CAPÍTULO 6
AS REVOLUÇÕES
A liberdade, este rouxinol com voz de gigante, desperta os que têm o sono mais pesado. (...) Como é possível pensar em alguma coisa hoje que não seja lutar a favor ou contra a liberdade? Os que não podem amar a humanidade ainda podem ser grandes tiranos. Mas como se pode ficar indiferente?
Ludwig Boerne, 14 de fevereiro de 1831 1
Os governos, tendo perdido seu equilíbrio, acham-se assustados, intimidados e confusos com os gritos da classe intermediária da sociedade, que, colocada entre os reis e seus súditos, quebra o cetro dos monarcas e usurpa o grito do povo.
Metternich ao czar, 1820 2
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Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso da história foi demonstrada de forma mais decisiva do que na geração pós-1815. Evitar uma segunda Revolução Francesa, ou ainda a catástrofe pior de uma revolução europeia generalizada tendo como modelo a francesa, foi o objetivo supremo de todas as potências que tinham gasto mais de vinte anos para derrotar a primeira; até mesmo dos britânicos, que não simpatizavam com os absolutismos reacionários que se restabeleceram em toda a Europa e sabiam muito bem que as reformas não podiam nem deviam ser evitadas, mas que temiam uma nova expansão franco-jacobina mais do que qualquer outra contingência internacional. E, ainda assim, nunca na história da Europa e poucas vezes em qualquer outro lugar, o revolucionarismo foi tão endêmico, tão geral, tão capaz de se espalhar por propaganda deliberada como por contágio espontâneo.
Houve três ondas revolucionárias principais no mundo ocidental entre 1815 e 1848. (A Ásia e a África permaneciam até então imunes: as primeiras revoluções em grande escala na Ásia, o “Motim Indiano” e a “Rebelião Taiping”, só ocorreram na década de 1850.) A primeira ocorreu em 1820-1824. Na Europa, ela ficou limitada principalmente ao Mediterrâneo, com a Espanha (1820), Nápoles (1820) e a Grécia (1821) como seus epicentros. Fora a grega, todas essas insurreições foram sufocadas. A Revolução Espanhola reviveu o movimento de libertação na América Latina, que tinha sido derrotado após um esforço inicial, ocasionado pela conquista da Espanha por Napoleão em 1808, e reduzido a alguns refúgios e grupos. Os três grandes libertadores da América espanhola, Simon Bolívar, San Martin e Bernardo O’Higgins, estabeleceram a independência respectivamente da “Grande Colômbia” (que incluía as atuais repúblicas da Colômbia, da Venezuela e do Equador), da Argentina (exceto as áreas interioranas que hoje constituem o Paraguai e a Bolívia e os pampas além do Rio da Prata, onde os gaúchos da Banda Oriental — hoje Uruguai — lutaram contra argentinos e brasileiros) e do Chile. San Martin, auxiliado pela frota chilena sob o comando do nobre radical inglês Cochrane — em quem C. S. Forester se baseou para escrever o romance Captain Hornblower (Comandante Corneteiro) —, libertou a última fortaleza do poderio espanhol, o vice-reino do Peru. Por volta de 1822, a América espanhola estava livre, e San Martin, um homem moderado, de grande visão e rara abnegação pessoal, deixou a tarefa a Bolívar e ao republicanismo e retirou-se para a Europa, terminando sua nobre vida no que normalmente era um refúgio para ingleses endividados, Boulogne-sur-Mer, com uma pensão dada por O’Higgins. Enquanto isso, Iturbide, o general espanhol enviado para lutar contra as guerrilhas camponesas que ainda resistiam no México, tomou o partido dos guerrilheiros sob o impacto da Revolução Espanhola e, em 1821, estabeleceu definitivamente a independência mexicana. Em 1822, o Brasil separou-se pacificamente de Portugal sob o comando do regente deixado pela família real portuguesa em seu retorno à Europa após o exílio napoleônico. Os Estados Unidos reconheceram o mais importante dos novos Estados quase que imediatamente, os britânicos reconheceram-no logo depois, cuidando de concluir tratados comerciais com ele, e os franceses o fizeram antes do fim da década.
A segunda onda revolucionária ocorreu em 1829-1834, e afetou toda a Europa a oeste da Rússia e o continente norte-americano, pois a grande época de reformas do presidente Andrew Johnson (1829-1837), embora não diretamente ligada aos levantes europeus, deve ser entendida como parte dela. Na Europa, a derrubada dos Bourbon na França estimulou várias outras insurreições. Em 1830, a Bélgica conquistou sua independência da Holanda; em 1830-1831, a Polônia foi subjugada somente após consideráveis operações militares, várias partes da Itália e da Alemanha estavam agitadas, o liberalismo prevalecia na Suíça — um país muito menos pacífico naquela época do que hoje —, enquanto se abria um período de guerras na Espanha e em Portugal. Até mesmo a Grã-Bretanha, graças em parte à erupção do seu vulcão local, a Irlanda, que garantiu a Emancipação Católica em 1829 e o reinício da agitação reformista. O Ato de Reforma de 1832 corresponde à Revolução de Julho de 1830 na França, e de fato tinha sido poderosamente estimulado pelas novas de Paris. Este período é provavelmente o único na história moderna em que acontecimentos políticos na Grã-Bretanha correram paralelamente aos do continente europeu, a ponto de que algo semelhante a uma situação revolucionária poder-se-ia ter desenvolvido em 1831-1832, não fosse a restrição dos partidos Tory (conservador) e Whig (liberal). É o único período do século XIX em que a análise da política britânica nesses termos não é totalmente artificial.
A onda revolucionária de 1830 foi, portanto, um acontecimento muito mais sério do que a de 1820. De fato, ela marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa ocidental. A classe governante dos próximos 50 anos seria a “grande burguesia” de banqueiros, grandes industriais e, às vezes, altos funcionários civis, aceita por uma aristocracia que se apagou ou que concordou em promover políticas primordialmente burguesas, ainda não ameaçada pelo sufrágio universal, embora molestada por agitações externas causadas por negociantes insatisfeitos ou de menor importância, pela pequena burguesia e pelos primeiros movimentos trabalhistas. Seu sistema político, na Grã-Bretanha, na França e na Bélgica, era fundamentalmente o mesmo: instituições liberais salvaguardadas contra a democracia por qualificações educacionais ou de propriedade para os eleitores — havia inicialmente só 168 mil eleitores na França — sob uma monarquia constitucional; de fato, algo muito semelhante à primeira fase burguesa mais moderada da Revolução Francesa, a da Constituição de 1791.a Nos Estados Unidos, entretanto, a democracia jacksoniana dá um passo além: a derrota dos proprietários oligarcas antidemocratas (cujo papel correspondia ao que agora estava triunfando na Europa ocidental) pela ilimitada democracia política colocada no poder com os votos dos homens das fronteiras, dos pequenos fazendeiros e dos pobres das cidades. Foi uma espantosa inovação, e os pensadores do liberalismo moderado que eram realistas o suficiente para saber que, mais cedo ou mais tarde, as ampliações do direito de voto seriam inevitáveis, examinaram-na de perto e com muita ansiedade, notadamente Alexis de Tocqueville, cuja obra Democracia na América, de 1835, chegou a melancólicas conclusões sobre ela. Mas, como veremos, 1830 determina uma inovação ainda mais radical na política: o aparecimento da classe operária como uma força política autoconsciente e independente na Grã-Bretanha e na França, e dos movimentos nacionalistas em grande número de países da Europa.
Por trás destas grandes mudanças políticas estavam grandes mudanças no desenvolvimento social e econômico. Qualquer que seja o aspecto da vida social que avaliarmos, 1830 determina um ponto crítico; de todas as datas entre 1789 e 1848, o ano de 1830 é o mais obviamente notável. Ele aparece com igual proeminência na história da industrialização e da urbanização no continente europeu e nos Estados Unidos, na história das migrações humanas, tanto sociais quanto geográficas, e ainda na história das artes e da ideologia. E na Grã-Bretanha e na Europa ocidental em geral, este ano determina o início daquelas décadas de crise no desenvolvimento da nova sociedade que se concluem com a derrota das revoluções de 1848 e com o gigantesco salto econômico depois de 1851.
A terceira e maior das ondas revolucionárias, a de 1848, foi o produto desta crise. Quase que simultaneamente, a revolução explodiu e venceu (temporariamente) na França, em toda a Itália, nos Estados alemães, na maior parte do Império dos Habsburgo e na Suíça (1847). De forma menos aguda, a intranquilidade também afetou a Espanha, a Dinamarca e a Romênia; de forma esporádica, a Irlanda, a Grécia e a Grã-Bretanha. Nunca houve nada tão próximo da revolução mundial com que sonhavam os insurretos do que esta conflagração espontânea e geral, que conclui a era analisada neste livro. O que em 1789 fora o levante de uma só nação era agora, assim parecia, “a primavera dos povos” de todo um continente.
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Ao contrário das revoluções do final do século XVIII, as do período pósnapoleônico foram intencionais ou mesmo planejadas. Pois o mais formidável legado da própria Revolução Francesa foi o conjunto de modelos e padrões de sublevação política que ela estabeleceu para uso geral dos rebeldes de todas as partes do mundo. Não queremos dizer com isto que as revoluções de 1815-1848 foram a simples obra de alguns agitadores descontentes, como os espiões e policiais do período — uma espécie muito utilizada — deviam informar a seus superiores. Elas ocorreram porque os sistemas políticos novamente impostos à Europa eram profundamente e cada vez mais inadequados, em um período de rápida mudança social, para as condições políticas do continente, e porque os descontentamentos econômicos e sociais foram tão agudos a ponto de criar uma série de erupções virtualmente inevitáveis. Mas os modelos políticos criados pela Revolução de 1789 serviram para dar ao descontentamento um objetivo específico, para transformar a intranquilidade em revolução, e acima de tudo para unir toda a Europa em um único movimento — ou, talvez fosse melhor dizer, corrente — de subversão.
Havia vários modelos semelhantes, embora fossem todos originários da experiência francesa entre 1789 e 1797. Eles correspondiam às três principais tendências da oposição depois de 1815: o liberal moderado (ou, em termos sociais, o da classe média superior e da aristocracia liberal), o democrata radical (ou, em termos sociais, o da classe média inferior, parte dos novos industriais, intelectuais e pequena nobreza descontente) e o socialista (ou, em termos sociais, dos “trabalhadores pobres” ou das novas classes operárias industriais). Etimologicamente, a propósito, todos eles refletem o internacionalismo do período: “liberal” é de origem franco-espanhola, “radical”, de origem britânica, “socialista”, de origem anglo-francesa. “Conservador” é também de origem parcialmente francesa, uma outra prova da correlação singularmente íntima da política britânica e continental no período do Programa da Reforma. A inspiração para o primeiro foi a Revolução de 1789-1891, sendo seu ideal político o tipo de monarquia constitucional semibritânica com um sistema parlamentar de qualificação por propriedade, e portanto oligárquico, que a Constituição de 1791 introduziu e que, como vimos, tornou-se o tipo padrão de constituição na França, na Grã-Bretanha e na Bélgica depois de 1830-1832. A inspiração para o segundo poderia ser descrita como a Revolução de 1792-1793, sendo seu ideal político uma república democrática com uma inclinação para o “estado de bem-estar social” e alguma animosidade em relação aos ricos, o que corresponde à constituição jacobina ideal de 1793. Mas assim como os grupos sociais que lutaram a favor da democracia radical eram um conjunto variado e confuso, é também difícil dar um rótulo preciso a seu modelo revolucionário francês. Elementos do que em 1792-1793 teriam sido chamados de girondismo, jacobinismo e até mesmo de sansculotismo achavam-se nele combinados, embora talvez o jacobinismo da Constituição de 1793 o representasse melhor. A inspiração para o terceiro foi a revolução do Ano II e as insurreições pós-termidorianas, sobretudo a Conspiração dos Iguais de Babeuf, significativo levante de jacobinos extremados e de primeiros comunistas, que marca o nascimento da moderna tradição comunista na política. Era filho do sansculotismo e da ala esquerda do robespierrismo, embora herdando pouco do primeiro, com exceção do seu violento ódio pelas classes médias e pelos ricos. Politicamente o modelo revolucionário babovista seguia a tradição de Robespierre e de Saint-Just.
Do ponto de vista dos governos absolutistas, todos estes movimentos eram igualmente subvertedores da estabilidade e da boa ordem, embora alguns parecessem mais conscientemente devotados à propagação do caos do que outros, e alguns mais perigosos do que outros, porque tinham maiores possibilidades de inflamar as massas ignorantes e empobrecidas. (A polícia secreta de Metternich, na década de 1830, prestou por exemplo uma atenção que nos parece desproporcional à circulação do livro de Lamennais, Paroles d’un Croyant, de 1834, porque ao falar a linguagem católica dos apolíticos ele poderia atrair os súditos não afetados por uma propaganda abertamente ateísta).3 Na verdade, entretanto, os movimentos de oposição tinham pouco em comum além do seu ódio pelos regimes de 1815 e a tradicional frente comum de todos os que se opunham, por qualquer razão, à monarquia absoluta, à Igreja e à aristocracia. A história do período que vai de 1815 a 1848 é a história da desintegração dessa frente unida.
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Durante o período da Restauração (1815-1830), o cobertor da reação cobria igualmente a todos os dissidentes, e na escuridão debaixo dele as diferenças entre bonapartistas e republicanos, moderados e radicais, mal podiam ser distinguidas. Ainda não havia socialistas ou revolucionários conscientes da classe operária, pelo menos na política, exceto na Grã-Bretanha, onde uma tendência proletária independente na política e na ideologia surgiu sob a égide do “cooperativismo” de Robert Owen por volta de 1830. A maior parte do descontentamento de massa fora da Grã-Bretanha ainda não era político ou tinha um sentido ostensivamente legitimista e clerical, um protesto mudo contra a nova sociedade que parecia nada trazer exceto o mal e o caos. Com algumas exceções, portanto, a oposição política no continente estava limitada a minúsculos grupos de ricos e de pessoas cultas, o que ainda significava, em grande parte, a mesma coisa, pois até mesmo em uma fortaleza de esquerda tão poderosa quanto a École Polytechnique somente um terço dos estudantes — um grupo bastante subversivo — se originava da pequena burguesia (a maioria deles através dos escalões mais baixos do exército e do serviço público) e somente 0,3% vinham das “classes populares”. Os pobres que estavam conscientemente na esquerda aceitavam os slogans revolucionários clássicos da classe média, embora mais em sua versão radical-democrata do que em sua versão moderada, mas ainda sem muito mais que um certo tom de desafio social. O programa clássico em torno do qual a classe trabalhadora britânica se levantava repetidamente era o de uma simples reforma parlamentar conforme expressa nos “Seis Pontos” da Carta do Povo.b Em substância, esse programa não diferia do “jacobinismo” da geração de Paine, e era inteiramente compatível (a não ser pela sua ligação com uma classe operária cada vez mais consciente) com o radicalismo político dos reformadores da classe média ao estilo de Bentham, como expresso por exemplo por James Mill. A única diferença no período da Restauração era que os trabalhadores radicais já preferiam ouvir esse programa na boca de homens que lhes falavam em sua própria linguagem — fanfarrões retóricos do tipo de Orator Hunt (1773-1835) ou estilistas enérgicos e brilhantes como William Cobbett (1762-1835) e, naturalmente, Tom Paine (1737-1809) — e não na dos próprios reformadores da classe média.
Consequentemente, nesse período, distinções sociais ou mesmo nacionais ainda dividiam significativamente a oposição europeia em campos mutuamente incompatíveis. Tirando a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, onde uma forma regular de política de massa já estava estabelecida (embora na Grã-Bretanha fosse inibida pela histeria antijacobina até o início da década de 1820), as perspectivas políticas pareciam muito semelhantes para os oposicionistas de todos os países da Europa, e os métodos de alcançar a revolução — a frente unida do absolutismo praticamente eliminava a possibilidade de uma reforma pacífica na maior parte da Europa — eram quase os mesmos. Todos os revolucionários consideravam-se, com certa justiça, pequenas elites de emancipados e progressistas atuando entre — e para o eventual benefício de — uma vasta e inerte massa do povo ignorante e iludido, que sem dúvida receberia com alegria a libertação quando ela chegasse, mas da qual não se podia esperar que tomasse parte em sua preparação. Todos eles (pelo menos a oeste dos Bálcans) viam-se em luta contra um único inimigo, a união dos príncipes absolutistas sob a liderança do czar. Todos, portanto, concebiam a revolução como algo unificado e indivisível: um fenômeno europeu único em vez de um conjunto de libertações nacionais ou locais. Todos tendiam a adotar o mesmo tipo de organização revolucionária, ou até a mesma organização: a secreta irmandade insurrecional.
Essas irmandades, cada uma com um ritual altamente colorido e uma hierarquia derivada ou copiada dos modelos maçônicos, floresceram no fim do período napoleônico. As mais conhecidas, por serem as mais internacionais, eram os “bons primos” ou carbonari. Parece que descendiam de lojas maçônicas ou similares localizadas no leste da França através de oficiais franceses antibonapartistas em serviço na Itália; tomaram forma no sul deste país depois de 1806 e, junto com outros grupos semelhantes, espalharam-se para o norte e pelo Mediterrâneo depois de 1815. Elas, ou suas derivadas e paralelas, são encontradas até na Rússia, onde associações semelhantes reuniam os dezembristas, que fizeram a primeira insurreição moderna da história da Rússia em 1825, mas especialmente na Grécia. A época dos carbonari atingiu o clímax em 1820-1821, com a maioria das irmandades sendo praticamente destruídas por volta de 1823. Entretanto, o carbonarismo (no sentido genérico) persistiu como o principal tipo de organização revolucionária, talvez pela tarefa congênita de ajudar a libertação grega (filo-helenismo). E após o fracasso das revoluções de 1830 os exilados políticos da Polônia e da Itália propagaram-no para pontos ainda mais distantes.
Ideologicamente, os carbonari e semelhantes eram uma mistura, unida somente pelo ódio comum à reação. Por razões óbvias, os radicais, entre eles os jacobinos e babovistas de esquerda, revolucionários mais decididos, influenciavam cada vez mais as irmandades. Filippo Buonarroti, velho camarada de armas de Babeuf, era o mais hábil e mais infatigável dos conspiradores, embora suas doutrinas estivessem provavelmente muito à esquerda para a maioria dos irmãos e primos.
Se seus esforços jamais foram coordenados para produzir uma revolução internacional simultânea é ainda um assunto para discussão, embora tenham sido feitas persistentes tentativas para unir todas as irmandades secretas, pelo menos em seus níveis mais altos e mais iniciados, em superconspirações internacionais. Qualquer que seja a verdade, uma onda de insurreições do tipo carbonário ocorreu em 1820-1821. Fracassaram totalmente na França, onde não havia de forma alguma condições políticas para uma revolução e os conspiradores não tinham acesso à única alavanca eficaz de insurreição, em uma situação ainda não amadurecida para isso, ou seja, um exército descontente. O exército francês, naquela época e durante todo o século XIX, era uma parte do funcionalismo público, o que quer dizer que ele cumpria as ordens de qualquer que fosse o governo oficial. As insurreições obtiveram sucesso completo, mas apenas temporariamente, em alguns Estados italianos e especialmente na Espanha, onde a insurreição “pura” descobriu sua fórmula mais eficiente, o pronunciamento militar. Coronéis liberais, organizados em suas próprias irmandades secretas de oficiais, ordenavam que seus regimentos os seguissem na insurreição, e eles o faziam. (Os conspiradores dezembristas na Rússia tentaram fazer o mesmo com seus regimentos de guardas em 1825, mas fracassaram devido ao temor de irem muito longe.) As irmandades de oficiais — frequentemente de tendência liberal, visto que os novos exércitos forneciam carreiras para os jovens não aristocráticos — e o pronunciamento daí em diante se tornaram características regulares das cenas políticas ibérica e latino-americana e uma das mais duradouras e duvidosas criações políticas do período carbonarista. Pode-se observar de passagem que a sociedade secreta ritualizada e hierárquica, como a maçonaria, atraía muito fortemente os militares, por razões compreensíveis. O novo regime liberal espanhol foi deposto por uma invasão francesa apoiada pela reação europeia em 1823.
Só uma das revoluções de 1820-1822 manteve-se, graças em parte ao seu sucesso em desencadear uma genuína insurreição do povo, e em parte a uma situação diplomática favorável: o levante grego de 1821.c A Grécia, portanto, tornou-se a inspiração para o liberalismo internacional, e o “filo-helenismo”, que incluía o apoio organizado aos gregos e a partida de inúmeros combatentes voluntários, desempenhou, em relação à esquerda europeia na década de 1820, um papel análogo ao que a República Espanhola viria a desempenhar no fim da década de 1930.
As revoluções de 1830 mudaram a situação inteiramente. Como vimos, elas foram os primeiros produtos de um período geral de aguda e disseminada intranquilidade econômica e social e de rápidas transformações. Dois principais resultados seguiram-se a isto. O primeiro foi que a política de massa e a revolução de massa, com base no modelo de 1789, mais uma vez tornaram-se possíveis, e a dependência exclusiva das irmandades secretas, portanto, menos necessária. Os Bourbon foram derrubados em Paris por uma típica combinação de crise do que se considerava a política da monarquia Restaurada e de intranquilidade popular devida à depressão econômica. Cidade sempre agitada pela atividade de massa, Paris em julho de 1830 mostrava as barricadas surgindo em maior número e em mais lugares do que em qualquer época anterior ou posterior. (De fato, 1830 fez da barricada um símbolo da insurreição popular. Embora sua história revolucionária em Paris retroceda pelo menos a 1588, a barricada não desempenhou nenhum papel importante em 1789-1794.) O segundo resultado foi que, com o progresso do capitalismo, “o povo” e os “trabalhadores pobres” — isto é os homens que construíram as barricadas — podiam ser cada vez mais identificados com o novo proletariado industrial como “a classe operária”. Portanto, um movimento revolucionário proletário-socialista passou a existir.
As revoluções de 1830 também introduziram outras duas modificações na política de esquerda. Elas separaram os moderados dos radicais e criaram uma nova situação internacional. Ao fazê-lo, elas ajudaram a dividir o movimento não só em diferentes segmentos sociais mas também nacionais.
Internacionalmente, as revoluções dividiram a Europa em duas grandes regiões. A oeste do Reno, elas romperam para sempre o domínio das potências reacionárias unidas. O liberalismo moderado triunfou na França, na Grã-Bretanha e na Bélgica. O liberalismo (de um tipo mais radical) não triunfou por inteiro na Suíça nem na Península Ibérica, onde os movimentos católicos liberais e antiliberais de bases populares confrontavam-se, mas a Sagrada Aliança não mais podia intervir nessas regiões, como ainda costumava fazer em todas as regiões a leste do Reno. Nas guerras civis portuguesa e espanhola da década de 1830, cada uma das potências absolutistas ou liberal-moderadas apoiava o seu lado, embora os liberais o fizessem com um pouco mais de energia e com a ajuda de alguns voluntários e simpatizantes radicais estrangeiros, que prenunciavam vagamente o filo-hispanismo da década de 1930.d Mas no fundo a questão nestes países ficou para ser decidida pelo equilíbrio local de forças, o que quer dizer que ela continuou sem uma decisão, flutuando entre pequenos períodos de vitória liberal (1833-1837, 1840-1843) e recuperação conservadora.
A leste do Reno a situação permaneceu superficialmente como antes de 1830, pois todas as revoluções foram suprimidas: a italiana e a alemã, pelos austríacos ou com a ajuda destes, e a polonesa, de longe a mais séria, pelos russos. Além disso, nessa região o problema nacional continuou a ser mais importante que todos os outros. Todos os povos viviam em Estados que eram ou muito pequenos ou muito grandes segundo os critérios nacionais: como membros de nações desunidas, divididas em pequenos principados ou ainda em coisa nenhuma (Alemanha, Itália, Polônia), ou de impérios multinacionais (o dos Habsburgo, o russo e o turco), ou como ambas as coisas. Não precisamos nos preocupar com os holandeses e os escandinavos que viviam uma vida relativamente tranquila fora dos dramáticos acontecimentos do resto da Europa, embora pertencendo de uma maneira geral à zona não absolutista.
Havia muita coisa em comum entre os revolucionários das duas regiões, como demonstra o fato de que as revoluções de 1848 ocorreram em ambas, embora não em todas as suas partes. Entretanto, dentro de cada uma surgiu uma marcante diferença de ardor revolucionário. No oeste, a Grã-Bretanha e a Bélgica pararam de seguir o ritmo revolucionário geral, enquanto a Espanha, Portugal, e em menor grau a Suíça estavam envolvidos em suas endêmicas guerras civis, cujas crises não mais coincidiam com as de outras partes, a não ser acidentalmente (como no caso da Guerra Civil Suíça de 1847). No resto da Europa surgiu uma acentuada diferença entre as nações ativamente “revolucionárias” e as passivas ou pouco entusiásticas. Assim, os serviços secretos dos Habsburgo estavam constantemente envolvidos com o problema dos poloneses, dos italianos e dos alemães não austríacos, bem como pelos sempre citados húngaros, enquanto não encontravam quaisquer perigos nas terras alpinas ou nas eslavas. Até então, só os poloneses preocupavam os russos, enquanto os turcos ainda podiam confiar na maioria dos eslavos balcânicos para continuarem tranquilos.
Estas diferenças refletiam as variações no ritmo de evolução e nas condições sociais em diferentes países, que se tornaram cada vez mais evidentes nas décadas de 1830 e 1840 e cada vez mais importantes para a política. Assim, a avançada industrialização da Grã-Bretanha mudou o ritmo da política britânica: enquanto a maior parte do continente passou pelo seu mais agudo período de crises sociais em 1846-1848, a Grã-Bretanha teve um período equivalente — uma depressão puramente industrial — em 1841-1842. (Veja também o Capítulo 9.) Ao contrário, enquanto na década de 1820 grupos de jovens idealistas podiam esperar que um putsch militar assegurasse a vitória da liberdade na Rússia, na Espanha ou na França, depois de 1830 o fato de que as condições sociais e políticas na Rússia estavam muito menos maduras para a revolução do que na Espanha dificilmente podia ser dissimulado.
Todavia, os problemas da revolução eram semelhantes a leste e a oeste, embora não do mesmo tipo: eles provocavam grande tensão entre os moderados e os radicais. No oeste, os liberal-moderados saíram da frente comum de oposição à Restauração (ou de uma grande simpatia por ela) para assumir o governo ou um governo em potencial. Além disso, alcançado o poder pelos esforços dos radicais — pois quem mais lutava nas barricadas? —, eles imediatamente os traíam. Não se devia brincar com coisas tão perigosas como a democracia ou a república. “Não há mais uma causa legítima”, disse Guizot, liberal oposicionista durante a Restauração e primeiro-ministro durante a Monarquia de Julho, “nem um pretexto plausível para as máximas e as paixões por tanto tempo colocadas sob a bandeira da democracia. O que anteriormente era democracia seria agora anarquia; o espírito democrático, hoje e por muito tempo, não é nem será nada senão o espírito revolucionário.”4
Mais do que isto: após um pequeno intervalo de tolerância e zelo, os liberais tenderam a moderar seu entusiasmo reformista e a suprimir a esquerda radical, especialmente os revolucionários da classe operária. Na Grã-Bretanha, o “Sindicato Geral” (no estilo cooperativista de Owen) de 1834-1835 e os defensores da Carta do Povo enfrentaram a hostilidade tanto dos homens que se opuseram ao Ato de Reforma quanto de muitos que o apoiaram. O chefe das Forças Armadas na luta contra os defensores da Carta do Povo em 1839 simpatizava, como radical da classe média, com muitas de suas exigências, mas ainda assim os encurralou. Na França, a supressão do levante republicano de 1834 marcou a virada; no mesmo ano a sujeição ao terror de seis honestos trabalhadores wesleyanos que tinham tentado formar um sindicato agrícola (os “Mártires de Tolpuddle”) iniciava a ofensiva equivalente contra o movimento da classe operária na Grã-Bretanha. Os radicais, os republicanos e os novos movimentos proletários saíram portanto da aliança com os liberais; os moderados, quando ainda na oposição, eram perseguidos pelo fantasma assustador da “república social e democrática” que era agora o slogan da esquerda.
No resto da Europa, nenhuma revolução vencera. A divisão entre moderados e radicais e o surgimento de uma nova tendência social-revolucionária nasceram da análise da derrota e das perspectivas de vitória. Os moderados — proprietários liberais e outros membros da classe média — depositavam suas esperanças no reformismo de governos convenientemente influenciáveis e no apoio diplomático das novas potências liberais. Os governos convenientemente influenciáveis eram raros. A Savoia, na Itália, permaneceu simpática ao liberalismo e atraiu cada vez mais o apoio de um grupo moderado que buscava nela a ajuda para uma eventual unificação do país. Um grupo de católicos liberais, encorajado pelo efêmero e curioso fenômeno de um “papado liberal” no período do novo Papa Pio IX (1846), sonhava, infrutiferamente, em mobilizar a força da Igreja com o mesmo propósito. Na Alemanha, nenhum Estado importante era menos que hostil ao liberalismo. Isto não evitou que alguns moderados — embora menos do que pretendeu a propaganda histórica prussiana — olhassem para a Prússia, que pelo menos tinha a seu favor a criação de um Sindicato Alfandegário Alemão (1834), em busca de sonhos com príncipes convertidos em vez de barricadas. Na Polônia, onde a possibilidade de uma reforma moderada com o apoio do czar não mais encorajava a facção magnata que sempre depositara nisso as suas esperanças (os czartoryskis), os moderados podiam pelo menos esperar por uma intervenção diplomática ocidental. Nenhuma dessas perspectivas era ao menos realista, no pé em que as coisas estavam entre 1830 e 1848.
Os radicais estavam igualmente desapontados com o fracasso dos franceses em desempenhar o papel de libertadores internacionais que lhes tinham atribuído a Revolução Grega e a teoria revolucionária. De fato, este desapontamento, junto com o crescente nacionalismo da década de 1830 (veja o Capítulo 7) e a nova consciência das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país, despedaçou o internacionalismo unificado a que os revolucionários tinham aspirado durante a Restauração. As perspectivas estratégicas permaneciam as mesmas. Uma França neojacobina e talvez (como pensava Marx) uma Grã-Bretanha radicalmente intervencionista ainda eram quase indispensáveis para a libertação europeia, longe da improvável perspectiva de uma Revolução Russa.5 Todavia, uma reação nacionalista contra o internacionalismo (centrado na França) do período carbonarista ganhou terreno: uma emoção que se encaixava bem na nova moda do Romantismo (veja o Capítulo 14) que conquistara boa parte da esquerda depois de 1830: não há contraste mais marcante que entre o reservado professor de música e racionalista do século XVIII Buonarroti e o confuso e ineficiente sentimentalista Giuseppe Mazzini (1805-1872), que se tornou o apóstolo dessa reação anticarbonária, criando várias conspirações nacionais (“Jovem Itália”, “Jovem Alemanha”, “Jovem Polônia” etc.) reunidas sob o título de “Jovem Europa”. Em um sentido, esta descentralização do movimento revolucionário foi realista, pois em 1848 as nações de fato se sublevaram separadamente de forma espontânea e simultânea. Em outro, não o foi: o estímulo para sua erupção simultânea ainda veio da França, e a relutância francesa em desempenhar um papel libertador arruinou-as.
Românticos ou não, os radicais rejeitaram a confiança dos moderados em príncipes e potências, por razões práticas e também ideológicas. Os povos devem estar preparados para alcançar sua liberdade por si mesmos, pois ninguém mais faria isso por eles (um sentimento também adaptado para uso dos movimentos socialista-proletários da época). E devem fazê-lo por ação direta. Isto ainda era em grande parte concebido à moda carbonária, pelo menos enquanto as massas permanecessem passivas. Consequentemente, não era algo muito eficaz, embora houvesse um mundo de diferenças entre os ridículos esforços como a invasão da Savoia tentada por Mazzini e as sérias e contínuas tentativas dos democratas poloneses de manter ou reviver a guerra de guerrilhas em seu país após a derrota de 1831. Mas a própria determinação dos radicais em tomar o poder sem ou contra as forças estabelecidas introduziu ainda uma outra divisão em suas fileiras. Estariam eles preparados para fazê-lo ao preço da revolução social?
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A pergunta era explosiva em toda parte, exceto nos Estados Unidos, onde ninguém mais podia tomar ou evitar a decisão de mobilizar o povo para a política, porque a democracia jacksoniana já o tinha feito.e Mas, a despeito do aparecimento de um Partido dos Trabalhadores (Workingmen’s Party) nos Estados Unidos em 1828-1829, a revolução social nos moldes europeus não era uma questão séria naquele grande país em rápida expansão, embora fossem sérios os descontentamentos setoriais. A pergunta também não causava excitação na América Latina, onde nenhum político, exceto talvez no México, sonhava em mobilizar os índios (isto é, os camponeses ou os trabalhadores rurais), os escravos negros ou mesmo as “classes mistas” (ou seja, os pequenos agricultores, os artesãos e os pobres das cidades) para qualquer fim que fosse. Mas na Europa ocidental, onde a revolução social dos pobres das cidades era uma possibilidade real, e na vasta zona europeia de revolução agrária, a questão sobre se convinha ou não incitar as massas era urgente e inevitável.
O crescente descontentamento dos pobres — especialmente dos pobres das cidades — era visível em toda a Europa ocidental. Mesmo na imperial Viena, este descontentamento se refletia no espelho fiel das atitudes da pequena burguesia e dos plebeus, o teatro suburbano popular. Durante o período napoleônico, suas peças tinham combinado a Gemutlichkeitf com uma ingênua lealdade aos Habsburgo. Seu maior autor durante a década de 1820, Ferdinand Raimund, enchia o palco de contos de fadas, tristeza e nostalgia pela perdida inocência da comunidade simples, tradicional e não capitalista. Mas, a partir de 1835, esse teatro foi dominado por um astro (Johann Nestroy) preocupado fundamentalmente com a sátira social e política, um homem de inteligência amarga e dialética, um destruidor que, caracteristicamente, se transformou em um entusiástico revolucionário em 1848. Mesmo os emigrantes alemães que passavam pelo porto de Havre a caminho dos Estados Unidos, que em 1830 começou a ser o país dos sonhos do europeu pobre, justificavam-se dizendo que “lá não há um rei”.6
O descontentamento urbano era geral no Ocidente. Um movimento socialista e proletário era sobretudo visível nos países da revolução dupla, a Grã-Bretanha e a França. (Veja também o Capítulo 2.) Na Grã-Bretanha, ele surgiu por volta de 1830 e assumiu a forma extremamente madura de um movimento de massa dos trabalhadores pobres, que via nos reformadores e liberais seus prováveis traidores e nos capitalistas seus inimigos seguros. O vasto movimento em favor da Carta do Povo, que atingiu o clímax em 1839-1842 mas manteve sua grande influência até depois de 1848, foi sua mais formidável realização. O socialismo britânico ou “cooperativismo” era muito mais fraco. Começou de maneira impressionante em 1829-1834 atraindo talvez a maior parte dos militantes da classe operária para suas doutrinas (que tinham sido difundidas, principalmente entre os artesãos e trabalhadores qualificados, desde o princípio da década de 1820) e com as ambiciosas tentativas de criar “sindicatos gerais” nacionais da classe operária, que sob a influência das teses de Owen fizeram até mesmo tentativas para estabelecer uma economia geral cooperativista às margens do capitalismo. O desapontamento após o Ato de Reforma de 1832 fez com que a maioria do movimento trabalhista buscasse nesses owenitas, cooperativistas, sindicalistas revolucionários primitivos etc. uma liderança, mas seu fracasso em desenvolver uma estratégia política e uma liderança eficazes e as ofensivas sistemáticas dos empregadores e do governo destruíram o movimento em 1834-1836. Este fracasso reduziu os socialistas a grupos educacionais e propagandísticos um tanto à margem da principal corrente de agitação trabalhista ou a pioneiros de algo mais modesto, a cooperação de consumidores, sob a forma da cooperativa de compras, iniciada em Rochdale, Lancashire, em 1844. Daí o paradoxo de que o clímax do movimento de massa revolucionário dos trabalhadores pobres da Grã-Bretanha, a campanha em favor da Carta do Povo, tenha sido ideologicamente um pouco mais atrasado, embora politicamente mais amadurecido do que o movimento de 1829-1834. Mas isto não o salvou da derrota, pela incapacidade política dos seus líderes, por suas diferenças locais e setoriais e uma falta de habilidade para a ação nacional, exceto na preparação de petições-monstros.
Na França, não existia qualquer movimento de massa dos trabalhadores pobres das indústrias que se comparasse: os militantes do “movimento da classe operária” francesa em 1830-1848 eram fundamentalmente os ultrapassados artesãos e diaristas urbanos, a maioria em seus ofícios ou em centros de indústria doméstica tradicional como o da indústria da seda em Lyon. (Os arquirrevolucionários canuts de Lyon não eram nem mesmo assalariados, mas sim uma espécie de pequenos mestres.) Além disso, os vários ramos do novo socialismo “utópico” — os seguidores de Saint-Simon, Fourier, Cabet etc. — não estavam interessados em agitação política, embora seus grupos e conventículos (principalmente os dos seguidores de Fourier) viessem a agir como núcleos de liderança da classe operária e como mobilizadores da ação de massa no princípio da Revolução de 1848. Por outro lado, a França possuía a poderosa tradição do jacobinismo e do babovismo de esquerda, altamente desenvolvida politicamente e que em grande parte se tornaria comunista depois de 1830. Seu líder mais notável foi Auguste Blanqui (1805-1881), um discípulo de Buonarroti.
Em termos de análise e teoria social, o blanquismo tinha pouco a oferecer ao socialismo, exceto a afirmação de sua necessidade e a decisiva observação de que o proletariado seria seu arquiteto, e a classe média (não mais a superior), seu principal inimigo. Em termos de estratégia e organização política, ele adaptou o órgão tradicional de agitação, a secreta irmandade conspiradora, às condições proletárias — casualmente despojando-o de sua fantasiosa vestimenta ritualística da Restauração — e o tradicional método de Revolução Jacobina, a insurreição e a ditadura popular centralizada, à causa dos trabalhadores. O moderno movimento revolucionário socialista adquiriu dos blanquistas (que por sua vez o fizeram de Saint-Just, Babeuf e Buonarroti) a convicção de que seu objetivo tinha que ser a tomada do poder político, seguida da “ditadura do proletariado”; o termo é de cunhagem blanquista. A fraqueza do blanquismo era em parte a mesma da classe operária francesa. Na ausência de um grande movimento de massa, ele foi, como seus predecessores carbonaristas, uma elite que planejava suas insurreições de certa forma no vazio e que, portanto, frequentemente fracassava — como no caso da tentativa de levante de 1839.
A classe operária ou o socialismo e a revolução urbana pareciam, pois, perigos muito reais na Europa ocidental, embora na verdade, na maioria dos países industrializados como a Grã-Bretanha e a Bélgica, o governo e as classes empregadoras os considerassem com relativa e justificada placidez: não há provas de que o governo britânico tenha sido seriamente perturbado pela ameaça dos cartistas à ordem pública (apesar de vasto, o movimento em prol da Carta do Povo era pessimamente conduzido, mal-organizado e muito dividido).7 Por outro lado, a população rural oferecia pouco para incentivar os revolucionários ou assustar os governantes. Na Grã-Bretanha, o governo teve um pânico momentâneo quando uma onda de tumultos e quebra de máquinas rapidamente se espalhou entre os esfomeados trabalhadores do campo, no sul e no leste da Inglaterra, no final de 1830. A influência da Revolução Francesa de julho de 1830 foi detectada nesta “última revolta de trabalhadores”,8 ampla e espontânea mas que logo se dissipou e que foi punida com muito mais selvageria do que as agitações cartistas, como era talvez de se esperar em face da situação política muito mais tensa durante o período do Ato de Reforma. Entretanto, a intranquilidade nos campos logo regrediu para formas politicamente menos assustadoras. No resto das áreas economicamente avançadas, exceto até certo ponto na Alemanha Ocidental, não se esperava nem se prenunciava qualquer agitação rural séria, e a perspectiva inteiramente urbana da maioria dos revolucionários tinha poucos atrativos para o campesinato. Em toda a Europa ocidental (tirando a Península Ibérica), só a Irlanda tinha um grande e endêmico movimento de revolução agrária, organizado pelas muitas sociedades secretas terroristas tais como os Homens das fitas (Ribbonmen) e os Rapazes brancos (Whiteboys). Mas, social e politicamente, a Irlanda pertencia a um mundo diferente da sua vizinha Inglaterra.
A questão da revolução social, portanto, dividiu os radicais da classe média, isto é, os grupos de homens de negócio, intelectuais e outros descontentes que ainda se encontravam em oposição aos governos liberais moderados de 1830. Na Grã-Bretanha, ela dividiu os “radicais da classe média” entre os que estavam preparados para apoiar o cartismo ou fazer causa comum com ele (como em Birmingham ou na União pelo Sufrágio Universal, do quaker Joseph Sturge) e os que insistiam, como os membros da Liga Contra a Lei do Trigo de Manchester, em lutar tanto contra a aristocracia como contra o cartismo. Os intransigentes prevaleceram confiantes na maior homogeneidade de sua consciência de classe, em seu dinheiro, que gastavam em enormes quantidades, e na eficácia da organização propagandista que montaram. Na França, a fraqueza da oposição oficial a Luís Felipe e a iniciativa das massas revolucionárias de Paris virou a decisão para o outro lado. “Logo, tornamo-nos republicanos novamente”, escreveu o poeta radical Béranger depois da revolução de fevereiro de 1848. “Talvez tenha sido um pouco cedo demais e um pouco rápido demais (...) Eu teria preferido um procedimento mais cauteloso, mas nós não escolhemos a hora, nem reunimos as forças, nem determinamos o caminho da marcha.”9 O rompimento dos radicais da classe média com a extrema esquerda ocorreria na França somente depois da revolução.
Para a pequena burguesia descontente de artesãos independentes, lojistas, fazendeiros etc. que (junto com uma massa de trabalhadores qualificados) provavelmente formavam a principal concentração de radicalismo da Europa ocidental, o problema era menos difícil. Por sua origem modesta, simpatizavam com os pobres contra os ricos como pequenos proprietários, simpatizavam com os ricos contra os pobres. Mas a divisão de suas simpatias levou-os à hesitação e à dúvida em vez de a uma grande mudança de compromisso político. Mas quando chegou o momento decisivo eles foram, embora de maneira débil, jacobinos, republicanos e democratas. Foram um componente hesitante mas invariável de todas as frentes populares, até que expropriadores em potencial assumissem verdadeiramente o poder.
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No resto da Europa revolucionária, onde a baixa nobreza rural e os intelectuais descontentes constituíam o centro do radicalismo, o problema era bem mais sério. Pois as massas eram o campesinato; e frequentemente um campesinato que pertencia a uma nação diferente da de seus senhores e concidadãos — os eslavos e os romenos na Hungria, os ucranianos na Polônia Oriental, os eslavos em partes da Áustria. E os senhores de terra mais pobres e menos eficazes, que eram os que menos podiam se permitir abandonar o status que lhes assegurava seus rendimentos eram frequentemente nacionalistas, os mais radicais. Reconhecidamente, enquanto a maior parte do campesinato continuasse afundado na ignorância e na passividade política, a questão do seu apoio às revoluções era menos imediata do que poderia ser; mas não menos explosiva. E, na década de 1840, mesmo esta passividade não mais podia ser tomada como garantia. A insurreição dos servos na Galícia, em 1846, foi a maior revolta camponesa desde a Revolução Francesa de 1789.
Inflamada, a questão era também até certo ponto retórica. Economicamente, a modernização das áreas do interior, tais como as da Europa oriental, exigia uma reforma agrária, ou no mínimo a abolição da servidão que ainda persistia nos Impérios Austríaco, Russo e Turco. Politicamente, uma vez que o campesinato atingisse o estágio da atividade, era mais do que certo que alguma coisa tinha que ser feita para satisfazer suas exigências, pelo menos nos países onde os revolucionários lutavam contra o domínio estrangeiro. Pois, se eles não atraíssem os camponeses para o seu lado, os reacionários o fariam; de qualquer forma, os reis legítimos, os imperadores e as Igrejas tinham a vantagem tática de que os camponeses tradicionalistas confiavam mais neles do que nos senhores de terra, e em princípio ainda se dispunham a esperar que eles fizessem justiça. E os monarcas estavam perfeitamente dispostos a jogar os camponeses contra a pequena nobreza, se necessário: os Bourbon de Nápoles tinham feito isto sem hesitação contra os jacobinos napolitanos em 1799. “Longa vida a Radetzky”, gritariam os camponeses da Lombardia em 1848, saudando o general austríaco que liquidou a insurreição nacionalista: “morte aos senhores”.10 A pergunta a ser feita aos radicais dos países subdesenvolvidos não era se deviam buscar uma aliança com o campesinato, mas se a conseguiriam.
Nestes países, portanto, os radicais se dividiam em dois grupos: os democratas e os de extrema esquerda. Os democratas (representados na Polônia pela Sociedade Democrática Polonesa, na Hungria, pelos seguidores de Kossuth, na Itália, pelos mazzinianos) reconheceram a necessidade de se atrair os camponeses para a causa revolucionária, quando necessário pela abolição da servidão e a garantia dos direitos de propriedade aos pequenos agricultores, mas esperavam algum tipo de coexistência pacífica entre uma nobreza que renunciasse voluntariamente a seus direitos feudais — não sem compensação — e um campesinato nacional. Entretanto, onde o vento da rebelião camponesa não tinha alcançado a força de um vendaval ou o temor de sua exploração pelos príncipes não era grande (como na maior parte da Itália), os democratas, na prática, deixaram de providenciar um programa agrário concreto, ou mesmo qualquer programa social, preferindo pregar as generalidades da democracia política e da libertação nacional.
A extrema esquerda concebia francamente a luta revolucionária de massas contra os governantes estrangeiros e os exploradores domésticos. Prenunciando os revolucionários nacionalistas e sociais do século XX, ela duvidava da capacidade da nobreza e da fraca classe média, com seu frequente interesse na dominação imperial, para conduzir a nova nação à independência e à modernização. Seu programa era assim poderosamente influenciado pelo socialismo nascente do Ocidente, embora, de maneira diversa da maioria dos “socialistas utópicos” pré-marxistas, fossem também revolucionários políticos além de críticos sociais. A República de Cracóvia, que teve pouca duração, aboliu assim, em 1846, todos os encargos dos camponeses e prometeu aos pobres citadinos “oficinas nacionais”. Os carbonários mais avançados do sul da Itália adotaram a plataforma babovista-blanquista. Exceto, talvez, na Polônia, esta corrente de pensamento era relativamente fraca, e sua influência foi ainda mais diminuída pelo fracasso de movimentos compostos substancialmente de jovens escolares, estudantes, intelectuais desclassificados da pequena nobreza ou de origem plebleia e de alguns idealistas para mobilizar o campesinato que eles tão fervorosamente buscavam recrutar.g
Os radicais da Europa subdesenvolvida, portanto, nunca resolveram eficazmente o seu problema, em parte devido à relutância dos que os apoiavam em fazer adequadas concessões ao campesinato, em parte devido à imaturidade política dos camponeses. Na Itália, as revoluções de 1848 foram conduzidas substancialmente por cima de uma população rural inativa; na Polônia (onde o levante de 1846 tinha rapidamente se desenvolvido sob a forma de uma rebelião camponesa, incentivada pelo governo austríaco, contra a pequena nobreza nacional), não houve qualquer revolução em 1848, exceto na Posnânia prussiana. Mesmo na mais avançada das nações revolucionárias, a Hungria, as características de uma reforma agrária operada pela pequena nobreza fariam com que fosse totalmente impossível mobilizar o campesinato para a guerra de libertação nacional. E na maior parte da Europa oriental os camponeses eslavos, metidos em uniformes de soldados imperiais, é que foram os eficientes subjugadores dos revolucionários magiares e alemães.
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Todavia, embora agora divididos pelas diferenças das condições locais, pelas nacionalidades e as classes, os movimentos revolucionários de 1830-1848 continuaram tendo muito em comum. Em primeiro lugar, como vimos, eles continuaram sendo em grande parte organizações minoritárias de conspiradores da classe média e intelectuais, frequentemente exilados ou limitados ao mundo relativamente pequeno dos letrados. (Quando as revoluções eclodiam, é claro, o povo comum vinha à cena por si mesmo. Dos 350 mortos da insurreição de Milão, em 1848, só cerca de uma dúzia eram estudantes, funcionários ou gente de famílias proprietárias de terras. Setenta e quatro eram mulheres e crianças, e o resto se constituía de artesãos ou trabalhadores.11) Em segundo lugar, eles mantiveram um padrão comum de procedimento político, de ideias estratégicas e táticas etc., derivadas da experiência e da herança da Revolução de 1789, e um forte sentido de unidade internacional.
O primeiro fator é facilmente explicável. Não existia uma longa tradição de organização e de agitação de massas como parte de uma vida social normal (e não imediatamente pré ou pós-revolucionária), exceto nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, ou talvez na Suíça, na Holanda e na Escandinávia; nem as condições para essa tradição estavam presentes fora da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Era absolutamente impensável que um jornal tivesse em outros países uma circulação semanal de mais de 60 mil exemplares ou um número de leitores muito maior ainda, como o Northern Star, dos cartistas, em abril de 1839;12 5 mil parece ter sido o maior número de exemplares para um jornal, embora os jornais oficiais ou — a partir da década de 1830 — os almanaques de entretenimento pudessem talvez exceder a 20 mil exemplares em um país como a França.13 Mesmo nos países constitucionais como a Bélgica e a França, a agitação legal da extrema esquerda só era permitida com intervalos, e suas organizações eram muitas vezes ilegais. Consequentemente, enquanto existia um simulacro de política democrática entre as classes restritas que formavam o país legal, algumas das quais tinham influência sobre os desprivilegiados, os instrumentos fundamentais da política de massa — as campanhas públicas para fazer pressão sobre os governos, as organizações de massa, as petições e a oratória itinerante endereçada ao povo comum — eram só raramente possíveis. Fora da Grã-Bretanha, ninguém teria seriamente pensado em obter o direito de voto parlamentar universal através de uma campanha de assinaturas em massa e de manifestações públicas, ou em abolir uma lei impopular por meio de propaganda de massa e campanhas de pressão, como tentaram respectivamente o cartismo e a Liga Contra a Lei do Trigo. As grandes mudanças constitucionais significam um rompimento com a legalidade, e assim aconteceu a fortiori com as grandes mudanças sociais.
As organizações ilegais são naturalmente menores que as legais, e sua composição social está longe de ser representativa. Reconhecidamente, a transformação das sociedades carbonárias secretas em sociedades proletárias revolucionárias, como a blanquista, provocou um relativo declínio no número de militantes da classe média e um aumento do número de membros da classe operária, ou seja, do número de artesãos e artífices. As organizações blanquistas do final das décadas de 1830 e 1840 eram consideradas fortemente constituídas de membros das classes mais baixas.14 Da mesma maneira se considerava a Liga Alemã de Proscritos (que por sua vez transformou-se na Liga dos Justos e na Liga Comunista de Marx e Engels), cuja espinha dorsal se constituiu de artífices alemães expatriados. Mas este foi um caso muito excepcional. A grande maioria dos conspiradores consistia, como antes, em homens das classes profissionais ou da baixa nobreza, estudantes e escolares, jornalistas etc., embora talvez com um componente menor (fora dos países ibéricos) de jovens oficiais do que no apogeu do período carbonário.
Além disso, até certo ponto, toda a esquerda europeia e americana continuava a lutar contra os mesmos inimigos, a partilhar aspirações comuns e um programa comum. “Repudiamos, condenamos e renunciamos a todas as desigualdades e distinções hereditárias de ‘casta’”, escreveram os Democratas Fraternos (compostos de “naturais da Grã-Bretanha, da França, da Alemanha, da Escandinávia, da Polônia, da Itália, da Suíça, da Hungria e de outros países”) em sua Declaração de Princípios. “Consequentemente, consideramos os reis, as aristocracias e as classes que monopolizam os privilégios em virtude de suas posses de terras como usurpadores. Os governos eleitos e responsáveis por todo o povo são o nosso credo político.”15 Que revolucionário ou radical teria discordado deles? Se fosse burguês, seria a favor de um Estado no qual a propriedade, conquanto não gozasse de privilégio político como tal (como nas constituições de 1830-1832 que fizeram o voto depender de uma qualificação de propriedade), tivesse um livre espaço econômico; se fosse socialista ou comunista, seria a favor de que a propriedade fosse socializada. Sem dúvida, chegaria o momento — na Grã-Bretanha ele já havia chegado na época do cartismo — em que os antigos aliados contra o rei, a aristocracia e o privilégio se voltariam uns contra os outros, e o conflito fundamental seria entre os burgueses e os trabalhadores. Mas antes de 1848 este momento ainda não tinha chegado a nenhum outro lugar. Só a grande bourgeoisie de alguns países ainda estava oficialmente do lado do governo. Mesmo os mais conscientes comunistas proletários ainda se viam e agiam como a ala da extrema esquerda de um movimento geral radical e democrático; e normalmente consideravam o empreendimento da república democrático-burguesa a preliminar indispensável para o avanço ulterior do socialismo. O Manifesto Comunista de Marx e Engels é uma declaração de guerra futura contra a burguesia mas — ao menos para a Alemanha — de aliança presente. A classe média alemã mais avançada, os industriais da região do Reno, não pediu meramente que Marx editasse seu órgão radical, o Neue Rheinische Zeitung, em 1848; ele aceitou e editou-o não simplesmente como um órgão comunista, mas como o porta-voz e líder do radicalismo alemão.
Mais do que um mero panorama comum, a esquerda europeia partilhava de uma mesma visão sobre como seria a revolução, baseada em 1789, com retoques de 1830. Haveria uma crise nos negócios políticos do Estado, levando à insurreição. (A ideia carbonária de um putsch ou levante de elite, organizado sem referência ao clima econômico e político geral, era desacreditada cada vez mais, exceto nos países ibéricos, principalmente pelo humilhante fracasso de várias tentativas do gênero na Itália — por exemplo, em 1833-1834, 1841-1845 — e dos putsches como o tentado pelo sobrinho de Napoleão, Luís Napoleão, em 1836.) Na capital, levantar-se-iam barricadas; os revolucionários atacariam o Palácio, o Parlamento ou (entre os extremistas que se lembravam de 1792) a sede da prefeitura, içariam qualquer que fosse sua bandeira tricolor e proclamariam a república e um governo provisório. O país aceitaria então o novo regime. A decisiva importância das capitais era universalmente aceita, embora só depois de 1848 os governos tivessem começado a replanejá-las a fim de facilitar a operação das tropas contra os revolucionários.
Uma Guarda Nacional de cidadãos armados seria organizada, seriam feitas eleições democráticas para uma Assembleia Constituinte, o governo provisório transformar-se-ia em um governo definitivo, e a nova Constituição entraria em vigor. O novo regime então daria auxílio fraterno às outras revoluções que, quase certamente, também teriam ocorrido. O que viria a acontecer daí em diante pertencia à época pós-revolucionária, para a qual os acontecimentos da França em 1792-1799 também forneceram modelos razoavelmente concretos do que se fazer e do que se evitar. O espírito do revolucionário mais jacobino naturalmente se voltaria com presteza para os problemas de salvaguarda da revolução contra os ataques dos contrarrevolucionários domésticos e estrangeiros. De um modo geral, pode-se também dizer que quanto mais de esquerda fosse o político, mais provável seria que defendesse o princípio (jacobino) de centralização e de um executivo forte contra os princípios (girondinos) do federalismo, descentralização ou divisão dos poderes.
Esta perspectiva comum era grandemente reforçada pela forte tradição de internacionalismo, que sobrevivia mesmo entre os nacionalistas separatistas que se recusavam a aceitar a liderança automática de qualquer país — isto é, da França, ou melhor, de Paris. A causa de todas as nações era a mesma, ainda que sem se levar em conta o fato óbvio de que a libertação da maioria das nações europeias parecia implicar a derrota do czarismo. Os preconceitos nacionais (dos quais, segundo sustentavam os Democratas Fraternos, “os opressores do povo tiraram partido em todas as épocas”) desapareceriam em um mundo de fraternidade. As tentativas de se organizarem associações revolucionárias internacionais nunca cessaram, desde a Jovem Europa de Mazzini — projetada como uma associação contra as velhas organizações internacionais maçônico-carbonárias — até a Associação Democrática para a Unificação de Todos os Países (1847). Entre os movimentos nacionalistas este internacionalismo tendeu a decrescer em importância, à medida que os países conquistavam suas independências e as relações entre os povos mostravam-se menos fraternas do que se supunha. Entre os movimentos sociorrevolucionários que aceitavam cada vez mais a orientação proletária, o internacionalismo aumentou a sua força. A Internacional como organização e canção viria a se transformar em parte integrante dos movimentos socialistas já para o final do século.
Um fator acidental que reforçou o internacionalismo de 1830-1848 foi o exílio. A maioria dos militantes políticos da esquerda continental foram expatriados durante certo tempo, muitos durante décadas, reunindo-se em relativamente poucas zonas de refúgio e asilo: a França, a Suíça e, até certo ponto, a Grã-Bretanha e a Bélgica. (As Américas eram muito distantes para uma emigração política temporária, embora atraíssem alguns.) O maior contingente de exilados foi o da grande emigração polonesa de cerca de 5 a 6.000,16 que deixaram o país devido à derrota de 1831; seguiram-se os contingentes italianos e alemães (ambos reforçados pela importante emigração apolítica que formaria comunidades locais nacionais em outros países). Por volta da década de 1840, um pequeno grupo de intelectuais russos abastados também tinha absorvido as ideias revolucionárias ocidentais em viagens de estudos ao exterior, ou buscavam uma atmosfera mais agradável do que a combinação de masmorra e pátio de exercícios militares proporcionada por Nicolau I. Estudantes e residentes ricos vindos de países pequenos e afastados também eram encontrados em duas cidades que constituíam os sóis culturais da Europa ocidental, da América Latina e do Oriente Médio: Paris e, bem depois, Viena.
Nos centros de refúgio, os emigrantes se organizavam, debatiam discutiam, frequentavam-se e denunciavam-se uns aos outros e planejavam a libertação de seus países ou de outros países. Os poloneses e, até certo ponto, os italianos (no exílio, Garibaldi lutou pela liberdade de vários países latino-americanos) tornaram-se de fato corpos internacionais de militância revolucionária. Nenhum levante ou guerra de libertação em qualquer parte da Europa entre 1831 e 1871 estaria completo sem o seu contingente de peritos militares ou combatentes poloneses; nem mesmo (como já se sustentou) a única insurreição armada ocorrida na Grã-Bretanha durante o período cartista, em 1839. Entretanto, eles não eram os únicos. Um típico libertador de povos, o expatriado Harro Harring (segundo ele, da Dinamarca) lutou sucessivamente pela Grécia, em 1821, e pela Polônia, em 1830-1831, como membro da Jovem Alemanha, da Jovem Itália e da um tanto obscura Jovem Escandinávia, de Mazzini; além-mar, a favor de um Estados Unidos da América Latina; e em Nova York, antes de voltar para a Revolução de 1848, publicando, nesse meio-tempo, obras com títulos tais como “Os povos”, “Gotas de sangue”, “Palavras de um homem” e “Poesias de um escandinavo”.h
Um destino e um ideal comum uniam estes expatriados e viajantes. A maioria deles enfrentava os mesmos problemas de pobreza e vigilância policial, de correspondência ilegal, espionagem e do onipresente agente provocador. Como o fascismo na década de 1930, o absolutismo nas décadas de 1830 e 1840 unia seus inimigos comuns. Então, como um século mais tarde, o comunismo, que pretendia explicar e fornecer soluções para a crise social do mundo, atraía o militante e o mero curioso intelectual para a sua capital — Paris —, acrescentando assim uma atração séria aos encantos mais amenos da cidade. (Não fosse pelas mulheres francesas, a vida não valeria a pena. Mais tant quil y a des grisettes, va!i) Nestes centros de refúgios, os imigrantes formavam aquela provisória comunidade de exilados, embora tantas vezes permanente, enquanto planejavam a libertação da humanidade. Nem sempre eles se admiravam ou se aprovavam mutuamente, mas se conheciam e sabiam que seu destino era o mesmo. Juntos, prepararam-se e esperaram a revolução europeia, que veio — e fracassou — em 1848.