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“Máximo massacre ao menor custo”: finanças de guerra

Finanças e guerra

Bertrand Russell certa vez definiu o objetivo da economia de guerra como “máximo massacre ao menor custo”. Também por esse parâmetro, é tentador afirmar que os Impérios Centrais “ganharam” a Primeira Guerra Mundial.

Para compreender toda a dimensão da superioridade dos Impérios Centrais na guerra, é necessário considerar não só a eficiência militar, mas também a eficiência econômica. O Capítulo 9 seguiu historiadores econômicos anteriores ao considerar as economias de guerra dos países combatentes de maneira mais ou menos isolada do negócio da destruição propriamente dita. Isso, é claro, desvia o foco da questão central. Como afirmou Russell, o objetivo final de toda atividade econômica durante a guerra era a matança do inimigo. Toda tentativa de avaliar a eficiência econômica nesse período deve, portanto, levar em conta os assassinatos, assim como toda tentativa de avaliar a eficiência militar deve levar em conta as despesas incorridas. Para tanto, precisamos nos debruçar sobre as finanças de guerra.

Como vimos, apesar dos esforços fragmentados para alocar recursos físicos por decreto, a maioria dos Estados, mesmo no fim da guerra, ainda estava gerenciando suas economias principalmente por meio do mercado e contando com a regulação dos preços para controlar suas distorções mais graves. Em nenhum lugar o Estado agiu como se fosse dono de materiais, empresas ou mão de obra (como fez a União Soviética na Segunda Guerra Mundial): tudo tinha um preço. Isso significa que as finanças de guerra tradicionais eram tão cruciais para a mobilização econômica quanto qualquer um dos mecanismos mais ou menos burocráticos para a alocação de recursos que discutimos no Capítulo 9.

Muitas vezes se afirmara, antes de 1914, que uma guerra entre as grandes potências europeias seria impraticável em termos econômicos; qualquer tentativa nessa direção simplesmente acabaria em colapso financeiro. Quando a guerra eclodiu, o impacto econômico imediato pareceu confirmar essas previsões (ver Capítulo 7). Em 10 de agosto de 1914, Keynes explicou entusiasmado para Beatrice Webb que

tinha quase certeza de que a guerra não poderia durar mais de um ano […] O mundo, segundo explicou, era riquíssimo, mas felizmente sua riqueza era de um tipo que não se podia perceber rapidamente para os propósitos do conflito: estava na forma de bens de capital para fabricar coisas que eram inúteis para travar uma guerra. Quando toda a riqueza disponível tivesse sido usada – o que ele acreditava que demoraria cerca de um ano –, as potências teriam de fazer as pazes.1

Tal pensamento destituído de rigor era lugar-comum em Londres em 1914. Asquith garantiu a George Booth que a guerra estaria terminada “em poucos meses”.2 Sir Archibald Murray, chefe do Comando-Geral da Força Expedicionária Britânica, garantiu a Escher que a guerra duraria “três meses, se tudo correr bem, e talvez oito meses, se as coisas não saírem como esperado. Por mais tempo que isso, ele considera impossível alimentar os exércitos no campo de batalha e as populações envolvidas, e a pressão financeira seria maior do que a Europa poderia suportar”.3 Era como se todos tivessem lido Bloch e Angell.

É desnecessário dizer, entretanto, que a crise financeira de agosto de 1914 não impossibilitou a Primeira Guerra Mundial. Um inteligente diplomata norte-americano chamado Lewis Einstein havia previsto isso já em janeiro de 1913. Em seu artigo “The Anglo-German Rivalry and the United States” [A rivalidade anglo-germânica e os Estados Unidos], publicado na National Review, ele argumentou com astúcia contra a visão de que o colapso financeiro logo colocaria um fim à guerra:

Uma possibilidade mais provável seria um confronto muito prolongado […] no qual nenhum [dos lados] conseguiria obter uma vantagem decisiva. Apesar das demonstrações teóricas de que uma guerra demorada é hoje uma impossibilidade econômica, não há indícios concretos que corroborem essa teoria, e há economistas notáveis que acreditam que o sistema de crédito moderno é adaptado de maneira peculiar para facilitar o prolongamento da guerra.4

Isso era certo. Kitchener apresentou o mesmo argumento em agosto de 1914, para espanto de seus colegas mais panglossianos. A guerra, segundo advertiu a Esher, poderia durar “pelo menos dois ou três anos”, porque “nenhuma pressão financeira jamais interrompeu uma guerra em andamento”.5 Por mais sem precedentes que fossem os custos da guerra em termos nominais, os contribuintes europeus e, o que é mais importante, os mercados financeiros e o capital internacional eram perfeitamente capazes de sustentar uns três anos de massacre antes que o tipo de colapso previsto por Bloch finalmente ocorresse.

Mas a Alemanha, como tantas vezes se afirma, percebeu isso? Sem dúvida, os historiadores econômicos há muito retratam as finanças de guerra da Alemanha entre 1914 e 1918 em uma perspectiva longe de ser favorecedora, culpando-a pela inflação “galopante”.6 A principal crítica é que o governo não aumentou suficientemente a tributação direta e dependia muitíssimo de formas inflacionárias de empréstimo.7 Até mesmo Theo Balderston, em uma reveladora comparação das finanças britânicas e alemãs, ainda parte do pressuposto de que é a incapacidade da Alemanha de controlar a inflação o que precisa ser explicado. De modo convincente, Balderston argumenta que, de fato, em comparação com a Grã-Bretanha, a Alemanha não financiou uma parcela significativamente menor dos gastos públicos durante a guerra por meio de tributação. Mas sua conclusão está mais preocupada com uma deficiência alemã mais sutil: foi (entre outras coisas) a incapacidade relativa dos mercados financeiros alemães de absorver dívidas públicas de curto prazo o que levou a um excesso de liquidez muito maior na Alemanha do que na Grã-Bretanha.8 Não parece implausível associar esse excesso de liquidez com o suposto problema de ineficiência administrativa alemã, discutido no capítulo anterior. A inflação contida – só freada com um sistema complexo de controle de preços – levou ao desenvolvimento de um mercado negro. Isso, segundo se argumenta, piorou um problema já existente de má alocação de recursos, contribuindo para a suposta queda na eficiência da economia alemã como um todo.

Portanto, a história das finanças de guerra da Alemanha pode ser contada nos seguintes termos sombrios. A guerra custou mais do que até mesmo os pessimistas haviam previsto. Incluindo as comunas e o sistema de seguridade social, o gasto público total aumentou de cerca de 18% do Produto Nacional Líquido antes da guerra para 76% em seu pico em 1917.9 Só uma proporção limitada desse gasto foi viabilizada com a arrecadação de impostos.10 A incapacidade do governo de impor tributação direta mais alta confirma a influente posição política dos negócios; pois foram os negócios, e sobretudo a indústria, que obtiveram os maiores ganhos de renda e riqueza durante a guerra. Típica foi a resistência ao imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuer), a alíquota fixa implementada em junho de 1916 que incidia sobre todas as atividades operacionais. Em vez disso, a maior parte dos gastos foi financiada com empréstimos; e, como a Alemanha só conseguiu obter uma quantia limitada no exterior, o ônus dos empréstimos recaiu preponderantemente sobre o mercado de capitais alemão. Entretanto, com o aumento cumulativo do déficit do setor público, o nível de empréstimos excedeu a boa vontade da população para emprestar ao governo e receber no longo prazo. Em novembro de 1918, a dívida flutuante do Reich havia alcançado 51,2 bilhões de marcos, 34% da dívida total do Reich.11 O volume elevado de empréstimos públicos, por sua vez, levou à rápida expansão monetária depois da suspensão (ilegal) de pagamentos em dinheiro pelo Reichsbank em 31 de julho de 1914. Em 4 de agosto, a legislação criou o potencial para um crescimento monetário ilimitado por meio de uma série de modificações às regras de reservas do Reichsbank.12 Depois disso, o dinheiro em circulação cresceu a uma média anual de 38%.13 A expansão monetária, por sua vez, levou à inflação, embora, graças aos controles sobre os preços, esta tenha sido mais baixa do que se poderia esperar.14 No entanto, os controles sobre os preços distorceram o mercado quando criaram variações artificiais,15 levando ao surgimento de mercados negros para produtos com grande demanda e exacerbando as carências no mercado oficial.16 Esse excedente cada vez maior de poder de compra frustrado reduziu a eficiência econômica, levando a Alemanha a uma espiral descendente em direção ao colapso interno e à derrota.

A outra face desse argumento é a alegação de que a superioridade financeira da Grã-Bretanha garantiu sua vitória. Esta era certamente a visão de Lloyd George. Como ministro da Fazenda, ele começara a guerra com um medo terrível quando, como vimos, as instituições de aceite estiveram prestes a quebrar e os bancos de compensação tentaram obrigar o Banco da Inglaterra a suspender a plena conversibilidade do ouro. (Isso teria lhes permitido fornecer liquidez aos clientes a uma taxa inferior à do banco.) A decisão de impor uma moratória e um feriado bancário prolongado salvou as instituições de aceite, mas, apesar das súplicas dos bancos de compensação, o Tesouro e o Banco da Inglaterra preferiram seguir o que se convencionou em 1844 e evitar a todo custo a suspensão do padrão-ouro. O compromisso alcançado foi que a conversibilidade deveria ser mantida e a taxa do banco reduzida em mais 1%. Uma semana depois, o mercado de aceite foi tranquilizado com a decisão de que o banco descontaria todas as letras de câmbio aceitas antes de 4 de agosto à nova taxa inferior. Isso foi um sucesso que elevou muitíssimo a autoconfiança de Lloyd George.

Como em 1909, quando a City havia previsto um colapso se o Orçamento do Povo fosse aprovado, Lloyd George levou a melhor com os banqueiros. Uma passagem de seu famoso discurso no Queen’s Hall, algumas semanas depois, dá uma ideia do excesso de confiança que isso inspirou: “Vocês têm alguma nota de cinco libras? (risos e aplausos) […] Se vocês as queimarem; elas não passam de pedaços de papel […] Do que são feitas? De papel […] Quanto valem? Todo o crédito do Império Britânico (aplausos ruidosos)”.17 O pressuposto geral era de que todo o crédito do Império garantia a vitória. “Penso”, ele disse a outra plateia naquele mês de setembro, “que o dinheiro importará muito mais do que podemos imaginar no momento.”18 Até Keynes, que mais tarde se tornou o maior pessimista em relação a esse assunto, mostrava o mesmo otimismo no início da guerra. Em janeiro de 1915, ele garantiu aos amigos Leonard e Virginia Woolf: “Estamos fadados a ganhar – e em grande estilo, já que, no último minuto, dedicamos todo o nosso intelecto” – ele se referia a si próprio – “e riquezas a resolver a questão”.19

O custo de matar

Mas aqui se apresenta o já conhecido problema. Se as finanças de guerra da Alemanha eram tão falhas, por que as potências da Entente, apoiadas pelo sistema financeiro superior da Grã-Bretanha, levaram tanto tempo para ganhar a guerra?

O aspecto mais impressionante de todo o financiamento da Primeira Guerra Mundial é que custava muito mais – quase o dobro – ganhá-la do que perdê-la. Houve várias tentativas de computar o custo da guerra em dólares a todos os países combatentes. De acordo com um dos cálculos, o total dos “gastos de guerra” (isto é, o aumento no gasto público com relação à “norma” do período anterior) foi de 147 bilhões de dólares para os Aliados (França, Grã-Bretanha, Império Britânico, Itália, Rússia, Estados Unidos, Bélgica, Grécia, Japão, Portugal, Romênia e Sérvia), em comparação com 61,5 bilhões de dólares para os Impérios Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária).20 Outra estimativa chega a 140 bilhões e 83 bilhões de dólares.21 Meus próprios cálculos aproximados – resumidos na Tabela 36 – confirmam essas ordens de grandeza: mais uma vez, a Grã-Bretanha (45 bilhões de dólares) gastou quase 50% mais que a Alemanha (32 bilhões de dólares).22

Tabela 36 Gastos totais, 1914-1918 (em milhões de dólares)

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Notas: A estimativa russa para 1914 se refere apenas aos últimos cinco meses; para 1917, só aos oito primeiros meses. Considerou-se que o ano terminou em 30 de junho para as estimativas referentes à Itália e aos Estados Unidos, e em 31 de março para as dos demais países. Os valores em dólares foram obtidos usando uma média das taxas de câmbio correspondentes.

Fontes: Balderston, “War Finance”, p. 225; Bankers Trust Company, French Public Finance, p. 119-123; Apostol, Bernatzky e Michelson, Russian Public Finance, p. 217.

Ao contar principalmente com empréstimos para obter essas quantias vultosas, a Alemanha não estava agindo de forma diferente dos outros países beligerantes. Como mostrou Balderston, quando os orçamentos dos Estados são somados aos do Reich – como devem ser ao ser comparados com Estados não federais como a Grã-Bretanha, a França e a Rússia –, as grandes diferenças identificadas por Knauss e outros são bastante reduzidas.23 A Alemanha financiou entre 16% e 18% do gasto público durante a guerra por meio de impostos, um percentual não muito menor do que a Grã-Bretanha (23%-26%). A política fiscal britânica também não foi significativamente mais progressiva do que a alemã: a alíquota efetiva do imposto de renda subiu de maneira mais ou menos igual para as faixas de renda superiores e médias durante a guerra, e na Grã-Bretanha os impostos sobre ganhos extraordinários incidiam apenas sobre os negócios (ao passo que na Alemanha incidiam também sobre os indivíduos).24 Em média, 13,9% dos gastos alemães durante a guerra foram viabilizados por tributação direta; na Grã-Bretanha, foram 18,2% –, longe de ser uma diferença de grande impacto.25 Aliás, a política fiscal alemã se compara de maneira favorável à francesa, à italiana e à russa. De fato, a Prússia, bem como a maioria dos Estados alemães maiores, tinha um imposto de renda vigente antes de a guerra começar, ao passo que o imposto de renda finalmente aprovado na França às vésperas da guerra só entrou em vigor em 1916, e rendeu relativamente pouco.26 O imposto francês sobre os ganhos era, de certo modo, leve e fácil de evitar.27 Em média, os franceses viabilizaram apenas 3,7% do total dos gastos de guerra por meio de tributação direta, um número ainda pior do que o da Itália (5,7%).28 De maneira similar, o caráter ilusório da receita proveniente do imposto alemão de 1917 sobre o carvão mineral (que, em grande parte, foi pago com o orçamento extraordinário do Reich) foi um problema menor se comparado com as confusões da política fiscal russa durante a guerra. Como vimos, uma das principais fontes de receita do regime czarista era o monopólio sobre a vodca; mas o governo baniu o comércio de bebidas alcoólicas naqueles anos, e por isso o dinheiro (ao contrário do povo) secou. O imposto de renda e o imposto sobre os ganhos extraordinários, implementados em 1916, renderam, ao todo, 186 milhões de rublos: “insuficiente para bancar até mesmo um fim de semana de guerra”.29 Em suma, todos os Estados beligerantes incorreram em déficits vultosos, aumentando de maneira considerável suas respectivas dívidas nacionais (ver Tabela 37).

Mais uma vez, o fato notável não é tanto que os déficits alemães fossem um pouco maiores do que os das potências da Entente em proporção aos gastos, mas sim quanto as potências da Entente precisaram tomar emprestado em termos absolutos. A Tabela 38 mostra que, em termos nominais, a dívida nacional francesa quintuplicou, a alemã (considerando o Reich e os Estados) se multiplicou por oito e a britânica aumentou 11 vezes entre 1914 e 1919. Na Itália, o fator equivalente é cinco; nos Estados Unidos, 19. Entre agosto de 1914 e outubro de 1917, a dívida da Rússia quadruplicou.30 Tais números, no entanto, são um pouco enganosos, em parte porque alguns países (como os Estados Unidos) começaram a guerra com dívidas relativamente baixas, e em parte porque algumas dívidas foram expressas em moedas mais fracas. Por essa razão, computei, no fim da tabela, o valor total líquido acrescido à dívida nacional em dólares no fim da guerra. Isso mostra que o aumento real na dívida nacional da Alemanha foi menos da metade do aumento na Grã-Bretanha.

Tabela 37 Déficits públicos como um percentual dos gastos totais, 1914-1918

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Fontes: Eichengreen, Golden Fetters, p. 75; Mitchell, European Historical Statistics, p. 376-380, E. Morgan, Studies in British Financial Policies, p. 41; Apostol, Bernatzky e Michelson, Russian Public Finance, p. 220.

Tabela 38 Dívida nacional em milhões (moedas nacionais), 1914-1919

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Nota: Os números para a França se referem a 1º de janeiro de cada ano; para a Alemanha e a Grã-Bretanha, a 31 de março; para a Itália e os Estados Unidos, a 30 de junho. Os valores em dólares foram obtidos usando as taxas mensais correspondentes.

Fonte: Balderston, “War Finance”, p. 227; Schremmer, “Taxation and Public Finance”, p. 470; Bankers Trust Company, French Public Finance, p. 139.

Todos os países, portanto, confiaram plenamente na boa vontade de seus cidadãos para emprestar dinheiro ao esforço bélico por meio da compra de títulos de guerra. Como vimos, conservar essa boa vontade veio a ser um dos principais objetivos da propaganda de guerra. O cartaz alemão discutido no Capítulo 8 teve seus equivalentes em todos os países beligerantes. Os dizeres a seguir, do filme de guerra britânico For the Empire [Para o Império], falam por si.

Um encouraçado custa 2 milhões de libras, mas precisamos ganhar a guerra. Esqueça o custo.

Três coisas são essenciais: dinheiro, homens e munição.

Só há duas alternativas: ou você dá seu dinheiro ou dá seu sangue.

Dane-se o custo, precisamos ganhar esta guerra.31

Em 1917, William Gibbs McAdoo, secretário do Tesouro norte-americano, fez uma memorável declaração: “Um homem que não pode emprestar a seu governo 1,25 dólar a uma taxa de juros de 4% não é digno de ser um cidadão norte-americano.32 Além do mais, não havia muito o que escolher entre os aspectos práticos das emissões dos títulos de guerra. Na Grã-Bretanha houve três empréstimos de guerra, em 1914, 1915 e 1917, seguidos de um empréstimo da vitória” em 1919.33 Na França, houve quatro empréstimos da Defesa Nacional.34 Na Rússia, foram seis empréstimos de guerra no regime do czar e um sétimo “empréstimo da liberdade” no governo provisório;35 os Estados Unidos também preferiram o rótulo “empréstimos da liberdade” (“Liberty loans”), já que encorajava os cidadãos a aplicar seu dinheiro pelo prazo determinado. Os nove empréstimos dos alemães foram mais numerosos do que os da Entente, mas não há nenhuma razão para pensar que tiveram um desempenho significativamente pior.36 Em todos os países, foi preciso seduzir os investidores com rendimentos um pouco mais altos à medida que a guerra avançava, sobretudo quando estava indo mal: o declínio no volume de empréstimos negociados na França no fim de 1917 é um exemplo disso.37 O sistema alemão pelo qual os títulos de guerra podiam ser usados como garantia para os empréstimos concedidos pelos bancos de empréstimos estatais (Darlehnskassen) – de modo que, na prática, não absorvessem liquidez – teve um paralelo exato na Rússia.38 Algo muito parecido aconteceu na França.39

Mais uma vez, não havia nada de atípico no fato de que a Alemanha só podia financiar uma proporção limitada de seu empréstimo vendendo títulos de longo prazo. O fato de que, em média, 32% da dívida alemã era flutuante (de curto prazo) entre março de 1915 e março de 1918, ao passo que, para a Grã-Bretanha, a proporção era de apenas 18%, reflete,40 como afirmou Balderston, diferenças estruturais na natureza dos mercados financeiros de Berlim e de Londres; mas também reflete o fato de que o Tesouro britânico fez grandes emissões de títulos de médio prazo. Em torno de 31% da dívida nacional britânica em dezembro de 1919 era composta de obrigações cujos prazos para resgate variavam de um a nove anos.41 Aliás, em comparação com a França, as autoridades alemãs foram eficazes ao vender obrigações de longo prazo: apenas 19% da quantia obtida por meio de empréstimos durante a guerra veio da venda de rentes de longo prazo, provavelmente porque a dívida de longo prazo da França já era relativamente alta antes de a guerra começar.42 Em média, 37% da dívida francesa durante a guerra era de curto prazo (em comparação com 32% da Alemanha); em março de 1919, a dívida francesa de curto prazo era maior do que a alemã em termos relativos (44% do total, em oposição a 42%). A Rússia também dependia mais do que a Alemanha de empréstimos de curto prazo: em 23 de outubro de 1917, cerca de 48% de sua dívida total era na forma de letras do Tesouro de curto prazo.43 Só os Estados Unidos foram capazes de financiar seus déficits de guerra quase exclusivamente por meio da venda de obrigações de longo prazo.44

O susto do dólar

Muitas vezes se presume que os empréstimos estrangeiros fizeram uma diferença decisiva para o resultado da Primeira Guerra Mundial. Isso se deve, em parte, à histeria em torno das negociações financeiras britânicas com os Estados Unidos, sobretudo no período entre novembro de 1916 e abril de 1917, o que pode ter levado alguns autores a exagerar a importância econômica do dinheiro norte-americano para o esforço de guerra dos Aliados.45 A origem dos exageros possivelmente remonta a John Maynard Keynes, que se tornou um dos mais influentes conselheiros do Tesouro britânico durante a guerra. Keynes, como já observamos, no começo estava otimista com relação às perspectivas britânicas. Mas seu estado de ânimo logo mudou, sobretudo por causa da pressão que sofria de seus amigos de Bloomsbury, que desaprovavam a guerra de modo mais visceral do que ele. Embora seu trabalho no Ministério da Fazenda o fizesse sentir-se importante, a guerra propriamente dita deixava Keynes profundamente infeliz. Até mesmo sua vida sexual entrou em declínio, talvez porque os rapazes que ele gostava de conquistar em Londres entraram todos para o Exército.46 Em setembro de 1915, apenas oito meses depois de prever que as finanças alemãs estavam “desmoronando”, Keynes alertou que, a não ser que se alcançasse a paz em abril do ano seguinte, haveria uma “catástrofe”, já que “os gastos dos próximos meses rapidamente tornariam nossas dificuldades insuportáveis”. Quando nenhuma catástrofe ocorreu – apesar das ameaças alarmantes de que Wilson proibiria os empréstimos em decorrência da criação de listas negras de empresas norte-americanas que vendiam para os Impérios Centrais47 –, Keynes reagendou sua profecia. No fim de 1916, ele redigiu um memorando para o ministro da Fazenda, Reginald McKenna, alertando que “até junho, ou antes disso, o presidente da República norte-americana estará em posição de impor suas próprias condições sobre nós, se assim o desejar”.48

É verdade que havia motivos para preocupação no fim de 1916, sobretudo por causa da oposição crescente dos germanófilos no conselho do Federal Reserve ao modo como a Grã-Bretanha estava financiando seus saques a descoberto nos Estados Unidos, cada vez mais vultosos; isso culminou em um “alerta” aos investidores norte-americanos para que estes não investissem nas letras do Tesouro britânico.49 Entretanto, um autoproclamado objetor de consciência, Keynes tinha interesse em apoiar os esforços de Woodrow Wilson para conduzir a guerra a uma paz negociada; e (como assinalou sir Edward Grey em 28 de novembro) a pressão financeira era claramente uma forma de fazer isso.50 Em fevereiro de 1917, depois que a Grã-Bretanha conseguiu frear a grande demanda pelas reservas de ouro do Banco da Inglaterra, Keynes tentou novamente, afirmando que o país só tinha recursos suficientes para continuar lutando por quatro semanas. Mesmo depois que os norte-americanos entraram na guerra, ele não desistiu. Em 20 de julho, redigiu um memorando para Bonar Law, ameaçando que “todo o tecido financeiro da aliança” iria “entrar em colapso em uma questão não de meses, mas de dias”.51 O próprio Wilson concluiu, no dia seguinte, que a Inglaterra e a França logo estariam “financeiramente em nossas mãos”.52

Não há dúvida de que isso ajudou a Grã-Bretanha a ser capaz de comprar suprimentos de guerra essenciais nos Estados Unidos a uma taxa de câmbio supervalorizada, amparada por empréstimos obtidos em Wall Street. Teria sido não só constrangedor, mas também inflacionário, se a libra esterlina houvesse caído para muito menos de 4,70 dólares.53 Mas é um exagero afirmar que um enfraquecimento da libra esterlina, fixada em aproximadamente 4,76 dólares (2% abaixo da paridade) durante a maior parte do conflito, teria sido tão fatal para o esforço de guerra britânico quanto Keynes afirmava. Deve-se lembrar que, embora a Grã-Bretanha tenha emprestado mais de 5 bilhões de dólares dos Estados Unidos durante a guerra, quando esta chegou ao fim, ela era, em termos líquidos, não uma devedora, mas sim uma credora. Em março de 1919, as dívidas externas da Grã-Bretanha, principalmente com os Estados Unidos, totalizavam 1,365 bilhão de libras; mas, ao todo, os países Aliados, os domínios e as colônias lhe deviam 1,841 bilhão de libras, deixando um saldo líquido de aproximadamente meio bilhão.54 Tudo que aconteceu foi que a Grã-Bretanha havia usado sua própria classificação de crédito boa (baseada inicialmente nos haveres em dólares dos súditos britânicos) para obter empréstimos em Nova York, que, então, emprestava para seus aliados muito menos dignos de crédito. A França também havia contraído empréstimos com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, enquanto emprestava para a Rússia e para outros países.55 Também não se deve presumir que os Impérios Centrais foram de certo modo “cortados” do mercado de capitais internacional pelo poder de J. P. Morgan.56 De acordo com uma estimativa, em torno de 35 milhões dos 2,16 bilhões de dólares emprestados pelos Estados Unidos aos países combatentes antes de abril de 1917 foram para os Impérios Centrais.57 Em se tratando de conduzir a guerra, importava menos quantos títulos de guerra podiam ser vendidos em Wall Street do que o tamanho do déficit comercial que poderia ser financiado de alguma forma, e nesse aspecto os alemães se saíram surpreendentemente bem, apesar das restrições do bloqueio. Um volume mais elevado de finanças externas certamente ajudou a Grã-Bretanha e a França a gastarem mais na guerra do que a Alemanha e a Áustria-Hungria. O próprio fato de que, no fim do conflito, cerca de 18% da dívida de guerra britânica estava nas mãos de estrangeiros fala por si só. Mas as finanças externas não eram nenhuma garantia de vitória; basta observar a derrota e a insolvência da Rússia, apesar de dever aos Aliados um total acumulado de 7,788 bilhões de rublos (824 milhões de libras): não menos de 30% do total de empréstimos do país durante a guerra.58

Porém, o mais notável é que o esforço de guerra da Entente – ao menos na visão de Keynes – tivesse passado a depender dos empréstimos norte-americanos, quando, como vimos, a Entente havia iniciado a guerra com tamanha vantagem financeira. A guerra havia exposto os limites do poder imperial britânico: as grandes acumulações de ativos ultramarinos com os quais a Grã-Bretanha entrou na guerra se mostraram um colchão financeiro muito menos firme do que se havia esperado, sobretudo porque (como observou George Booth): “Quando alguém é obrigado a vender, é um vendedor mais fraco, e a posição do vendedor tenta o comprador a tirar o máximo proveito da situação. Foram feitas muitas vendas [de ativos ultramarinos] a preços que depois se revelaram ridiculamente baixos”.59 Em contrapartida, em 1916 os britânicos ocupavam, com relação a Wall Street, a notável posição de vantagem de que o grande devedor sempre desfruta. No começo de 1917, J. P. Morgan estava tão comprometido com a Grã-Bretanha e com a libra esterlina que uma crise real era praticamente impensável; pode-se imaginar o “estado de euforia” no gabinete de Morgan quando se anunciou que os Estados Unidos estavam cortando relações diplomáticas com a Alemanha:60 foi Morgan, tanto quanto a Grã-Bretanha, que foi resgatado em 1917. Depois disso, a ameaça de uma crise da libra esterlina foi não mais do que um porrete com que os norte-americanos procuraram obrigar os britânicos a aceitar os objetivos diplomáticos dos Estados Unidos.61 Como afirmou Wilson, a graça de ter alavancagem financeira com relação à Grã-Bretanha e a França era que, “quando a guerra acabar, podemos coagi-los ao nosso modo de pensar”.62

Papel-moeda e preços

A Alemanha foi singular ao permitir que sua oferta monetária tivesse um rápido crescimento durante a guerra? Certamente não. Todos os países combatentes alteraram as regras monetárias do período anterior à guerra, seja suspendendo de maneira informal a conversibilidade do ouro (Rússia e Alemanha), restringindo as importações de ouro (Rússia, Alemanha, Grã-Bretanha e França), impondo moratórias temporárias a certas formas de dívida e então monetizando-as (Grã-Bretanha), ou criando novas formas de curso forçado de papel-moeda (Grã-Bretanha e Alemanha).63 O objetivo inicial dessas mudanças era evitar uma contração monetária catastrófica. Mas, assim que a confiança foi retomada, o efeito – junto com o grande volume de empréstimos de curto prazo contraídos pelo governo e as limitações da nova tributação – foi injetar liquidez em grande escala. A oferta monetária deixou de estar significativamente relacionada com as reservas em ouro do Banco Central. O aumento resultante da circulação de papel-moeda (indicadores monetários mais sofisticados estão indisponíveis para certos países combatentes) certamente foi maior na Alemanha do que na Grã-Bretanha, na França e na Itália. Na Alemanha, a moeda em sentido amplo cresceu 285% entre 1913 e 1918, em comparação com 110% na Grã-Bretanha. Considerando as médias anuais para a circulação de papel-moeda do Banco Central no mesmo período, o aumento na Alemanha foi da ordem de 600%, comparação com cerca de 370% na Itália e 390% na França. Entretanto, os aumentos na circulação de papel-moeda foram substancialmente maiores na Áustria-Hungria e na Rússia (ver Tabela 39).

Inevitavelmente, considerando a escassez de certos produtos que coincidiu com essa expansão monetária, a inflação foi um problema universal. Mais uma vez, a experiência alemã durante a guerra esteve longe de ser uma exceção. Os preços do atacado subiram menos na Alemanha entre 1914 e 1918 (105%) do que na Grã-Bretanha (127%), na França (233%) ou na Itália (326%), embora os índices disponíveis para o custo de vida revelem que os preços ao consumidor subiram mais ou menos o dobro na Alemanha (204%), em comparação com a Grã-Bretanha (110%) e a França (113%). Ainda assim, a situação foi melhor do que na Áustria, onde os preços subiram 1.062% (ver Tabela 40).

Mas foi tão ruim permitir que os preços aumentassem durante a guerra? Não necessariamente. Como muitas vezes se demonstrou, a inflação (em particular nesse nível e ao longo desse período) funciona como uma forma de imposto, recolhido facilmente e, em geral, não reconhecido como tal. Um efeito da depreciação da moeda foi reduzir o ônus real da dívida nacional e, portanto, os custos do pagamento de juros para os contribuintes. Essa é, sem dúvida, uma explicação importante para o custo mais baixo da guerra, em dólares, para a Alemanha e a Áustria, cujas moedas sofreram uma depreciação significativa com relação ao dólar – sobretudo na segunda metade de 1918, quando a derrota dos Impérios Centrais parecia iminente. Entretanto, é importante não exagerar o alcance dessa depreciação: as moedas russa e italiana se saíram piores (Figura 14).

Tabela 39 Oferta monetária: moeda em sentido amplo e moeda em circulação, em milhões (moeda nacional)

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Notas: Moeda em sentido amplo: para a Alemanha, usei a definição de M3 de Holtfrerich em seu German Inflation; para a Grã-Bretanha, Capie e Webber, Survey of Estimates. Moeda em circulação: números para a Áustria, média mensal de julho; para a Rússia, dados de 1º de agosto de 1914 e 1º de janeiro de 1915-1918.

Fontes: Balderston, “War Finance”, p. 237; Kindleberger, Financial History, p. 295; Bordes, Austrian Crown, p. 46s; Carr, Bolshevik Revolution, vol. II, p. 144s; Bresciani, Economics of Inflation, p. 164; Apostol, Bernatzky e Michelson, Russian Public Finance, p. 372.

Tabela 40 Índices dos custos de vida (1914 = 100)

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Fontes: Maddison, Capitalist Development, p. 300s; E. Morgan, Studies in British Financial Policy, p. 284; Fontaine, French Industry, p. 417; Stone, Eastern Front, p. 287.

Considerando todos os fatores, portanto, as finanças de guerra alemãs dificilmente foram tão “desastrosas” ou “patéticas” quanto muitas vezes se afirma. Pelo contrário, é admirável que a Alemanha tenha sido capaz de sustentar seu esforço de guerra por tanto tempo quando seus recursos financeiros eram muito mais limitados do que os dos inimigos.

O preço por morte

Em 1917, ao lhe perguntarem quando ele achava que a guerra terminaria, Charles à Court Repington, correspondente de guerra do The Times, respondeu:

Visto que as nações contavam dinheiro como quem conta grãos de areia, e todas, de uma forma ou de outra, provavelmente repudiariam a guerra quando esta acabasse, pareceria não haver razão para parar, sobretudo quando tantas pessoas estavam ficando mais ricas com a guerra; as senhoras gostavam de estar sem os maridos, e todos temiam os ajustes que viriam depois – industriais, políticos, financeiros e domésticos.64

Para Repington, a única forma de terminar a guerra era infligir uma derrota militar decisiva aos Impérios Centrais. Isso era absolutamente correto. Apenas a vitória no campo de batalha serviria. Considerando a imensa superioridade econômica das potências da Entente, no entanto, estava longe de ser fácil explicar por que em 1917 isso ainda não havia sido alcançado. De fato, muitos observadores norte-americanos começaram a pensar, no decurso daquele ano, que isso jamais aconteceria. Os historiadores, como Keynes, tenderam a se concentrar na taxa de câmbio ao analisar as relações financeiras transatlânticas. Mas, se considerarmos os rendimentos das obrigações – um indicador, como vimos, de importância muito maior no mundo pré-guerra –, o quadro é diferente. Uma vez que a Grã-Bretanha e a França começaram a emitir obrigações em Nova York, ficaram expostas precisamente ao exame atento de investidores ao qual outros países estiveram expostos antes da guerra, quando contraíram empréstimos em Paris e em Londres. Os números para os rendimentos de uma das emissões mais importantes durante a guerra, o empréstimo anglo-francês de 1915 (um empréstimo de 500 milhões de dólares para a Grã-Bretanha e a França),65 revelam a magnitude da crise de confiança no esforço de guerra dos Aliados (Figura 15). É fascinante notar que o momento em que a confiança dos norte-americanos no esforço de guerra dos Aliados esteve mais em baixa foi em dezembro de 1917 – e não na primavera de 1918, como se poderia ter esperado.

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Figura 14 Taxas de câmbio do dólar, 1915-1918 (1913 = 1)

Nota: Preços de Londres, com exceção do marco (Nova York).

Fontes: E. Morgan, Studies in British Financial Policy, p. 345-349; Statistisches Reichsamt, Zahlen zur Geldentwertung, p. 6; Bordes, Austrian Crown, p. 114.

Ainda mais surpreendente é o fato de que esta foi uma crise de confiança na França e na Grã-Bretanha, e não no esforço de guerra dos Estados Unidos. A Figura 16 mostra que, no fim de 1917, houve um brusco aumento na diferença entre os rendimentos dos títulos anglo-franceses e norte-americanos: em 14 de dezembro, chegou a um máximo de 3,8%. Isso não foi uma peculiaridade do mercado de Nova York: o rendimento dos consolidados em Londres durante a guerra alcançou um pico de 4,92 em novembro de 1917.66

Os investidores tinham boas razões para estar preocupados com as potências da Europa Ocidental. A Sérvia e a Romênia haviam sido derrotadas; a Itália estava cambaleando depois de Caporetto (outubro de 1917). Na Rússia, a Revolução Bolchevique em novembro proclamou a vitória completa da Alemanha na Frente Oriental. Na França, o moral estava em seu pior momento na segunda metade de 1917: menos de 30% das cartas examinadas pelos censores em Bordeaux naquele mês de setembro expressavam apoio à paz com base na vitória direta; mais de 17% defendiam explicitamente uma paz negociada.67 Sem dúvida, o Exército britânico finalmente fizera uso efetivo de tanques em Cambrai, mas o sucesso se mostrou efêmero e decerto não compensou as perdas sofridas em Passchendaele. Os norte-americanos tinham confiança em si mesmos; mas seu Exército ainda era embrionário e, no fim de 1917, eles estavam a ponto de perder a confiança na capacidade de seus próprios aliados para continuar lutando. Talvez tenha sido a carta de lorde Lansdowne, defendendo uma paz negociada (publicada pelo Daily Telegraph em 29 de novembro), o que gerou nervosismo em Wall Street. O surpreendente era que o mercado de Nova York continuasse tão superaquecido com relação às obrigações anglo-francesas na primavera seguinte, quando muitas figuras influentes na Grã-Bretanha e na França temiam sinceramente que a Alemanha estivesse à beira da vitória.

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Figura 15 Preços e volume de comercialização das obrigações anglo-francesas com rendimento de 5%, 1915-1918

Fonte: Commercial and Financial Chronicle, 1915-1918.

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Figura 16 Diferença nos rendimentos anglo-franceses e norte-americanos, 1915-1918

Fonte: Commercial and Financial Chronicle, 1915-1918.

Nada pode minimizar o fato crucial de que os Impérios Centrais foram significativamente mais eficazes para matar, ferir e capturar o inimigo do que as potências da Entente. Porém, o mais desconcertante é que eles o fizeram a um custo muito mais baixo. Uma forma (um tanto insensível) de expressar a diferença entre os dois lados levando em conta não só a eficácia militar como também os recursos econômicos – em outras palavras, medindo a eficiência da guerra como um todo – é dizer que a Alemanha se saiu muito melhor do que a Entente ao infligir o “máximo massacre ao menor custo”. Como vimos, os Aliados gastaram aproximadamente 140 bilhões de dólares entre 1914 e 1918; os Impérios Centrais, em torno de 80 bilhões de dólares. Mas os Impérios Centrais mataram muito mais soldados das Forças Armadas dos Aliados do que o contrário. Com base nisso, pode-se fazer um cálculo simples: enquanto custava às potências da Entente 36.485,48 dólares para matar um soldado dos Impérios Centrais, custava aos Impérios Centrais apenas 11.344,77 dólares para matar um soldado da Entente (Tabela 41). Para completar o balanço macabro, esses números poderiam, é claro, ser associados com as estimativas de Bogart acerca do valor econômico nominal de cada soldado morto para seu país de origem. De acordo com Bogart, um soldado norte-americano ou britânico valia 20% mais que um alemão (1.414 dólares, comparado com 1.354 dólares) e aproximadamente o dobro de um soldado russo ou turco (700 dólares). Mas nenhum soldado valia tanto quanto custava matá-lo.68 Em última instância, portanto, o máximo que o historiador financeiro pode fazer é perguntar aos historiadores militares: por que motivo os alemães e seus aliados – que eram mais de três vezes mais eficientes em matar o inimigo do que a Grã-Bretanha e seus aliados – acabaram perdendo a guerra? Uma resposta possível é simplesmente que, como a Grã-Bretanha tinha certeza de sua vantagem econômica, ela se permitiu ser um tanto quanto dispendiosa no modo como conduziu a guerra. Contudo, não é fácil conciliar isso com os temores de uma crise do dólar que vieram à tona em 1916 e 1917 e deveriam ter encorajado a austeridade. Talvez, como Keynes afirmou para Beatrice Webb em março de 1918, fosse o governo britânico, e não o alemão, que “habitualmente colocava as finanças por último em todas as considerações importantes e acreditava que a ação, por mais perdulária que fosse, era preferível à cautela e à crítica, por mais justificada”.69

Tabela 41 O custo de matar: gastos de guerra e mortes

 

“Gastos de guerra” (em bilhões atuais)

Mortes

Grã-Bretanha

  43,8

   723.000

Império Britânico (com exceção da Grã-Bretanha)

    5,8

   198.000

França

  28,2

1.398.000

Rússia

  16,3

1.811.000

Itália

  14,7

   578.000

Estados Unidos

  36,2

   114.000

Outros

   2,0

   599.000

Entente e potências aliadas

147,0

5.421.000

Alemanha

  47,0

2.037.000

Áustria-Hungria

  13,4

1.100.000

Bulgária e Turquia

    1,1

   892.000

Impérios Centrais

  61,5

4.029.000

Total geral

208,5

9.450.000

Fontes: Hardach, First World War, p. 153; J. Winter, Great War, p. 75.

Uma forma de responder a essa pergunta é analisar se a Grã-Bretanha se tornou mais eficiente no decurso da guerra. Isso não é fácil, mas, para chegar a uma hipótese um tanto rudimentar e provisória, calculei as proporções entre os assassinatos e os gastos britânicos e alemães, usando o número de baixas permanentes no setor britânico da Frente Ocidental e os gastos totais anuais convertidos em dólares. Os números indicam que no momento em que os gastos da Grã-Bretanha mais excederam os da Alemanha (em uma proporção de 1,8 para 1), a Alemanha estava alcançando sua mais formidável contagem líquida de corpos no setor britânico (1,4 para 1). Isso foi em 1916, ano em que a Grã-Bretanha fez ofensivas caras, porém autodestrutivas. Entretanto, a superioridade continuada (embora um pouco reduzida) da Grã-Bretanha em termos financeiros (1,3 para 1) talvez ajude a explicar a subsequente deterioração na contagem líquida de corpos alemã, que foi apenas 0,7 para 1 em 1918, o ano da ofensiva de Ludendorff e das rendições em massa dos alemães. Isso pareceria indicar uma melhora relativa da eficiência militar do lado britânico: em 1917 e 1918, os alemães estavam diminuindo a lacuna comercial, mas na contagem líquida de corpos a situação acabou se tornando desfavorável para eles.70 Entretanto, ainda falta explicar exatamente como a superioridade financeira dos Aliados esteve associada (se é que esteve) à deterioração do moral alemão que culminou no fim da guerra.

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1. Harvey, Collision of Empires, p. 279.

2. Crow, Man of Push and Go, p. 69.

3. Harvey, Collision of Empires, p. 279.

4. Seligmann, “Germany and the Origins”, p. 321s.

5. D. French, “Meaning of Attrition”, p. 387s.

6. Ver e.g. Berghahn, Modern Germany, p. 48; Manning, “Wages and Purchasing Power”, p. 260, 284s. Para uma visão geral, Zeidler, “Deutsche Kriegsfinanzierung”, p. 415-34.

7. Ver, e.g., Kindleberger, Financial History, p. 291s; Holtfrerich, German Inflation, p. 118ss.

8. Balderston, “War Finance”, p. 222-244.

9. Witt, “Finanzpolitik und sozialer Wandel im Krieg”, p. 425. Ver também Lotz, Die deutsche Staatsfinanzwirtschaft, p. 104; Roesler, Finanzpolitik, p. 197ss; Bresciani-Turroni, Economics of Inflation, p. 47; F. Graham, Exchange, p. 7.

10. Roesler, Finanzpolitik, p. 196-201; Hardach, First World War, p. 157s.

11. Roesler, Finanzpolitik, p. 206s; Holtfrerich, German Inflation, p. 117.

12. Feldman, Great Disorder, p. 26-51.

13. Roesler, Finanzpolitik, p. 208ss, 216; F. Graham, Exchange, p. 216.

14. Feldman, Army, Industry and Labour, p. 97-117, 471s.

15. Roesler, Finanzpolitik, p. 225-227; Bresciani-Turroni, Economics of Inflation, p. 442.

16. Holtfrerich, German Inflation, p. 79-94.

17. Gullace, “Sexual violence”, p. 722.

18. Adams, Arms and the Wizard, p. 17s.

19. Skidelsky, John Maynard Keynes, vol. II, p. 302.

20. Hardach, First World War, p. 153.

21. Bankers Trust Company, French Public Finance, p. 11.

22. Calculado com base em números de Balderston, “War Finance”, p. 225.

23. Knauss, Die deutsche, englische und französische Kriegsfinanzierung. Cf. Eichengreen, Golden Fetters, p. 75ss.

24. Balderston, “War Finance”, p. 225, 230-237. Cf. Kirkaldy, British Finance; Mallet e George, British Budgets; Grady, British War Finance; Stamp, Taxation during the War; E. Morgan, Studies in British Financial Policy.

25. Calculado com base em números de Roesler, Finanzpolitik, p. 196, 201; E. Morgan, Studies in British Financial Policy, p. 41; Balderston, “War Finance”, p. 225. Para informações detalhadas sobre a tributação britânica em tempos de guerra, ver Mallet e George, British Budgets, p. 394-407.

26. Kemp, French Economy, p. 46s. Cf. Truchy, Finances de guerre; Jèze, Dépenses de guerre.

27. Godfrey, Capitalism at War, p. 215s.

28. Bankers Trust Company, French Public Finance, p. 120, 187. Sobre as finanças de guerra na Itália, ver Fausto, “Politica fiscale”, p. 4-138.

29. Stone, Eastern Front, p. 289s. Ver também Lyashchenko, History of the National Economy, p. 768s.

30. Hardach, First World War, p. 167. Cf. Carr, Bolshevik Revolution, vol. III, p. 144s.

31. Hiley, “British War Film”, p. 175.

32. Nägler, “Pandora’s Box”, p. 14.

33. Detalhes em Kirkaldy, British Finance, p. 125-149.

34. Bankers Trust Company, French Public Finance, p. 18.

35. Apostol, Bernatzky e Michelson, Russian Public Finance, p. 249, 252, 263.

36. Detalhes em Roesler, Finanzpolitik, p. 206.

37. Becker, Great War, p. 147s. (citando o exemplo dos trabalhos de Le Creuset).

38. Stone, Eastern Front, p. 290s.

39. Kemp, French Economy, p. 47.

40. Calculado com base em números da Bankers Trust Company, French Public Finance, p. 138s; Balderston, “War Finance”, p. 227.

41. E. Morgan, Studies in British Financial Policy, p. 140. Cf. Bankers Trust Company, English Public Finance, p. 30.

42. Hardach, First World War, p. 162; Bankers Trust Company, French Public Finance, p. 18; Schremmer, “Taxation and Public Finance”, p. 398.

43. Apostol, Bernatzky e Michelson, Russian Public Finance, p. 282.

44. Hardach, First World War, p. 167ss.

45. Ver e.g. Burk, Britain, America and the Sinews of War. Ver também Burk, “Mobilization of Anglo-American Finance”, p. 25-42.

46. Moggridge, Maynard Keynes, ilustração 9. Entre 1906 e 1915, Keynes manteve uma contagem de seus encontros sexuais, registrando o número de “x”, “b” e “p” que ele conseguiu a cada trimestre. Tipicamente, ele também tinha um sistema de pontos, a fim de calcular um índice ponderado de sua gratificação sexual. O ano de agosto de 1914 a agosto de 1915 foi marcadamente pior que o ano anterior, e 14% inferior aos quatro trimestres anteriores.

47. Burk, Britain, America and the Sinews of War, p. 80.

48. Skidelsky, John Maynard Keynes, vol. II, p. 314s.

49. Burk, Britain, America and the Sinews of War, p. 83ss.

50. Ibid., p. 88.

51. Skidelsky, John Maynard Keynes, vol. II, p. 340. Ver também Burk, Britain, America and the Sinews of War, p. 203.

52. Burk, “Mobilization of Anglo-American Finance”, p. 37.

53. Burk, Britain, America and the Sinews of War, p. 64.

54. E. Morgan, Studies in British Financial Policy, p. 317, 320s. Cf. Kirkaldy, British Finance, p. 175-183; Mallet e George, British Budgets, tabela XVIII.

55. Bankers Trust Company, French Public Finance; Hardach, First World War, p. 148; Eichengreen, Golden Fetters, p. 72f, 84s.

56. Eichengreen, Golden Fetters, p. 84.

57. Born, International Banking, p. 203.

58. Apostol, Bernatzky e Michelson, Russian Public Finance, p. 320ss.

59. Crow, Man of Push and Go, p. 121s. Detalhes sobre vendas e depósitos de valores mobiliários em Kirkaldy, British Finance, p. 183-197.

60. Crow, Man of Push and Go, p. 149.

61. Ver e.g. Burk, Britain, America and the Sinews of War, p. 198s.

62. Burk, “Mobilization of Anglo-American Finance”, p. 37.

63. Eichengreen, Golden Fetters, p. 68-71; Hardach, First World War, p. 140.

64. Hynes, War Imagined, p. 289.

65. Detalhes em Kirkaldy, British Finance, p. 176; Burk, Britain, America and the Sinews of War, p. 74s.

66. E. Morgan, Studies in British Financial Policy, p. 152.

67. Becker, Great War, p. 224ss.

68. Bogart, Direct and Indirect Costs. Cf. discussão em Milward, Economic Effects, p. 12s.

69. Skidelsky, John Maynard Keynes, vol. I, p. 348.

70. Os números são os seguintes (consultar fontes na Figura 12 e na Tabela 36):

 

Proporção entre soldados britânicos e alemães permanentemente incapacitados no setor britânico da Frente Ocidental

Proporção entre o gasto público total britânico e o alemão, em dólares

1915

1,39

1,23

1916

1,44

1,84

1917

1,09

1,48

1918

0,73

1,34