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PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES
DAS OBRIGAÇÕES

Sumário: 2.1 Introdução2.2 Classificação quanto ao conteúdo do objeto obrigacional: 2.2.1 Obrigação positiva de dar; 2.2.2 Obrigação positiva de fazer; 2.2.3 Obrigação negativa de não fazer2.3 Classificação quanto à presença de elementos obrigacionais: 2.3.1 Considerações iniciais; 2.3.2 Das obrigações compostas objetivas; 2.3.3. Das obrigações compostas subjetivas. As obrigações solidárias2.4 Classificação quanto à divisibilidade (ou indivisibilidade) do objeto obrigacional2.5 Classificação quanto ao conteúdo2.6 Classificação quanto à liquidez2.7 Classificação quanto à presença ou não de elemento acidental2.8 Classificação quanto à dependência2.9 Classificação quanto ao local para cumprimento2.10 Classificação quanto ao momento para cumprimento2.11 Outros conceitos importantes. Obrigação propter rem e obrigação natural2.12 Resumo esquemático2.13 Questões correlatasGabarito.

2.1 INTRODUÇÃO

Tópico com grande importância é aquele que busca a classificação das obrigações. No presente capítulo, serão estudados os efeitos obrigacionais sob o ponto de vista das mais diversas modalidades de obrigação admitidas em nosso ordenamento jurídico.

Na realidade, percebe-se que o Código Civil brasileiro não traz todas as espécies de obrigação que aqui são expostas, mas tão somente as obrigações de dar, fazer e não fazer, bem como as obrigações alternativas, divisíveis, indivisíveis e solidárias.

Este autor tem plena consciência das dificuldades encontradas no estudo da matéria. Visando a facilitação didática, sem prejuízo da profundidade, diretriz do presente trabalho, serão expostos alguns casos concretos envolvendo tais hipóteses obrigacionais. Para tanto, serão utilizados exemplos envolvendo principalmente os contratos, que são importantes fontes obrigacionais.

Lembre-se, aliás, que hoje é pouco comum uma situação em que uma parte negocial é somente credora e a outra, mera devedora. Predominam as hipóteses fáticas em que as partes são, ao mesmo tempo, credoras e devedoras entre si, havendo proporcionalidade de prestações. Nesse caso, há a denominada relação obrigacional complexa ou sinalagma obrigacional.

Parte-se então a tal abordagem, básica e fundamental para a compreensão das relações privadas patrimoniais.

2.2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO CONTEÚDO DO OBJETO OBRIGACIONAL

De acordo com o conteúdo da prestação, a obrigação pode ser positiva ou negativa. Será positiva quando tiver como conteúdo uma ação (ou comissão) e negativa quando relacionada com uma abstenção (ou omissão). Filiam-se entre as primeiras a obrigação de dar e fazer. A obrigação de não fazer é a única negativa admitida em nosso ordenamento jurídico.

Por outro lado, quando o conteúdo obrigacional estiver relacionado com uma coisa, determinada ou determinável, a obrigação é de dar. Quando uma tarefa positiva ou uma abstenção estiver nela presente, haverá uma obrigação de fazer e de não fazer, respectivamente. Segue-se ao estudo específico dessas obrigações, tratadas de imediato pelo Código Civil de 2002, no primeiro capítulo da sua parte especial. Cabe pontuar que essa clássica divisão tripartida das obrigações remonta ao Direito Romano, surgindo em praticamente todos os Países que seguem tal modelo.

2.2.1 Obrigação positiva de dar

A obrigação positiva de dar (obligatio ad dandum) pode ser conceituada como aquela em que o sujeito passivo compromete-se a entregar alguma coisa, certa ou incerta. Nesse sentido, há na maioria das vezes uma intenção de transmissão de propriedade de uma coisa, móvel ou imóvel. Assim sendo, a obrigação de dar se faz presente, por exemplo, no contrato de compra e venda, em que o comprador tem a obrigação de pagar o preço e o vendedor de entregar a coisa.

A obrigação de dar, pelo que consta do atual Código Civil, é subclassificada em duas modalidades:

a)  obrigação de dar coisa certa, também denominada obrigação específica;

b)  obrigação de dar coisa incerta ou obrigação genérica.

Vejamos quais as regras e consequências jurídicas relacionadas com tais modalidades obrigacionais.

2.2.1.1 Obrigação de dar coisa certa (arts. 233 a 242 do CC)

Como antes exposto, a também denominada obrigação específica estará presente nas situações em que o devedor se obrigar a dar uma coisa individualizada, móvel ou imóvel, cujas características foram acertadas pelas partes, geralmente em um instrumento negocial. Na compra e venda, por exemplo, o devedor da coisa é o vendedor e o credor, o comprador.

Na obrigação de dar coisa certa, o credor não é obrigado a receber outra coisa, ainda que mais valiosa, conforme prevê o art. 313 do Código Civil. Essa é a velha aplicação da máxima nemo aliud pro alio invito creditore solvere potest. Ilustrando a aplicação do dispositivo, cumpre transcrever julgado do Tribunal de São Paulo:

“Rescisão contratual. Loteamento. Pleito fundado na inadimplência contratual da compromissária-vendedora. Superveniente desapropriação que inviabilizou a entrega do lote adquirido pelo autor. Cabimento da rescisão. Autor que não é obrigado a aceitar outro lote, ainda que mais valioso. Inteligência do artigo 313 do Código Civil. Necessária restituição integral e imediata das parcelas pagas. Retorno das partes ao status quo ante. Descabimento, todavia, da aplicação de multa cominatória diante da ocorrência de caso fortuito. Juros moratórios, ademais, que devem ser computados a partir da citação. Recurso provido em parte” (TJSP, Apelação com Revisão 415.544.4/8, Acórdão 4127884, Mogi-Mirim, 6.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sebastião Carlos Garcia, j. 15.10.2009, DJESP 24.11.2009).

Na mesma linha, de julgado publicado no Informativo n. 465 do STJ extrai-se exemplo a respeito da entrega de grãos, com conteúdo bem interessante:

“Consignatória. Dinheiro. Coisa devida. Trata-se de REsp em que se discute a possibilidade de, em contrato para entrega de coisa certa (no caso, sacas de soja), utilizar-se a via consignatória para depósito de dinheiro com força liberatória de pagamento. A Turma negou provimento ao recurso sob o fundamento de que somente a entrega do que faltou das sacas de soja seria eficaz na hipótese, visto que o depósito em numerário, estimado exclusivamente pelo recorrente do quanto ele entende como devido, não pode compelir o recorrido a recebê-lo em lugar da prestação pactuada. Vale ressaltar que o credor não é obrigado a receber a prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. Dessarte, a consignação em pagamento só é cabível pelo depósito da coisa ou quantia devida. Assim, não é possível ao recorrente pretender fazê-lo por objeto diverso daquele a que se obrigou” (STJ, REsp 1.194.264/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 1.º.03.2011).

De acordo com o art. 233 do CC, a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso. Pelo que consta em tal dispositivo, continua em vigor o princípio pelo qual o acessório segue o principal (accessorium sequitur principale) – princípio da gravitação jurídica.

Como acessórios, devem ser incluídos os frutos, os produtos, as benfeitorias e as pertenças que tenham natureza essencial, essas últimas nos termos do art. 94 da codificação atual, comentado no Volume 1 dessa coleção, para onde se remete aquele que quiser maiores aprofundamentos.

De acordo com o art. 234 do Código Civil em vigor, em havendo obrigação de dar coisa certa e perdendo-se a coisa sem culpa do devedor, antes da tradição ou pendente condição suspensiva, resolvem-se a obrigação e o respectivo contrato para ambas as partes, sem o pagamento das perdas e danos. Isso porque a coisa perece para o dono (res perit domino), conforme consagrado desde o Direito Romano. Anote-se que a expressão resolver, aqui, significa que as partes voltam à situação primitiva, anterior à celebração da obrigação, sem outras consequências jurídicas.

Pertinente apontar que os casos em que a culpa é ausente envolvem, por regra, as ocorrências de caso fortuito (por este autor conceituado como aquele decorrente de evento totalmente imprevisível) e força maior (evento previsível, mas inevitável). A culpa, para tanto, é concebida em sentido amplo (lato sensu), englobando o dolo (intenção de descumprimento) e a culpa em sentido estrito ou stricto sensu (descumprimento a um dever preexistente por imprudência, negligência ou imperícia). Interessa também lembrar o conceito de condição suspensiva, que é o evento futuro incerto a que fica subordinada a eficácia de um negócio jurídico, obrigação ou contrato.

Anote-se ainda que, em algumas situações, a pessoa responde pelo caso fortuito e pela força maior, a saber:

a)  Devedor em mora, a não ser que prove ausência total de culpa ou que a perda da coisa, objeto da obrigação, ocorreria mesmo não havendo a mora (art. 399 do CC).

b)  Havendo previsão no contrato quanto à responsabilização por tais eventos (art. 393 do CC).

c)  Havendo previsão legal quanto à responsabilização por tais fatos, em casos específicos.

Oportunamente, esses casos de responsabilização serão estudados de forma mais aprofundada.

Sob outro prisma, caso haja culpa em sentido amplo do devedor (ou culpa lato sensu, que engloba o dolo, e a culpa stricto sensu), ele responderá pelo valor da obrigação, sem prejuízo das perdas e danos, que devem ser acrescidas (art. 234 do CC) – resolução + perdas e danos.

Deve-se entender que as perdas e os danos aqui mencionados incluem os danos emergentes (ou positivos), bem como os lucros cessantes (ou danos negativos), previstos especificamente no art. 402 da norma civil. Os danos emergentes constituem aquilo que a pessoa efetivamente perdeu. Já os lucros cessantes são o que a pessoa razoavelmente deixou de lucrar. Sem prejuízo desses danos patrimoniais, de acordo com a concepção civil-constitucional do Direito Privado, devem ser indenizados também os danos morais, pelo que consta do art. 5.º, V e X, da CF, além de outros danos extrapatrimoniais.

Repise-se que sem dúvida esse é o melhor caminho para se imputar o dever de reparar os danos sofridos pelo credor no caso de responsabilidade contratual, eis que o art. 186 da codificação atual, apesar de mencionar expressamente o “dano exclusivamente moral”, deve ser aplicado nos casos de responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Como visto, o Código Civil de 2002 confirmou a divisão da responsabilidade civil em contratual e extracontratual, em um modelo duplo de responsabilização (summa divisio).

Enuncia o art. 235 do CC que, na obrigação específica, se a coisa estiver deteriorada ou desvalorizada sem culpa do devedor, o credor terá duas opções:

a)  resolver a obrigação, sem o direito a perdas e danos, já que não houve culpa genérica da outra parte;

b)  ficar com a coisa, abatido do preço o valor correspondente ao perecimento parcial.

Em complemento, traz o art. 236 do CC as regras previstas para os casos em que há culpa do devedor na deterioração da coisa, tendo o credor outras duas opções:

a)  exigir o valor equivalente à obrigação, como o preço pago anteriormente, sem prejuízo das perdas e danos (danos materiais e morais);

b)  aceitar a coisa deteriorada ou desvalorizada, também sem prejuízo de perdas e danos.

De acordo com o art. 237 do Código em vigor, até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação. Tais melhoramentos são também denominados cômodos obrigacionais (DINIZ, Maria Helena. Código Civil..., 2005, p. 277). Valorizada a coisa em decorrência desses cômodos, o devedor poderá exigir aumento no preço, tendo em vista a manutenção do sinalagma obrigacional e a vedação do enriquecimento sem causa, conforme o art. 884 da codificação. Caso a outra parte não concorde com o aumento do preço, o devedor poderá resolver a obrigação, sem pleitear perdas e danos, pois não se pode falar em culpa do credor. O caso é de resolução do contrato e da obrigação por inexecução involuntária, sem culpa das partes.

Logicamente, como melhoramentos devem ser incluídos os frutos, bens acessórios que são retirados do principal sem lhe diminuir a quantidade. Quanto a esses bens acessórios, há regra específica no parágrafo único do art. 237 do CC, segundo a qual os frutos percebidos – já colhidos – pertencem ao devedor, enquanto os pendentes (ainda não colhidos), ao credor.

No que concerne aos demais frutos, é forçoso entender que, por regra, pertencem ao devedor (frutos estantes e frutos consumidos). Mas, quanto aos frutos percipiendos – aqueles que deveriam ter sido colhidos, mas não o foram –, é interessante deixar claro que, caso não tenham sido colhidos até a tradição, passarão a pertencer ao credor, que se tornou novo proprietário do bem principal. Isso porque não se pode valorizar a conduta da parte que não colheu os frutos quando deveria fazê-lo.

A obrigação de restituir coisa certa é uma modalidade de obrigação específica, com tratamento entre os arts. 238 a 242 do CC/2002, o que inclui as consequências do seu inadimplemento.

Na obrigação de restituir coisa certa o devedor tem o dever de devolver coisa que não lhe pertence. No caso de perda da coisa sem culpa do devedor e antes da tradição, aplica-se a remota regra pela qual a coisa perece para o dono (res perit domino), suportando o credor o prejuízo, conforme determina o art. 238 do CC. Pelo mesmo dispositivo, o credor, proprietário da coisa que se perdeu, poderá pleitear os direitos que já existiam até o dia da referida perda.

Para concretizar a norma, imagine-se o caso de uma locação, em que há o dever de devolver o imóvel ao final do contrato. No caso de um incêndio causado por caso fortuito ou força maior e que destrói o apartamento, o locador (credor da coisa) não poderá pleitear um novo imóvel do locatário (devedor da coisa) que estava na posse do bem, ou o seu valor correspondente; mas terá direito aos aluguéis vencidos e não pagos até o evento danoso.

Outro exemplo pode ser visualizado diante da vigência de um comodato, cujo veículo é roubado à mão armada, estando na posse do comodatário (devedor da coisa). A coisa perece para o seu dono (comodante), não respondendo o comodatário sequer pelo valor do automóvel. A regra res perit domino causa certa complexidade, pois tida por alguns como injusta. Todavia, a máxima está em vigor, vindo dos primórdios do Direito Civil, de geração a geração.

Por outro lado, preconiza o art. 239 que se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos. Esse comando legal, para ter eficácia prática, merece ser interpretado em complemento ao dispositivo antecedente (art. 238). No caso anterior, se houver perda por culpa do devedor, este responderá pelo valor equivalente da coisa, mais perdas e danos.

No exemplo descrito, caso o locatário seja responsável pelo incêndio que causou a perda total do apartamento, diga-se provado o seu dolo ou a sua culpa, o locador poderá pleitear o valor correspondente ao bem, sem prejuízo de perdas e danos. As mesmas consequências servem para o comodato, se o veículo for furtado por um descuido do comodatário (devedor). Vale repetir que na concepção civil-constitucional, tratando-se de responsabilidade civil contratual, deve-se entender que a expressão perdas e danos inclui os danos materiais ou patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes, nos termos dos arts. 402 a 404 do CC), bem como os danos morais (art. 5.º, V e X, da CF/1988), pelas razões expostas.

Para a obrigação de restituir, também há regras específicas para eventuais deteriorações ou desvalorizações da coisa, previstas no art. 240 do Código, a saber:

a)  Havendo deterioração sem culpa do devedor, o credor receberá a coisa no estado em que se encontrar, sem direito a qualquer indenização, como ocorre nas hipóteses que envolvem caso fortuito e força maior.

b)  Havendo culpa do devedor, o credor passa a ter o direito de exigir o valor equivalente à coisa, mais as perdas e danos que o caso determinar (o comando legal manda aplicar o art. 239).

Complementando, conforme o Enunciado n. 15 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, “as disposições do art. 236 do novo Código Civil também são aplicáveis à hipótese do art. 240, in fine”. É de se concordar integralmente com o enunciado, sendo certo que as opções previstas no art. 236 do CC a favor do prejudicado também podem ser exercidas se a obrigação for de restituir, modalidade de obrigação de dar e havendo culpa do devedor.

Em suma, se o credor quiser, poderá ficar com a coisa no estado em que se encontrar ou exigir o seu equivalente, mais perdas e danos, como prevê o art. 236 do CC. Consigne-se que pelo art. 239 o credor somente poderia exigir o valor equivalente à coisa, mais as perdas e danos. Retirar a opção do credor de ficar com a coisa em casos tais seria totalmente ilógico, diante do princípio da conservação negocial, que visa à manutenção da autonomia privada. Por isso é que o Enunciado n. 15 do CJF/STJ é perfeito, com ampla aplicação prática.

Tendo em vista a vedação ao enriquecimento sem causa, o art. 241 do CC prevê que se sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, o credor as lucrará, ficando desobrigado ao pagamento de indenização. Como exposto, a coisa perece para o dono e, pelos mesmos fundamentos, lidos em sentido contrário, havendo melhoramentos, essas vantagens também serão acrescidas ao patrimônio do proprietário da coisa, no caso o credor da obrigação.

Entretanto, se para o melhoramento ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas do Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa ou de má-fé (art. 242 do CC). Também essa regra está sincronizada com a vedação do enriquecimento sem causa e com a eticidade, prevendo a atual codificação que o devedor deverá ser indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias, conforme dispõem os arts. 1.219 a 1.222 da atual legislação privada. Apesar de a boa-fé referenciada ser a subjetiva ou intencional (art. 1.201 do CC), deve-se compreender que o art. 242 também valoriza a boa-fé objetiva, entendida como o dever de conduta leal dos sujeitos obrigacionais (arts. 113 e 422 do CC).

Desse modo, havendo justo título na posse do devedor (ius possidendi), o que induz à presunção da sua boa-fé (art. 1.201, parágrafo único, do CC), ele terá direito à indenização e à retenção da coisa pelas benfeitorias necessárias e úteis. No que concerne às voluptuárias, o devedor poderá levantá-las desde que isso não gere diminuição do valor da coisa principal e que o sujeito passivo da obrigação tenha agido de boa-fé. Em caso de má-fé, somente serão ressarcidas as benfeitorias necessárias, não havendo qualquer direito de retenção quanto a estas (art. 1.220 do CC). Em relação às benfeitorias úteis e voluptuárias, havendo má-fé do devedor, não lhe assistirá qualquer direito.

Para ilustrar, trazendo concreta e atual aplicação do art. 242 do Código Civil, colaciona-se, do Tribunal do Rio Grande do Sul:

“Ação de cobrança – Contrato de venda de ponto comercial – Inadimplência – Benfeitorias necessárias – Retomada de bens imobilizados – Possibilidade – Cláusula contratual expressa – Princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória do contrato – As partes firmaram um contrato de venda de ponto comercial, inadimplido em parte pela corré. Cabível a compensação do valor gasto com benfeitorias necessárias com o débito em discussão, de acordo com o disposto nos artigos 242 e 1.219 do Novo Código Civil. Em atenção aos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória do contrato, considera-se plenamente válida a cláusula contratual que dispôs acerca da retomada, pelos vendedores, dos bens imobilizados em caso de inadimplência da compradora. Apelação provida” (TJRS, Acórdão 70026656843, Porto Alegre, 10.ª Câmara Cível, Rel. Des. Túlio de Oliveira Martins, j. 29.10.2009, DJERS 03.12.2009, p. 71).

O parágrafo único do art. 242 traz regras a respeito dos frutos. No que se refere aos frutos percebidos, que são aqueles que já foram colhidos pelo proprietário, no caso de terem sido colhidos pelo devedor, deverão ser observadas as regras que constam dos arts. 1.214 a 1.216 do Código. Desse modo, sendo o devedor possuidor de boa-fé – regra geral, pela presunção do justo título –, terá direito aos frutos referidos no dispositivo em análise. Porém, se o possuidor tiver agido de má-fé, não haverá qualquer direito, além de responder por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como por aqueles que, por culpa sua, deixou de perceber (art. 1.216 do CC).

A Lei 10.444/2002 trouxe inovações ao Código de Processo Civil, entre as quais a possibilidade de o credor pleitear a fixação de um preceito cominatório, via tutela específica, para fazer cumprir a obrigação de dar (multa ou astreintes), ou com a determinação de busca e apreensão da coisa, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e outras medidas previstas no art. 461, § 5.º, do CPC. Em todos os casos apresentados, portanto, isto é possível, antes da conversão da obrigação de dar em perdas e danos.

Ilustrando, A prometeu a entrega de um cavalo a B, tendo o último pago o preço. Negando-se o primeiro a entregar a coisa, caberá ação de execução de obrigação de dar, sendo possível a B requerer ao magistrado a fixação de uma multa diária (astreintes) a cada dia que a coisa não for entregue, sem prejuízo dos danos decorrentes do atraso da entrega do animal. Em complemento, prevê o § 2.º do art. 461-A do CPC que “não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel”.

Este autor segue o entendimento pelo qual as astreintes não são possíveis nas obrigações pecuniárias, ou seja, naquelas que têm como objeto o pagamento de quantia em dinheiro, pela falta de previsão legal (nesse sentido, ver, sem prejuízo de outros julgados: TJRS, Acórdão 70030943369, Porto Alegre, 20.ª Câmara Cível, Rel. Des. José Aquino Flôres de Camargo, j. 21.10.2009, DJERS 14.12.2009, p. 118 e TJMG, Agravo Interno 1.0024.08.236067-8/0011, Belo Horizonte, 17.ª Câmara Cível, Rel. Des. Irmar Ferreira Campos, j. 08.10.2009, DJEMG 29.10.2009). De toda sorte, há quem pense de forma contrária.

Quanto à possibilidade de fixação de astreintes na obrigação de dar coisa incerta, surge controvérsia. Com todo o respeito em relação ao entendimento ao contrário, entendemos que isso não é possível. Nossa conclusão decorre da simples interpretação do § 1.º do art. 461-A do CPC, pelo qual “tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz”. Ora, como nos dois casos a coisa acaba sendo individualizada, seja pelo credor, seja pelo devedor, fica claro que o preceito cominatório é fixado na obrigação de dar coisa certa, não na de dar coisa incerta.

Encerrando, prevê o Enunciado n. 160 do CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil, que “a obrigação de creditar dinheiro em conta vinculada de FGTS é obrigação de dar, obrigação pecuniária, não afetando a natureza da obrigação a circunstância de a disponibilidade do dinheiro depender da ocorrência de uma das hipóteses previstas no art. 20 da Lei 8.036/1990”. A autora da proposta foi a Ministra do STJ Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues. Vale transcrever as razões da proposição, para esclarecer o seu conteúdo:

“Recompor saldo de conta vinculada de FGTS nada mais é do que creditar dinheiro em conta, ou seja, dar dinheiro, coisa fungível. O que caracteriza a obrigação é a coisa, ação ou inação que o credor tem direito a pretender do devedor e não os atos que este pratica para adimpli-la. (...). Assim sendo, preencher um cheque, implantar em folha de pagamento, creditar em conta corrente ou entregar notas de dinheiro constituem formas de cumprimento de obrigação de dar dinheiro, com todas as consequências jurídicas deste tipo de obrigação, inclusive a sanção da mora por meio do pagamento de juros e não de multa cominatória (Código Civil, arts. 406 e 407). A perplexidade que pode causar a obrigação de ‘fazer crédito de correção monetária em conta de FGTS’ não diz respeito à essência do conteúdo da obrigação, que inequivocamente é de transferir a titularidade de dinheiro, ou seja, dar dinheiro, mas sim à falta de disponibilidade imediata que tem o credor sobre o crédito a que faz jus, o qual só poderá ser levantado quando ocorrer uma das hipóteses previstas na Lei 8.036/1990. Mas esta falta de disponibilidade imediata não tem, repito, o condão de alterar a natureza da obrigação que se refere ao creditamento de dinheiro. O reconhecimento de que se cuida de obrigação de dar dinheiro tem apoio também na pacífica jurisprudência que manda incidir os juros legais – somente cabíveis em caso de obrigação de dar dinheiro ou nela convertida (Código Civil, art. 407) – a partir da citação em causas de recomposição de saldos de contas de FGTS (cf. entre muitos outros, o acórdão da 1.ª Seção do STJ, no Recurso Especial 265.556, rel. Ministro Franciulli Neto, DJ 18.12.2000)”.

O presente autor não viu qualquer problema na proposta e fomos favoráveis à sua aprovação na III Jornada do Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça, pois não traz qualquer prejuízo. De toda sorte, a questão não é pacífica, eis que existem julgados do STJ que apontam existir uma obrigação de fazer em casos tais. Por todos, colaciona-se:

“Processual civil – Administrativo – FGTS – Correção do saldo de conta vinculada – Execução de obrigação de fazer – Aplicação do disposto no art. 644 do CPC – Descabimento de embargos à execução. 1. A decisão judicial que determina o creditamento dos valores nas contas vinculadas do FGTS, pela CEF, denota obrigação de fazer, e, seu cumprimento, não enseja a instauração de processo de execução autônomo, e, em consequência, a oposição de embargos. Precedentes da Corte: REsp 859.893/CE, DJ de 14.12.2006; AgRg no REsp 742.047/DF, DJ de 13.02.2006 e REsp 692.323/SC, DJ de 30.05.2005. 2. As eventuais objeções ou exceções de executividade são interinais, excepcionalíssimas, e não contemplam a figura dos embargos. 3. É que a decisão judicial que impõe obrigação de fazer ou não fazer, mercê de sua imediata executoriedade, à luz do disposto nos arts. 461 e 644, do CPC, com a novel redação dada pela Lei 10.444/2002, não comporta a instauração de processo autônomo de execução e, a fortiori, a oposição de embargos. 4. Recurso Especial desprovido” (STJ, REsp 957.111/DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Turma, j. 16.10.2008, DJe 03.11.2008).

Feita tal consideração, parte-se ao estudo da obrigação genérica, ou de dar coisa incerta.

2.2.1.2 Obrigação de dar coisa incerta (arts. 243 a 246 do CC)

Também denominada obrigação genérica, a expressão obrigação de dar coisa incerta indica que a obrigação tem por objeto uma coisa indeterminada, pelo menos inicialmente, sendo ela somente indicada pelo gênero e pela quantidade, restando uma indicação posterior quanto à sua qualidade que, em regra, cabe ao devedor. Na verdade, o objeto obrigacional deve ser reputado determinável, nos moldes do art. 104, II, do CC.

A título de exemplo, pode ser citada a hipótese em que duas partes obrigacionais pactuam a entrega de um animal que faz parte do rebanho do vendedor (devedor da coisa). Nesse caso, haverá a necessidade de determinação futura do objeto, por meio de uma escolha.

Assim, coisa incerta não quer dizer qualquer coisa, mas coisa indeterminada, porém suscetível de determinação futura. A determinação se faz pela escolha, denominada concentração, que constitui um ato jurídico unilateral.

Prevê o art. 243 do atual Código Civil que a coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

O Projeto de Lei 6.960/2002, originalmente de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, atualmente com o número 699/2011, visa a alterar o comando legal em questão, que passaria a ter a seguinte redação: “Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pela espécie e pela quantidade”. Para o autor do projeto, a palavra gênero teria um sentido muito amplo.

O Deputado Vicente Arruda, relator nomeado na Câmara dos Deputados, vetou a proposta original, eis que “alterar a expressão ‘gênero’ contida no texto do Código por ‘espécie’ não vai resolver o problema. Se, como pretende o autor do projeto, ‘feijão’ é espécie do gênero ‘cereal’, a palavra ‘tecido’ é espécie de ‘algodão’, de ‘lã’, de ‘fibra sintética’, ou tecido é ‘gênero’ e tecido de algodão, de lã, de seda, de microfibra, são espécies? Por outro lado quer nos parecer que se substituirmos gênero por espécie estaremos transformando a coisa incerta em coisa certa, determinável dentre certo número de coisas certas da mesma espécie. Pela manutenção do texto”.

O art. 244 do mesmo diploma civil enuncia que nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade a escolha ou concentração cabe ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação. De qualquer forma, cabendo-lhe a escolha o devedor não poderá dar a pior. Ademais, não será obrigado a prestar a melhor.

A segunda parte do dispositivo legal apresenta o princípio da equivalência das prestações, pelo qual a escolha do devedor não pode recair sobre a coisa que seja menos valiosa. Em complemento, o devedor não pode ser compelido a entregar a coisa mais valiosa, devendo o objeto obrigacional recair sempre dentro do gênero intermediário.

Essa última previsão está recebendo proposta de alteração pelo projeto original de Ricardo Fiuza (antigo PL 6.960/2002, atual PL 699/2011), segundo o qual o dispositivo passaria a ter a redação seguinte: “Art. 244. Nas coisas determinadas pela espécie e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor”.

A proposta, mais uma vez, é de substituição da palavra “gênero” por “espécie”. Na verdade, existe polêmica doutrinária a respeito da natureza da obrigação de dar coisa incerta, surgindo corrente que aponta ser melhor que ela seja determinada pela espécie e não pelo gênero, para uma melhor determinação obrigacional (ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil..., 2005, p. 158-159). Na opinião deste autor, não há problemas na atual redação dos textos, que devem ser mantidos pelo costume doutrinário de trabalho quanto à obrigação genérica. A alteração acaba por esbarrar em um costume terminológico.

Superada essa questão, aplicando-se o princípio constitucional da isonomia ao art. 244 do CC, se a escolha couber ao credor, este não poderá fazer a opção pela coisa mais valiosa nem ser compelido a receber a coisa menos valiosa. Mais uma vez aplica-se o princípio da equivalência das prestações, fixando-se o conteúdo da obrigação no gênero médio ou intermediário.

Em todo o conteúdo do art. 244 do CC consagra-se a vedação do enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886 do CC), sintonizada com a função social obrigacional e com a boa-fé objetiva. Entende este autor que se trata de norma de ordem pública, que não pode ser afastada por vontade dos contratantes ou negociantes. O art. 2.035, parágrafo único, do CC enuncia expressamente que a função social é preceito de ordem pública.

Após a escolha feita pelo devedor, e tendo sido cientificado o credor, a obrigação genérica é convertida em obrigação específica (art. 245 do CC). Com essa conversão, aplicam-se as regras previstas para a obrigação de dar coisa certa (arts. 233 a 242 do CC), aqui estudadas. Antes dessa concentração, não há que se falar em inadimplemento da obrigação genérica, em regra.

É interessante deixar claro que, com a dita alteração estrutural, incide também a regra do art. 313 do vigente Código Civil, podendo o credor negar-se a aceitar coisa mais valiosa, tendo em vista a individualização realizada pela escolha, pela qual o objeto da obrigação deixa de ser determinável e passa a ser determinado.

O art. 246 do CC continua consagrando a regra de direito pela qual o gênero nunca perece (genus nunquam perit), ao prever que antes da escolha não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que em decorrência de caso fortuito (evento imprevisível) ou força maior (evento previsível, mas inevitável). Isso porque ainda não há individualização da coisa, devendo o art. 246 ser lido em sintonia com a primeira parte do artigo antecedente.

Diante disso, consta do original Projeto Fiuza proposta para alterar esse dispositivo, que passaria a ter a seguinte redação: “Antes de cientificado da escolha o credor, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito, salvo se tratar de dívida genérica limitada e se extinguir toda a espécie dentro da qual a prestação está compreendida”.

Nesse ponto, não se filia ao parecer do Deputado Vicente Arruda, que optou pela manutenção do texto, nos seguintes termos: “o acréscimo da expressão ‘dívida genérica limitada’ equivale à obrigação de dar coisa certa, conforme motivos expostos nos arts. 243 e 244”. Parece ao presente autor que o parlamentar não compreendeu bem o sentido da proposta, que trata da obrigação quase-genérica, que merece um tratamento legislativo, o que facilita o trabalho didático. Sobre o tema, comenta Flávio Augusto Monteiro de Barros:

“Esse máxima genus non perit é aplicável apenas às coisas pertencentes a gênero ilimitado. Exemplos: dinheiro, café, açúcar etc. Se a coisa pertencer a gênero limitado, o perecimento de todas as espécies que a componham acarretará a extinção da obrigação, responsabilizando-se o devedor pelas perdas e danos apenas na hipótese de ter procedido com culpa.

A propósito, quando o gênero é limitado, a obrigação de dar coisa incerta denomina-se obrigação quase-genérica. O gênero é limitado quando existe uma delimitação, quer porque a quantidade é escassa, quer porque o negócio faz referência a coisas que se acham num certo local ou que pertençam a certa pessoa ou ainda que sejam referentes a determinada época ou acontecimento. Exemplo: A vende para B 10 garrafas de vinho de sua safra de 1970” (Manual..., 2005, p. 45).

Com a análise do art. 246 do CC encerra-se a abordagem da obrigação de dar coisa incerta.

2.2.2 Obrigação positiva de fazer

A obrigação de fazer (obligatio ad faciendum) pode ser conceituada como uma obrigação positiva cuja prestação consiste no cumprimento de uma tarefa ou atribuição por parte do devedor.

Muitas vezes, a obrigação de fazer confunde-se com a obrigação de dar, sendo certo que os seus conteúdos são completamente diferentes. Exemplifica-se com uma obrigação cuja prestação é um quadro (obra de arte). Se o quadro já estiver pronto, haverá obrigação de dar. Caso o quadro seja encomendado, devendo ainda ser pintado pelo devedor, a obrigação é de fazer. Com tom didático, pode-se afirmar: o dar não é um fazer, pois caso contrário não haveria nunca a obrigação de dar.

A obrigação de fazer pode ser classificada da seguinte forma:

a)  Obrigação de fazer fungível, que é aquela que ainda pode ser cumprida por outra pessoa, à custa do devedor originário, segundo procedimentos que constam dos arts. 633 e 634 do Código de Processo Civil (o último dispositivo foi recentemente alterado pela Lei 11.382/2006).

b)  Obrigação de fazer infungível, que é aquela que tem natureza personalíssima ou intuitu personae, em decorrência de regra constante do instrumento obrigacional ou pela própria natureza da prestação.

O art. 247 do CC trata da última modalidade de obrigação de fazer. Nesta, negando-se o devedor ao seu cumprimento, a obrigação de fazer converte-se em obrigação de dar, devendo o sujeito passivo arcar com as perdas e danos, incluídos os danos materiais (arts. 402 a 404 do CC) e os danos morais (art. 5.º, V e X, CF/1988).

Mas, antes de pleitear indenização, o credor poderá requerer o cumprimento da obrigação de fazer nas suas duas modalidades, por meio de ação específica com a fixação de multa ou astreintes pelo juiz, conforme os arts. 461 do CPC e 84 do CDC.

Quanto à obrigação de fazer fungível, entendemos serem possíveis as astreintes somente em relação ao devedor originário, o que visa à conservação do negócio assumido entre as partes. A conversão em perdas e danos deve ser somente admitida em casos excepcionais, para a preservação da autonomia privada e a conservação do negócio jurídico celebrado. Como afirmado por diversas vezes nos Volumes 1 e 3 desta coleção, o princípio da conservação negocial mantém íntima relação com o princípio da função social dos contratos, o que é reconhecido pelo Enunciado n. 22 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil. A título de exemplo, reconhecendo a possibilidade de fixação de astreintes em obrigação de fazer fungível, inclusive contra a Fazenda Pública, transcreve-se julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Multa diária – Cominatória – Execução fundada em título judicial. Cabível a cominação de multa diária (astreintes) contra a Fazenda Pública como meio executivo para cumprimento da obrigação de fazer (fungível ou infungível) ou de entregar coisa certa. Precedentes do Col. Superior Tribunal de Justiça. Prazo fixado de forma moderada a permitir o cumprimento da obrigação e razoabilidade do valor da multa estipulada. Recurso improvido” (TJSP, Apelação 531.396-5/1, São Paulo, 9.ª Câmara de Direito Público, Rel. Décio Notarangeli, 23.08.2006, v.u., Voto n. 1.228).

Segundo o art. 248 do Código Civil, caso a obrigação de fazer, nas duas modalidades, torne-se impossível sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação sem a necessidade de pagamento de perdas e danos, tal como ocorre em decorrência de caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou força maior (evento previsível, mas inevitável). Nessas duas hipóteses, como é notório, exceção deve ser feita ao devedor em mora, que responderá por tais eventos, conforme o art. 399 da codificação atual, a não ser que prove ausência total de culpa ou que o evento ocorreria mesmo se não estivesse em mora com a obrigação.

A ilustrar a incidência do citado art. 248 do CC, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que “resolve-se, por motivo de força maior, o contrato de promessa de compra e venda sobre o qual pendia como ônus do vendedor a comprovação do trânsito em julgado de ação de usucapião, na hipótese em que o imóvel objeto do contrato foi declarado território indígena por decreto governamental publicado após a celebração do referido contrato. Sobrevindo a inalienabilidade antes do implemento da condição a cargo do vendedor, não há falar em celebração do contrato principal de compra e venda, não se caracterizando como contrato diferido, nem incidindo a teoria da imprevisão. Trata-se de não perfazimento de contrato por desaparecimento da aptidão do bem a ser alienado (art. 248 do CC)” (STJ, REsp 1.288.033/MA, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 16.10.2012, publicado no seu Informativo n. 507).

Por outro lado, nos termos do mesmo art. 248, havendo culpa do devedor no descumprimento da obrigação de fazer, este deverá arcar com os danos presentes no caso concreto.

Quanto à obrigação de fazer infungível, esta pode tanto decorrer de previsão no instrumento quanto da própria natureza da obrigação. Para ilustrar, se alguém contrata um pintor com dom artístico singular para elaborar um quadro, não haverá necessidade de constar do instrumento que a obrigação é infungível.

O art. 249 do CC é o que apresenta o conceito de obrigação de fazer fungível, aquela substituível e que pode ser cumprida por terceiro às custas do devedor originário. Nessa modalidade obrigacional, resta ainda uma opção ao credor, antes da conversão da obrigação em perdas e danos, que é a de exigir que outra pessoa cumpra com a obrigação, conforme os procedimentos constantes no Código de Processo Civil.

No entanto, é fundamental salientar que em virtude das recentes alterações do CPC, promovidas pela Lei 11.232/2005, as execuções fundadas em títulos executivos judiciais deixaram de ser realizadas por meio de processo autônomo, passando a objeto de cumprimento no âmbito do mesmo processo, já iniciado, de conhecimento (arts. 475-I, caput, e 475-N, I, III, V, VII, do CPC), razão pela qual se torna necessário trazer alguns breves apontamentos sobre a nova sistemática processual.

Conforme salienta Gustavo Filipe Barbosa Garcia, “o processo de execução como relação processual autônoma, que se inicia com o ajuizamento da ação respectiva, prosseguindo com a citação do executado, passou a se limitar às hipóteses de execuções fundadas em títulos extrajudiciais (art. 585 do CPC) e execuções fundadas nos seguintes títulos judiciais: sentença penal condenatória transitada em julgado; sentença arbitral; sentença estrangeira homologatória pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 475-N, II, IV, VI, do CPC)” (Terceira fase..., 2006, p. 39). Desse modo, quando a execução de obrigação de fazer estiver fundada em título executivo judicial, a próxima etapa do processo a ser observada é a do cumprimento da sentença, que será feito conforme os arts. 461 e 461-A do CPC (art. 475-I do CPC).

Pelo art. 633 do Estatuto Processual em vigor, que deve ser aplicado ao processo autônomo de execução (para os títulos extrajudiciais e alguns judiciais, conforme mencionado), se, no prazo fixado pelo juiz, o devedor não satisfizer a obrigação, é lícito ao credor, nos próprios autos do processo, requerer que ela seja executada à custa do devedor. Poderá ainda o credor pleitear as perdas e danos, caso em que a obrigação se converte em indenização.

No que tange ao art. 634 do CPC, houve uma mudança substancial pela recente Lei 11.382/2006. Em sua redação original, previa o dispositivo que, se o fato pudesse ser prestado por terceiros, seria lícito ao juiz, a requerimento do credor, decidir que aquele o realizasse à custa do devedor. Os parágrafos desse comando legal regulamentavam essa forma de execução, de maneira complexa.

Primeiramente, o juiz nomearia um perito que avaliaria o custo da prestação do fato, mandando em seguida que fosse expedido edital de concorrência pública, com o prazo máximo de trinta dias (§ 1.º).

As propostas seriam acompanhadas de prova do depósito da importância que o juiz estabeleceria a título de caução (§ 2.º). No dia, lugar e hora designados, abertas as propostas, escolheria o juiz a mais vantajosa (§ 3.º). Se o credor não exercesse a preferência a que se referia o art. 637 do CPC, o concorrente, cuja proposta fosse aceita, obrigar-se-ia, dentro de cinco dias, por termo nos autos, a prestar o fato sob pena de perder a quantia caucionada (§ 4.º). Assinando o termo, o contratante faria nova caução de vinte e cinco por cento sobre o valor do contrato (§ 5.º). No caso de descumprimento da obrigação eventualmente assumida pelo concorrente ou pelo contratante, a caução seria revertida em benefício do credor (§ 6.º). Por fim, a lei previa que deveria o credor adiantar ao contratante as quantias estabelecidas na proposta aceita (§ 7.º).

Pois bem, a recente reforma do CPC alterou o dispositivo, que pela Lei 11.382/2006 passou a ter a seguinte redação simplificada:

“Art. 634. Se o fato puder ser prestado por terceiro, é lícito ao juiz, a requerimento do exequente, decidir que aquele o realize à custa do executado.

Parágrafo único. O exequente adiantará as quantias previstas na proposta que, ouvidas as partes, o juiz houver aprovado”.

Em suma, o que se percebe é que ocorreu uma substancial simplificação dos procedimentos, extinguindo-se a complexa licitação privada antes existente. Como expõe Glauco Gumerato Ramos, houve um reajuste do dispositivo, com a supressão da complexa e contraproducente concorrência pública que era prevista (Reforma..., 2007, p. 177). Para o mesmo autor, a nova redação do dispositivo introduz os seguintes procedimentos:

“Verificando o juiz que a obrigação de fazer é passível de realização por terceiro, haverá dilação probatória onde caberá ao próprio exequente – apesar do silêncio do dispositivo – trazer aos autos eventuais propostas de terceiros interessados na prestação do respectivo fato. E como isso ocorrerá? Por exemplo, poderá ser através de apresentação pelo exequente, de alguns orçamentos fixados pelos terceiros eventualmente interessados, não sendo descartada a possibilidade de até mesmo o executado apresentar os orçamentos. O que o art. 634 reformado parece não querer mais é que se publiquem editais, ou mesmo que se proceda a qualquer outra formalidade convocatória, o que atentaria contra o princípio da celeridade (art. 5.º, LXXVIII, da CF) e aumentaria o custo financeiro do processo.

Diante das propostas elaboradas, o juiz estabelecerá o contraditório e deliberará no sentido de aprovação de uma delas, que necessariamente não precisará ser a mais barata se eventualmente não for essa a melhor proposta para atender o exato cumprimento da obrigação. Essa decisão poderá ser impugnada por intermédio do recurso de agravo, sujeitando-se o curso do processo com as consequências daí advindas.

Aprovada a proposta pelo juiz, caberá ao exequente adiantar as quantias nela previstas para que então o terceiro realize o fato (art. 643, parágrafo único). As quantias adiantadas pelo exequente serão por ele cobradas do executado através do rito previsto para execução de quantia certa (art. 646 e ss.)” (Reforma..., 2007, p. 179).

Também houve alteração do art. 637, parágrafo único, do CPC. As duas redações constam da tabela a seguir:

CPC – Redação anterior

CPC – Redação após a Lei 11.382/2006

“Art. 637. Se o credor quiser executar, ou mandar executar, sob sua direção e vigilância, as obras e trabalhos necessários à prestação do fato, terá preferência, em igualdade de condições de oferta, ao terceiro.
Parágrafo único. O direito de preferência será exercido no prazo de 5 (cinco) dias, contados da escolha da proposta, a que alude o art. 634, § 3.º.”

“Art. 637. Se o credor quiser executar, ou mandar executar, sob sua direção e vigilância, as obras e trabalhos necessários à prestação do fato, terá preferência, em igualdade de condições de oferta, ao terceiro.
Parágrafo único. O direito de preferência será exercido no prazo de 5 (cinco) dias, contados da apresentação da proposta pelo terceiro (art. 634, parágrafo único).”

A última alteração é simples, diante das mudanças que atingiram os procedimentos de cumprimento, contando-se o prazo de cinco dias para o exercício do direito de preferência, por parte do credor, da apresentação da proposta pelo terceiro. O prazo é decadencial e, não sendo exercido pelo credor, a prestação ficará a cargo do terceiro que apresentou a proposta (GUMERATO RAMOS, Glauco. Reforma..., 2007, p. 184).

Em conclusão, diante dos fins sociais que guiam as recentes reformas processuais, que são a celeridade e a desburocratização, houve uma importante facilitação legislativa, para a efetivação do cumprimento da obrigação de fazer fungível.

De qualquer forma, mesmo cumprida a obrigação por terceiro, o credor ainda poderá pleitear perdas e danos, desde que comprovados os prejuízos, eis que não se pode indenizar o dano eventual, mas somente o dano efetivo (art. 403 do CC). Repita-se que, em sintonia com o princípio da conservação negocial, também na obrigação de fazer fungível poderá o credor pleitear do devedor originário que cumpra a obrigação, inclusive com a fixação de astreintes.

Vejamos um exemplo prático para esclarecer toda essa visualização. A contrata B, artista famoso, para que este elabore um quadro. No instrumento obrigacional, consta que A aceita também um quadro de C, aprendiz de B. Este último se nega a cumprir a obrigação assumida. Poderá A exercitar seu direito das seguintes formas:

1.º) Ingressar com ação de obrigação de fazer contra B, requerendo que ele cumpra a obrigação, inclusive com a fixação de astreintes e sem prejuízo de perdas e danos decorrentes de eventual atraso. De toda sorte, cumpre anotar que pode surgir argumento de que a multa imposta gera lesão aos direitos da personalidade do autor da obra. Prevalecendo tal tese, a questão se resolve em perdas e danos.

2.º) Nessa mesma ação, constando pedido subsidiário, requerer que C cumpra a obrigação, às custas de B, devedor originário, nos termos dos arts. 633 e 634 do CPC, sem prejuízo de perdas e danos.

3.º) Não interessando mais a obrigação de fazer, requerer a sua conversão em obrigação de pagar as perdas e danos (danos materiais e morais).

O art. 249, parágrafo único, do CC atual traz uma novidade. Prevê esse dispositivo que “em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido”. O Código Civil de 2002 inova trazendo para a obrigação de fazer uma espécie de autotutela civil, ou justiça com as próprias mãos. Em casos de urgência, a serem definidos pela jurisprudência, o credor, sem a necessidade de autorização judicial, poderá executar ou mandar executar a obrigação, sem prejuízo de futura indenização por perdas e danos. Na doutrina, podem ser encontradas posições favoráveis e contrárias à novidade.

Sílvio de Salvo Venosa é um dos autores que elogia a inovação, nos seguintes termos: “É interessante notar que, no parágrafo, a novel lei introduz a possibilidade de procedimento de justiça de mão própria, no que andou muito bem. Imagine-se na hipótese da contratação de empresa para fazer a laje de concreto de um prédio, procedimento que requer tempo e época precisos. Caracterizadas a recusa e a mora bem como a urgência, aguardar uma decisão judicial, ainda que liminar, no caso concreto, poderá causar prejuízo de difícil reparação” (Direito civil..., 2006, p. 83). Aplicando a ideia dessa autotutela, pode ser transcrita decisão do sempre pioneiro Tribunal Gaúcho:

“Apelação cível – Ação de cobrança cumulada com pedido indenizatório – Seguro de veículo – Aviso de sinistro informado à seguradora – Mora injustificada no cumprimento da obrigação contratual de custear o conserto do veículo – Reparos contratados pelo próprio segurado em oficina não credenciada da seguradora – Restituição dos valores pela seguradora – Cabimento – Dano moral – Descabimento no caso de mero inadimplemento contratual – Cabimento da indenização por lucros cessantes devidamente comprovados. Uma vez demonstrado nos autos a demora injustificada da seguradora em proceder ao conserto do veículo segurado, após noticiado o sinistro, resta justificada a conduta da segurada em providenciar, por conta, o conserto do caminhão em outra oficina, máxime em se tratando de automóvel utilizado para transporte de cargas, o qual serve de subsistência para a demandante. Inteligência do art. 249, parágrafo único, do CC/02, e art. 18, § 1.º, I, §§ 3.º e 4.º, do CDC. Restituição, pela seguradora, da íntegra dos valores despendidos pela segurada, uma vez estarem dentro do limite de cobertura. Cabimento da condenação da seguradora ao pagamento dos lucros cessantes, pelo tempo em que restou a segurada desprovida do veículo, descontado o período de trinta dias, necessário à liquidação do sinistro. Segundo jurisprudência assentada nesta Câmara, o mero inadimplemento contratual não enseja a condenação da seguradora ao pagamento de indenização por danos morais, havendo a parte de demonstrar a ocorrência concreta de abalo moral e prejuízo de ordem extrapatrimonial. Apelação parcialmente provida. Recurso adesivo parcialmente provido” (TJRS, Acórdão 70015650724, Porto Alegre, Sexta Câmara Cível, Rel.ª Des.ª Liége Puricelli Pires, j. 30.10.2008, DOERS 25.11.2008, p. 23).

Entretanto, há quem não veja com bons olhos a inovação. Isso porque o texto é totalmente genérico, sendo certo que a autotutela civil somente é recomendável em casos especificados e com limites em lei. Como exemplo, lembre-se a legítima defesa da posse e o desforço imediato que constavam no art. 502 do CC/1916, reproduzidos no art. 1.210, § 1.º, da recente codificação. Como é notório, apesar do tom específico, tais conceitos possessórios sempre causaram confusões, particularmente nos casos envolvendo invasões de terra.

Fazendo uma necessária confrontação, é de se imaginar as dúvidas práticas que surgirão desse sentido amplo do art. 249, parágrafo único, do CC/2002. Os limites do conceito serão apontados pela jurisprudência, devendo o aplicador do Direito estar atento para a caracterização do ilícito (art. 186 do CC) e, principalmente, do abuso de direito (art. 187 do CC). Eventualmente, em casos de excessos no exercício da autotutela, caberá ao devedor casualmente prejudicado pleitear perdas e danos.

Mas outra polêmica também existirá relativamente à inovação. Inicialmente, é de se defender que o instituto somente se aplica à obrigação de fazer fungível, pela previsão do caput do artigo ora comentado. No futuro, poderá surgir posicionamento apontando a sua aplicação para a obrigação de fazer infungível, porque há regra semelhante para a obrigação de não fazer (art. 251, parágrafo único, do CC) que, como se sabe, tem natureza personalíssima ou infungível, em regra.

Esses são os desafios principais relacionados ao exercício dessa nova autotutela. De qualquer maneira, anote-se que as vias extrajudiciais têm se tornado a tendência da pós-modernidade jurídica, diante da desjudicialização dos conflitos e contendas.

2.2.3 Obrigação negativa de não fazer

A obrigação de não fazer (obligatio ad non faciendum) é a única obrigação negativa admitida no Direito Privado Brasileiro, tendo como objeto a abstenção de uma conduta. Por tal razão, havendo inadimplemento, a regra do art. 390 da codificação atual merece aplicação, pela qual “nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster”. O que se percebe é que o descumprimento da obrigação negativa se dá quando o ato é praticado.

A obrigação de não fazer é quase sempre infungível, personalíssima (intuitu personae), sendo também predominantemente indivisível pela sua natureza, nos termos do art. 258 do Código Civil.

Se o adimplemento da obrigação de não fazer tornar-se impossível sem culpa genérica do devedor, será resolvida, o mesmo ocorrendo nas situações envolvendo o caso fortuito e a força maior (art. 250 do CC), com exceção dos casos discutidos, em que o sujeito passivo obrigacional responde por tais ocorrências.

A obrigação de não fazer pode ter origem legal ou convencional. Relativamente à obrigação de não fazer de origem legal, exemplifica-se com o caso do proprietário de imóvel, que tem o dever de não construir até certa distância do imóvel vizinho (arts. 1.301 e 1.303 do CC). Como exemplo de obrigação de não fazer de origem convencional, cite-se o caso de um ex-empregado que celebra com a empresa ex-empregadora um contrato de sigilo industrial por ter sido contratado pelo concorrente (secret agreement).

Prevê o art. 251 do CC que praticado o ato pelo devedor, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado as perdas e danos. Se for praticado o ato vedado pelo compromisso de abstenção, o credor pode exigir que o ato seja desfeito, caso haja culpa em sentido amplo do devedor. Para tanto, poderá ingressar com ação de obrigação de não fazer, requerendo a fixação de preceito cominatório, ou astreintes (arts. 461 do CPC e 84 do CDC). Eventualmente, a pedido do credor e havendo culpa do devedor, a obrigação de não fazer poderá ser convertida em obrigação de dar coisa certa, no caso, em obrigação de arcar com perdas e danos.

Nesse ponto, importante apontar que, no Direito Processual Civil, a doutrina de Moacyr Amaral dos Santos faz a distinção entre obrigação de não fazer transeunte (ou instantânea) e permanente, conforme sejam irreversíveis ou não, respectivamente (Primeiras linhas..., 1994, p. 394). Esclarecendo o teor dessas obrigações, pode ser elaborado o quadro a seguir:

Transeuntes (ou instantâneas)

São irreversíveis

Só cabe ao credor exigir perdas e danos

Permanentes

Podem ser desfeitas

O credor pode exigir o desfazimento do ato (que pode ser feito por terceiro ou pelo próprio credor – art. 637 do CPC) mais as perdas e danos.

Em complemento, enuncia o parágrafo único do art. 251 da codificação privada que, “em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido”. Como se vê, a autotutela civil também está prevista para a obrigação de não fazer, o que faz merecer os comentários que fizemos em relação ao art. 249, parágrafo único, da codificação novel. Na verdade, o aplicador do Direito deve ser até mais cauteloso em relação ao dispositivo aqui analisado, eis que o texto pode gerar ainda mais abusos, tendo em vista a utilização das expressões desfazer ou mandar desfazer.

Veja-se o exemplo sobre a obrigação de não fazer de origem legal, que foi exposto quando do comentário do caput do art. 250 do CC. Tendo sido feita a construção pelo vizinho, o proprietário prejudicado, independentemente de permissão judicial, estará autorizado pela lei a demolir o prédio construído irregularmente!

Quanto ao exemplo citado sobre obrigação de não fazer de origem convencional, caso o ex-empregado revele dados os quais se comprometeu a não divulgar, o credor poderá utilizar-se de meios próprios para calar o primeiro...

Valem as mesmas reflexões feitas anteriormente quanto a essa autotutela. Em havendo abuso ou irregularidades no exercício desse direito, nos dois casos, merecerá aplicação o art. 187 do Código, imputando-se ao credor responsabilidade objetiva, tendo em vista o teor do Enunciado n. 37 do CJF/STJ, que preceitua: “a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.

Por fim, destaque-se a edição da Súmula 410 do STJ, de novembro de 2009, com a seguinte redação: “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.

A súmula não é clara, por não fazer menção expressa de qual multa está tratando: as astreintes ou a cláusula penal. Pesquisando os seus precedentes, constata-se que a referência é à primeira, merecendo destaque:

“Agravo interno – Recurso especial – Execução de astreintes – Intimação pessoal – Necessidade – Inexigibilidade do título – Cumprimento da obrigação – Anterior à intimação – Descabimento dos honorários advocatícios – Decisão agravada mantida – Improvimento. I. É necessária a intimação pessoal do devedor quando aplicada multa diária pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. II. Cumprida a obrigação de fazer antes mesmo da intimação ser efetuada – é o que se extrai do acórdão recorrido (fl. 87) – não há como incidir honorários advocatícios. III. Os agravantes não trouxeram nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. IV. Agravo improvido” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.067.903/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3.ª Turma, j. 21.10.2008, DJe 18.11.2008).

2.3 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À PRESENÇA DE ELEMENTOS OBRIGACIONAIS

2.3.1 Considerações iniciais

A classificação da obrigação quanto aos elementos leva em conta a presença de pessoas e a quantidade de prestações na relação obrigacional, conforme esquematização a seguir:

Simples

Singularidade de objetos – um credor, um devedor, uma prestação

Compostas

Pela multiplicidade de objetos

Cumulativas ou conjuntivas Alternativas ou disjuntivas

Pela multiplicidade de sujeitos

Solidárias (ativa, passiva e mista)

Inicialmente, há a obrigação simples, que é aquela que se apresenta com somente um sujeito ativo (credor), um sujeito passivo (devedor) e uma única prestação. Em síntese, essa é aquela obrigação com o menor número possível de elementos que aqui pode ser conceituada, para fins didáticos, como obrigação mínima.

Por outra via, na obrigação composta há uma pluralidade de objetos (obrigação composta objetiva cumulativa ou obrigação composta objetiva alternativa) ou pluralidade de sujeitos (obrigação composta subjetiva ativa e passiva que podem assumir as formas de obrigação solidária ativa, passiva e mista).

Passa-se, inicialmente, a analisar as obrigações compostas objetivas.

2.3.2 Das obrigações compostas objetivas

Da subclassificação das obrigações compostas objetivas, ou seja, aquelas que apresentam duas ou mais prestações (elemento objetivo da obrigação), surgem duas modalidades importantes.

Primeiro, há a obrigação composta objetiva cumulativa ou conjuntiva (ou tão somente obrigação cumulativa). Trata-se daquela obrigação pela qual o sujeito passivo deve cumprir todas as prestações previstas, sob pena de inadimplemento total ou parcial. Desse modo, a inexecução de somente uma das prestações já caracteriza o descumprimento obrigacional. Geralmente, essa forma de obrigação é identificada pela conjunção e, de natureza aditiva.

A obrigação composta cumulativa ou conjuntiva não está tratada pelo Código Civil, sendo comum o seu estudo pela doutrina e jurisprudência. Exemplificando, em um contrato de locação de imóvel urbano, tanto o locador como o locatário assumem obrigações cumulativas. Isso pode ser evidenciado porque os arts. 22 e 23 da Lei 8.245/1991 trazem, respectivamente, vários deveres obrigacionais, prestações de natureza diversa, para o locador e para o locatário.

Pela estrutura obrigacional desse contrato, o locador é obrigado a entregar o imóvel, a garantir o seu uso pacífico e a responder pelos vícios da coisa locada, dentre outros deveres. O locatário é obrigado a pagar o aluguel e os encargos, a usar o imóvel conforme convencionado e a não modificar a forma externa do mesmo. Pode-se perceber uma série de prestações de naturezas diversas (dar, fazer e não fazer), de forma cumulada. O descumprimento de um desses deveres pode gerar o inadimplemento obrigacional.

Por outro lado, o Código em vigor traz um tratamento em relação à obrigação composta objetiva alternativa ou disjuntiva (ou tão somente obrigação alternativa) nos seus arts. 252 a 256.

Já foi demonstrado que a obrigação alternativa é espécie do gênero obrigação composta, sendo aquela que se apresenta com mais de um sujeito ativo, ou mais de um sujeito passivo, ou mais de uma prestação. A obrigação alternativa ou disjuntiva é, assim, uma obrigação composta objetiva, tendo mais de um conteúdo ou prestação. Normalmente, a obrigação alternativa é identificada pela conjunção ou, que tem natureza disjuntiva, justificando a outra nomenclatura dada pela doutrina.

De acordo com a linha doutrinária seguida por este autor, o exemplo típico em que está presente a obrigação alternativa envolve o contrato estimatório, também conhecido como contrato de venda em consignação, negócio que recebeu tipificação pelo Código Civil de 2002. Conforme o art. 534 do CC, no contrato estimatório o consignante transfere ao consignatário bens móveis para que o último os venda, pagando o preço de estima, ou devolva tais bens findo o prazo assinalado no instrumento obrigacional. Este autor não se filia ao entendimento segundo o qual o consignatário assume uma obrigação facultativa. Filia-se, portanto, a Paulo Luiz Netto Lôbo, para quem “o consignatário contrai dívida e obrigação alternativa” (Questões controvertidas..., 2004, p. 327). Assim também entendem Caio Mário da Silva Pereira e Waldírio Bulgarelli.

Todavia, a questão é por demais controvertida, entendendo outros tantos autores que a obrigação assumida pelo consignatário é facultativa (Maria Helena Diniz, Sílvio de Salvo Venosa e Arnaldo Rizzardo). Todos esses posicionamentos são expostos por Sylvio Capanema, que se filia à segunda corrente (Comentários..., 2004, p. 61). Também José Fernando Simão entende que a obrigação assumida pelo consignatário é facultativa (Contrato estimatório..., Direito Civil..., 2006, p. 364-371). A questão, portanto, é de grande controvérsia, e está abordada com maior profundidade no Volume 3 desta coleção.

Voltando especificamente à obrigação alternativa, havendo duas prestações, o devedor se desonera totalmente satisfazendo apenas uma delas. Como ocorre na obrigação de dar coisa incerta, o objeto da obrigação alternativa é determinável, cabendo uma escolha, também denominada concentração, que no silêncio cabe ao devedor (art. 252, caput, do CC).

Entretanto, a obrigação alternativa não se confunde com a obrigação de dar coisa incerta. De início, porque a primeira é uma obrigação composta (com duas ou mais prestações), enquanto a segunda é uma obrigação simples, com apenas uma prestação e objeto determinável. Na obrigação alternativa, muitas vezes, há prestações de naturezas diversas, de dar, fazer e não fazer, devendo ser feita uma opção entre essas. Isso não ocorre na obrigação de dar coisa incerta em que o conteúdo é uma coisa determinável, como visto. Na dúvida, a resposta deve ser dada pelo instrumento obrigacional, cabendo análise caso a caso.

Determina o § 1.º do art. 252 do CC que não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra. A previsão está em total sintonia com as regras dos arts. 313 e 314 da codificação atual, pois o devedor não poderá, cabendo-lhe a escolha, obrigar o credor a receber parte de uma prestação e parte de outra, ou seja, receber as prestações de forma fragmentada. A conclusão é que prevalece a identidade física e material das prestações na obrigação alternativa. Porém, deve ficar claro que essa regra não se aplica ao contrato estimatório, pois é da própria natureza desse negócio a possibilidade de cumprimento em partes da obrigação, ou seja, o consignatário poder pagar parte do preço de estima e devolver parte das coisas consignadas.

No caso de obrigação de prestações periódicas, também denominada obrigação de execução continuada ou trato sucessivo, a opção poderá ser exercida em cada período, o que mantém o contrato sob forma não instantânea (art. 252, § 2.º, do CC). Entendemos que tal regra poderá ser aplicada em favor tanto do devedor quanto do credor, desde que não gere enriquecimento sem causa de um sujeito sobre o outro. Ao contrário do que constava na codificação anterior (art. 884, § 2.º, do CC/1916), há no texto atual um sentido genérico (“em cada período”), não sendo necessária somente a periodicidade anual, como previa a norma precedente, podendo ela ser diária, quinzenal, mensal, trimestral, semestral ou mesmo utilizar outros critérios temporais.

De acordo com o § 3.º do art. 252 do CC/2002, no caso de pluralidade de optantes e não havendo acordo unânime entre eles, decidirá o juiz, findo o prazo por este determinado para a deliberação em eventual ação. Nota-se que o Código Civil de 2002 prevê que, não havendo acordo quanto à concentração na obrigação alternativa, em relação às partes ou a terceiros, a escolha caberá ao juiz a quem a questão foi levada. Esse comando legal revela o princípio da operabilidade, no sentido de efetividade – relacionado com a ontognoseologia jurídica de Miguel Reale –, pelo qual o aplicador do Direito é chamado a se pronunciar em casos especificados pela própria lei, ou para preencher espaços vazios ou cláusulas gerais nela previstos. Sobre a estrutura e a filosofia da nova codificação, sugere-se a leitura do Capítulo 2 do Volume 1 desta coleção. De qualquer forma, é interessante frisar que essa tendência de intervenção judicial não é mais a atual, pois vivificamos a tendência de desjudicialização dos conflitos. Isso pode ser evidenciado pela recente Lei 11.441/2007, que introduziu a possibilidade do divórcio, do inventário e da partilha extrajudiciais.

No caso de haver previsão no instrumento obrigacional no sentido de que a concentração cabe a terceiro, caso este não queira ou não possa exercer o ato, caberá o controle da escolha mais uma vez ao juiz da causa convocado a pronunciar-se sobre o caso concreto (art. 252, § 4.º, do CC). O dispositivo em questão, a exemplo do anterior comentado, tende a afastar qualquer possibilidade de enriquecimento sem causa, buscando o equilíbrio ou a equivalência das prestações (manutenção do sinalagma), trazendo a intervenção do juiz na obrigação, tendências da nova norma privada.

De acordo com o art. 253 do CC, se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se uma delas se tornar inexequível, subsistirá o débito quanto à outra. Esse dispositivo prevê a redução do objeto obrigacional, ou seja, a conversão da obrigação composta objetiva alternativa em obrigação simples. Dessa forma, se uma das prestações não puder ser cumprida, a obrigação se concentra na restante. Quanto ao contrato estimatório, aliás, há regra muito próxima no art. 535 do CC, pelo qual “o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável”. Diante dessa equivalência entre os comandos legais é que este autor entende que a obrigação assumida pelo consignatário é alternativa e não facultativa.

Pelo art. 254 do CC/2002, tornando-se totalmente impossível a obrigação alternativa (se nenhuma das prestações puder ser cumprida) por culpa genérica do devedor, e não cabendo a escolha ao credor, deverá o primeiro arcar com a última prestação pela qual se obrigou, sem prejuízo das perdas e danos. Na verdade, o comando legal enuncia que o valor a ser levado em conta é o da prestação sobre a qual recaiu a concentração, havendo a determinação do objeto por tal ato. No caso de redução do objeto obrigacional, nos termos do art. 253 do CC, o valor deverá estar relacionado com o da prestação restante, ou do que “por último se impossibilitou”, mais uma vez sem prejuízo da indenização cabível no caso concreto. A fórmula a seguir explica o dispositivo legal:

Culpa do devedor + Impossibilidade de todas as prestações + Escolha não cabe ao credor = Valor da prestação que último se impossibilitou + Perdas e danos

Por outro lado, caso a escolha caiba ao credor, tornando-se impossível somente uma das prestações por culpa em sentido amplo do devedor, o primeiro terá duas opções (art. 255 do CC):

a)  exigir a prestação restante ou subsistente mais perdas e danos; ou

b)  exigir o valor da prestação que se perdeu, sem prejuízo da reparação material e moral (perdas e danos).

Vejamos a fórmula relativa a essas regras:

Culpa do devedor + Impossibilidade de uma das prestações + Escolha cabe ao credor = Prestação subsistente ou o valor da prestação que se perdeu + Perdas e danos

Também nesse caso (culpa do devedor), cabendo a escolha ao credor e tornando-se impossível o cumprimento de ambas as prestações, o último poderá exigir o valor de qualquer uma das duas prestações, sem prejuízo da reparação por prejuízos materiais e morais. Pelo dispositivo em questão, percebe-se a natureza jurídica da obrigação alternativa, uma vez que somente uma das prestações pode ser exigida, em todos os casos. Esquematizando:

Culpa do devedor + Impossibilidade de todas as prestações + Escolha cabe ao credor = Valor de qualquer uma das prestações + Perdas e danos

Por fim, preconiza o art. 256 do Código Civil Brasileiro que se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do devedor, extinguir-se-á a obrigação. Tal regra se aplica, por exemplo, quando a inexigibilidade ocorrer em decorrência de caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou força maior (evento previsível, mas inevitável). Em tais hipóteses, os sujeitos da relação obrigacional composta estarão liberados, sem qualquer consequência suplementar às partes, em regra. Mas vale repetir que em algumas situações a parte responde por caso fortuito e força maior (devedor em mora, previsão contratual ou previsão legal).

As duas formas de obrigações compostas analisadas (alternativa e conjuntiva) não se confundem com a obrigação facultativa, que possui somente uma prestação, acompanhada por uma faculdade a ser cumprida pelo devedor de acordo com a sua opção ou conveniência. Como o credor não pode exigir essa faculdade, não havendo dever quanto à mesma, a obrigação facultativa constitui uma forma de obrigação simples (GOMES, Orlando. Obrigações..., 1997, p. 76). As respostas de enquadramento devem ser dadas caso a caso, principalmente com a análise do instrumento obrigacional.

A obrigação facultativa não está prevista no Código Civil. De qualquer modo é normalmente tratada pela doutrina. Maria Helena Diniz dá um exemplo didático dessa obrigação in facultate solutionis: “se alguém, por contrato, se obrigar a entregar 50 sacas de café, dispondo que, se lhe convier, poderá substituí-las por R$ 20.000,00, ficando assim com o direito de pagar ao credor coisa diversa do objeto do débito” (Curso..., 2002, p. 124). Também ilustrando, da jurisprudência mineira, pode ser transcrito interessante julgado:

“Contrato de arrendamento rural – Forma de pagamento – Percentual sobre o valor do produto colhido – Descaracterização para parceria rural – Inocorrência. ‘No arrendamento, a remuneração do contrato é sempre estabelecida em dinheiro, equivalente ao aluguel da locação em geral. O fato de o aluguel ser fixado em dinheiro, contudo, não impede que o cumprimento da obrigação seja substituído por quantidade de frutos cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao aluguel, à época da liquidação’ (Artigo 18, do Regulamento). ‘Trata-se de obrigação facultativa, pois o devedor pode optar por substituir seu objeto quando do pagamento’. (SÍLVIO DE SALVO VENOSA. Direito Civil, 3. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003. p. 360). Apelação não provida” (TJMG, Acórdão 1.0118.05.003165-7/001, Canápolis, 10.ª Câmara Cível, Rel. Des. Pereira da Silva, j. 26.06.2007, DJMG 13.07.2007).

Anote-se, mais uma vez, que nessa última modalidade de obrigação o credor não pode exigir que o devedor escolha uma ou outra prestação, sendo uma faculdade exclusiva deste. Como consequência disso, havendo impossibilidade de cumprimento da prestação, sem culpa do devedor, a obrigação se resolve, sem perdas e danos. Mas, se houver fato imputável ao devedor, o credor poderá exigir o equivalente da obrigação, mais perdas e danos. Como Maria Helena Diniz, na obra e página citadas por último, este autor igualmente defende a aplicação, por analogia, do art. 234, segunda parte, do atual CC, à obrigação facultativa.

2.3.3 Das obrigações compostas subjetivas. As obrigações solidárias
2.3.3.1 Regras gerais

As obrigações solidárias interessam muito ao mundo jurídico, particularmente ao direito obrigacional e contratual, eis que têm grande relevância prática. Por uma questão lógica, o seu estudo interessa e somente é pertinente quando houver pluralidade de credores e/ou de devedores (obrigação composta subjetiva ativa, obrigação composta subjetiva passiva e obrigação composta subjetiva mista – esta última, com vários credores e vários devedores ao mesmo tempo).

Quanto à matéria, o Código Civil traz regras gerais nos arts. 264 a 266, sem prejuízos das normas especiais relacionadas com o tema. Vejamos tais dispositivos.

Em sintonia com o princípio da operabilidade, no sentido de simplicidade ou facilitação, prevê o art. 264 do CC que há solidariedade, quando na mesma obrigação concorrer mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito ou obrigado à dívida toda. Dessa forma, na obrigação solidária ativa, qualquer um dos credores pode exigir a obrigação por inteiro. Na obrigação solidária passiva, a dívida pode ser paga por qualquer um dos devedores.

O art. 265 do CC, repetindo a tão conhecida regra do art. 896 do CC/1916, enuncia que a solidariedade não se presume, resultando da lei ou da vontade das partes. Assim, continua vigente a regra pela qual a solidariedade contratual não pode ser presumida, devendo resultar da lei (solidariedade legal) ou da vontade das partes (solidariedade convencional ou voluntária).

Muito importante apontar que a solidariedade prevista no dispositivo em análise é a solidariedade de natureza obrigacional e relacionada com a responsabilidade civil contratual, que não se confunde com aquela advinda da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, tratada pelo art. 942, parágrafo único, da lei privada, pelo qual “são solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932”. Cumpre ainda assinalar que a solidariedade obrigacional constitui regra no Código de Defesa do Consumidor, ao contrário do que ocorre na atual codificação civil, em que constitui exceção. Consta do art. 7.º, parágrafo único, da Lei 8.078/1990 que “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação de danos previstos nas normas de consumo”. Esse comando consumerista, segundo doutrina especializada, traz uma presunção de solidariedade contratual (por todos: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIM, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários..., 2003, p. 188).

Também esclarecendo, interessante anotar que fiador e devedor principal não são, em regra, devedores solidários. Isso porque é cediço que o fiador tem a seu favor o benefício de ordem previsto no art. 827 do CC, pelo qual pode exigir que primeiro sejam demandados os bens do devedor principal, caso de um locatário, por exemplo. Em regra, por tal comando, o fiador é devedor subsidiário. Entretanto, é possível que o fiador fique vinculado como principal pagador ou devedor solidário (art. 828, II, do CC). Vale o esclarecimento diante de notória confusão. Isso porque, na grande maioria das vezes, é comum a estipulação contratual prevendo tal solidariedade. Consigne-se ainda que fiadores de uma mesma dívida são solidários entre si, como regra geral da norma jurídica (art. 829 do CC). No Volume 3 desta coleção essas questões estão comentadas de forma aprofundada.

Dispõe o art. 266 do atual Código que a obrigação solidária, quanto à presença de elemento acidental, pode ser assim subclassificada:

a)  obrigação solidária pura ou simples – é aquela que não contém condição, termo ou encargo;

b)  obrigação solidária condicional – é aquela cujos efeitos estão subordinados a um evento futuro e incerto (condição);

c)  obrigação solidária a termo – é aquela cujos efeitos estão subordinados a evento futuro e certo (termo).

A obrigação solidária pode ser pura em relação a uma parte e condicional ou a termo em relação à outra, seja o sujeito credor ou devedor. O comando legal, contudo, não fala de obrigação solidária modal ou submetida a encargo. Fica a dúvida: seria esta possível? Este autor entende que não há vedação para a obrigação solidária modal, diante da possibilidade de compatibilidade do encargo com uma obrigação solidária e pelo fato de não existir ilicitude ou contrariedade aos bons costumes a gerar eventual nulidade. Ademais, deve-se entender que o art. 266 do atual Código Civil traz um rol exemplificativo de situações (numerus apertus), como é típico dos direitos pessoais patrimoniais. Portanto, o rol não é taxativo (numerus clausus). Nesse sentido, na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado n. 347, prevendo que “A solidariedade admite outras disposições de conteúdo particular além do rol previsto no art. 266 do Código Civil”.

Consta uma inovação no comando legal em questão, na sua última parte, pela previsão de possibilidade de ajustar-se pagamento ou cumprimento da obrigação em local diferente apenas para alguns dos devedores ou credores solidários. Saliente-se que esse dispositivo consagra o princípio da variabilidade da natureza da obrigação solidária.

Superada a análise do último dispositivo a tratar da teoria geral das obrigações solidárias, passa-se à análise das regras específicas previstas para a solidariedade ativa e passiva.

2.3.3.2 Da obrigação solidária ativa (arts. 267 a 274 do CC)

O principal efeito da solidariedade ativa é que qualquer um dos credores (denominados cocredores) pode exigir do devedor, ou dos devedores, o cumprimento da obrigação por inteiro, como se fosse um só credor (art. 267 do CC). A obrigação solidária ativa pode ter sua origem legal, como ocorre com os locadores no caso de locação de imóvel urbano (art. 2.º da Lei 8.245/1991). Mas, na maioria das vezes, haverá solidariedade ativa convencional, sendo constituída por força de um contrato celebrado entre as partes obrigacionais. De qualquer forma, é imperioso deixar claro que a solidariedade ativa raramente acontece na prática.

Dessa forma, havendo solidariedade ativa, o devedor comum pode pagar a qualquer um dos credores antes mesmo da propositura de ação judicial para cobrança do valor da obrigação (art. 268 do CC). Uma vez proposta a demanda, ocorrerá a prevenção judicial, podendo a satisfação da obrigação somente ocorrer em relação àquele que promoveu a ação, de acordo com o que ensina a doutrina (DINIZ, Maria Helena. Código Civil..., 2005, p. 299).

Prevê o art. 269 do Código Civil que caso ocorra o pagamento de forma direta ou indireta (novação, compensação e remissão), a dívida será extinta até o limite em que for atingida pela correspondente quitação ou pagamento. Apesar da falta da menção aos casos de novação, compensação e remissão (art. 900, parágrafo único, do CC/1916), entende-se que a regra anterior ainda continua em vigor, pelo balizamento doutrinário, o mesmo se dizendo quanto às demais formas de pagamento indireto.

Sob outro prisma, o Código Civil consagra regra específica a respeito do falecimento de um dos credores na obrigação solidária ativa. Se um dos credores falecer, a obrigação se transmite a seus herdeiros, cessando a solidariedade em relação aos sucessores, uma vez que cada qual somente poderá exigir a quota do crédito relacionada com o seu quinhão de herança (art. 270 do CC). Em outras palavras, como esclarece Renan Lotufo, “como os herdeiros sucedem por quinhão, a cada um caberá só a parte da dívida integrada nele, não mais do que isso, não a totalidade da dívida” (Código Civil..., 2003, v. 2, p. 100).

Exemplificando, caso a quota do credor que faleceu seja de doze mil reais, cada um dos seus três herdeiros somente poderá exigir do devedor ou devedores quatro mil reais, o que consagra a refração do crédito. A regra não deverá ser aplicada se a obrigação for naturalmente indivisível, como no exemplo da entrega de um animal para fins de reprodução ou de um veículo. Nesse caso, se um dos credores falecer, o cumprimento dessa obrigação indivisível ocorrerá se o objeto for entregue a qualquer um dos sucessores deste. É pertinente frisar que esse efeito não mantém relação com a solidariedade, mas sim com a indivisibilidade da obrigação.

Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste (permanece), para todos os efeitos, a solidariedade (art. 271 do CC). Nessa regra reside uma das principais dissonâncias entre a obrigação solidária ativa e a obrigação indivisível, o que muitas vezes atormenta o estudioso do Direito. Tal diferença refere-se aos efeitos da conversão em perdas e danos. De acordo com o art. 263 do CC/2002, a obrigação indivisível perde esse caráter quando da sua conversão em perdas e danos, o que não ocorre com a obrigação solidária ativa, que permanece com o dever do sujeito passivo obrigacional pagar a quem quer que seja.

Posteriormente, para facilitar, será demonstrada uma tabela comparativa entre a obrigação solidária e a obrigação indivisível.

A atual codificação continua prevendo que, no caso de remissão (ou perdão de dívida) de forma integral por parte de um dos credores solidários, este responderá perante os outros pelas frações que lhes cabiam (art. 272 do CC). A mesma regra deve ser aplicada no caso de um dos credores solidários receber o pagamento por inteiro, de forma direta ou indireta. Desse modo, percebe-se que a obrigação solidária ativa não é fracionável em relação ao devedor (relação externa), mas fracionável em relação aos sujeitos ativos da relação obrigacional (relação interna). Ressalve-se que foram utilizadas as expressões não fracionável e fracionável apenas para fins didáticos, uma vez que a obrigação solidária de modo algum se confunde com a obrigação indivisível.

Novidade na atual codificação, determina o art. 273 que “a um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros”. As exceções pessoais são defesas de mérito existentes somente contra determinados sujeitos, como aquelas relacionadas com os vícios da vontade (erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão) e as incapacidades em geral, como é o caso da falta de legitimação. Na obrigação solidária ativa o devedor não poderá opor essas defesas contra os demais credores diante da sua natureza personalíssima. Para ilustrar, se o devedor foi coagido por um credor solidário a celebrar determinado negócio jurídico, a anulabilidade do negócio somente poderá ser oposta em relação a esse credor, não em relação aos demais credores, que nada têm a ver com a coação exercida.

O antigo Projeto de Lei 6.960/2002, atual Projeto de Lei 699/2011, propõe a alteração do dispositivo, que passaria a ter a seguinte redação: “A um dos credores solidários não pode o devedor opor as defesas pessoais oponíveis aos outros”. Este autor concorda com essa proposta de alteração, uma vez que a expressão defesas é mais clara que exceções. Entretanto, essa proposta foi rejeitada pelo Deputado Vicente Arruda, nomeado como relator na Comissão da Câmara dos Deputados, pelas seguintes razões: “A palavra exceção, nos casos indicados nos artigos, é de caráter pessoal entre o devedor e o credor, e não quanto ao conteúdo da obrigação. Assim, se o credor ceder a terceiro o seu crédito quando já havia pago parte da dívida, ou se houvesse ocorrido novação ou transação, poderia opor tais exceções ao cessionário. Aliás o termo mais adequado neste caso é a exceção no sentido em que é usado no art. 582 do CPC, segundo o qual é defeso ao credor executar a dívida antes de implementar a obrigação que lhe cabe. Os artigos referem-se a impedimentos de ordem pessoal, à cobrança da dívida e não à legitimidade da obrigação. Pela rejeição”. Pelo tom didático da proposta de alteração, não há como concordar com o veto, filiando-se à proposta original.

Superado esse ponto, traz o art. 274 do CC regra que gera polêmicas e que merece comentários. Vejamos, exatamente, quais são os termos desse dispositivo.

“Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve”.

Novidade na atual codificação, a primeira parte do comando legal em questão não apresenta maiores problemas uma vez que se houver, na obrigação solidária ativa, julgamento contrário a um dos credores, este não atinge os demais, que permanecem com os seus direitos incólumes.

Resta dúvida quando o julgamento for favorável a um dos credores, caso em que há dois posicionamentos na doutrina civilista.

Como primeiro posicionamento, se um dos credores vencer a ação, essa decisão atinge a todos os demais credores, salvo se o devedor tiver em seu favor alguma exceção pessoal passível de ser invocada a outro credor que não participa do processo. Desse modo, o devedor não poderá apresentar defesa contra aquele credor que promoveu a demanda, havendo a instituição do regime da extensão da coisa julgada secundum eventum litis (os credores que não participaram do processo apenas podem ser beneficiados com a coisa julgada, mas jamais prejudicados). Esse posicionamento consta de obra coletiva coordenada por Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes (Código Civil..., 2004, p. 552).

O segundo posicionamento,é apontado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, que defendem dois caminhos que podem ser percorridos em casos tais (Novo curso..., 2003, p. 81).

a)  se o magistrado não acolher a defesa e se esta não for de natureza pessoal, o julgamento beneficiará a todos os demais credores;

b)  se o magistrado não acolher a defesa e se esta for de natureza pessoal, o julgamento não interferirá no direito dos demais credores.

Apesar desses dois entendimentos, surge na doutrina processualista uma outra posição, que sustenta que a parte final do art. 274 do CC não tem sentido. Isso porque a referida exceção pessoal não existiria a favor do credor, mas somente em relação ao devedor. Nesse sentido, comenta Fredie Didier Jr. que “O julgamento favorável ao credor não pode estar fundado em exceção pessoal, alegação da defesa que é; se assim fosse, a decisão seria desfavorável e, por força da primeira parte do art. 274, não estenderia seus efeitos aos demais credores. Em resumo: não há julgamento favorável fundado em exceção pessoal; quando se acolhe a defesa, julga-se desfavoravelmente o pedido. A parte final do art. 274, se interpretada literalmente, não faz sentido” (Regras..., 2004, p. 76). Também da doutrina processual, entende de forma muito similar José Carlos Barbosa Moreira (Solidariedade..., AASP, 2005, p. 69).

Diante desse problema, o processualista baiano primeiramente citado apresenta a seguinte solução para o dispositivo: “a) se um dos credores vai a juízo e perde, qualquer que seja o motivo (acolhimento de exceção comum ou pessoal), essa decisão não tem eficácia em relação aos demais credores; b) se o credor vai a juízo e ganha, essa decisão beneficiará os demais credores, salvo se o(s) devedor(es) tiver(em) exceção pessoal que possa ser oposta a outro credor não participante do processo, pois, em relação àquele que promoveu a demanda, o(s) devedor(es) nada mais pode(m) opor (art. 474 do CPC)” (Regras..., 2004, p. 76). Depois de muito refletir sobre o complexo assunto, este autor está inclinado a entender da mesma forma que o processualista citado.

Também para esclarecer o teor do art. 274 do CPC, na IV Jornada de Direito Civil, José Fernando Simão apresentou proposta de enunciado, com o seguinte teor: “O julgamento favorável a um dos credores solidários aproveita aos demais, sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um dos cocredores. Como o devedor só pôde opor ao credor solidário demandante as exceções que lhe eram pessoais, poderá oportunamente opor aos demais cocredores as respectivas exceções pessoais”. Todavia, por falta de tempo, a proposta, que trazia interessante solução interpretativa, não foi votada.

A encerrar a presente análise, é didático relembrar os dispositivos que relacionam a prescrição com a obrigação solidária ativa, comentados no Volume 1 desta coleção.

Primeiro, prescreve o art. 201 do CC que, uma vez suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, esse efeito só aproveitará aos outros se a obrigação for indivisível. Exemplificando, ocorrendo a suspensão diante do fato de um credor estar fora do País servindo às Forças Armadas (art. 198, III, do CC), tal suspensão não beneficiará os demais credores solidários.

Segundo, o art. 204 do CC determina que a interrupção efetivada por um credor não aproveita aos outros, salvo se a obrigação for solidária ativa (§ 1.º). A título de exemplo, se um credor protesta o título em cartório a interrupção da prescrição aproveitará aos demais credores solidários.

2.3.3.3 Da obrigação solidária passiva (arts. 275 a 285 do CC)

O que identifica a obrigação solidária passiva é o fato de o credor ter o direito de exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum (art. 275 do CC). Pelo mesmo comando legal, se o pagamento ocorrer de forma parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto do valor devido.

O principal efeito decorrente da obrigação solidária passiva é que o credor (ou os credores) pode (ou podem) cobrar o cumprimento da obrigação de qualquer um dos devedores como se todos fossem um só devedor. Na espécie, há uma opção de o credor cobrar um, vários ou todos os devedores, de acordo com a sua vontade (opção de demanda).

Caso ocorra pagamento parcial da dívida, todos os devedores restantes, após se descontar a parte de quem pagou, continuam responsáveis pela dívida inteira. Assim sendo, ocorrendo o pagamento parcial, mesmo aquele que fez tal pagamento poderá ser demandado. Dentro dessa ideia, na IV Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 348 do CJF/STJ, preconizando que “O pagamento parcial não implica, por si só, renúncia à solidariedade, a qual deve derivar dos termos expressos da quitação ou, inequivocadamente, das circunstâncias do recebimento da prestação pelo credor”. Os autores do enunciado foram os Professores Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, expoentes da escola do Direito Civil Constitucional.

Esquematizando, imagine-se um caso em que há um credor A e três devedores B, C e D, sendo a dívida de R$ 30.000,00. Se B paga R$ 5.000,00, poderá ainda ser demandado nos R$ 25.000,00 restantes, o que não exclui, por lógico, C e D.

Isso porque, na estrutura da obrigação, percebe-se um não fracionamento na relação entre credores e devedores (relação externa), e um fracionamento na relação dos devedores entre si (relação interna). Com a análise de algumas regras a seguir, ficará mais clara tal constatação. Entretanto, deve ficar claro, mais uma vez, que estamos utilizando a expressão fracionamento somente para fins didáticos. Por certo que a obrigação solidária passiva não se confunde com a obrigação indivisível, como será exposto de forma detalhada.

A solidariedade passiva, mais comum na prática do que a solidariedade ativa, também pode ter origem legal, como é a hipótese dos locatários de imóvel urbano (art. 2.º da Lei 8.245/1991) e dos comodatários (art. 585 do CC); ou convencional, mediante acordo entre as partes.

Pela natureza da obrigação solidária passiva, se for proposta a ação somente contra um ou alguns devedores, não haverá renúncia à solidariedade (art. 275, parágrafo único, do CC). O dispositivo afasta expressamente a aplicação da tese da supressio, que é relacionada ao princípio da boa-fé objetiva e à teoria dos atos próprios e que pode ser conceituada como a perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo.

Concretizando muito bem a regra, concluiu o Superior Tribunal de Justiça que o beneficiário do DPVAT – seguro obrigatório –, “pode acionar qualquer seguradora integrante do grupo para receber a complementação da indenização securitária, ainda que o pagamento administrativo feito a menor tenha sido efetuado por seguradora diversa. A jurisprudência do STJ sustenta que as seguradoras integrantes do consórcio do seguro DPVAT são solidariamente responsáveis pelo pagamento das indenizações securitárias, podendo o beneficiário reclamar de qualquer uma delas o que lhe é devido. Aplica-se, no caso, a regra do art. 275, caput e parágrafo único, do CC, segundo a qual o pagamento parcial não exime os demais obrigados solidários quanto ao restante da obrigação, tampouco o recebimento de parte da dívida induz a renúncia da solidariedade pelo credor” (STJ, REsp 1.108.715/PR, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, j. 15.05.2012, publicado no Informativo n. 497).

Como ocorre com a solidariedade ativa, o art. 276 do CC consagra regra específica envolvendo a morte de um dos devedores solidários. No caso de falecimento de um deles cessa a solidariedade em relação aos sucessores do de cujus, eis que os herdeiros somente serão responsáveis até os limites da herança e de seus quinhões correspondentes. A regra não se aplica se a obrigação for indivisível.

A ilustrar, se na mesma situação antes descrita a dívida for de R$ 30.000,00 e se D, um dos três devedores, falecer, deixando dois herdeiros, E e F, cada um destes somente poderá ser cobrado em R$ 5.000,00, metade de R$ 10.000,00, que é quota de D, pois com a morte cessa a solidariedade em relação aos herdeiros. E isso, ainda, até os limites da herança.

Porém, estando um dos herdeiros com o touro reprodutor, sempre mencionado como exemplo de objeto na obrigação indivisível, este deverá entregar o animal, permanecendo a solidariedade.

Também é interessante deixar claro que, de acordo com o art. 276 do CC, todos os herdeiros, reunidos, devem ser considerados como um devedor solidário em relação aos demais codevedores. A parte final do dispositivo legal é interessante para os casos de pagamento feito por um dos devedores, que poderá cobrar dos herdeiros, até os limites da quota do devedor falecido e da herança.

Tanto o pagamento parcial realizado por um dos devedores como o perdão da dívida (remissão) por ele obtida não têm o efeito de atingir os demais devedores (art. 277 do CC). No máximo, caso ocorra o pagamento direto ou indireto, os demais devedores serão beneficiados de forma reflexa, havendo desconto em relação à quota paga ou perdoada.

Dispõe o art. 278 do CC/2002 que “qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre um dos devedores solidários e o credor, não poderá agravar a posição dos outros sem consentimento destes”. Por regra, o que for pactuado entre o credor e um dos devedores solidários não poderá agravar a situação dos demais, seja por cláusula contratual, seja por condição inserida na obrigação, seja ainda por aditivo negocial. Deve ser respeitado o princípio da relatividade dos efeitos contratuais, uma vez que o negócio firmado gera efeitos inter partes, em regra.

Segundo o art. 279 da codificação privada em vigor “Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado”. Diferentemente do que ocorre com a obrigação indivisível, todos os devedores solidários sempre respondem pelo débito, mesmo não havendo descumprimento por parte de um ou de alguns. Assim, a solidariedade quanto ao valor da dívida permanece em todos os casos. Porém, em relação às perdas e danos somente será responsável o devedor que agiu com culpa estrita (imprudência, negligência, imperícia) ou dolo (intenção de descumprimento). Esta é uma das mais importantes regras da teoria geral das obrigações.

A título de exemplificação, caso um imóvel que seja locado a dois devedores tenha um débito em aberto de dez mil reais, o locador poderá cobrá-lo de qualquer um, de acordo com a sua vontade. Mas se um dos locatários causou um incêndio no imóvel, gerando prejuízo de cinquenta mil reais, apenas este responderá perante o sujeito ativo da obrigação, além do valor da dívida, por lógico. A dívida locatícia em aberto continua podendo ser cobrada de qualquer um dos devedores solidários.

Em complemento, o art. 280 do Código Civil enuncia que todos os devedores respondem pelos juros moratórios decorrentes do inadimplemento, mesmo que a ação para cobrança do valor da obrigação tenha sido proposta em face de somente um dos codevedores. Porém, no tocante à obrigação acrescida, como é o caso dos juros decorrentes do ilícito extracontratual (responsabilidade aquiliana, baseada no art. 186 do CC), responde apenas aquele que agiu com culpa genérica (que inclui o dolo e a culpa estrita). Esta última conclusão pode ser aplicada no caso do incêndio antes relatado.

Na solidariedade passiva, o devedor demandado poderá opor contra o credor as defesas que lhe forem pessoais e aquelas comuns a todos, tais como pagamento parcial ou total e a prescrição da dívida (art. 281 do CC). Mas esse devedor demandado não poderá opor as exceções pessoais a que outro codevedor tem direito, eis que estas são personalíssimas, como se pode aduzir pelo próprio nome da defesa em questão. É o caso dos vícios da vontade ou das incapacidades em geral, conforme já comentado.

O Código Civil de 2002 continua admitindo a renúncia à solidariedade, de forma parcial (a favor de um devedor) ou total (a favor de todos os codevedores), no seu art. 282, caput (“O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores”). A expressão renúncia à solidariedade pode ser utilizada como sinônima de exoneração da solidariedade.

Como é notório, a renúncia é um ato jurídico stricto sensu, pelo qual o sujeito ativo de um direito dele abre mão, de forma expressa, sem a necessidade de aceitação expressa ou tácita da outra parte. Nesse ponto, a renúncia diferencia-se da remissão de dívidas, estudada entre os arts. 385 a 388 da codificação novel.

Mas a renúncia à solidariedade também se diferencia da remissão quanto aos efeitos, conforme reconhece o Enunciado n. 350 do CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, cuja redação é a seguinte: “A renúncia à solidariedade diferencia-se da remissão, em que o devedor fica inteiramente liberado do vínculo obrigacional, inclusive no que tange ao rateio da quota do eventual codevedor insolvente, nos termos do art. 284”.

Com o fim de demonstrar o teor do enunciado, se A é o credor de uma dívida de R$ 30.000,00, havendo três devedores solidários B, C e D, e renuncia à solidariedade em relação a B, este estará exonerado da solidariedade, mas continua sendo responsável por R$ 10.000,00. Quanto aos demais devedores, por óbvio, continuam respondendo solidariamente pela dívida.

Pois bem, para complementar, o parágrafo único do art. 282 do CC tem nova redação se comparada com a previsão do parágrafo único do art. 912 do CC/1916, seu correspondente. As diferenças constam do esquema abaixo:

Art. 282. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores.
Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores, subsistirá a dos demais.

Art. 912. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, alguns ou todos os devedores.
Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores, aos outros só lhe ficará o direito de acionar, abatendo no débito a parte correspondente aos devedores, cuja obrigação remitiu (art. 914).

Como se percebe, o Código Civil atual não menciona mais que haverá abatimento da parte correspondente aos devedores que foram perdoados, eis que a previsão é desnecessária, por se tratar de regra implícita, retirada do art. 284 da atual codificação (correspondente ao art. 914 do CC/1916). Nesse sentido, Maria Helena Diniz continua entendendo que “ao credor, para que se possa demandar os codevedores solidários remanescentes, cumprirá abater no débito o quantum alusivo à parte devida pelo que foi liberado da solidariedade” (DINIZ, Maria Helena. Código Civil..., 2005, p. 307).

Contudo, na doutrina contemporânea, há posição em sentido contrário, de Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado, que lecionam: “a inovação está no parágrafo único. Pelo sistema do Código de 1916, se o credor exonerasse da solidariedade um ou mais devedores, só poderia acionar os demais, abatendo no débito a parte dos que foram exonerados. Agora, mesmo exonerando um ou mais devedores, poderá o credor acionar os demais devedores pela integralidade da dívida, sem a necessidade de abatimento. Nada obsta, por óbvio, que aqueles que vierem a pagar sozinhos a dívida por inteiro cobrem, posteriormente, as quotas daqueles que foram exonerados” (Código Civil..., 2005, p. 170).

A questão é polêmica. Todavia, filia-se à primeira corrente, defendida por Maria Helena Diniz, que é mais justa e em sintonia com a vedação do enriquecimento sem causa. Também alinhada a essa corrente estava a maioria dos juristas que participaram da IV Jornada de Direito Civil, com a aprovação do Enunciado n. 349 do CJF/STJ: “Com a renúncia da solidariedade quanto a apenas um dos devedores solidários, o credor só poderá cobrar do beneficiado a sua quota na dívida; permanecendo a solidariedade quanto aos demais devedores, abatida do débito a parte correspondente aos beneficiados pela renúncia”. O proponente do enunciado foi José Fernando Simão, professor da Faculdade de Direito da USP.

Ilustrando com a conclusão pelo abatimento, no exemplo por último apontado, em que a dívida era de R$ 30.000,00, em havendo três devedores, ocorrendo a renúncia parcial da solidariedade, por parte do credor (A), em relação a um dos devedores (B), os demais somente, C e D, serão cobrados em R$ 20.000,00, permanecendo em relação a eles a solidariedade.

Destaque-se que tal forma de pensar tem aplicação reiterada em nossa jurisprudência, podendo-se colacionar: “Exoneração da cobrança de um ou mais devedores. Hipótese em que subsiste responsabilidade do devedor remanescente. Artigo 282, parágrafo único, do Código Civil. Escritura de cessão de crédito em que constou expressamente o termo ‘renúncia ao crédito’. Reconhecida a renúncia ao crédito em relação aos demais coobrigados que implica em renúncia à solidariedade. Permissão de cobrança do devedor remanescente no valor da cessão. Recurso parcialmente provido para tal fim” (TJSP, Agravo 7264600-5, Acórdão 3299488, Monte Aprazível, Décima Terceira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Heraldo de Oliveira, j. 1º.10.2008, DJESP 06.11.2008).

A encerrar o estudo do art. 282 do CC, na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado um último enunciado, prevendo efeitos processuais do dispositivo. Trata-se do Enunciado n. 351 do CJF/STJ, de autoria de Glauco Gumerato Ramos, pelo qual “A renúncia à solidariedade em favor de determinado devedor afasta a hipótese de seu chamamento ao processo”. O enunciado tem conteúdo bem interessante, de diálogo entre o Direito Civil e o Direito Processual, sendo certo que o chamamento ao processo é efeito decorrente da solidariedade, nos termos do art. 77, III, do CPC (“Art. 77. É admissível o chamamento ao processo: ... III – de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum”). Em relação àquele que foi exonerado da responsabilidade, portanto, não caberá o chamamento ao processo.

O art. 283 do CC deve ser transcrito, por envolver várias questões práticas e de relevo:

“Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos codevedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os codevedores”.

Pelo tom da norma, o Código Civil possibilita a ação de regresso por parte do devedor solidário que paga a dívida dos demais. Assim, percebe-se que o pagamento da dívida faz com que esta perca o caráter de não fracionamento existente na relação entre devedores e credor ou credores (relação externa), outrora comentada.

O devedor que paga a dívida poderá cobrar somente a quota dos demais, ocorrendo sub-rogação legal, nos termos do art. 346, III, do Código Civil atual. Para exemplificar, A é credor de B, C e D, devedores solidários, por uma dívida de R$ 30.000,00. Se B paga a mesma integralmente, poderá cobrar de C e D somente R$ 10.000,00 de cada um, valor correspondente às suas quotas (totalizando R$ 20.000,00).

Na situação descrita, havendo declaração de insolvência de um dos devedores, a sua quota deverá ser dividida proporcionalmente entre os devedores restantes. Eventualmente, tal regra pode ser afastada, de acordo com o instrumento obrigacional, interpretação esta que pode ser retirada da parte final do art. 283 do CC, que constitui um preceito de ordem privada. Essa divisão proporcional constitui, portanto, uma presunção relativa (iuris tantum), que admite prova e previsão em contrário.

Frise-se que o antigo Projeto de Lei 6.960/2002, atual PL 699/2011, propõe alteração do art. 283 do atual Código, que passaria a ter a seguinte redação, mais detalhada, nos seguintes termos: “O devedor que satisfez a dívida tem direito a exigir de cada um dos codevedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os codevedores”.

Não há como concordar com o veto do Deputado Vicente Arruda, eis que a proposta visa a afastar a dúvida sobre se o devedor que paga a dívida de forma parcial teria o aludido direito de regresso. De qualquer maneira, cumpre transcrever as razões do veto: “É de ser mantido o texto original, pois se trata de obrigação solidária passiva em que um dos devedores quita dívida inteira e se sub-roga nos direitos do credor, dividindo-se por todos a quota do insolvente. A hipótese de pagamento parcial já está prevista nos arts. 275 e 277. De resto, a retirada da expressão ‘por inteiro’, como pretende o PL, sem a inclusão da palavra ‘parcial’, determina que o pagamento da dívida ainda continua sendo total. Para atender o que pretende o PL teríamos de substituir a expressão ‘por inteiro’ por ‘total ou parcialmente’. Mas, como se viu, o pagamento parcial é objeto dos arts. 275 e 277. Pela rejeição”.

Em suma, este autor está filiado ao entendimento pelo qual o dispositivo pode e deve ser aplicado aos casos de pagamento parcial.

Prevê o art. 284 do CC que, no caso de rateio entre os codevedores, contribuirão também os exonerados da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente. O Enunciado n. 350 do CJF/STJ, aqui transcrito, complementa o dispositivo, diferenciando a renúncia à solidariedade da remissão de dívidas quanto aos efeitos jurídicos.

Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que a pagar (art. 285 do CC). Em outras palavras, o interessado direto pela dívida responde integralmente por ela. Verificando a aplicação desse comando legal, caso um fiador pague a dívida de um locatário, devedor principal, poderá cobrar dele todo o montante da obrigação, pela aplicação do comando legal em questão. Já se o fiador paga toda a dívida de outro fiador, poderá aquele exigir somente a metade da mesma, eis que são devedores da mesma classe. Essa última conclusão, aliás, decorre da interpretação dos arts. 829, parágrafo único, e 831, ambos do CC. Para fins didáticos, vale transcrever o último dispositivo citado: “Art. 831. O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota”.

Conforme antes exposto quando dos comentários sobre a obrigação solidária ativa, relembre-se o que consta do art. 204 do CC, relacionado com a interrupção da prescrição. Essa interrupção, como regra geral, não poderá prejudicar os demais devedores e seus herdeiros, a não ser que a obrigação seja solidária. Entretanto, a interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, a não ser no caso de uma obrigação indivisível (art. 204, § 2.º, do CC). Anote-se, também, que a interrupção da prescrição produzida contra o devedor principal prejudica o fiador (art. 204, § 3.º, do CC).

2.3.3.4 Da obrigação solidária mista ou recíproca

Havendo, ao mesmo tempo, pluralidade de credores e devedores, todos solidários entre si, estará caracterizada a obrigação solidária mista ou recíproca, também denominada obrigação solidária complexa.

Essa obrigação pode ter origem convencional, o que ocorre na maioria das vezes. Entretanto, pode ter também origem legal, o que acontece nos casos envolvendo vários locadores e locatários de imóvel urbano, pela previsão que consta do art. 2.º da Lei 8.245/1991.

Em casos tais, devem ser aplicadas, ao mesmo tempo, todas as regras que foram vistas para as obrigações solidárias ativa e passiva, uma vez que o Código Civil em vigor não trata especificamente dessa obrigação mista, que constitui construção doutrinária.

2.4 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DIVISIBILIDADE (OU INDIVISIBILIDADE) DO OBJETO OBRIGACIONAL

A classificação da obrigação quanto à divisibilidade (ou indivisibilidade) leva em conta o seu conteúdo, ou seja, a unicidade da prestação. Conforme aponta com unanimidade a doutrina, tal classificação só interessa se houver pluralidade de credores ou de devedores (obrigações compostas subjetivas). As regras quanto à obrigação divisível e indivisível constam entre os arts. 257 a 263 do CC. Antes de tudo, vejamos os seus conceitos:

a)  Obrigação divisível: é aquela que pode ser cumprida de forma fracionada, ou seja, em partes.

b)  Obrigação indivisível: é aquela que não admite fracionamento quanto ao cumprimento.

Inicialmente, prevê o art. 257 do CC que havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta se presume dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quanto os credores e devedores. A obrigação divisível continua merecendo o mesmo tratamento civil anterior, devendo ser esta fracionada em tantas obrigações quantos forem os credores e devedores, de forma igualitária e independente. A divisão dessa forma constitui uma presunção relativa (iuris tantum), que admite regra ou prova em contrário, consagração da regra cuncursu partes fiunt, segundo a qual os sujeitos obrigacionais não terão direitos ou serão obrigados além da parte material da prestação assumida.

A ilustrar, se presentes três devedores da obrigação divisível de entregar 120 sacas de soja em relação a um único credor, aplicando-se a presunção relativa de divisão igualitária, cada devedor deverá entregar 40 sacas. Eventualmente, o instrumento obrigacional pode trazer uma divisão distinta e não igualitária, pois o art. 257 do CC é norma de ordem privada.

No que concerne à obrigação indivisível, o conceito do art. 258 do CC está em total sintonia com a operabilidade, no sentido de facilitação do Direito Privado. Por esse dispositivo, a obrigação indivisível é aquela que não pode ser fracionada, tendo por objeto uma coisa ou um fato insuscetível de divisão, em decorrência da sua natureza, por razões econômicas ou por algum motivo determinante do negócio jurídico e do contrato.

A indivisibilidade pode ser, assim, natural (decorrente da natureza da prestação), legal (decorrente de imposição da norma jurídica) ou convencional (pela vontade das partes da relação obrigacional). Na maioria das vezes, a indivisibilidade é econômica, pois a deterioração da coisa ou tarefa pode gerar a sua desvalorização, tendo origem na autonomia privada dos envolvidos na relação obrigacional. Como exemplo dessa desvalorização econômica, pode ser citada a obrigação que tem como objeto um diamante de 50 quilates, cuja divisão em pequenas pedras terá um valor bem inferior ao da pedra inteira.

Lembre-se de que as obrigações de dar podem ser divisíveis ou indivisíveis, o mesmo ocorrendo em relação às obrigações de fazer. Por sua natureza infungível e personalíssima, as obrigações de não fazer são quase sempre indivisíveis.

Nessa obrigação indivisível, se houver dois ou mais devedores, incide a presunção relativa (iuris tantum), segundo a qual todos os sujeitos passivos da obrigação são responsáveis pela dívida de forma integral (art. 259 do CC). A diferença inicial entre a obrigação indivisível e a obrigação solidária passiva é que a primeira tem a sua origem na natureza da coisa, tarefa ou negócio, enquanto a segunda surge em decorrência de previsão em lei ou contrato (art. 265 do CC).

No caso de uma obrigação indivisível com pluralidade de devedores, aquele que paga a dívida ou cumpre a obrigação se sub-roga nos direitos do credor (art. 259, parágrafo único, do CC). Trata-se de sub-rogação legal, automática ou pleno iure, enquadrada no art. 346, III, do Código atual – terceiro interessado que poderia ser responsável pela dívida, no todo ou em parte.

A título de exemplo, imagine-se que há um credor (A) e três devedores (B, C e D), que devem entregar um touro reprodutor, exemplo típico de objeto indivisível, cujo valor é R$ 30.000,00. Se B entrega o touro, poderá exigir, em sub-rogação, R$ 10.000,00 de cada um dos demais devedores, ou seja, as suas quotas partes correspondentes (DINIZ, Maria Helena. Código Civil..., 2005, p. 294).

Em caso de pluralidade de credores na obrigação indivisível, há uma regra específica que merece comentários aprofundados, o art. 260 do CC atual. Nesta situação, se houver vários credores, o devedor (ou os devedores) somente se desonera (ou desoneram) da obrigação caso:

a)  Paguem ou cumpram a obrigação em relação a todos os credores de forma conjunta. Exemplificando, como faz a maioria da doutrina, sendo um touro reprodutor o objeto da obrigação, o(os) devedor(es) deverá(ão) convocar todos os credores para a entrega da coisa.

b)  Cumpram a obrigação em relação a um dos credores, exigindo deste a correspondente caução de ratificação, ou garantia pela qual o credor que recebe a prestação confirma que repassará o correspondente a que os demais credores têm direito.

Este autor segue o posicionamento segundo o qual essa garantia (caução de ratificação ou confirmação) deverá ser celebrada por escrito, datada e assinada pelas partes, com firmas reconhecidas. Para dar maior certeza e segurança, o documento pode até ser registrado em cartório de títulos e documentos, tudo isso em respeito ao princípio da eticidade e da boa-fé objetiva, que valoriza a conduta de lealdade dos participantes obrigacionais. Após o repasse aos demais credores, a garantia poderá ser levantada. O bem dado em garantia, também visando maior certeza e segurança, deverá ter valor próximo ao valor da obrigação. Trata-se, em suma, de uma garantia real.

Ainda no caso de uma obrigação indivisível, se houver pluralidade de credores e somente um deles receber a prestação de forma integral, os demais poderão pleitear a parte da obrigação a que têm direito, em dinheiro (art. 261 do CC). No caso do exemplo do touro reprodutor antes citado, se este valer trinta mil reais e um dos três credores receber o animal por inteiro, os outros dois sujeitos obrigacionais ativos poderão pleitear cada qual sua quota, ou seja, dez mil reais, daquele que o recebeu.

A remissão, que é o perdão de dívida feito por um credor e aceito pelo devedor, é uma forma de pagamento indireto, um negócio jurídico personalíssimo (arts. 385 a 388 do CC). Assim, se um dos credores perdoar a dívida numa obrigação indivisível, as frações dos demais permanecerão exigíveis, não sendo atingidas pelo perdão (art. 262, caput, do CC).

Mas, em tais casos, os credores restantes somente poderão exigir as suas quotas correspondentes. Para elucidar a prática, A, B e C são credores de D quanto à entrega do famoso touro reprodutor, que vale R$ 30.000,00. A perdoa (remite) a sua parte na dívida, correspondente a R$ 10.000,00. B e C podem ainda exigir o touro reprodutor, desde que paguem a D os R$ 10.000,00 que foram perdoados.

O antigo Projeto de Lei 6.960/2002, atual PL 699/2011, propõe alterar esse dispositivo legal, que passaria a ter a seguinte redação: “Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir, reembolsando o devedor pela quota do credor remitente”. Essa alteração traria uma redação melhor, inclusive de acordo com o exemplo proposto. A proposta foi inicialmente acatada pelo Deputado Vicente Arruda, relator nomeado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, nos seguintes termos: “Não há dúvida de que o artigo trata de obrigação indivisível, pois se fosse divisível, aplicar-se-ia o disposto no art. 257. Neste caso não há que se falar em descontar a cota do credor remitente, mas de reembolsar o devedor das cotas do credor remitente. Pela aprovação”.

A regra prevista para o perdão no caput do art. 262 do CC também deve ser aplicada à transação (agora tratada como contrato típico, pelo qual se extingue uma obrigação por concessões recíprocas), à novação (forma de pagamento indireto por meio da qual se substitui uma obrigação por outra), à compensação (pagamento indireto, extinção de dívidas recíprocas até o ponto em que se encontrarem)  e à confusão (quando houver identidade entre credor e devedor na mesma pessoa, outra forma de pagamento indireto). Isso consta do parágrafo único do art. 262.

No art. 263, caput, do CC reside a principal diferença, na opinião deste autor, entre a obrigação indivisível e a obrigação solidária. Conforme o comando em análise, a obrigação indivisível perde seu caráter se convertida em obrigação de pagar perdas e danos, que é uma obrigação de dar divisível. Por outra via, a obrigação solidária, tanto ativa quanto passiva, conforme demonstrado oportunamente, não perde sua natureza se convertida em perdas e danos.

Inicialmente, caso haja culpa lato sensu por parte de todos os devedores no caso de descumprimento da obrigação indivisível, todos responderão em partes ou frações iguais, pela aplicação direta do princípio da proporcionalidade, devendo o magistrado apreciar a questão sob o critério da equidade (art. 263, § 1.º, do CC).

Porém, se houver culpa por parte de um dos devedores, somente este responderá por perdas e danos, bem como pelo valor da obrigação (art. 263, § 2.º, do CC). Entendemos que a exoneração mencionada no parágrafo em análise é total, eis que atinge tanto a obrigação em si quanto a indenização suplementar. Segue-se, portanto, a opinião de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, que lecionam: “Se somente um dos devedores for culpado pelo descumprimento da prestação indivisível, a deflagração do dever de indenizar a tal devedor se limita. Por expressa disposição do art. 263, § 2.º, credor ou credores nada podem exigir dos devedores não culpados, que ficam exonerados do vínculo obrigacional. A solução, aqui sim, é irrepreensível, por restringir a responsabilidade pelo inadimplemento obrigacional a quem culposamente lhe deu causa” (Código Civil..., 2008, p. 108).

Mas a questão não é tão pacífica assim, pois há quem entenda que, havendo culpa de um dos devedores na obrigação indivisível, aqueles que não foram culpados continuam respondendo pelo valor da obrigação; mas pelas perdas e danos só responde o culpado. Nesse sentido entende Álvaro Villaça Azevedo, nos seguintes termos:

“Entretanto, a culpa é meramente pessoal, respondendo por perdas e danos só o culpado, daí o preceito do art. 263, que trata da perda da indivisibilidade das obrigações deste tipo, que se resolvem em perdas e danos, mencionando que, se todos os devedores se houverem por culpa, todos responderão em partes iguais (§ 1.º), e que, se só um for culpado, só ele ficará responsável pelo prejuízo, restando dessa responsabilidade exonerados os demais, não culpados. Veja-se bem! Exonerados, tão somente, das perdas e danos, não do pagamento de suas cotas” (Teoria..., 2004, p. 94).

No mesmo sentido, opina José Fernando Simão, que fez proposta de enunciado doutrinário na VI Jornada de Direito Civil (2013), assim aprovado: “havendo perecimento do objeto da prestação indivisível por culpa de apenas um dos devedores, todos respondem, de maneira divisível, pelo equivalente e só o culpado, pelas perdas e danos” (Enunciado n. 540, CJF/STJ). Para amparar suas justificativas, o jurista cita, além de Álvaro Villaça Azevedo, as lições de Maria Helena Diniz, Sílvio de Salvo Venosa, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias.

Esclarecendo, a razão pela qual se filia ao primeiro posicionamento é que dentro do conceito de perdas e danos – nos termos do art. 402 do CC – está o valor da coisa percebida, concebido como dano emergente, pois o aludido comando legal fala em “do que ele efetivamente perdeu”. Desse modo, no exemplo citado, havendo culpa de um dos devedores pela perda do animal (touro reprodutor), responderá o culpado pelo valor da coisa (a título de dano emergente) e eventuais lucros cessantes que foram provados pelo prejudicado. Os demais devedores nada deverão pagar.

Aliás, igual regra não existe na obrigação solidária passiva. Conforme o art. 279 do atual Código Civil, mesmo se houver culpa de somente um dos devedores, todos serão responsáveis pela obrigação, somente respondendo pelas perdas e danos o responsável culposo ou doloso. Seguindo a corrente adotada, haverá uma diferença substancial e maior entre a obrigação indivisível e a solidária passiva. A diferença também existe se for adotado o posicionamento encabeçado por Álvaro Villaça Azevedo, eis que os devedores não culpados apenas respondem proporcionalmente. Entretanto, a diferença, adotando-se essa corrente, tem menor amplitude. Mais uma justificativa para continuar a seguir o entendimento de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, mesmo com a aprovação do Enunciado n. 540, na VI Jornada de Direito Civil. Repise-se que a questão é controvertida, típica das grandes discussões contemporâneas do Direito Privado.

Encerrando o assunto e visando a facilitação didática, o quadro a seguir traz as diferenciações entre as obrigações solidárias e as obrigações indivisíveis. As duas primeiras diferenças servem tanto para a solidariedade ativa quanto para a passiva. A terceira diferença apenas se aplica à última, desde que adotado o posicionamento de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber quanto à culpa de apenas um dos devedores.

Obrigação Solidária

Obrigação Indivisível

A solidariedade tem origem pessoal/subjetiva e decorre da lei ou de acordo das partes.

A indivisibilidade tem origem objetiva, da natureza do objeto da prestação.

Diferença aplicável tanto para a solidariedade ativa quanto passiva.

Convertida em perdas e danos, é mantida a solidariedade.

Convertida em perdas e danos, é extinta a indivisibilidade.

Diferença aplicável tanto para a solidariedade ativa quanto passiva.

Com a referida conversão, havendo culpa de apenas um dos devedores, todos continuam responsáveis pela dívida. Pelas perdas e danos, somente responde o culpado (art. 279 do CC).

Com a conversão em perdas e danos, havendo culpa de apenas um dos devedores, ficarão exonerados totalmente os demais (art. 263, § 2.º, do CC) – entendimento de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber.

Diferença relacionada apenas com a solidariedade passiva.

2.5 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO CONTEÚDO

De grande interesse prático é a classificação das obrigações quanto ao conteúdo em obrigação de meio, de resultado e de garantia. Essa classificação não consta do Código Civil, mas é apontada pela doutrina e pela jurisprudência. Tem origem no trabalho de Demogue, tendo sido transposta para o Direito Civil Brasileiro clássico, entre outros, por Washington de Barros Monteiro (Curso..., 2003, p. 56).

A obrigação de meio ou de diligência é aquela em que o devedor só é obrigado a empenhar-se para perseguir um resultado, mesmo que este não seja alcançado. Aqueles que assumem obrigação de meio só respondem se provada a sua culpa genérica (dolo ou culpa estrita – imprudência, negligência ou imperícia). Por conseguinte, haverá responsabilidade civil subjetiva daquele que assumiu tal obrigação. Assumem obrigação de meio os profissionais liberais em geral, caso do advogado em relação ao cliente e do médico em relação ao paciente, entre outros. A responsabilidade dos profissionais liberais é subjetiva em virtude da previsão do art. 14, § 4.º, da Lei 8.078/1990, que institui o Código de Defesa do Consumidor. O mesmo é previsto para os profissionais da área da saúde, conforme o art. 951 do CC.

Por outra via, na obrigação de resultado ou de fim, a prestação só é cumprida com a obtenção de um resultado, geralmente oferecido pelo devedor previamente. Aqueles que assumem obrigação de resultado respondem independentemente de culpa (responsabilidade civil objetiva) ou por culpa presumida, conforme já entendiam doutrina e jurisprudência muito antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Assumem obrigação de resultado o transportador, o médico cirurgião plástico estético e o dentista estético.

Quanto aos três casos, pela ordem, vejamos dois julgados a respeito do transportador, que assume obrigação de resultado pela cláusula de incolumidade, ou seja, pelo dever de levar o passageiro ou a coisa até o destino com segurança:

“Apelação cível. Responsabilidade civil. Acidente. Coletivo. Passageiro. Dano moral e material. O contrato de transporte caracteriza uma obrigação de resultado, no qual se encontra a cláusula de incolumidade, que estabelece o dever elementar do transportador pela segurança do passageiro. É cabível a verba a título de dano moral, que deve guardar relação com o dano e a dor sofrida pela vítima. Tem-se que ela deve ser arbitrada em limites razoáveis, não parcimoniosos, nem excessivos, de acordo com o bom senso que deve orientar o julgador, levando-se em consideração a condição socioeconômica da vítima, assim como a capacidade do ofensor, a natureza e a extensão do dano. Evita-se, com essas lições, que a indenização se torne fonte de lucro fácil ou estimule a novas condutas lesivas. A reparação desse tipo de dano tem tríplice caráter: Punitivo, indenizatório e educativo, como forma de desestimular a reiteração do ato danoso. Apelação 1: Desprovimento. Apelação 2. Provimento parcial” (TJRJ, Apelação 2009.001.11646, 18.ª Câmara Cível, Rel. Des. Pedro Freire Raguenet, j. 02.06.2009, DORJ 08.06.2009, p. 237).

“Ação de indenização – Acidente de trânsito – Empresa de transporte coletivo – Responsabilidade objetiva – Cláusula de incolumidade – Obrigação de indenizar evidenciada. Por ser objetiva a responsabilidade afeta ao transporte coletivo de passageiros – CF e CDC – agregada ao fato de ser obrigação de resultado e, ainda, em face da cláusula de incolumidade ínsita ao contrato de transporte, o transportador somente se eximirá se provar que o evento danoso deveu-se a caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima – hipóteses taxativamente expressas no art. 17, Dec. 2.181/1912 – não havendo qualquer previsão legal quanto à excludente por fato de terceiro. Considerando-se que acidentes de trânsito são riscos inerentes à atividade daquele que se propõe a realizar o transporte de passageiros, resta caracterizado o caso fortuito interno que não elide a obrigação de indenizar a vítima e eventuais terceiros prejudicados pelos danos sofridos. Recurso parcialmente provido” (TAMG, Acórdão: 0361553-4, Apelação (Cv) Cível, Ano: 2002, Comarca: Belo Horizonte/Siscon, Órgão Julg.: Segunda Câmara Cível, Relator: Juiz Alberto Vilas Boas, Data Julg.: 27.08.2002, Dados Publ.: Não publicado, Decisão: Unânime).

No que concerne ao médico cirurgião plástico estético, vejamos, do mesmo modo, duas ementas:

“Agravo regimental no recurso especial. Ação de indenização. Cirurgia plástica do abdômen. Recurso que deixa de impugnar especificamente todos os fundamentos da decisão agravada. Incidência, por analogia, da Súmula 182 do STJ. Precedentes. Decisão que merece ser mantida na íntegra por seus próprios fundamentos. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. O STJ tem entendimento firmado no sentido de que quando o médico se compromete com o paciente a alcançar um determinado resultado, o que ocorre no caso da cirurgia plástica meramente estética, o que se tem é uma obrigação de resultados e não de meios. Recurso infundado. Aplicação da multa prevista no artigo 557, § 2.º, do CPC. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no REsp 846.270/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 22.06.2010, DJe 30.06.2010).

“Cirurgia plástica cosmetológica – Obrigação de resultado. Quando a mulher se submete a uma operação plástica de rejuvenescimento facial, resultado que se obtém com suspensão das pálpebras e alongamento das bochechas, o médico, e, no caso, os seus sucessores ‘causa mortis’, são responsáveis pelos danos materiais e morais decorrentes da adversidade imposta pela imperfeição dessa obra médica, ainda que adotadas todas as técnicas recomendáveis – Não provimento dos recursos” (TJSP, Apelação Cível 132.990-4/0-São Paulo, 3.ª Câmara de Direito Privado de Férias Janeiro/2003, Relator: Ênio Santarelli Zuliani, 18.03.2003, v.u.).

Por fim, no que concerne ao dentista estético:

“Responsabilidade civil. Dano estético. Implantação de prótese. Embora se possa afirmar que se trata de obrigação de resultado, com inversão do ônus da prova, por ter sido o serviço prestado por uma sociedade de dentistas (artigos 6.º, III, e 14, da Lei 8.078/1990), faz-se mister a prova de prejuízo estético para que se possa acolher o pedido indenizatório formulado pelo cliente insatisfeito. Perícia que exclui déficit estético com a nova prótese. Recurso improvido” (TJSP, Apelação Cível 205.052-4/6-00, Ribeirão Preto, 4.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 02.02.2006).

“Indenização – Danos material e moral – Prestação de serviço – Tratamento odontológico estético – Implante e prótese – Obrigação de resultado. O contrato de prestação de serviços odontológicos que envolva, exclusivamente, o aspecto e o serviço estético, tal como ocorre in casu, traz em si uma obrigação de resultados. Desta forma, se o tratamento a que a autora foi submetida apresentou-se esteticamente desfavorável, resta cristalina a culpa imputada ao dentista que deve suportar a reparação civil pelos danos suportados pela vítima” (TAMG, Acórdão: 0377927-1, Apelação (Cv) Cível, Ano: 2002, Comarca: Belo Horizonte/Siscon, Órgão Julg.: Quarta Câmara Cível, Relator: Juiz Paulo Cézar Dias, Data Julg.: 11.12.2002, Dados Publ.: Não publicado, Decisão: Unânime).

Anote-se que, mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça aplicou a mesma premissa da obrigação de resultado para o dentista que faz tratamento ortodôntico, enquadrado na obrigação de resultado. Vejamos a publicação no Informativo n. 485 daquele Tribunal Superior:

“Tratamento ortodôntico. Indenização. Cinge-se a questão em saber se o ortodontista se obriga a alcançar o resultado estético e funcional, conforme pactuação firmada com o paciente e, neste caso, se é necessária a comprovação de sua culpa, ou se basta que fique demonstrado não ter sido atingido o objetivo avençado. No caso, a recorrida contratou os serviços do recorrente para a realização de tratamento ortodôntico, objetivando corrigir o desalinhamento de sua arcada dentária e problema de mordida cruzada. Entretanto, em razão do tratamento inadequado a que foi submetida, pois o profissional descumpriu o resultado prometido além de extrair-lhe dois dentes sadios cuja falta veio a lhe causar perda óssea, a recorrida ajuizou ação de indenização cumulada com ressarcimento de valores. Nesse contexto, o Min. Relator destacou que, embora as obrigações contratuais dos profissionais liberais, na maioria das vezes, sejam consideradas como de meio, sendo suficiente que o profissional atue com a diligência e técnica necessárias para obter o resultado esperado, há hipóteses em que o compromisso é com o resultado, tornando-se necessário o alcance do objetivo almejado para que se possa considerar cumprido o contrato. Nesse sentido, ressaltou que, nos procedimentos odontológicos, sobretudo os ortodônticos, os profissionais especializados nessa área, em regra, comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos aos tratamentos de cunho estético e funcional podem ser atingidos com previsibilidade. In casu, consoante as instâncias ordinárias, a recorrida demonstrou que o profissional contratado não alcançou o objetivo prometido, esperado e contratado, pois o tratamento foi equivocado e causou-lhe danos físicos e estéticos, tanto que os dentes extraídos terão que ser recolocados. Assim, como no caso cuidou-se de obrigação de resultado, em que há presunção de culpa do profissional com a consequente inversão do ônus da prova, caberia ao réu demonstrar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu em decorrência de culpa exclusiva da paciente, o que não se efetuou na espécie, a confirmar a devida responsabilização imposta. (...)” (STJ, REsp 1.238.746/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 18.10.2011).

Deve ficar claro que o médico cirurgião plástico reparador assume obrigação de meio ou diligência, somente respondendo se provada a sua culpa. Não está correta a afirmação de o médico cirurgião plástico responder independentemente de culpa. Isso somente ocorre para o médico cirurgião plástico estético. Relativamente ao plástico reparador, interessante transcrever as seguintes decisões:

“Apelação cível. Responsabilidade civil. Erro médico. Cirurgia plástica reparadora. Obrigação de meio. Responsabilidade subjetiva. Não configuração do dever de indenizar. 1. A obrigação decorrente de procedimento cirúrgico plástico reparador é de meio, sendo atribuída ao médico, portanto, nestes casos, responsabilidade civil subjetiva, em atenção ao disposto no artigo 14, § 4.º, do Código de Defesa do Consumidor. 2. Considerando que o procedimento adotado pelo demandado foi correto, e inexistindo elementos probatórios capazes de corroborar a tese da parte autora de que o serviço não tenha sido realizado, pelo contrário, tem-se que o demandado não agiu culposamente ao prestar seus serviços médico-profissionais, afastando-se assim o dever de indenizar” (TJRS, Apelação Cível 70037995644, Sapucaia do Sul, 9.ª Câmara Cível, Rel.ª Des.ª Íris Helena Medeiros Nogueira, j. 15.09.2010, DJERS 24.09.2010).

“Responsabilidade civil – Erro médico – Indenização. Por se tratar de cirurgia reparadora, configurada está a obrigação de meio. Não sendo comprovada a culpa in procedendo do médico, descabida a indenização” (TJRS, Processo 70002711208, Data: 20.12.2001, Quinta Câmara Cível, Rel. Carlos Alberto Bencke, origem Porto Alegre).

Em complemento, entendeu recentemente o Superior Tribunal de Justiça que presente uma obrigação de meio e de resultado ao mesmo tempo (obrigação mista), deve-se fazer uma análise fracionada, para os fins de atribuição da correspondente responsabilidade civil. Colaciona-se a publicação no Informativo n. 484 da Corte Superior:

“Responsabilidade civil. Médico. Cirurgia estética e reparadora. Na espécie, trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada pela recorrida em desfavor dos recorrentes. É que a recorrida, portadora de hipertrofia mamária bilateral, foi submetida à cirurgia para redução dos seios – operação realizada no hospital e pelo médico, ora recorrentes. Ocorre que, após a cirurgia, as mamas ficaram com tamanho desigual, com grosseiras e visíveis cicatrizes, além de ter havido retração do mamilo direito. O acórdão recorrido deixa claro que, no caso, o objetivo da cirurgia não era apenas livrar a paciente de incômodos físicos ligados à postura, mas também de resolver problemas de autoestima relacionados à sua insatisfação com a aparência. Assim, cinge-se a lide a determinar a extensão da obrigação do médico em cirurgia de natureza mista – estética e reparadora. Este Superior Tribunal já se manifestou acerca da relação médico-paciente, concluindo tratar-se de obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de cirurgias estéticas. No entanto, no caso, trata-se de cirurgia de natureza mista – estética e reparadora – em que a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, conforme cada finalidade da intervenção. Numa cirurgia assim, a responsabilidade do médico será de resultado em relação à parte estética da intervenção e de meio em relação à sua parte reparadora. A Turma, com essas e outras considerações, negou provimento ao recurso” (STJ, REsp 1.097.955/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27.09.2011).

Não obstante os julgados transcritos, destaque-se que a relação estabelecida entre a obrigação de resultado e a responsabilidade objetiva está em profundo debate no Direito Brasileiro. Sobre o tema, aliás, consulte-se a obra de Pablo Renteria, fruto de sua dissertação de mestrado defendida na UERJ (RENTERIA, Pablo. Obrigações..., 2011). No sentido de revisão, concluiu o próprio Superior Tribunal de Justiça: “Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia” (STJ, REsp 1.180.815/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 19.08.2010, DJe 26.08.2010).

Em verdade, nota-se certa hesitação jurisprudencial entre a responsabilidade objetiva – sem culpa –, e a responsabilidade subjetiva com culpa presumida, conforme pode-se perceber da leitura de outro julgado daquela Corte Superior, mais recentemente publicado no seu Informativo n. 491: “Nos procedimentos cirúrgicos estéticos, a responsabilidade do médico é subjetiva com presunção de culpa. Esse é o entendimento da Turma que, ao não conhecer do apelo especial, manteve a condenação do recorrente – médico – pelos danos morais causados ao paciente. Inicialmente, destacou-se a vasta jurisprudência desta Corte no sentido de que é de resultado a obrigação nas cirurgias estéticas, comprometendo-se o profissional com o efeito embelezador prometido. Em seguida, sustentou-se que, conquanto a obrigação seja de resultado, a responsabilidade do médico permanece subjetiva, com inversão do ônus da prova, cabendo-lhe comprovar que os danos suportados pelo paciente advieram de fatores externos e alheios a sua atuação profissional” (STJ, REsp 985.888/SP, Min. Luis Felipe Salomão, j. 16.02.2012).

Superadas tais questões, além da obrigação de meio e de resultado, há ainda a obrigação de garantia. Nesta, o seu objetivo é uma garantia pessoal, oferecida por força de um instituto contratual, como ocorre na fiança (caução fidejussória). Nesse contrato, a pessoa garante uma dívida de terceiro perante um credor (art. 818 do CC). A fiança não se confunde com o penhor, a hipoteca e a anticrese, que são direitos reais de garantia sobre coisa alheia, presentes quando uma coisa móvel ou imóvel é dada em garantia por uma dívida.

2.6 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À LIQUIDEZ

Quanto à liquidez, a obrigação pode ser líquida ou ilíquida.

A obrigação líquida é aquela certa quanto à existência, e determinada quanto ao objeto e valor. Nela se encontram especificadas, de modo expresso, a quantidade, a qualidade e a natureza do objeto devido. O inadimplemento de obrigação positiva e líquida no exato vencimento constitui o devedor em mora automaticamente (mora ex re), nos termos do art. 397, caput, do Código Civil em vigor.

Presente obrigação líquida, caberá ação de execução por quantia certa, pedido de falência, concessão de arresto, sendo possível ainda a compensação legal, desde que preenchidos os demais requisitos previstos em lei para tais institutos processuais e materiais.

A obrigação ilíquida, por sua vez, é aquela incerta quanto à existência e indeterminada quanto ao conteúdo e valor. Para que seja cobrada, é necessário antes que seja transformada em líquida, geralmente por um processo de conhecimento. Após esse processo de conhecimento, é preciso realizar a liquidação da sentença nas formas previstas no Código de Processo Civil, no seu art. 475, alterado pela Lei 11.232/2005, que revogou os antigos arts. 603 a 611. Essas formas de liquidação são as seguintes:

a)  Liquidação por cálculo aritmético: é aquela feita mediante a apresentação de uma memória discriminada e atualizada do cálculo (art. 475-B do CPC).

b)  Liquidação por arbitramento: realizada mediante a nomeação de um perito, que deverá apresentar um laudo apontando qual o montante devido. O arbitramento pode caber ao próprio juiz, no caso de fixação, na sentença, do valor devido a título de danos morais (arts. 475-C e 475-D do CPC).

c)  Liquidação por artigos: é feita quando, para se determinar o valor da condenação, houver a necessidade de alegar e provar fato novo (art. 475-E do CPC). Quanto a essa forma de liquidação, deve-se seguir o procedimento comum (art. 475-F do CPC).

Deve ser elucidado que é vedado, na liquidação, discutir nova lide ou modificar a sentença que a julgou (art. 475-G do CPC). Da decisão de liquidação caberá, eventualmente, agravo de instrumento (art. 475-H do CPC).

Nas hipóteses em que a obrigação é ilíquida, não cabe ação de execução por quantia certa sem a liquidação anterior. Também não cabe pedido de falência, concessão de arresto ou compensação legal.

2.7 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À PRESENÇA OU NÃO DE ELEMENTO ACIDENTAL

Os elementos acidentais de um negócio jurídico são aqueles que não são essenciais ao ato em regra: a condição, o termo e o encargo. Esses elementos estão no plano da eficácia obrigacional, incrementando o negócio jurídico (plano da eficácia, terceiro degrau na Escada Ponteana). Nesse sentido, quanto à presença ou não desses elementos acidentais, a obrigação pode ser assim classificada:

a)  Obrigação pura ou simples – é aquela que não está sujeita a condição, termo ou encargo. Cite-se, como exemplo, uma doação pura, cujo elemento essencial é apenas a intenção de doar (animus donandi). Este autor prefere utilizar a expressão obrigação pura, pois já foi empregado o vocábulo obrigação simples na confrontação com a obrigação composta (classificação quanto à presença de elementos).

b)  Obrigação condicional – é aquela que contém cláusula que subordina o seu efeito a um evento futuro e incerto (condição). Como exemplo, pode ser mencionada a doação feita ao nascituro (art. 542 do CC), que é modalidade de doação condicional, pois dependeria do seu nascimento com vida. A condição é identificada pelas conjunções se (condição suspensiva) ou enquanto (condição resolutiva).

c)  Obrigação a termo – é aquela que contém uma cláusula que subordina seu efeito a um evento futuro e certo (termo). É possível a doação a termo ou à parte, pela qual o donatário permanece com o bem por um lapso temporal. É identificada pela conjunção quando.

d)  Obrigação modal ou com encargo – é aquela onerada por um encargo, um ônus à pessoa contemplada pela relação jurídica. O exemplo clássico é a doação modal ou com encargo (art. 540 do CC), modalidade de doação onerosa. É identificada pela conjunção para que.

Todas essas formas de doação, sem prejuízos de outras, também com a presença de elementos acidentais, estão aprofundadas no Volume 3 desta coleção.

2.8 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DEPENDÊNCIA

Quanto à dependência em relação à outra obrigação, a obrigação pode ser principal ou acessória. A obrigação principal é aquela que independe de qualquer outra para ter existência, validade ou eficácia. A obrigação acessória tem a sua existência, validade ou eficácia subordinada a outra relação jurídica obrigacional.

Vale lembrar que a extinção, nulidade, anulabilidade ou prescrição da obrigação principal reflete na acessória. Mas a recíproca não é verdadeira. Incide a regra pela qual o acessório segue o principal, precursora do princípio da gravitação jurídica.

Como exemplo de obrigação principal pode ser mencionada aquela assumida pelo locatário no contrato de locação de imóvel urbano. O fiador assume uma obrigação acessória diante do credor, que é a de responsabilizar-se pela dívida de um devedor principal, que pode ser um locatário. Inclusive por isso, está manifestado nos Volumes 1, 3 e 5 desta coleção o entendimento pela inconstitucionalidade da previsão do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990, pela qual o fiador de locação de imóvel urbano pode ter o bem de família penhorado. Ora, como pode o contrato acessório trazer mais obrigações que o contrato principal? Tal dedução viola o princípio constitucional da isonomia, da proporcionalidade e da razoabilidade (art. 5.º, caput, da CF/1988).

Entretanto, conforme está salientado naquelas obras, o STF entendeu pela constitucionalidade da previsão, o que deve ser considerado como prevalecente. Vejamos a ementa da decisão do pleno do Supremo Tribunal Federal:

“Fiador – Locação – Ação de despejo – Sentença de procedência – Execução – Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado – Penhora de seu imóvel residencial – Bem de família – Admissibilidade – Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6.º da CF – Constitucionalidade do art. 3.º, VII, da Lei n. 8.009/90, com a redação da Lei n. 8.245/91 – Recurso extraordinário desprovido – Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3.º, VII, da Lei n. 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei n. 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6.º da Constituição da República” (STF, RE 407.688/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 08.02.2006).

2.9 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO LOCAL PARA CUMPRIMENTO

No que tange ao local de cumprimento a obrigação pode ser quesível ou portável.

A obrigação quesível (ou quérable) tem o seu cumprimento no domicílio do devedor. Não havendo previsão no contrato, constitui regra geral (art. 327, caput, do CC).

Por outra via, a obrigação portável (ou portable)é aquela em que o seu cumprimento deverá ocorrer no domicílio do credor ou de terceiro. Para gerar efeitos, tal regra deve constar expressamente no instrumento relacionado com a obrigação, que aqui definimos como instrumento obrigacional.

A matéria será aprofundada quando do tratamento do local do pagamento da obrigação.

2.10 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO MOMENTO PARA CUMPRIMENTO

Em relação ao momento para cumprimento obrigacional, as obrigações classificam-se em obrigação instantânea com cumprimento imediato, obrigação de execução diferida e obrigação de execução continuada.

A obrigação instantânea com cumprimento imediato é aquela cumprida imediatamente após a sua constituição. Se a regra estiver relacionada com o pagamento, será ele à vista, salvo previsão em contrário no instrumento obrigacional (art. 331 do CC). Em regra, não se pode rever judicialmente, por fato superveniente, contrato relacionado com obrigação instantânea.

A obrigação de execução diferida é aquela cujo cumprimento deverá ocorrer de uma vez só, no futuro. Exemplo típico é a situação em que se pactua o pagamento com cheque pós-datado ou pré-datado. Nesse caso, pode ser aplicada a revisão contratual por fato superveniente, diante de uma imprevisibilidade somada a uma onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 do CC) ou a revisão contratual por fato superveniente por simples onerosidade excessiva (art. 6.º, V, do CDC).

Muito comum hoje pela ausência de crédito imediato, a obrigação de execução continuada, execução periódica ou obrigação de trato sucessivo é aquela cujo cumprimento se dá por meio de subvenções periódicas. Nesse caso, também há a possibilidade de revisão do contrato, em virtude da ocorrência de fato imprevisto ou de excessiva onerosidade, aplicando-se as regras do Código Civil ou do Código de Defesa do Consumidor, até porque são comuns os abusos contratuais em nosso País. Os financiamentos em geral e o contrato de locação assumem a forma sucessiva, como é notório.

2.11 OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES. OBRIGAÇÃO PROPTER REM E OBRIGAÇÃO NATURAL

Para terminar o presente capítulo, é interessante rever duas modalidades de obrigação que muito interessam à prática obrigacional.

A primeira é a obrigação propter rem ou obrigação híbrida. Esse último conceito é justificável porque o seu conteúdo é parte de direito real e parte de direito pessoal. Em suma, a obrigação propter rem ou própria da coisa está no meio do caminho entre os direitos pessoais patrimoniais e os direitos reais. Consigne-se que as diferenças entre as duas categorias constam do volume 4 desta coleção, que trata do Direito das Coisas.

Essa obrigação pode ser conceituada como sendo aquela de determinada pessoa, por força de um direito real, pela relação que a mesma tem com um bem móvel ou imóvel (obrigação ambulatória ou mista). Há quem denomine a obrigação como sendo reipersecutória, pois acompanha a coisa onde quer que se encontre.

Sílvio de Salvo Venosa também a denomina obrigação real e ensina que “embora não seja explicação totalmente técnica, para uma compreensão inicial podemos dizer que a obrigação real fica a meio caminho entre o direito real e o direito obrigacional. Assim, as obrigações reais ou propter rem (também conhecidas como ob rem) são as que estão a cargo de um sujeito, à medida que este é proprietário de uma coisa, ou titular de um direito real de uso e gozo dela” (Direito civil..., 2003, p. 59). Diante desse problema de terminologia há quem prefira denominá-la obrigação com ônus real.

Exemplo típico é a obrigação do proprietário do imóvel pagar as despesas de condomínio, pelo que prevê o art. 1.345 do CC, uma vez que o adquirente do imóvel em condomínio edilício responde por tais débitos, que acompanham a coisa para onde quer que ela vá.

Esse dispositivo e a natureza propter rem da obrigação de pagar as despesas condominiais, aliás, relativizam parcialmente a regra pela qual o vendedor responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição (art. 502 do CC). Em suma, não havendo acordo entre as partes, o novo adquirente passa a responder por tais quantias condominiais, que acompanham a coisa.

Também pode ser considerada obrigação propter rem, aquela relacionada com o dever do proprietário de não prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos. Quanto ao tema, o Código Civil de 2002 traz um capítulo sobre os direitos de vizinhança (art. 1.277 e ss. do CC).

Da criação pretoriana, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem considerado como propter rem a obrigação do proprietário em fazer a recuperação ambiental do imóvel. Vejamos a ementa de um dos julgados mais recentes sobre o tema, que traz a lume outros argumentos, como a função social da propriedade.

“Processual civil e administrativo. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. Mata Atlântica. Decreto 750/1993. Limitação administrativa. Prescrição quinquenal. Art. 1.228, caput e parágrafo único, do Código Civil de 2002. (...). Assegurada no Código Civil de 2002 (art. 1.228, caput), a faculdade de ‘usar, gozar e dispor da coisa’, núcleo econômico do direito de propriedade, está condicionada à estrita observância, pelo proprietário atual, da obrigação propter rem de proteger a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitar a poluição do ar e das águas (parágrafo único do referido artigo). (...) Os recursos naturais do Bioma Mata Atlântica podem ser explorados, desde que respeitadas as prescrições da legislação, necessárias à salvaguarda da vegetação nativa, na qual se encontram várias espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção. (...). Nos regimes jurídicos contemporâneos, os imóveis – rurais ou urbanos – transportam finalidades múltiplas (privadas e públicas, inclusive ecológicas), o que faz com que sua utilidade econômica não se esgote em um único uso, no melhor uso e, muito menos, no mais lucrativo uso. A ordem constitucional-legal brasileira não garante ao proprietário e ao empresário o máximo retorno financeiro possível dos bens privados e das atividades exercidas. (...) Exigências de sustentabilidade ecológica na ocupação e utilização de bens econômicos privados não evidenciam apossamento, esvaziamento ou injustificada intervenção pública. Prescrever que indivíduos cumpram certas cautelas ambientais na exploração de seus pertences não é atitude discriminatória, tampouco rompe com o princípio da isonomia, mormente porque ninguém é confiscado do que não lhe cabe no título ou senhorio. (...) Se o proprietário ou possuidor sujeita-se à função social e à função ecológica da propriedade, despropositado alegar perda indevida daquilo que, no regime constitucional e legal vigente, nunca deteve, isto é, a possibilidade de utilização completa, absoluta, ao estilo da terra arrasada, da coisa e de suas virtudes naturais. Ao revés, quem assim proceder estará se apoderando ilicitamente (uso nocivo ou anormal da propriedade) de atributos públicos do patrimônio privado (serviços e processos ecológicos essenciais), que são ‘bem de uso comum do povo’, nos termos do art. 225, caput, da Constituição de 1988. (...)” (STJ, REsp 1.109.778/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2.ª Turma, j. 10.11.2009, DJe 04.05.2011).

A construção é bem interessante, pois traz um novo dimensionamento de um conceito clássico do Direito Civil. Como se verá mais à frente na presente obra, utiliza-se também o argumento da responsabilidade objetiva ambiental para a mesma conclusão. Cumpre anotar que a premissa consta do art. 2.º, § 2.º, do Novo Código Florestal, in verbis: “As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural”.

Ainda sobre as obrigações mistas, esclareça-se que, com razão, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que dívidas de consumo, como água, esgoto e energia elétrica, não constituem obrigações propter rem, mas dívidas pessoais do usuário do serviço. Nessa linha, quanto às dívidas de água e esgoto, colaciona-se: “é firme o entendimento no STJ de que o dever de pagar pelo serviço prestado pela agravante – fornecimento de água – é destituído da natureza jurídica de obrigação propter rem, pois não se vincula à titularidade do bem, mas ao sujeito que manifesta vontade de receber os serviços (AgRg no AREsp 2.9879/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 22.05.2012)” (STJ, AgRg no AREsp 265.966/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1.ª Turma, j. 21.03.2013, DJe 10.04.2013). Em complemento: “o entendimento firmado neste Superior Tribunal é no sentido de que o débito, tanto de água como de energia elétrica, é de natureza pessoal, não se caracterizando como obrigação de natureza propter rem” (STJ, AgRg no REsp 1.258.866/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1.ª Turma, j. 16.10.2012, DJe 22.10.2012).

Superada tal categoria, a obrigação natural é aquela em que o credor não pode exigir a prestação do devedor, já que não há pretensão para tanto. Há um débito sem responsabilidade, ou seja, um debitum sem obligatio (Schuld sem Haftung). Entretanto, em caso de pagamento por parte do devedor capaz, é considerado válido e irretratável, não cabendo a ação de repetição de indébito ou actio in rem verso, como demonstrado (art. 882 do CC).

Sílvio de Salvo Venosa ensina que as obrigações naturais são incompletas, pois “apresentam como características essenciais as particularidades de não serem judicialmente exigíveis, mas, se forem cumpridas espontaneamente, será tido por válido o pagamento, que não poderá ser repetido (há a retenção do pagamento, soluti retentio)” (Direito civil..., 2003, p. 47). Conforme antes demonstrado, são obrigações naturais previstas no ordenamento jurídico brasileiro:

a)  dívida prescrita (art. 882 do CC);

b)  dívidas resultantes de jogo e aposta não legalizados (arts. 814 e 815 do CC);

c)  mútuo feito a menor sem a prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver (art. 588 do CC) – originário do senatus consultus macedoniano.

Outro exemplo de obrigação natural é a gorjeta, tema atinente ao Direito do Trabalho. A expressão vem de gorja, que quer dizer garganta. Assim, gorjeta é aquilo que se dá para esquentar a garganta do trabalhador, o cafezinho ou outra bebida preferida dada por terceiro. Nota-se que a gorjeta está relacionada ao beber e não ao comer (CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho..., 2008, p. 775). A gorjeta, como obrigação incompleta, não pode ser exigida do terceiro, geralmente consumidor, mas sendo paga não caberá sua restituição.

Com tais conceitos, encerra-se o presente capítulo.

2.12 RESUMO ESQUEMÁTICO

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2.13 QUESTÕES CORRELATAS

1.   (Procurador do Trabalho MPT – 2008) Assinale a alternativa incorreta:

(A) a obrigação de dar coisa certa abrange seus acessórios, mesmo que não mencionados, salvo se o contrário resultar das circunstâncias do caso ou do título;

(B) nas obrigações alternativas, como regra geral, a escolha cabe ao credor;

(C) quando a obrigação alternativa for de prestações periódicas, a faculdade de escolha poderá ser exercida em cada período;

(D) em caso de obrigação alternativa, se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornar inexequível, subsistirá o débito quanto à outra.

2.   (Analista judiciário TRF 3ª Região 2007) Nas obrigações alternativas em que a escolha cabe ao devedor,

(A) se uma das duas prestações se tornar inexequível, não subsistirá o débito quanto à outra em razão da impossibilidade de exercício do direito de escolha.

(B) se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, ficará o devedor obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar.

(C) quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção só poderá ser exercida no primeiro período, valendo a escolha feita para os demais.

(D) se for conveniente ao devedor, poderá obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra.

(E) se todas as prestações se tornarem impossíveis, sem culpa do devedor, a obrigação resolver-se-á em perdas e danos, calculadas com base na obrigação de maior valor.

3.   (CESPE Juiz de Direito TJ/PI 2007) Com relação ao direito das obrigações, assinale a opção correta.

(A) Em se tratando de obrigação alternativa com possibilidade de ser atribuído o direito de escolha a mais de uma pessoa, isto é, quando houver pluralidade subjetiva sobre a concentração da obrigação, e inexistir unanimidade entre os sujeitos na escolha da obrigação prevalecente, deverá predominar a vontade da maioria, qualificada pelo valor das respectivas quotas-partes.

(B) A obrigação indivisível de responsabilidade de vários devedores, que não for paga por culpa de um dos devedores, não perde a qualidade de indivisibilidade e todos continuarão a responder pelo cumprimento da obrigação e por perdas e danos, pois o objeto dessa obrigação é indivisível e cada devedor está obrigado pela dívida toda.

(C) Se, no contrato, for inserida cláusula de arrependimento para qualquer das partes, se fará presumir acordo final dos contratantes para o caso de inadimplemento da obrigação e quanto à faculdade de optarem por não cumprir o pactuado e resolver o contrato, desde que seja paga a multa penitencial, acrescida das perdas e danos.

(D) Ocorre a solidariedade quando a totalidade da prestação puder ser exigida por qualquer dos credores de qualquer devedor por inteiro, e a prestação efetuada pelo devedor a quaisquer deles libera-o em face de todos os outros credores. Deduzido em juízo qualquer litígio que verse sobre exceções pessoais entre o devedor e um dos credores solidários, a decisão que a este último prejudique não interferirá no direito dos demais credores.

(E) O pagamento de uma obrigação por um terceiro que não tem interesse na relação de crédito entre credor e devedor não obriga o devedor a ressarcir o terceiro que voluntariamente quitou o seu débito, sem o seu consentimento ou com a sua oposição, ainda que o devedor não possuísse qualquer razão legal para não proceder ao pagamento. Assim, esse terceiro não tem o direito de reembolsar-se, mas obtém a sub-rogação dos direitos do credor.

4.   (Magistratura PE – FCC/2011) Sendo a obrigação indivisível e conjunta ou existindo solidariedade passiva em obrigação divisível, o credor

(A) pode cobrar a dívida toda apenas de cada um dos devedores da obrigação indivisível, embora seja ela conjunta, mas não pode cobrar a dívida toda apenas de um dos devedores solidários, se a obrigação deles é divisível.

(B) pode cobrar a dívida toda de apenas um dos devedores solidários, mas não pode cobrar integralmente a dívida de apenas um dos devedores se a obrigação é conjunta ainda que indivisível.

(C) pode, em ambos os casos, cobrar a dívida toda de qualquer dos devedores.

(D) não pode o credor em nenhum desses dois casos cobrar a dívida toda de apenas um dos devedores.

(E) terá de demandar, em ambos os casos, todos os devedores, mas terá direito de receber apenas de um deles.

5.   (Magistratura SP – 175.º) Assinale a alternativa incorreta entre as seguintes afirmações sobre sub-rogação e constituição de direitos.

(A) A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado do direito sobre o imóvel.

(B) O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos do credor e poderá demandar, de qualquer um dos outros fiadores, a totalidade.

(C) A propriedade fiduciária de bem móvel constitui-se com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

(D) O direito de superfície, pelo qual o proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou plantar em seu terreno, por tempo determinado, constitui-se mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

6.   (Magistratura SP – 176.º) Considere as assertivas a seguir.

I – Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.

II – Havendo solidariedade passiva, todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um deles.

III – Na assunção de dívida, o novo devedor não pode opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo.

Pode-se dizer que são verdadeiras

(A) apenas as assertivas I e III.

(B) apenas as assertivas I e II.

(C) todas as assertivas.

(D) apenas as assertivas II e III.

7.   (Magistratura – Paraná/2003) As perdas e danos nas obrigações de fazer

(A) são necessárias consequências do seu inadimplemento.

(B) são devidas, quando a prestação do fato se tornar impossível por culpa do devedor.

(C) estão excluídas, mesmo havendo recusa ou mora do devedor, se o credor mandar executar o fato por terceiro, à custa do devedor.

(D) são devidas mesmo sem culpa do devedor.

8.   (Procurador do Estado/SP – FCC/2012) Havendo pluralidade de credores de obrigação indivisível,

(A) o devedor pode se exonerar pagando a um dos credores, dispensada a ratificação dos demais.

(B) poderá cada um deles exigir o todo da obrigação, desde que haja expressa previsão contratual autorizadora.

(C) cada um deles pode exigir a totalidade da obrigação, exceto se convertida em perdas e danos.

(D) a remissão da dívida por um dos credores não prejudica os demais, que podem exigir toda a obrigação sem desconto ou compensação, dada a impossibilidade de cisão do seu objeto.

(E) só poderão exigir a cota parte que lhes couber, mas, se um deles receber a prestação por inteiro, deverá ressarcir os demais na medida de suas respectivas participações.

9.   (VUNESP/2012 – Magistratura/RJ) Quanto às obrigações indivisíveis e solidárias, é correto afirmar:

(A) Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, o mesmo acontecendo se a obrigação for indivisível.

(B) A solidariedade ativa não perdurará se a obrigação for convertida em perdas e danos; de forma diferente, não cessará a indivisibilidade da obrigação indivisível que se resolver em perdas e danos.

(C) Na solidariedade passiva, havendo descumprimento da prestação por culpa de um dos devedores, os demais ficarão liberados da responsabilidade de pagar o equivalente, o que incumbirá ao culpado, que também responderá pelas perdas e danos; tal, porém, não ocorrerá com a indivisibilidade, que não cessará, ainda que passe a ter natureza pecuniária.

(D) Na solidariedade passiva, havendo descumprimento da prestação por culpa de um dos devedores, os demais não ficarão liberados da responsabilidade de pagar o equivalente, embora pelas perdas e danos só responda o culpado; tal, porém, não ocorrerá com a indivisibilidade, que cessará se houver tal transformação; passando a ter natureza pecuniária, tornar-se-á uma obrigação divisível.

10. (18.º PGR/MPF – Procurador da República 2002) Assinale a alternativa correta:

(A) falecendo um dos credores solidários, que deixa dois herdeiros necessários, cada herdeiro, ainda que se trate de obrigação indivisível, só pode exigir e receber a cota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário;

(B) no condomínio pro diviso a comunhão existe de fato e de direito;

(C) o dever de coabitação, decorrente do casamento, é observado com a simples convivência dos cônjuges sob o mesmo teto;

(D) a obrigação cumulativa não se caracteriza pela pluralidade de obrigações, mas sim pela pluralidade de prestações, estas oriundas da mesma causa ou título.

11. (FCC – Advogado da CEF/2004) Paulo faleceu e apurou-se saldo negativo em seu contrato de abertura de crédito em conta corrente (cheque especial). Deixou apenas um veículo, cujo valor é inferior ao total da dívida. Nesse caso, os herdeiros

(A) responderão pelo valor total da dívida, exceto taxa de inadimplência.

(B) responderão pela totalidade da dívida.

(C) só responderão pela dívida até o valor do veículo deixado pelo falecido.

(D) responderão pelo valor total do principal corrigido, excluídos os juros.

(E) não responderão pela dívida por tratar-se de obrigação personalíssima.

12. (CESPE/UNB – Analista Judiciário/STJ – 2004) Em relação ao direito das obrigações, julgue o item a seguir.

12.1 – A solidariedade é modalidade especial de obrigação que possui dois ou mais sujeitos, ativos ou passivos, embora possa ser divisível. Cada credor pode demandar e cada devedor é obrigado a satisfazer a totalidade da obrigação, com a particularidade de que o pagamento feito por um devedor a um credor extingue a obrigação quanto aos outros coobrigados.

13. (CESPE/UnB – Petrobrás – Advogado Pleno/2001) Julgue os itens que se seguem, relativos às obrigações e aos seus efeitos.

13.1 – Considere a seguinte situação hipotética. Macedo contratou com Moraes a cessão de um touro reprodutor para cobertura das vacas de sua propriedade. O animal deveria ser restituído a Moraes em um mês. Todavia, estando Macedo há duas semanas em mora quanto à obrigação de restituir o touro, o poder público determinou o extermínio de todo o rebanho bovino da região, inclusive os animais que se encontravam nas propriedades de Macedo e de Moraes. Nessa situação, embora a perda do animal decorra de força maior notória, Macedo responderá pelo perecimento do bem em decorrência da mora em que se encontrava.

14. (Magistratura do Trabalho – 20.ª Região/2004) No tocante à obrigação natural é correto afirmar que:

(A) há nela os elementos debitum e obligatio, segundo a teoria dualista de Brinz do vínculo jurídico obrigacional;

(B) se trata de uma consequência dos contratos bilaterais válidos;

(C) é sempre nula por ilicitude do objeto;

(D) não encontra previsão no direito brasileiro;

(E) é inexigível, entretanto, depois de validamente cumprida não enseja repetição.

15. (TJ/DFT 2003) Nas obrigações alternativas:

(A) a escolha cabe ao credor, se outra coisa não se estipulou;

(B) pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra;

(C) pode o credor exigir do devedor parte em uma prestação e parte em outra;

(D) a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou.

16. (TJ/SC 2002) Nas obrigações alternativas, é correto afirmar-se que:

(A) a escolha cabe sempre ao credor;

(B) podem as partes convencionar que a escolha caiba ao credor;

(C) inexequíveis ambas as obrigações, o credor poderá reclamar o valor de ambas;

(D) tornadas impossíveis as prestações, ainda que inexistente culpa do credor, a obrigação não se extingue;

(E) em se tratando de prestações anuais, a opção, uma vez feita, é obrigatória para todas as prestações.

17. (174.º Concurso TJ/SP) Tornando-se impossível a prestação por culpa de um dos devedores solidários,

(A) subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente e as perdas e danos decorrentes da impossibilidade.

(B) os devedores solidários não culpados respondem somente pelo encargo de pagar o equivalente.

(C) fica insubsistente a solidariedade passiva, passando o devedor que impossibilitou a prestação a responder isoladamente pelo encargo de pagar o equivalente e pelas perdas e danos decorrentes.

(D) os devedores solidários não culpados respondem somente por perdas e danos decorrentes da impossibilidade.

18. (26.º Concurso MP/DFT) Assinale a alternativa incorreta.

(A) As dívidas decorrentes de prática de jogo não proibido não obrigam o pagamento.

(B) Na obrigação de dar, se houver perda da coisa, sem culpa do devedor, antes da tradição, fica resolvida a obrigação para ambas as partes: tem aplicação o princípio res perit domino.

(C) Na obrigação de dar, se houver deterioração da coisa, antes da entrega, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação ou, alternativamente, aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

(D) A dação em pagamento constitui-se em recebimento de prestação diversa da que é devida; pressupõe o consentimento do credor, salvo quando o pagamento for em pecúnia e em substituição à entrega de coisa.

(E) fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 60 (sessenta) dias após a notificação do credor.

19. (43.º Concurso MP/MG) A compromissou-se em face de B, relativamente à entrega de um quadro pintado por artista plástico consagrado, obrigando-se a proceder à tradição da coisa no próprio domicílio do credor, o qual contratou uma cara festa para a exibição do quadro adquirido. Ocorre que, às vésperas do prazo avençado, A, negligentemente, inutilizou a obra de arte, por inteiro, ao tentar limpá-la. Analise a situação e assinale a alternativa correta:

(A) Trata-se de dívida portável, da espécie obrigação de dar, cujo objeto pereceu por culpa do devedor, incumbindo-lhe, por consequência, o dever de responder pelo equivalente, mais perdas e danos.

(B) Trata-se de dívida portável, da espécie obrigação de dar, sendo certo que a ocorrência da perda total do objeto, antes da tradição, por negligência do devedor, implicará na dupla possibilidade de o credor aceitá-la no estado em que se acha, ou exigir o equivalente, sempre com direito à indenização por perdas e danos.

(C) Trata-se de dívida quesível, da espécie obrigação de dar, cuja inexecução deve-se ao perecimento culposo da coisa, objeto da prestação, restando o devedor obrigado à entrega de outra, de igual qualidade e quantidade, para o efeito da satisfação do interesse jurídico do credor.

(D) Trata-se de dívida quesível, da espécie obrigação de fazer, cujo devedor culposo, em face da impossibilidade de proceder à entrega, estará obrigado, tão apenas, à indenização por perdas e danos ao credor, titular do direito subjetivo.

(E) Trata-se de dívida portável, da espécie obrigação de fazer, de caráter imaterial (infungível a coisa), cuja impossibilidade de adimplir obrigará o devedor culposo ao pagamento do equivalente em dinheiro, bem como à devolução do preço pago.

20. (123.º Exame OAB/SP) “A” e “B” obrigaram-se a entregar a “C” e “D” um boi de raça, que fugiu por ter sido deixada aberta a porteira, por descuido de “X”, funcionário de “A” e “B”. Pode-se dizer que a obrigação é

(A) indivisível, que se tornou divisível pela perda do objeto da prestação, com responsabilidade dos devedores “A” e “B”, pela culpa de “X”, seu funcionário.

(B) solidária, com responsabilidade dos devedores “A” e “B”, por culpa de seu funcionário, ante a perda do objeto da obrigação.

(C) indivisível, tornando-se divisível com o perecimento do objeto, sem culpa dos devedores “A” e “B” e sem responsabilidade destes.

(D) simplesmente divisível com o perecimento do objeto da prestação, respondendo objetivamente “A” e “B” pela culpa de seu empregado “X”.

21. (OAB/PB 2004) O Código Civil estabelece, com relação às obrigações divisíveis e indivisíveis, que:

(A) diante da pluralidade de credores, sendo indivisível a prestação, o devedor se desobrigará pagando a apenas um deles, desde que este lhe dê caução de ratificação dos outros credores.

(B) havendo dois ou mais devedores, cada um será responsável pela dívida toda, mesmo que a prestação seja divisível.

(C) quando se trata de obrigação divisível, o credor deverá recebê-la por partes do devedor.

(D) quando indivisível, a obrigação resolvida em perdas e danos não se descaracteriza como tal.

22. (XLII Concurso MP/RS) À solução de questões que envolvem danos decorrentes de erro médico, nas cirurgias plásticas de correção de defeito físico e embelezamento, quanto à relação paciente-médico e à relação paciente-hospital, é correto afirmar-se que:

(A) a relação paciente-hospital é regulada pela responsabilidade civil subjetiva.

(B) a relação paciente-médico não é contratual.

(C) a obrigação resultante da relação paciente-médico é de resultado, salvo prova de intervenção de fator imprevisível, força maior ou caso fortuito.

(D) a obrigação resultante da relação paciente-médico é sempre de meio.

(E) nenhuma das alternativas anteriores está correta.

23. (174.º Concurso TJ/SP) Tornando-se impossível a prestação por culpa de um dos devedores solidários,

(A) subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente e as perdas e danos decorrentes da impossibilidade.

(B) os devedores solidários não culpados respondem somente pelo encargo de pagar o equivalente.

(C) fica insubsistente a solidariedade passiva, passando o devedor que impossibilitou a prestação a responder isoladamente pelo encargo de pagar o equivalente e pelas perdas e danos decorrentes.

(D) os devedores solidários não culpados respondem somente por perdas e danos decorrentes da impossibilidade.

24. (TJ/SC 2003) Considerando os dispositivos do Código Civil de 2002, assinale a alternativa correta:

(A) O devedor pode opor a todos os credores solidários as exceções pessoais que tiver contra um deles.

(B) O julgamento contrário a um dos credores solidários atinge todos os demais credores solidários.

(C) De regra, o julgamento favorável a um dos credores solidários aproveita os demais credores solidários.

(D) Mesmo que o julgamento favorável a um dos credores solidários se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve, aproveita aos demais credores solidários.

(E) A conversão da prestação em perdas e danos faz desaparecer a solidariedade ativa.

25. (SEFAZ-SC/2010 Auditor-Fiscal da Receita) Assinale a alternativa incorreta.

(A) Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao credor, se outra coisa não se estipulou.

(B) O credor pode renunciar à dívida em favor de um, de alguns, ou de todos os devedores.

(C) Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores.

(D) Há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um devedor e mais de um credor, cada um com um direito, ou obrigado à dívida toda.

(E) O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento responderá aos outros pela parte que lhes caiba.

26. (Procurador da Fazenda Nacional – ESAF 2013) Em relação ao direito das obrigações, marque a opção correta:

(A) Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação pelo pagamento do valor equivalente.

(B) Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente, critério esse que se observará apenas nos casos de transação e compensação.

(C) Se um dos credores solidários falecer, deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, ainda que se trate de obrigação indivisível.

(D) O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.

(E) O terceiro não interessado, que pagar a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor, salvo se o pagamento ocorreu antes do vencimento e sem o conhecimento do devedor.

27. (Analista/TRT – FCC – 2013) Na obrigação de dar coisa certa,

(A) se, antes da tradição, a coisa se perder sem culpa do devedor, este responderá pelo equivalente mais perdas e danos.

(B) até a ocorrência da tradição, a coisa pertence ao devedor, com seus melhoramentos, pelos quais poderá exigir aumento no preço.

(C) os acessórios não estão abrangidos por ela, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

(D) se esta se deteriorar, ao credor não é dado recebê-la no estado em que se encontra, com abatimento do preço.

(E) se, depois da tradição, a coisa se perder sem culpa do devedor, este responderá pelo equivalente mais perdas e danos.

28. (Juiz do Trabalho/TRT 8ª Região – 2013) Quanto ao Direito das Obrigações disciplinado nas normas do Código Civil, é CORRETO afirmar que:

(A) A solidariedade nas obrigações se dá quando para uma mesma obrigação concorrem mais de um credor ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda, resultando sempre da lei e nunca por presunção. No caso de solidariedade ativa, cabe a cada credor o direito de exigir do devedor, ou devedores, o cumprimento integral da prestação, porém o pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o montante do que foi pago.

(B) A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso. Se a coisa se perder antes de ocorrida sua tradição ou na pendência de condição suspensiva e, não havendo culpa do devedor, fica resolvida a obrigação para ambas as partes. Se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos, na hipótese de ação ou omissão dolosa.

(C) Nas obrigações alternativas, se outra coisa não restou convencionada, cabe ao devedor o direito de escolher qual delas adimplir, sendo-lhe vedado impor ao credor o recebimento da obrigação, parte em uma prestação e parte em outra. Quando se tratar de prestações periódicas, essa escolha poderá ser feita a cada período. Se, por outro lado, por convenção das partes, esse direito for atribuído a terceiro e este não puder ou não quiser fazê-lo, a escolha competirá ao devedor, em qualquer situação.

(D) É considerada indivisível toda obrigação cuja prestação tenha por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico. Na hipótese de haver mais de um devedor responsável pelo seu adimplemento, cada um será obrigado pela dívida toda e sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros devedores o devedor que pagar a dívida. Havendo mais de um credor, a quitação da obrigação a um deles alcançará aos demais quando for prestada por este caução de ratificação dos outros credores.

(E) Na hipótese de não haver oposição proveniente da natureza da obrigação, da lei ou da convenção entre o credor e o devedor, é possível àquele ceder o seu crédito; porém, na eventualidade de cláusula proibitiva da cessão, esta não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé se não houver constado do instrumento da obrigação. A cessão de um crédito abrange todos os seus acessórios, salvo quando disposto de forma contrária. Em qualquer hipótese, é indispensável que a cessão seja celebrada através de instrumento público para se tornar eficaz em relação a terceiros.

29. (MP/SE – CESPE/2010) Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes

(A) será obrigado a pagar a dívida que corresponder ao devedor solidário falecido, se a obrigação for divisível.

(B) será obrigado a pagar a totalidade da dívida, se a obrigação for divisível, com direito de ação regressiva contra os demais devedores.

(C) será desobrigado de qualquer pagamento, pois a responsabilidade pelo pagamento não é transmitida aos herdeiros.

(D) será obrigado a pagar apenas a cota que corresponder ao seu quinhão hereditário, se a obrigação for divisível.

(E) só será obrigado a pagar a totalidade da dívida se os demais herdeiros não tiverem recursos e a obrigação for divisível.

30. (Magistratura de São Paulo – Exame Oral 2004). É possível afirmar que na obrigação solidária existe um único vínculo ou uma multiplicidade de vínculos? Qual consequência?

Resposta: Responder com base nas relações existentes entre as partes, por diversas vezes comentadas. Levar em conta as diferenciações que foram feitas quanto à relação interna e externa.

GABARITO

1 – B

2 – B

3 – D

4 – C

5 – B

6 – C

7 – B

8 – C

9 – D

10 – D

11 – C

12 – 12.1 Certo

13 – 13.1 Errado

14 – E

15 – D

16 – B

17 – B

18 – D

19 – A

20 – A

21 – A

22 – C

23 – B

24 – C

25 – A

26 – D

27 – B

28 – D

29 – D