915, contra Asquith em 1916 e finalmente contra Lloyd George e Milner, depois que a guerra terminou. Seus jornais conduziram uma sequência de campanhas visando intensificar os esforços de guerra britânicos: defendiam o confinamento de estrangeiros, a criação de um Ministério das Munições, a implementação de um registro nacional de homens capazes de portar armas, a instauração de um Conselho de Guerra Especial, a aquisição de mais metralhadoras e, é claro, a instituição do alistamento militar obrigatório. Essas intervenções foram tão perturbadoras que o conde de Rosebery, apoiado por Churchill, propôs que o The Times fosse nacionalizado; mas isso não foi feito.121 Asquith viria a se arrepender. Embora Northcliffe não tenha sido o único a arquitetar sua queda como primeiro-ministro – Beaverbrook também fez sua parte –, não há dúvida de que os lordes da imprensa a precipitaram.122
Típica de Northcliffe foi sua instrução ao editor do Daily Mail, Tom Clarke, em dezembro de 1916: “Consiga uma foto sorridente de Lloyd George e, abaixo, ponha a legenda ‘FAÇA AGORA’; obtenha a pior foto possível de Asquith e coloque ‘ESPERE E VERÁ’”.123 Nas etapas finais da guerra (sobretudo depois de sua viagem ególatra aos Estados Unidos)124, Northcliffe estava evidenciando uma espécie de megalomania. “Diga ao chefe”, disse ele a um dos funcionários de Haig no outono de 1917, “que se [Lloyd] George ousar fazer alguma coisa contra ele, eu o derrubo do gabinete.”125 Em 3 de outubro de 1918, ele chegou a ponto de dizer a Riddell: “Eu não proponho usar meus jornais e minha influência pessoal para apoiar um novo governo […] a não ser que eu conheça com toda a certeza e por escrito, e aprove conscientemente, as pessoas que constituirão esse governo”.126
Além disso, a relativa autonomia da imprensa muitas vezes pressionou os governos a adotarem objetivos de guerra mais ambiciosos. Embora o debate sobre os objetivos de guerra na Alemanha seja famoso graças a Fischer, houve um debate muito similar na Grã-Bretanha e, com efeito, em todos os Estados combatentes. Entre as opções mais extremas defendidas por jornalistas britânicos como objetivos de guerra estava, por exemplo, a dissolução do Reich alemão. Outras demandas – a destruição dos impérios Otomano e Habsburgo – só parecem menos fantasiosas do que suas equivalentes alemãs porque se concretizaram.127
Não precisamos nos deter muito no conteúdo das propagandas. Em todos os países houve uma torrente do que Paul Fussell chamou de “estilo elevado”: um amigo se tornou um “camarada”, um cavalo se tornou um “corcel”, um inimigo se tornou um “adversário”.128 Em The Barbarism of Berlin [O barbarismo de Berlim], G. K. Chesterton afirmou que a Grã-Bretanha estava “lutando pela confiança e pelo compromisso […] pelo braço comprido da honra e da memória”. A poesia era o veículo preferido para tais sentimentos. “A morte não é a morte para aquele que ousa morrer”, entoou sir Henry New-bolt, não de maneira atípica, em seu “Sacramentum Supremum”.129 “Quem fica de pé se a liberdade cai?”, perguntou Kipling em “For All We Have and Are” [“Por tudo o que temos e somos”]; “Quem morre se a Inglaterra vive?”. Nenhum aspecto da guerra, por menos romântico que fosse, foi poupado dessa linguagem. Newbolt foi capaz de adotá-la mesmo ao escrever sobre um filme de guerra (“Ah, as imagens vivas dos mortos. Ah, as canções sem som […]”).130 Alfred Noyes, outro poeta da velha escola, descreveu as trabalhadoras das fábricas de munição de Glasgow “colocando toda a paixão da maternidade” em sua “prole reluzente de munições […] produzidas para proteger uma prole mais preciosa de carne e osso”.131 Gilbert Murray procurou justificar tais disparates, argumentando que
a linguagem do romance e do melodrama agora se tornou […] a linguagem de nossa vida normal […] As velhas expressões [do tipo] […] “a morte é melhor que a desonra” – que pensávamos serem adequadas para os palcos ou para as histórias infantis – são hoje as verdades cotidianas que pautam nossa vida.132
Tanto falou, que não convenceu. Uma crítica mais sóbria foi mais certeira quando ele se referiu ao estilo elevado como “maquiagem de palavras”.133
Para a propaganda britânica, a violação da neutralidade belga era o ás no baralho, e este foi jogado exaustivamente . A Grã-Bretanha, conforme afirmavam os “homens de letras”, estava lutando “para manter a soberania da justiça entre os povos civilizados [e] para defender os direitos das pequenas nações”.134 O Livro vermelho de Oxford contrastava a Grã-Bretanha, uma nação guiada pelo estado de direito, com a Alemanha, que não respeitava tratados. O “tratado solene renovado mais de uma vez” era, como afirmou Gilbert Murray em How Can War Ever Be Right? [Como pode uma guerra ser justa?], o argumento decisivo em favor do conflito.135 Harold Spencer também assegurou aos liberais hesitantes que a Grã-Bretanha havia ido à guerra para fazer cumprir a lei e “somente por essa razão”.136 O autor Hall Caine publicou King Albert’s Book: A Tribute to the Belgian King and People [O livro do rei Alberto: um tributo ao rei e ao povo belga], um “pacto […] firmado sobre o altar dessacralizado da liberdade de uma pequena nação”.137 Galsworthy e o historiador Arnold Toynbee estavam entre os muitos que, em suas publicações, objetaram contra o “terror” alemão. Hardy até escreveu um poema sobre o assunto, intitulado “On the Belgian Expatriation” [“Da expatriação belga”], e os clérigos anglicanos mais devotos jamais se cansaram do tema.138 Tampouco o Comitê Parlamentar de Recrutamento: com efeito, seu cartaz “The Scrap of Paper” [“O pedaço de papel”] reproduzia o selo e as assinaturas do tratado de 1839. Em comparação, pouquíssimas propagandas britânicas se referiram ao argumento estratégico – tão importante no Gabinete em 1914 e tão apreciado pelos germanófobos antes da guerra – de que a Bélgica e a França deveriam ser defendidas para evitar que a Alemanha construísse bases navais na costa do canal.139
Notoriamente, a propaganda da Entente exagerava as “atrocidades” infligidas pelos Exércitos alemães à população belga. Após a guerra, o pacifista liberal Arthur Ponsonby deu o famoso exemplo (mas, na verdade, falso) de uma reportagem do Kölnische Zeitung – “Quando se soube da queda da Antuérpia, os sinos das igrejas dobraram” – que, através de sucessivos jornais da Entente, supostamente fora transformada no seguinte: “Os bárbaros conquistadores da Antuérpia puniram os desafortunados padres belgas por sua heroica recusa em tocar os sinos das igrejas atando-os ao interior dos sinos de cabeça para baixo, como badalos vivos”.140
Mas é verdade que fotografias de massacres russos anteriores à guerra foram reimpressas para “ilustrar” histórias de comportamento alemão na Bélgica. O Sunday Chronicle foi um dos muitos jornais britânicos que afirmaram que os alemães haviam cortado as mãos de crianças belgas, enquanto o ex-alarmista William Le Queux relatou com prazer mal dissimulado “as orgias absurdas de sangue e devassidão” a que os alemães supostamente se entregavam, incluindo “a violação e o assassinato impiedosos de crianças em tenra idade, garotas e mulheres indefesas”. Outros escritores se divertiram imaginando jovens de 16 anos “forçadas a beber” e então “violadas” no chão antes de terem os seios “perfurados […] com baionetas”. Outra imagem muito apreciada era a de um bebê enfiado numa baioneta. J. H. Morgan chegou a acusá-los de “[praticar] sodomia […] com criancinhas”. Pelo menos 11 panfletos sobre o assunto foram publicados na Grã-Bretanha entre 1914 e 1918, incluindo o relatório oficial de lorde Bryce, Report … on Alleged German Atrocities (1915) [Relatório […] sobre supostas atrocidades alemãs],141 e a Wellington House, sob o comando de Masterman, assegurou que uma grande proporção desses fossem traduzidos e enviados a outros países. As atrocidades vendiam bem no exterior. Vários cartazes do empréstimo norte-americano Liberty usaram imagens de ninfas belgas parcamente vestidas à mercê de hunos símios e seduzindo os poupadores lascivos a comprarem títulos de guerra.142
Os escritores britânicos mais circunspectos procuraram discernir entre “os ideais livres e legalistas da Europa Ocidental” ou “da raça anglófona” e “o governo de ‘sangue e ferro’” preferido pela “casta militar” da Alemanha.143 Anthony Hope, autor de O prisioneiro de Zenda, zombou do militarismo alemão em paródias de Bernhardi, entre as quais The German (New) Testament [O (Novo) Testamento alemão]. Hardy também denunciou “os escritos de Nietzsche, Treitschke, Bernhardi etc.”.144 Essa linha de argumentação possibilitou que os liberais de consciência pesada no Daily News estabelecessem uma distinção entre o povo alemão, com quem, segundo afirmavam, não tinham nenhuma rixa, e a “tirania que os aprisionou em seu vício”. Assim, a guerra podia ser retratada como “a última luta suprema entre a velha e a nova ordem”.145
Outro tema da propaganda britânica, concebido especificamente para consumo norte-americano e adotado por H. G. Wells, foi a ideia de que a Grã-Bretanha estava travando uma guerra contra “o kruppismo […] esta enorme máquina de guerra […] este sórdido negócio gigantesco a serviço da morte”.146 Nos primeiros escritos de guerra de Wells, por mais improvávelque pareça, aquela se tornou uma guerra em prol “do desarmamento e da paz em todo o mundo”.147 Dirigido de maneira ainda mais direta ao sentimento norte-americano foi seu influente panfleto The War that Will End War [A guerra que colocará fim às guerras], concluído às pressas em 14 de agosto, do qual derivou grande parte da retórica posterior de Woodrow Wilson.
Os propagandistas também gostavam de denegrir a cultura nacional do país inimigo. Parcialmente em resposta ao manifesto alemão “To the World of Culture” [“Ao mundo da cultura”], os escritores britânicos atacaram a “truculência e a erudição enfadonha” dos “docentes teutônicos”.148 Os acadêmicos britânicos, que durante décadas foram levados a se sentir inferiores devido ao rigor das universidades alemãs, se entusiasmaram. Até mesmo Gilbert Murray desdenhou dos acadêmicos alemães que “passaram a vida absortos em certos objetos [de estudo] […] não tão importantes nem particularmente belos ou reveladores”. Em Cambridge, sir Arthur Quiller-Couch declarou guerra às “inúteis críticas e pesquisas históricas [alemãs]”.149 “A era das notas de rodapé alemãs”, declarou um otimista de Oxford, “está com os dias contados.”150 A verborrágica denúncia de Thomas Mann à “civilização” britânica como inferior à Kultur alemã (especialmente Wagner) também surgiu nesse mesmo momento, e mostrou que as notas de rodapé eram o que menos havia de errado na vida intelectual alemã.151 É difícil acreditar, mesmo sendo verdade, que homens inteligentes na Grã-Bretanha pensassem estar combatendo notas de rodapé e homens inteligentes na Alemanha pensassem estar defendendo acordes de mi bemol.
A contrapartida disso foi a afirmação de que a guerra teria um efeito purificador sobre a própria cultura nacional, como ilustram os comentários na Poetry Review em 1914, que ansiavam por “uma ‘catarse’” das secreções mórbidas [que estavam] tão em evidência ultimamente”.152 Edmund Gosse foi um notável defensor dessa visão na Grã-Bretanha, prevendo que a guerra, como um “desinfetante”, limparia “as poças estagnadas e os canais obstruídos do intelecto”; em particular, ele esperava que ela livrasse o país do vorticismo.153 Da mesma forma, o poeta alemão Richard Dehmel esperava que a guerra levasse os alemães a pensarem menos em “liberdade, igualdade e coisas do tipo” e mais “[n]as árvores crescendo”.
O que tornou tão risíveis as afirmações mais pomposas de tais escritores foi precisamente a degradação cultural que a guerra pareceu causar. Longe de uma elevação do espírito nacional, houve um carnaval de vulgaridade. Slogans grosseiros como Jeder Tritt ein Britt (“Para cada passo, um britânico”), Jeder Stoss ein Franzos (“Para cada golpe, um francês”) e Jeder Schuss ein Russ (“Para cada tiro, um russo”) tiveram equivalentes em toda parte: “Enforquem o Kaiser”, por exemplo. Cartões-postais humorísticos banalizavam a guerra: um cartão-postal alemão tentou fazer piada sobre um ataque de gás, enquanto os italianos procuraram ver o lado engraçado das atrocidades belgas.154
Essa banalização foi parte de um esforço maior de glamorizar, ou pelo menos higienizar, o combate propriamente dito. Nas reportagens que o próprio Northcliffe escreveu do front, a guerra era representada como uma espécie de férias alegres de verão: “A vida ao ar livre, a alimentação regular e abundante, o exercício e a ausência de preocupações e responsabilidades mantêm os soldados contentes e em extraordinária forma física”. Um tema apreciado pelos britânicos era que a guerra era uma forma de esporte: “o grande jogo” ou “uma corrida rápida com os cães de caça”.155 Mesmo a morte era vista por esse prisma cor-de-rosa. O The Times citou Lloyd George: “o soldado britânico é um bom esportista […] luta como um bom esportista [e], aos milhares, morre como um bom esportista”. O cadáver britânico, de acordo com W. Beach Thomas no Daily Mirror, parecia ser “de uma fidelidade mais serena, de uma lealdade mais simples, do que outros […] como se, ao morrer, tivesse tomado cuidado para que não houvesse […] heroísmo em sua postura”.156 Eufemismos desse tipo eram usados com mais liberdade quando as baixas eram mais numerosas – como no caso da época do Somme. A imprensa francesa precisou usar as mesmas táticas na desastrosa fase inicial da guerra, assegurando aos leitores que as balas alemãs eram ineficazes, e mais uma vez em 1915, quando houve uma ênfase implausível no bom humor dos soldados franceses, “indo à batalha como se fossem a um banquete […] Eles ansiavam pela ofensiva como se fosse uma festa. Estavam tão felizes! Eles riam! Faziam piadas!”.157
Finalmente, os propagandistas procuraram encorajar seus cidadãos com a perspectiva de que a vitória pagaria os dividendos políticos nacionais. Para começar, os governos alardeavam a unidade nacional evocada pelo conflito: a França tinha sua Union sacrée; a Alemanha, sua Burgfrieden; e a Grã-Bretanha se esqueceu alegremente da Irlanda e voltou aos “negócios de sempre” (parte da relevância da frase reside no fato de que, em 1913-1914, os negócios não eram os de sempre). Lloyd George foi um dos primeiros estadistas a dar um giro político a essa linha de argumentação, dizendo à sua plateia no Queen’s Hall em setembro de 1914 que ele viu
entre todas as classes, altas e baixas, despindo-se de egoísmo, um novo reconhecimento de que a honra do país não depende meramente da manutenção de sua glória no campo de batalha, mas também de que seus lares sejam protegidos do sofrimento.158
Isso equivalia a uma promessa cifrada aos liberais que o apoiavam de que, como no caso dos encouraçados, os custos da guerra não seriam incompatíveis com as políticas sociais e a tributação progressiva. Mais tarde, é claro, a propaganda britânica fez promessas mais explícitas de que a guerra traria progresso material para a maioria dos britânicos – daí os “lares dignos de heróis”.
Mas a propaganda funcionou? As evidências necessárias para responder a essa pergunta são escassas; mas temos o suficiente para arriscar um veredicto.
A censura provavelmente conseguiu alguma coisa; o próprio fato de os jornalistas reclamarem tanto dela fala a seu favor. Sem dúvida, manteve uma boa dose de segredo de um modo que se mostraria impossível durante a Segunda Guerra Mundial, quando as rádios particulares com alcance internacional minaram até mesmo o controle de Goebbels sobre a imprensa. A perda constrangedora do navio de guerra Audacious na costa da Irlanda em outubro de 1914 não foi informada na Grã-Bretanha, tampouco a Batalha da Jutlândia, até algum tempo depois de terminada a guerra. Os alemães não faziam ideia da quantidade de munições francesas em 1917; provavelmente, a maioria dos civis franceses também não.
A própria propaganda também pode ter conseguido alguma coisa. Certamente vendeu bem. O Livro vermelho de Oxford vendeu 50 mil exemplares, dos quais apenas 3.300 foram para o Ministério das Relações Exteriores para serem usados em outros países. Em setembro de 1915, 87 panfletos diferentes haviam sido publicados em Oxford, com uma tiragem total de 500 mil. Com preços que iam de 1 a 4 pence, eles venderam bem: cerca de 300 mil até janeiro de 1915.159 O relato insosso de John Masefield sobre o Somme, The Old Front Line [A velha linha de frente], vendeu 20 mil exemplares na Grã-Bretanha e quase 4 mil nos Estados Unidos. A Statement of the British Case [Uma exposição da causa britânica], de Arnold Bennett, vendeu 4.600 exemplares na Grã-Bretanha; Foreign Policy of Sir Edward Grey [A política externa de sir Edward Grey], de Gilbert Murray, também vendeu bastante.160 O filme For the Empire [Para o império] foi um grande sucesso: foi visto por cerca de 9 milhões de pessoas até dezembro de 1916.161 No último ano da guerra, estimou-se que o Comitê Nacional dos Objetivos de Guerra atingiu mais de 1 milhão de leitores com sua enxurrada de publicações.162
Por outro lado, parece improvável que o famoso cartaz de Kitchener criado por Alfred Leete tenha sido tão eficaz quanto sua fama depois da guerra parece indicar.163 O filme You! [Você!] (que tinha o mesmo objetivo) foi um fracasso comercial.164 Além disso, algumas obras que criticavam a guerra também foram sucessos comerciais. Common Sense about the War [Bom senso a respeito da guerra], de Shaw, vendeu 25 mil exemplares; o desiludido Mr. Britling Sees it Through [O sr. Britling percebe], de Wells, teve 13 edições antes do fim de 1916 e rendeu ao autor 20 mil libras em direitos autorais só nos Estados Unidos.165 Le Feu [O fogo], de Barbusse, foi um best-seller.
Ainda mais ambíguos são os indícios da recepção de filmes como The Battle of the Somme [A Batalha do Somme]. É discutível, inclusive, até que ponto esse filme pode ser considerado propaganda de guerra. Não menos que 13% de seus 75 minutos de duração foram dedicados a cenas de mortos e feridos; no caso dos últimos 18 minutos de filme, mais de 40%. As legendas eram implacáveis: “Soldados britânicos resgatando um comandante sob uma chuva de balas. (Este homem morreu 20 minutos depois de chegar a uma trincheira.)”. Mas o filme foi um grande sucesso. A Kine Weekly o declarou “o mais maravilhoso roteiro de filme de guerra já escrito”. Em outubro de 1916, havia sido solicitado por mais de 2 mil cinemas em todo o país, quase metade do total de 4.500. Faturou em torno de 30 mil libras.166
Por outro lado, nem todos gostaram do que viram. O The Times e o Guardian receberam cartas lamentando “um entretenimento que fere o coração e viola a própria santidade do luto” (nas palavras do reitor de Durham). E muitos dos que aprovaram o filme o fizeram precisamente porque este levou os espectadores às lágrimas diante do horror da guerra.167 Além do mais, pode-se questionar quanto esses filmes proporcionaram de positivo ao serem exibidos para espectadores estrangeiros. Os informes dos diplomatas revelam (por exemplo) que os nicaraguenses ficaram entediados com as longas sequências de “destróieres […] avançando em um mar nebuloso com uma imagem ocasional de um amuleto”, ao passo que os espectadores de Cartum, no Sudão, queriam mais “alemães ou turcos mortos”, e os que foram aos cinemas na China objetaram contra a escassez de cenas de combate.168 Quando The Battle of the Somme [A Batalha do Somme] foi exibido em Haia, a Cruz Vermelha o viu como uma oportunidade perfeita para levantar fundos para sua liga antiguerra. Nos Estados Unidos, como Buchan foi informado por seu agente em Nova York, foram “tantas [as] cartas de reclamação sobre os horrores dos filmes sobre o Somme, e tão desastrosos os seus efeitos, desestimulando o recrutamento e colocando as pessoas contra a guerra, que […] recolhemos os filmes e os submetemos a rígida censura”.169 Isso, por si só, coloca em dúvida o mito do brilhantismo da propaganda de guerra britânica.
Em contrapartida, há boas razões para pensar que o modo como o cinema foi usado na Alemanha foi mais eficaz. Oskar Messter afirmou que 18 milhões de pessoas viram seus cinejornais na Alemanha e nos países aliados, e mais de 12 milhões em países neutros.170 Se isso for verdade, os números são altíssimos. Uma diferença marcante entre os filmes de guerra alemães e os britânicos foi a preponderância de dramas sobre documentários: enquanto os alemães produziram numerosos filmes de aventura e romances feldgrau, na Grã-Bretanha Hearts of the World (1916) [Corações do mundo] foi uma exceção; observe-se, aliás, que o diretor era norte-americano. Há motivos para questionar se produtores britânicos como Geoffrey Malins estavam certos ao pensar que mostrar “a morte em toda a sua nudez assustadora” fortaleceria a determinação do público.171
Talvez a melhor medida de sucesso da propaganda da Entente no exterior seja o número de refutações que provocou do lado alemão. O Departamento Central Alemão para Serviços Externos produziu um documento oficial dedicado a negar as afirmações de que as tropas alemãs haviam cometido atrocidades. Os relatos sobre as crueldades também perturbaram muitos alemães fora do governo. Aby Warburg, historiador de arte de Hamburgo, passou grande parte da guerra reunindo obsessivamente indícios nos jornais para refutar as acusações.172 O que não está tão claro é até que ponto a propaganda foi capaz de influenciar a opinião neutra. Está claro, por exemplo, que a decisão norte-americana de intervir não se deveu, primordialmente – ou mesmo de maneira secundária –, à propaganda da Entente.173 E é tentador concluir que ambos os lados desperdiçaram uma boa soma de dinheiro tentando comprar apoio jornalístico em países como a Itália e a Grécia.174 Quanto ao efeito da propaganda dos Aliados sobre a opinião pública alemã, as provas são escassas: se é que se pode inferir alguma coisa com base no comportamento de alguns soldados (e, em particular, marinheiros) alemães em novembro de 1918 é que, nesse aspecto, os mais eficazes foram os bolcheviques.175
Além do mais, mesmo que o jornalismo jingoísta fortalecesse o moral internamente, não está nem um pouco claro se os homens envolvidos no combate ficaram impressionados. Os soldados certamente liam a imprensa de Northcliffe: o Daily Mail era vendido por garotos franceses nos acessos para as trincheiras de comunicações, e mesmo no auge da Batalha do Somme os jornais chegavam de Londres apenas um dia após a publicação.176 Com veremos, as histórias de atrocidades de fato influenciaram os soldados. Mas os relatos mais fantasiosos de vida e morte no front foram expostos ao ridículo. A “Testemunha Ocular” foi apelidada “Colírio”, e o estilo jingoísta de Hilaire Belloc foi satirizado, como na paródia “Belary Hilloc” publicada no Wipers Times em fevereiro de 1916:
Neste artigo, quero mostrar apenas que, nas condições existentes, tudo aponta para uma rápida desintegração do inimigo. Em primeiro lugar, tomemos o efeito da guerra sobre a população masculina da Alemanha. Comecemos considerando nossos números [de] 12 milhões como o total de alemães na guerra. Destes, 8 milhões foram mortos ou estão sendo mortos, e, portanto, temos 4 milhões restantes. Destes, 1 milhão não é combatente, sendo parte da Marinha. Dos 3 milhões restantes, podemos desconsiderar 2,5 milhões como inaptos para lutar, devido à obesidade e a outros males causados por um estilo de vida rude. Isso nos deixa com um efetivo total de 500 mil homens. Destes, sabe-se que 497.250 sofrem de doenças incuráveis […] e, dos 600 restantes, 584 são generais e funcionários administrativos. Desse modo, concluímos que há 16 homens na Frente Ocidental. Esse número, eu garanto, não é suficiente para que eles tenham a mínima chance de resistir a mais quatro grandes ataques […].177
“Fight to the Finish” [“Luta até o fim”], de Siegfried Sassoon, expressa sua própria aversão aos “homens da imprensa marrom”, que ele imagina sendo atravessados por baionetas pelos “rapazes” depois de seu desfile de vitória em Londres.178 Os soldados franceses sentiam o mesmo com relação a seus jornais mais belicosos.179 Os soldados saxões no Ypres em julho de 1915 até jogaram uma pedra na fileira inglesa com uma mensagem atada: “Enviem-nos um jornal inglês para que possamos saber a verdade”.180
Os soldados britânicos preferiam produzir e ler seus próprios jornais nas trincheiras (cerca de metade dos quais foram editados por suboficiais).181 A mesma coisa fizeram os franceses, que produziram uma série de “jornais de trincheira” – uns 400182 – com títulos como Le Rire aux Eclats e, inevitavelmente,Le Poilu*. Uma das mais duradouras revistas satíricas francesas, Le Crapouillot, surgiu nas trincheiras em agosto de 1915.183 Os soldados alemães eram igualmente céticos com relação à propaganda de seu próprio governo. Sem dúvida, muitos soldados instruídos (como o artista Otto Dix) carregavam as obras de Nietzsche na bagagem e acreditavam sinceramente que estavam “defendendo o sentimento alemão contra o barbarismo asiático e a indiferença latina”.184 Mas aquilo foi no começo. Quando um cinejornal intitulado From the Front [Do front] foi exibido às tropas em 1916, foi recebido com escárnio.185
Talvez a verdade cruel sobre a propaganda de guerra seja que esta teve maior influência no grupo social que menos se importava com o conflito: as crianças. Em Os últimos dias da humanidade, Karl Kraus retrata crianças vienenses trocando alegremente slogans de guerra. Hänschen cumprimenta Trudchen com o slogan “Gott strafe England” [Que Deus puna a Inglaterra], enquanto duas crianças discutem sobre seu “dever” de apoiar os empréstimos de guerra:
KLAUS: O modo como fomos cercados, toda criança sabe disso.
DOLLY: Inveja britânica, vingança francesa, rapacidade russa […] a Alemanha queria um lugar ao sol.
KLAUS: A Europa era um barril de pólvora.
DOLLY: O tratado belga era um pedaço de papel.186
Há indícios de que este era apenas um pequeno exagero. Quando se perguntou a crianças em duas escolas de Londres sobre os tipos de filme de que elas mais gostavam, os filmes de guerra ficaram em segundo lugar; quando solicitadas a listar seus cinco filmes favoritos, a maioria colocou The Battle of the Somme [A Batalha do Somme] ou The Battle of the Ancre [A Batalha do Ancre] em primeiro lugar. A descrição de tirar o fôlego que um aluno fez deste último mostra como até mesmo as cenas de batalha mais realistas podiam ser reformuladas por uma mente impressionável exposta às obras de Buchan e similares a uma idade precoce:
Agora soa o apito, e eles sobem no parapeito, rá, tá, tá, fazem as metralhadoras alemãs, mas nada assusta nossos soldados. Bang! E cai seu galante capitão. Isso leva os homens à fúria. Finalmente, eles chegam às linhas alemãs. A maioria dos alemães foge gritando “Camarada! Camarada!” etc. Agora os britânicos e alemães feridos são trazidos […] Logo depois aparecem os prisioneiros alemães, uns patifes com cara de mau que eu não gostaria de encontrar numa noite escura […].187
Um dos mais convincentes de todos os argumentos sobre o papel da imprensa durante a guerra foi apresentado pelo satirista vienense Karl Kraus na revista Die Fackel (que ele produzia sozinho) e em sua épica obra teatral sobre a guerra, Os últimos dias da humanidade.
Kraus ficou ao mesmo tempo fascinado e horrorizado pelo modo como os jornais tratavam a guerra – com uma mistura de cinismo consciente e ironia inconsciente – como a “boa história” definitiva. No começo de Os últimos dias… são os repórteres que transformam bêbados xenófobos em multidões patrióticas, e um editor é quem confere ao funeral de Francisco Ferdinando o “clima” que nitidamente não existiu. Cinegrafistas conversam sobre mortes fotogênicas – “completamente naturais” – e execuções – “que pena que vocês não estavam lá”. Quando 17 soldados austríacos são atingidos por um pedaço de projétil na presença dos repórteres, esse é “o maior reconhecimento que a imprensa já recebeu na guerra”. Quando um soldado ferido implora para que um jornalista lhe dê dinheiro, este responde de mau humor: “Desculpe, o que você quer de mim, eu tive 80 linhas censuradas no jornal da última segunda-feira”. Nos cinemas, um cinejornal documentando o naufrágio do Lusitania é precedido do seguinte anúncio: “É permitido fumar neste momento do programa”. Um filme sobre o Somme é, ele próprio, “o maior acontecimento da guerra”.
Entre os muitos jornalistas desprezíveis de Os últimos dias…, a mais importante é Alice Schalek, a correspondente de guerra para quem o sofrimento dos soldados é meramente “cor” para sua matéria. Para Schalek, a guerra não é diferente das obras de teatro sobre as quais ela escrevia em tempos de paz: as “performances” no front são “de primeira linha” e os oficiais são tratados nas entrevistas como se fossem estrelas no palco (“Como você se sentiu?” é sua pergunta predileta). Antecipando Hemingway, a própria Schalek experimenta usar uma arma e considera “interessante” quando (como lhe haviam alertado) o inimigo devolve fogo com vontade. Durante toda a obra, Kraus mostra como a linguagem jornalística distorce a guerra: “as massas” aos “milhares e mais milhares” (imbecis ameaçam estrangeiros); “com coragem genuína, Viena aceita a decisão fatídica […] completamente despida de confiança exacerbada ou fraqueza” (mais imbecis ameaçam estrangeiros); “o líder de nosso Exército glorioso faz uma declaração importante” (um general senil resmunga de maneira incompreensível); “os soldados estão livres” (homens são obrigados por seus empregadores a ir à guerra). Além do mais, essa linguagem contagia a todos: as autoridades militares começam a usá-la e, como vimos, as crianças também. Uma garotinha se recusa a brincar com os amigos porque esporte é uma frivolidade inglesa, enquanto os alemães só trabalham. Contente, a mãe propõe enviar as “palavras de ouro” da filha para o Berliner Abendzeitung.
Isso não era mera consequência da guerra. Ao contrário: de acordo com Kraus, era a guerra que era consequência do empobrecimento da imaginação provocado pela imprensa de massa. “Durante décadas de prática”, ele argumentou,
o repórter de jornal nos trouxe a esse nível de empobrecimento da imaginação que nos permite travar uma guerra de aniquilação contra nós mesmos. Uma vez que a eficiência ilimitada de seu aparato nos privou de toda capacidade de experiência e de elaboração mental dessa experiência, ele pode agora implantar em nós a coragem diante da morte, de que precisamos para correr para a batalha […] Seu abuso da linguagem embeleza o abuso da vida.188
O essencial para a guerra, então, era “a automutilação mental da humanidade por meio da imprensa”. Seu argumento central no ensaio “In These Great Times” [“Nestes tempos grandiosos”] era de que “não só os atos produzem reportagens, como as reportagens são responsáveis pelas ações”, de modo que, “se o jornal publica mentiras sobre atrocidades, o resultado serão atrocidades”. Kraus apresentou o mesmo argumento em Os últimos dias…: “O jornal queima e incendeia o mundo. As páginas dos jornais acenderam o pavio da conflagração mundial […] A guerra teria sido possível sem a imprensa? Teria sido possível começá-la ou continuá-la?”.
Mas a imprensa só estava atuando em interesse próprio: como afirma um dos jornalistas de Kraus, “o público deve ter seu apetite estimulado para a guerra e para o jornal, um é inseparável do outro”. Multidões aclamam “a Áustria, a Alemanha e a Neue Freie Presse”. “Aqueles são nossos homens?”, um repórter perto da linha de frente pergunta a outro. “Você quer dizer do corpo de imprensa?”, responde o outro. A única “internacional” que se beneficiou da guerra, argumenta o alter ego de Kraus, “the Grumbler” [“o Queixoso”], é “a internacional em branco e preto”.189
Esse argumento certamente soa familiar aos leitores atuais, por antecipar ideias de analistas posteriores como Walter Benjamin, Marshall McLuhan e Jean Baudrillard. No mínimo, é um lembrete útil de que o poder dos meios de comunicação de massa não é algo recente, nem tampouco o entusiasmo dos jornais por guerras. Mas Kraus tinha razão? Decorre de seu argumento que a guerra impulsionou a circulação dos jornais e, portanto, também os lucros: de fato, ele denunciou Moritz Benedikt, o proprietário do Neue Freie Presse, como “o homem à frente da caixa registradora da história mundial”.190 Embora muito se tenha escrito sobre a propaganda de guerra, até o momento não houve nenhuma tentativa de avaliar o impacto da guerra sobre a imprensa europeia em termos de circulação e lucratividade.
À primeira vista, Kraus estava certo: há indícios notáveis de que a guerra realmente aumentou a venda de jornais. A circulação do Daily Mail saltou de 946 mil antes da guerra para pouco menos de 1,5 milhão durante as primeiras semanas de agosto de 1914, e permaneceu em 1,4 milhão até junho de 1916. Mesmo no fim da guerra, permaneceu acima do nível registrado antes do conflito (Figura 11).
Fonte: McEwen, “National Press”, p. 468-483.
Um jornal noturno registrou um aumento de 144% em sua circulação em 3 de agosto de 1914; mas esse número foi superado em 16 de dezembro, quando estourou a notícia do primeiro ataque naval alemão à costa oriental. O The Times viu as vendas aumentarem para 278 mil em 4 de agosto de 1914 e 318 mil no mês seguinte. O Evening News também conquistou cerca de 900 mil leitores na segunda metade de 1914. O Daily Express praticamente dobrou sua circulação durante a guerra; ao passo que o John Bull, de Horatio Bottomley, estava vendendo nada menos que 2 milhões de exemplares no fim de 1918, um número que só foi superado pelo novo Sunday Pictorial e pelo News of the World.
Na França, o Le Matin viveu um boom similar. Na Alemanha, a circulação do Berliner Tageblatt cresceu de 220 mil em 1913 para 300 mil em 1918.191 Entre 1913 e 1918, a circulação total de jornais alemães aumentou em torno de 70%.192 Uma seleção de sete títulos para os quais há dados disponíveis indica um crescimento substancial do público leitor durante a guerra (ver Tabela 20).
Fonte: Heenemann, “Auflagenhöhe”, p. 70-86.
Até mesmo a imprensa dos países neutros se beneficiou: a circulação do Neue Zürcher Zeitung dobrou durante a guerra, e a do New York Times cresceu 48% antes da entrada dos Estados Unidos.193 Não há dúvida, portanto, de que a guerra vendeu jornais exatamente como Northcliffe havia previsto. Isso também é válido para o cinema. Antes da guerra, havia uma única série de cinejornais alemães; em setembro de 1914, o número havia crescido para sete. No fim da guerra, a quantidade de cinemas na Alemanha havia aumentado 27%; e o número de produtoras cinematográficas passou de 25 para 130.194
Mas é preciso fazer algumas ressalvas aos argumentos de Kraus. Como mostram os números para a imprensa britânica, nem todos os ganhos em circulação foram permanentes. No geral, o The Times perdeu leitores durante a guerra. Outros jornais conquistaram mais leitores e depois perderam; alguns estagnaram (o Telegraph, por exemplo). Alguns dos jornais que aumentaram sua tiragem já o haviam feito antes da guerra. Outros jornais não incrementaram as vendas durante a guerra, enquanto um número considerável (sobretudo jornais socialistas) perdeu leitores.195 Além disso, houve várias desvantagens econômicas que impediram que uma maior circulação se traduzisse em lucros mais altos. A receita obtida com publicidade caiu em toda parte e, como outras indústrias do setor de serviços sem um papel direto na produção de armamentos, a imprensa perdeu mão de obra qualificada. Especialmente prejudicial foi a escassez de papel e a inflação geral dos preços causada pela guerra. Na Grã-Bretanha, um racionamento de papel foi implementado em 1918, reduzindo em 50% as alocações, embora os jornais tenham sido forçados a reduzir seu número de páginas muito antes por causa da queda na receita obtida com publicidade.196 Na França, as publicações de periodicidade diária foram reduzidas a duas páginas a partir de agosto de 1914 e, embora esse limite tenha sido posteriormente aumentado para seis páginas em certos dias da semana, a escassez de papel as obrigou a reduzir novamente para quatro páginas, cinco dias por semana, em 1917.197 Na Alemanha, o papel-jornal começou a ser racionado já em abril de 1916. O número de páginas nas edições, portanto, precisou ser reduzido: em 1916, os principais títulos de Berlim tinham em torno de metade do volume que tinham antes da guerra.198 Em toda parte, o papel-jornal ficou mais caro: na França, mais que quintuplicou; e até nos Estados Unidos aumentou 75%.199 O preço da tinta e de outros materiais também aumentou vertiginosamente: na Alemanha, quase quadruplicou durante a guerra.200 Mas, com os jornais diminuindo de tamanho, era difícil aumentar o preço de capa tanto quanto o custo do papel-jornal e da tinta sem perder leitores. O preço do The Times subiu de 1 penny em março de 1914 para 1,5 penny em novembro de 1916 e depois para 2 pence em março de 1917, finalmente chegando a 3 pence em março de 1918. Northcliffe também foi forçado a dobrar o preço do Mail. Em consequência, a circulação caiu. Essa foi a norma em toda a Europa. A maioria dos jornais britânicos dobrou seu preço de capa durante a guerra.201 Todos os jornais franceses foram obrigados a fazê-lo em setembro de 1917,202 e, na Alemanha, 88% dos jornais haviam dobrado seu preço em 1918.203 A mesma coisa aconteceu na Suíça, país neutro.204 Assim, mesmo jornais consolidados que atraíam novos leitores tiveram suas finanças afetadas. Os lucros do Le Matin caíram drasticamente em 1914-1915 e só voltaram aos níveis de antes da guerra em 1918; e, quando se fazem os ajustes considerando a inflação, essa recuperação se mostra ilusória.205
Esses problemas econômicos ajudam a explicar por que a guerra viu uma redução significativa no número de jornais em uma série de países combatentes. Alguns simplesmente fecharam. Na França, por exemplo, o Gil Blas, o L’Aurore, o L’Autorité e o Paris-Journal estavam entre os nomes mais famosos a desaparecerem em 1914.206 Na Alemanha, em torno de 300 jornais deixaram de ser publicados no primeiro ano de guerra, e mais de 10 vezes esse número sofreu pelo menos uma interrupção na produção até 1918. Embora algumas publicações tenham conseguido voltar à ativa, no fim da guerra havia ao todo pelo menos 500 jornais a menos em circulação.207 O número total de jornais na Alemanha foi permanentemente reduzido de 4.221 em 1914 para 3.719 durante a guerra, uma redução de cerca de 12%.
Como se poderia esperar, foram principalmente os jornais menores que sofreram. Além disso, muitos dos que sobreviveram perderam sua independência comercial, já que os donos dos jornais maiores usaram os lucros acumulados durante a guerra para expandir seus impérios – o exemplo mais óbvio é o império construído pelo diretor da Krupp, Alfred Hugenberg, que assumiu o controle do grupo de August Scherl (incluindo o Berliner Lokal-Anzeiger e o Der Tag) em 1916. De acordo com uma estimativa, a chamada Maternpresse computava cerca de 905 jornais.208 Houve, no entanto, uma dimensão política inesperada à contração. Enquanto a proporção de jornais alemães que apoiavam os partidos liberais, o SPD ou o Partido do Centro cresceu entre 1914 e 1917 (de 28,2% para 31,4%), o percentual de jornais conservadores caiu de 22,6% para 16,8%.209 E o de Hugenberg era apenas um de três impérios da mídia, sendo que os outros dois permaneceram politicamente liberais: os dois grupos associados com os nomes Rudolf Mosse (Berliner Tageblatt,Berliner Morgenzeitung) e Leopold Ullstein (Berliner Zeitung,Berliner Abendpost, Berliner Morgenpost e Vossische Zeitung). Foram essas grandes empresas, e não a imprensa como um todo, que realmente se beneficiaram com a guerra.
Há uma última consideração a ser feita. Como afirmou Alain, o satirista francês, houve duas guerras: a guerra lutada e a guerra contada. Mas a primeira foi a que valeu. Pedindo licença a Kraus, não teria havido propaganda de guerra sem guerra, não teria havido histórias de atrocidades sem atrocidades. Embora a imprensa da Entente tenha exagerado muitíssimo o que aconteceu na Bélgica, não há dúvida de que o Exército alemão realmente cometeu “atrocidades” no país em 1914. De acordo com os diários de soldados alemães e outras fontes confiáveis, todos os Exércitos invasores alemães executaram civis, incluindo mulheres e padres. Ao todo, cerca de 5.500 civis belgas foram deliberadamente assassinados pelo Exército alemão, a maioria no período de 11 dias de 18 a 28 de agosto de 1914; e pelo menos outros 500 na França.210 Os alemães também usaram civis como escudos humanos e destruíram uma série de vilarejos. Em um caso, uma garota de 18 anos foi morta com uma baioneta. Houve também grande número de estupros na França ocupada.211 Le Queux não estava fantasiando, afinal.
Sem dúvida, as questões de lei internacional levantadas por esses incidentes foram mais complicadas do que a propaganda da Entente permitia inferir. De fato, a Convenção de Haia de 1899 não foi muito precisa quanto ao modo como os civis deveriam ser tratados em um território invadido; certamente não impediu a pena de morte para aqueles que continuassem a resistir depois que um país houvesse sido derrotado e ocupado.212 Os alemães lembravam das baixas infligidas a seus predecessores em 1870 por franco-atiradores, guerrilhas francesas que continuaram a retaliá-los depois que seu Exército havia sido derrotado. No pandemônio desencadeado pela invasão alemã em 1914, os recrutas, exaustos e prontos para a briga, tenderam a ver toda hostilidade por parte dos civis belgas como ameaçadora, especialmente porque as reservas da Guarda Civil belga usavam apenas o mais rudimentar dos uniformes (um casaco convencional e uma braçadeira). Com efeito, até mesmo tiros acidentais dos próprios alemães eram atribuídos a franco-atiradores fantasmas e, em certas ocasiões, levaram a represálias contra belgas completamente inocentes.213
Ainda assim, permanece o fato de que os alemães se comportaram muito pior na Bélgica do que os russos na Galícia ou na Prússia Oriental no come-ço da guerra, como os próprios alemães tiveram de admitir. Vale notar que nada menos que mil civis sérvios foram mortos pelos austríacos, em comparação com apenas 22 súditos dos Habsburgo mortos pelos russos na Galícia até fevereiro de 1915.214 Da mesma maneira, não se pode negar que 1.198 passageiros (incluindo 80 crianças e 128 norte-americanos) morreram afogados quando o Lusitania naufragou em maio de 1915. Os alemães argumentaram, com razão, que o navio estava carregando munições para as potências da Entente e que a Grã-Bretanha também era culpada por violar a liberdade dos mares ao impor seu bloqueio à Alemanha; mas nenhum navio foi afundado sem aviso, e nenhum cidadão de países neutros foi morto deliberadamente pela Marinha Real britânica.
Hitler acreditou que a lição a ser aprendida com a propaganda da Entente na Primeira Guerra Mundial era mentir repetidas vezes e em grande escala. Nisso, ele estava enganado. A verdadeira lição era que a propaganda mais eficaz era a que se baseava na verdade. Infelizmente para as potências da Entente, sua superioridade moral sobre os Impérios Centrais no que concerne aos países neutros e não combatentes era um dos poucos aspectos em que elas foram realmente superiores. Porém, em se tratando de guerrear, como veremos, foram muitíssimo inferiores – uma dura realidade que nenhuma propaganda seria capaz de compensar.
1. Coker, War and the Twentieth Century, p. 1.
2. Bruntz, Allied Propaganda, p. 3.
3. Marquis, “Words as Weapons”, p. 493.
4. Northcliffe foi dono inter alia do Evening News de Londres (desde 1894), do Daily Mail (fundado em 1896) e do The Times (adquirido em 1908). Junto com o irmão Harold, mais tarde lorde Rothermere, foi dono do Daily Mirror (adquirido do irmão em 1914), do Sunday Pictorial, do Leeds Mercury e de dois jornais de Glasgow, o Daily Record e o Evening News. Detalhes do império de Harmsworth, que controlava cerca de 40 títulos, de jornais de grande circulação a histórias em quadrinhos para crianças, em Gebele, Die Probleme, p. 420ss. Ver, em geral, S. Taylor, Great Outsiders.
5. Hansen, Unrepentant Northcliffe, p. 12. Ver também Grünbeck, Die Presse Grossbritanniens.
6. Gebele, Die Probleme, p. 27.
7. Hitler, Mein Kampf, p. 161.
8. Marquis, “Words as Weapons”, p. 493s.
9. Ver Dresler, Geschichte.
10. Sösemann, Theodor Wolff: Tagebücher, vol. I, p. 41.
11. Knightley, First Casualty, p. 109.
12. Gebele, Die Probleme, p. 45.
13. A. J. P. Taylor, Beaverbrook, p. 144.
14. Marquis, “Words as Weapons”, p. 493.
15. Gebele, Die Probleme, p. 45.
16. Marquis, “Words as Weapons”; A. Jackson, “Germany, the Home Front”, p. 568; Gebele, Die Probleme, p. 43.
17. Marquis, “Words as Weapons”, p. 479; Gebele, Die Probleme, p. 43.
18. Marquis, “Words as Weapons”, p. 488.
19. Becker, Great War, p. 59.
20. Sösemann, “Medien”, p. 196s.
21. Ibid., p. 203, 205, 209, 212.
22. Ibid., p. 204, 216.
23. Ibid., p. 223, 229.
24. Ibid., p. 198, 211.
25. Ibid., p. 213s.
26. Ibid., p. 210; Ferro, Great War, p. 41.
27. T. Wolff, Vorspiel, p. 276.
28. Mommsen, “Domestic Factors in German Foreign Policy”, p. 34.
29. Brock, “Britain Enters the War”, p. 146; Barnett, Collapse of British Power, p. 55.
30. Shannon, Crisis of Imperialism, p. 458.
31. A. Gregory, “British Public Opinion”, p. 15.
32. Carsten,War against War, p. 24; Koss, Gardiner, p. 148ss; Marquis, “Words as Weapons”, p. 468.
33. Lloyd George, War Memoirs, vol. I, p. 41.
34. Marwick, Deluge, p. 72.
35. Marquis, “Words as Weapons”, p. 469.
36. Esposito, “Public Opinion”, p. 17.
37. Ibid., p. 33.
38. Ibid., p. 40.
39. Pogge von Strandmann, “Historians”, p. 7.
40. Morris, Scaremongers, p. 359.
41. T. Clarke, My Northcliffe Diary, p. 63.
42. Ibid., p. 58s.
43. Bogacz, “Tyranny of Words”, p. 643.
44. T. Clarke, My Northcliffe Diary, p. 65-67.
45. Bogacz, “Tyranny of Words”, p. 651s.
46. Esposito, “Public Opinion”, p. 27.
47. A. Gregory, “British Public Opinion”, p. 8.
48. Ibid., p. 10.
49. Gebele, Die Probleme, p. 20.
50. Ibid., p. 24.
51. Ibid., p. 23.
52. Ver, e.g., Saad El-Din, Modern Egyptian Press, p. 13.
53. Marquis, “Words as Weapons”, p. 478.
54. Livois, Histoire de la presse, p. 399-402.
55. Bellanger et al ., Histoire générale, p. 32, 409.
56. Becker, Great War, p. 47, 53.
57. Marquis, “Words as Weapons”, p. 471, 481.
58. H.-D. Fischer, Pressekonzentration, p. 226s; Koszyk, Deutsche Presse, p. 14ss. Ver, em geral, Koszyk, Deutsche Pressepolitik.
59. Morgenbrod, Wiener Grossbürgertum, p. 92.
60. Dresler, Geschichte, p. 53.
61. Becker, Great War, p. 50.
62. Manevy, La Presse, p. 150; Livois, Histoire de la presse, p. 402; Bellanger et al ., Histoire générale, p. 417.
63. Manevy, La Presse, p. 149s.
64. PRO KV 1/46, MI5 G-Branch Report, Anexo, ss. 75-76. Ver também Gebele, Die Probleme, p. 435.
65. Hynes, War Imagined, p. 80s, 232s.
66. Gebele, Die Probleme, p. 20s.
67. Ibid., p. 21.
68. Bellanger et al ., Histoire générale, p. 32.
69. Ibid., p. 440.
70. Koszyk, Zwischen Kaiserreich und Diktatur, p. 40-111.
71. Welch, “Cinema and Society”, p. 33.
72. Marquis, “Words as Weapons”, p. 471, 481-485.
73. T. Wolff, Der Marsch, p. 274.
74. Livois, Histoire de la presse, p. 402.
75. Ibid., p. 407s; Bellanger et al ., Histoire générale, p. 439.
76. Koszyk, Deutsche Presse, p. 19, 21.
77. Nägler, “Pandora’s Box”, p. 4.
78. Ibid., p. 27.
79. Marquis, “Words as Weapons”, p. 473.
80. Gebele, Die Probleme, p. 23s.
81. Ibid., p. 36ss.
82. Ibid., p. 20.
83. Bruntz, Allied Propaganda, p. 23.
84. Gebele, Die Probleme, p. 37s. Detalhes em A. J. P. Taylor, Beaverbrook, p. 137ss.
85. A. J. P. Taylor, Beaverbrook, p. 146-153. O veredicto de Taylor sobre as conquistas de seu herói como ministro da Informação é visivelmente tépido, p. 156.
86. Gebele, Die Probleme, p. 33s.
87. Bruntz, Allied Propaganda, p. 8s, 13ss; Albert, Histoire de la presse, p. 77; Bellanger et al ., Histoire générate, p. 420-427.
88. Koszyk, Deutsche Presse, p. 20.
89. Ibid., p. 18. Cf. Marquis, “Words as Weapons”, p. 475; Prakke, Lerg e Schmolke, Handbuch, p. 105.
90. Morgenbrod, Wiener Grossbürgertum, p. 92.
91. Bruntz, Allied Propaganda, p. 31ss.
92. Hiley, “British Army Film”, p. 172ss.
93. Feldman, Great Disorder, p. 48.
94. Nägler, “Pandora’s Box”, p. 15.
95. Bruntz, Allied Propaganda, p. 75.
96. Gebele, Die Probleme, p. 39s, 40s, para detalhes sobre os esforços similares, mas não celebrados, do MI7(b). Ver, em geral, Bruntz, Allied Propaganda, p. 52, 85-129, 188-216; Fyfe, Northcliffe, p. 236-253.
97. Manevy, La Presse, p. 53s; Bellanger et al ., Histoire générale, p. 432s, 439ss.
98. Sobre o caso britânico, ver os estudos biográficos em Messinger, British Propaganda.
99. Hiley, “British Army Film”, p. 169ss.
100. Ibid., p. 166ss.
101. Reeves, “Film Propaganda”, p. 466ss. Outros documentários na mesma linha incluem The King Visits His Armies in the Great Advance e The Battle of the Ancre and the Advance of the Tanks.
102. Welch, “Cinema and Society”, p. 33.
103. Ibid., p. 38s, 41ss.
104. Nägler, “Pandora’s Box”, p. 15.
105. D. Wright, “Great War”, p. 78; Gebele, Die Probleme, p. 35. O último mencionado foi fundado por G. W. Prothero, editor do Quarterly Review, e Harry Crust, editor da Pall Mall Gazette, com líderes de partidos como testas de ferro.
106. Nägler, “Pandora’s Box”, p. 17ss.
107. Hynes, War Imagined, p. 70.
108. D. Wright, “Great War”, p. 70.
109. Ibid., p. 72; Hynes, War Imagined, p. 26s.
110. Pogge von Strandmann, “Historians”, p. 16.
111. Ibid., p. 26.
112. D. Wright, “Great War”, p. 82s.
113. Ibid., p. 86.
114. Colin e Becker, “Les Écrivains”, p. 425-442.
115. Bogacz, “Tyranny of Words”, p. 647 e seguinte.
116. Hynes, War Imagined, p. 217ss.
117. Ver Audoin-Rouzeau, La Guerre des enfants.
118. Mosse, Fallen Soldiers, p. 128, 140s.
119. Koszyk, Deutsche Presse, p. 16.
120. Hynes, War Imagined, p. 221.
121. W. S. Churchill, World Crisis, vol. III, p. 246; Woodward, Great Britain, p. 48.
122. Detalhes em W. S. Churchill, World Crisis, vol. III, p. 244-251; Woodward, Great Britain, p. 80s; T. Clarke, My Northcliffe Diary, p. 74-106; A. J. P. Taylor, Beaverbrook, p. 101-127. De fato, foi a renúncia de Fisher que foi realmente nociva. Com exceção da declaração devastadora de Repington no The Times, atribuindo os reveses militares à ausência de bombardeios, e do líder que o acompanhou, a maior parte da campanha na imprensa veio após 20 de maio, época em que a coalizão havia não só sido acordada como anunciada no Parlamento.
123. T. Clarke, My Northcliffe Diary, p. 107.
124. Fyfe, Northcliffe, p. 221-235.
125. Squires, British Propaganda, p. 63s.
126. Gebele, Die Probleme, p. 67.
127. Ibid., p. 61s.
128. Fussell, Great War, p. 21s.
129. D. Wright, “Great War”, p. 75.
130. Bogacz, “Tyranny of Words”, p. 662.
131. Ibid., p. 663.
132. Hynes, War Imagined, p. 69, 111. Cf. Marwick, Deluge, p. 85.
133. Bogacz, “Tyranny of Words”, p. 664s.
134. D. Wright, “Great War”, p. 72.
135. Marwick, Deluge, p. 85s.
136. Bentley, Liberal Mind, p. 19s.
137. D. Wright, “Great War”, p. 75.
138. Marwick, Deluge, p. 73.
139. Ibid., p. 70, 73.
140. Marquis, “Words as Weapons”, p. 487. O exemplo de Ponsonby foi, de fato, uma invenção alemã.
141. T. Wilson, “Lord Bryce’s Investigation”, p. 374. Bryce não fez nenhuma tentativa séria de verificar as declarações de “testemunhas” que seu comitê recebeu; de fato, ele conseguiu superar os próprios relatórios oficiais dos belgas sobre as atrocidades (que tenderam a se concentrar em produtos confiscados).
142. Gullace, “Sexual Violence”, p. 714ss, 725ss, 734-739, 744ss.
143. D. Wright, “Great War”, p. 72.
144. Ibid., p. 92.
145. Barnett, Collapse of British Power, p. 57; Marwick, Deluge, p. 88.
146. Esposito, “Public Opinion”, p. 46.
147. Barnett, Collapse of British Power, p. 57.
148. Hynes, War Imagined, p. 71.
149. Ibid., p. 73.
150. Esposito, “Public Opinion”, p. 35.
151. Mann, Betrachtungen eines Unpolitischen, passim.
152. Bogacz, “Tyranny of Words”, p. 655 e seguinte.
153. Hynes, War Imagined, p. 12, 62s.
154. Mosse, Fallen Soldiers, p. 132-136.
155. Hynes, War Imagined, p. 118; Fussell, Great War, p. 26; Mosse, Fallen Soldiers, p. 61, 142.
156. Hynes, War Imagined, p. 117; Fussell, Great War, p. 87s.
157. Becker, Great War, p. 31, 37s, 164. Citações do Petit Parisien e do Petit Journal.
158. Marwick, Deluge, p. 89.
159. Pogge von Strandmann, “Historians”, esp. p. 31ss, 38s.
160. D. Wright, “Great War”, p. 77, 83.
161. Hiley, “British Army Film”, p. 177.
162. Gebele, Die Probleme, p. 34.
163. Hiley, “Kitchener Wants You”.
164. Hiley, “British Army Film”, p. 173.
165. D. Wright, “Great War”, p. 89.
166. Reeves, “Film Propaganda”, p. 468ss. Como as receitas diminuíram em 1917-1918, os filmes também foram exibidos em áreas sem cinemas usando “cinemotores”, que semanalmente levavam documentários de guerra a um público de 163 mil.
167. Ibid., p. 485.
168. Ibid., p. 479.
169. Ibid., p. 486.
170. Welch, “Cinema and Society”, p. 41-45.
171. Mosse, Fallen Soldiers, p. 147-149.
172. Gombrich, Aby Warburg, p. 206.
173. Squires, British Propaganda, p. 64-68.
174. Cassimatis,American Influence, p. 15-28; Leontaritis, Greece and the First World War, esp. p. 102.
175. Bruntz, Allied Propaganda, p. 147.
176. Fussell, Great War, p. 65ss.
177. J. Winter, Great War, p. 287s.
178. Fussell, Great War, p. 87.
179. Becker, Great War, p. 43s.
180. Ashworth, Trench Warfare, p. 35.
181. Fuller, Troop Morale.
182. Bertrand, La presse francophone, esp. p. 90s.
183. Bellanger et al ., Histoire générale, p. 439; Livois, Histoire de la presse, p. 407s. Sobre os outros jornais de trincheira franceses, ver p. 419-427 (ensaio do general Weygand).
184. Eksteins, Rites of Spring, p. xv, 196.
185. Welch, “Cinema and Society”, p. 40.
186. Kraus,Die letzten Tage, p. 404ss.
187. Reeves, “Film Propaganda”, p. 481, 486.
188. Timms, Karl Kraus, p. 276.
189. Kraus,Die letzten Tage, p. 50, 74ss, 148s, 154-159, 188s, 241-244, 256-261, 292, 304-307, 458s, 491.
190. Kraus,In These Great Times, p. 75.
191. Sösemann, Theodor Wolff: Tagebücher, vol. I, p. 39.
192. Heenemann, “Die Auflagenhöhe”, p. 70-86.
193. Cattani,Albert Meyer, p. 48; Berger, Story of the New York Times.
194. Welch, “Cinema and Society”, p. 43.
195. Ver e.g. Becker, Great War, p. 71.
196. Gebele, Die Probleme, p. 27; T. Clarke, My Northcliffe Diary, p. 67.
197. Bellanger et al ., Histoire générale, p. 408, 411.
198. Marquis, “Words as Weapons”, p. 484. Ver também Stummvoll, Tagespresse und Technik, p. 48ss.
199. Bellanger et al ., Histoire générale, p. 450; Innis, Press, p. 8.
200. Koszyk, Zwischen Kaissereich und Diktatur, p. 33.
201. T. Clarke, My Northcliffe Diary, p. 112; Koss, Gardiner, p. 153.
202. Bellanger et al ., Histoire générale, p. 412.
203. Koszyk, Deutsche Presse, p. 23.
204. Huber, Geschichte, p. 36, 46s.
205. Bellanger et al ., Histoire générale, p. 43.
206. Manevy, La Presse, p. 148; Bellanger et al ., Histoire générale, p. 408.
207. Koszyk, Deutsche Pressepolitik, p. 250.
208. Ibid.
209. Koszyk, Deutsche Presse, p. 24; Prakke, Lerg and Schmolke, Handbuch, p. 107. Ver esp. H.-D. Fischer, Handbuch, p. 229.
210. J. Horne e Kramer, “German ‘Atrocities’”, p. 1-33; J. Horne e Kramer, “War between Soldiers and Enemy Civilians”. As represálias coletivas, no entanto, foram proibidas.
211. R. Harris, “Child of the Barbarian”, p. 170-206.
212. Gullace, “Sexual Violence”, p. 731ss.
213. J. Home e Kramer, “German ‘Atrocities’”, p. 15-23.
214. J. Home e Kramer, “War between Soldiers and Enemy Civilians”, p. 8ss.