Sumário: 1.1 Conceito de contrato. Conceito clássico e conceito contemporâneo – 1.2 A suposta Crise dos Contratos – 1.3 A tese do diálogo das fontes. Diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 em relação aos contratos – 1.4 Elementos constitutivos dos contratos. A Escada Ponteana – 1.5 Principais classificações contratuais: 1.5.1 Quanto aos direitos e deveres das partes envolvidas ou quanto à presença de sinalagma; 1.5.2 Quanto ao sacrifício patrimonial das partes; 1.5.3 Quanto ao momento do aperfeiçoamento do contrato; 1.5.4 Quanto aos riscos que envolvem a prestação; 1.5.5 Quanto à previsão legal; 1.5.6 Quanto à negociação do conteúdo pelas partes. O conceito de contrato de adesão. Diferenças em relação ao contrato de consumo; 1.5.7 Quanto à presença de formalidades; 1.5.8 Quanto à independência do contrato. O conceito de contratos coligados; 1.5.9 Quanto ao momento do cumprimento; 1.5.10 Quanto à pessoalidade; 1.5.11 Quanto às pessoas envolvidas; 1.5.12 Quanto à definitividade do negócio – 1.6 Resumo esquemático – 1.7 Questões correlatas – Gabarito.
A doutrina é unânime em apontar que tão antigo como o próprio ser humano é o conceito de contrato, que nasceu a partir do momento em que as pessoas passaram a se relacionar e a viver em sociedade. A própria palavra sociedade traz a ideia de contrato.
A feição atual do instituto vem sendo moldada desde a época romana sempre baseada na realidade social. Com as recentes inovações legislativas e com a sensível evolução da sociedade brasileira, não há como desvincular o contrato da atual realidade nacional, surgindo a necessidade de dirigir os pactos para a consecução de finalidades que atendam aos interesses da coletividade. Essa a primeira face da real função dos contratos.
O contrato é um ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e deveres de conteúdo patrimonial. Os contratos são, em suma, todos os tipos de convenções ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por outros fatores acessórios.
Dentro desse contexto, o contrato é um ato jurídico em sentido amplo, em que há o elemento norteador da vontade humana que pretende um objetivo de cunho patrimonial (ato jurígeno); constitui um negócio jurídico por excelência. Para existir o contrato, seu objeto ou conteúdo deve ser lícito, não podendo contrariar o ordenamento jurídico, a boa-fé, a sua função social e econômica e os bons costumes.
Em suma, e em uma visão clássica ou moderna, o contrato pode ser conceituado como sendo um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial. Esse conceito clássico está muito próximo daquele que consta do Código Civil Italiano que, em seu art. 1.321, estipula que “il contrato è l’accordo di due ou più parti per costituire, regolare ou estinguere tra loro un rapporto giuridico patrimoniale” (o contrato é um acordo de duas partes ou mais, para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial). Entretanto, como se verá mais adiante, existem tentativas de alteração dessa construção, com a busca de um conceito contemporâneo ou pós-moderno de contrato.
Pois bem, nosso Código Civil de 1916, assim como outros Códigos (v.g., o alemão, o polonês, o suíço e o da antiga URSS), preferiu não trazer o conceito do instituto, talvez porque a tarefa de definição deve caber à doutrina. O Código Civil de 2002 segue na mesma esteira, e não o conceitua, apesar de trazer como um dos seus baluartes o princípio da operabilidade, que tende à facilitação do trabalho do jurista e aplicador da norma, pela menção expressa a conceitos jurídicos, constituindo esse um dos princípios do atual Código Civil, ao lado da eticidade e da socialidade. Aliás, é interessante observar que o Código Civil de 2002 conceitua as figuras contratuais em espécie, mas não diz o que é contrato, o que é um contrassenso.
Superada essa constatação, é imperioso concluir ser o contrato a fonte principal do direito das obrigações, revestindo-se como instituto primordial ao Direito Privado.
Para preencher essa lacuna deixada pela lei, a doutrina pátria ainda procura trazer à tona o conceito de contrato, fazendo-o com grande precisão. Vejamos, então, a excelência dos conceitos apresentados pelos nossos maiores civilistas de ontem, hoje e sempre.
Entre os clássicos, Clóvis Beviláqua afirma ser o contrato “o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos” (Código..., 1977, p. 194). Para Orlando Gomes o contrato é “o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que a regularam” (Contratos..., 1996, p. 10). Washington de Barros Monteiro conceitua o contrato como sendo “o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito” (Curso..., 2003, p. 5).
Entre os contemporâneos, Álvaro Villaça Azevedo, seguindo o conceito italiano, conceitua o contrato como sendo “manifestação de duas ou mais vontades, objetivando criar, regulamentar, alterar e extinguir uma relação jurídica (direitos e obrigações) de caráter patrimonial” (Teoria..., 2002, p. 21). Na mesma linha, de acordo com os ensinamentos de Maria Helena Diniz “o contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial” (Curso..., 2003, p. 25).
Anote-se que esses são conceitos clássicos de contrato. Todavia, diante das profundas alterações pelas quais vem passando o instituto, alguns autores, como Paulo Nalin, propõem um conceito pós-moderno ou contemporâneo de contrato. Para o doutrinador paranaense, o contrato constitui “a relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação, como também perante terceiros” (Do contrato..., 2005, p. 255). Olhando para o futuro, e porque não já para o presente, é de se concordar com esse conceito. Primeiro, porque o contrato está amparado em valores constitucionais. Segundo, porque envolve também situações existenciais das partes contratantes. Terceiro, porque o contrato pode gerar efeitos perante terceiros, sendo essa, justamente, a feição da eficácia externa da função social dos contratos, como será estudado adiante.
Na civilística nacional, porém, ainda prevalece o conceito tradicional ou clássico de contrato, anteriormente exposto. Buscando a estrutura contratual, Maria Helena Diniz aponta dois elementos essenciais para a formação do instituto: um estrutural, constituído pela alteridade presente no conceito de negócio jurídico; e outro funcional, formado pela composição de interesses contrapostos mas harmonizáveis (Tratado..., 2002, p. 8-12). Vale lembrar que a alteridade constitui-se pela presença de pelo menos duas pessoas quando da constituição do contrato.
Justamente pela existência desses dois elementos é que seria vedada a autocontratação, ou celebração de um contrato consigo mesmo. Mas dúvidas surgem quanto a essa possibilidade, se analisado o art. 117 do atual Código Civil Brasileiro, cuja redação nos é pertinente:
“Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.
Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecidos.”
Pois bem, de acordo com o dispositivo em questão é possível a outorga de poderes para que a pessoa que representa outrem celebre um contrato consigo mesmo, no caso, um mandato em causa própria (mandato com cláusula in rem propriam ou in rem suam). Não estando presente essa autorização ou havendo proibição legal, o mandato em causa própria é anulável. A regra ainda merece aplicação em casos de substabelecimento (cessão parcial do mandato), conforme o parágrafo único do referido dispositivo legal.
Quanto ao prazo para ingressar com a ação anulatória, filia-se ao entendimento pelo qual deve ser aplicado o art. 179 do CC, que traz um prazo geral de dois anos para tanto, contados da constituição do negócio, para constituir negativamente o ato eivado de vício. Consigne-se que este último comando legal traz um prazo geral para anulação de negócio jurídico, não havendo prazo especial fixado pela lei.
A grande dúvida que surge desse dispositivo é se ele traz ou não uma hipótese de autocontratação perfeita, em que não há a referida alteridade. Para este autor, a resposta é negativa.
Para ilustrar, imagine um caso em que A outorga poderes para B vender um imóvel, com a autorização para que o último venda o bem para si mesmo. Celebrado esse negócio haveria uma autocontratação, pelo menos aparentemente. Mas é interessante perceber que a alteridade continua presente, na outorga de poderes para que o segundo negócio seja celebrado.
Desse modo, o presente autor entende que não há uma autocontratação perfeita, sem alteridade, na figura referenciada no art. 117 do CC. O elemento destacado, a presença de duas pessoas, continua sendo essencial para a validade de todo e qualquer contrato.
Superada essa discussão e voltando à concepção histórica do contrato, como já exposto, o conceito de contrato é tão antigo como a própria humanidade, eis que desde o início os seres humanos buscaram relacionar-se em sociedade. A partir do momento em que se teve a primeira relação pessoal para a perpetuação da espécie, negócios jurídicos foram firmados com o intuito de manter a vida do ser humano no planeta.
De realce lembrar que a troca ou escambo, contrato tipificado pela codificação privada atual (art. 533 do Código Civil), era comum em várias sociedades arcaicas, constituindo um contrato no melhor sentido da expressão, repousando neste instituto nominado os primórdios do Direito Contratual.
Figura tipificada e presente no direito romano, poucos conceitos evoluíram tanto quanto o contrato. Tal evolução foi objeto de um estudo clássico de San Tiago Dantas, para quem a doutrina contratual representa o “termo de uma evolução, através da qual foram sendo eliminadas normas e restrições sem fundamento racional, ao mesmo tempo em que se criavam princípios flexíveis, capazes de veicular as imposições do interesse público, sem quebra do sistema” (Evolução..., Revista dos Tribunais..., 1981, p. 144).
Entretanto, na realidade contemporânea ou pós-moderna, alguns autores, tanto do Direito Comparado como do Direito Pátrio, têm apontado que o contrato está em crise, próximo do seu fim. Aqui, é interessante abordar essa suposta derrocada como natural evolução do instituto.
Como projeção natural da vontade e do consenso, o contrato é inerente à própria subsistência da sociedade moderna. Caio Mário da Silva Pereira chega a afirmar que “o mundo moderno é o mundo do contrato”, eis que “a vida moderna o é também, e, em tal alta escala que, se se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual na civilização de nosso tempo, a consequência seria a estagnação da vida social. O ‘homo aeconomicus’ estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria e a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários” (Instituições..., 1990, p. 9).
Apesar do respeito e da atenção que merecem os demais institutos civis, é de se concordar com as palavras transcritas, podendo-se afirmar que o contrato é o instituto mais importante de todo o Direito Civil e do próprio Direito Privado.
Mas, atualmente está em voga no Direito Comparado, e mesmo no Brasil, afirmar sobre a “crise dos contratos”, chegando Savatier a profetizar que o contrato tende a desaparecer, surgindo outro instituto em seu lugar. Luiz Gastão Paes de Barros Leães comenta tal crise, ao elucidar que “há alguns anos, a decadência do Direito contratual é apregoada num tom fúnebre, que anuncia iminente desenlace. Há inclusive quem já tenha lavrado a sua certidão de óbito. Grant Gilmore, em 1974, publicou um livro com título provocador – ‘The Death of Contract’ (Columbus, Ohio) – onde assinalou a ação demolidora dos novos tempos no edifício conceitual do contrato. O fenômeno da padronização das transações, decorrente de uma economia de ‘mass production’, teria subvertido inteiramente o princípio da liberdade contratual, transformando o ‘contrato’ numa norma unilateral imposta pela empresa situada numa posição dominante. Teria ocorrido assim um retorno ao ‘status’” (Prefácio, in Strenger, Irineu. Contratos..., 1999, p. 17).
Sobre tal profetização, Fernando Noronha comenta que “para Gilmore, professor da Yale Law School, ‘contract is being reabsort into the mainstream of ‘tort’ A teoria clássica do contrato poderia bem ser descrita como uma tentativa para instituir um enclave dentro do domínio geral da responsabilidade civil (‘tort’). Os diques foram erguidos para proteger o enclave, está bastante claro, têm vindo a derrocar a uma velocidade cada vez mais rápida” (O direito..., 1994, p. 9).
Pela leitura do trabalho do Direito Comparado aludido, é forçoso deduzir que o contrato está sujeito a todas as variações possíveis pelas quais passa a sociedade, decorrentes da interpretação da lei no campo prático. Em verdade, superada a análise da obra de Grant Gilmore, tida como clássica no direito norte-americano, entendemos que a palavra crise significa mais mudança de estrutura do que possibilidade de extinção. E é realmente isso que está ocorrendo quanto ao contrato, uma intensa e convulsiva transformação, uma renovação dos pressupostos e princípios da Teoria Geral dos Contratos, que tem por função redimensionar seus limites, e não extingui-los.
A Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka também captou que não se pode falar em crise propriamente dita, no sentido de derrocada, mas em alteração de estrutura e de função, saudável para o Direito Privado. São suas palavras:
“Confundindo-se, muitas vezes, liberdade de contratar com liberdade contratual, o diagnóstico foi sempre muito pessimista, a respeito da sobrevida institucional do contrato. Mas, como o ‘sonho de John Lennon’, o contrato não morreu. Nem declinou, nem encolheu, nem perdeu espaço, nem poder. Rui de Alarcão escreveu, e com toda a razão, que tal pessimismo foi claramente desmentido, a significar que o alarde foi exagerado e que a pós-modernidade prescreve a necessidade de novos modelos de realização do direito, estando entre eles, certamente, os novos modelos contratuais que todos os dias se multiplicam, indicando uma fertilidade inesgotável desses paradigmas e o seu verdadeiro e sempre renovado papel de organizador e autorregulamentador dos interesses privados. Ora mais publicizado, ora mais socializado, ora mais poroso à intervenção estatal, ora mais limitado quanto ao seu conteúdo específico, ora mais funcionalizado, não importa. Todas essas faces são as faces do contrato que se transmuda e evolui sempre, como a própria transmudação e evolução da pessoa humana e das relações que estabelece com os demais. A dinâmica própria da vida dos homens e a realidade jurídica subjacente conseguem explicar e justificar essa mobilidade, traçando-a naturalmente, conforme convém, e imprimindo o devido grau de certeza acerca da necessidade e urgência desta releitura contratual. Construção e crítica se alternaram [desde o início do anterior século], produzindo um movimento de edificação de uma teoria [geral do direito privado] tão sólida quanto volátil. Esse movimento é absolutamente saudável, rejuvenescedor e revigorante para as instituições privadas, mesmo porque, dizendo respeito a relações de natureza intersubjetiva, quer dizer, dos sujeitos entre si, essas instituições se renovam com o próprio uso, e o seu eventual desuso é que pode acarretar sua morte, por inércia. O contrato não caiu em desuso nunca e, por isso, permanece vivo; sua força revela sua indispensabilidade no trato das relações jurídicas e da mantença da segurança” (Contrato..., Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br>. Acesso em: 10 de janeiro de 2006).
Como não poderia ser diferente, concorda-se integralmente com a Professora Giselda Hironaka, uma vez que o contrato definitivamente não está em decadência, mas sim em seu apogeu como instituto emergente e central do Direito Privado.
Nesse sentido, cumpre observar que uma das principais alterações em matéria contratual se refere à autonomia da vontade das partes na avença. Discute-se muito atualmente a possibilidade da revisão do contrato, a liberdade de extinguir o pacto e de se decidir pela conclusão da relação entre as partes. A grande problemática do contrato, sem dúvida, está relacionada com os seus efeitos no tempo e no espaço, ou seja, às consequências jurídicas que dele advém após a sua celebração, inclusive na questão de sua eficácia perante terceiros estranhos à relação contratual. Nesse contexto, aduz-se que haverá uma crescente falta de certeza e segurança com essa alteração de estrutura, o maior desafio a ser encarado pelo civilista contemporâneo.
É um grave equívoco aceitar e compreender o contrato com sua estrutura clássica, concebido sob a égide do pacta sunt servanda puro e simples, com a impossibilidade da revisão das cláusulas e do seu conteúdo. Surgem princípios sociais contratuais como a boa-fé objetiva, a função social dos contratos, a justiça contratual e a equivalência material. Diante de um campo minado negocial, em que muitas empresas cometem abusos no exercício da autonomia privada, tais princípios mitigam sobremaneira a força obrigatória do contrato, em prol de uma interpretação mais justa, baseada na lei e nos fatos sociais.
Assim, é de se repudiar a ideia de crise de contratos, conforme construída por alguns autores do direito alienígena. O melhor caminho é acreditar em um novo conceito emergente, dentro da nova realidade do direito social. Acatam-se as antigas, mas sempre atuais palavras de Manuel Inácio Carvalho de Mendonça, pelas quais “os contratos hão de ser sempre a fonte mais fecunda, mais comum e mais natural dos direitos de crédito” (Contratos..., 1957, p. 7).
Concluindo, não se pode falar em extinção do contrato, mas no renascimento de um novo instituto, como uma verdadeira Fênix que surge das cinzas e das trevas. Uma importante revolução atingiu os direitos pessoais puros e as relações privadas, devendo tais institutos ser interpretados de acordo com a sistemática lógica do meio social. Em suma, este autor é adepto de uma posição otimista na análise do Direito Privado, acreditando na emergência e na efetividade de novos institutos jurídicos, renovando todo o direito, afastando-se dos cientistas que afirmam estar ocorrendo uma verdadeira crise do Direito Privado. Superado esse ponto de pessimismo sombrio, parte-se à análise de uma das mais festejadas e atuais teses quanto aos contratos: o diálogo das fontes.
Em outras oportunidades este autor já expôs o entendimento pelo qual o contrato é hoje o instituto jurídico mais relevante para o Direito Privado (Tartuce, Flávio. Função..., 2007). Isso porque o contrato exerce um papel importantíssimo, com vistas à circulação de riquezas, pois confere segurança às relações jurídicas. Porém, não é esse o seu papel principal. O seu fundamento é a perpetuação da vida humana, ou seja, o atendimento das necessidades da pessoa. A real função do contrato não é atender aos interesses do mercado, mas sim da pessoa humana!
Por isso é que o contrato deve ser analisado sob o prisma da personalização do Direito Privado e do Direito Civil Constitucional, a fim de atender o mínimo para que a pessoa viva com dignidade. O foco principal do contrato não é o patrimônio, mas sim o indivíduo que contrata. Aliás, talvez seja por esse motivo que Luiz Díez-Picazo e Antonio Gullón afirmam que não é correto utilizar a expressão autonomia da vontade, mas sim autonomia privada, eis que a autonomia não é da vontade, mas da pessoa (Sistema..., 2003, p. 379).
Diante da valorização da pessoa e dos três princípios do Direito Civil Constitucional (dignidade da pessoa humana, solidariedade social e igualdade em sentido amplo), não se pode olvidar que houve uma forte aproximação entre dois sistemas legislativos importantes para os contratos, sendo certo que tanto o Código Civil de 2002 quanto o Código de Defesa do Consumidor consagram uma principiologia social do contrato.
Nesse contexto, muitos doutrinadores propõem hoje um diálogo necessário entre as duas leis e não mais um distanciamento, como antes era pregado. Por uma questão lógica, o Código de Defesa do Consumidor estava distante do Código Civil de 1916, que era individualista e apegado a um tecnicismo exagerado. Isso não ocorre em relação ao Código Civil de 2002.
Por muito tempo, afirmou-se que, em havendo relação jurídica de consumo, não seria possível a aplicação concomitante do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Isso, na vigência da codificação privada anterior, eminentemente patrimonialista e muito afastado da proteção do vulnerável prevista na Lei Consumerista.
Entretanto, tem-se defendido atualmente um diálogo das fontes entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Por meio desse diálogo, deve-se entender que os dois sistemas não se excluem, mas, muitas vezes, se complementam (diálogo de complementaridade). A tese foi trazida para o Brasil por Claudia Lima Marques, a partir dos ensinamentos que lhe foram transmitidos por Erik Jayme, professor da Universidade de Heidelberg, Alemanha. A renomada professora gaúcha demonstra as razões filosóficas e sociais da tese do diálogo das fontes da seguinte forma:
“Segundo Erik Jayme, as características da cultura pós-moderna no direito seriam o pluralismo, a comunicação, a narração, o que Jayme denomina de ‘le retour des sentiments’, sendo o Leitmotiv da pós-modernidade a valorização dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da pós-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (‘Zersplieterung’), manifesta-se no pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteção do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores que se organizam em cadeia e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na filosofia aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o ‘double coding’, e onde os valores são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos direitos assegurados, nos direitos à diferença e ao tratamento diferenciado aos privilégios dos ‘espaços de excelência’ (Jayme, Erik. Identité..., p. 36 e ss.)” (MARQUES, Claudia Lima. Comentários..., 2004, p. 24).
Como reconhece a própria doutrinadora em obra mais recente, a bela expressão diálogo das fontes, de Erik Jayme, já se encontra consagrada em nosso País, diante da constante citação em julgados, inclusive dos Tribunais Superiores (MARQUES, Claudia Lima. Manual..., 2007, p. 89). Para comprovar a sua afirmação, é interessante transcrever duas ementas de julgados, com menção expressa à teoria:
“Embargos de declaração. Ensino particular. Desnecessidade de debater todos os argumentos das partes. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Diálogo das fontes. Em matéria de consumidor vige um método de superação das antinomias chamado de diálogo das fontes, segundo o qual o diploma consumerista coexiste com as demais fontes de direito como o Código Civil e Leis esparsas. Embargos desacolhidos” (TJRS, Embargos de Declaração 70027747146, Caxias do Sul, 6.a Câmara Cível, Rel.a Des.a Liége Puricelli Pires, j. 18.12.2008, DOERS 05.02.2009, p. 43).
“Responsabilidade civil. Defeito em construção. Contrato de empreitada mista. Responsabilidade objetiva do empreiteiro. Análise conjunta do CC e CDC. Diálogo das fontes. Sentença mantida. Recurso improvido” (TJSP, Apelação com revisão 281.083.4/3, Acórdão 3196517, Bauru, 8.a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Caetano Lagrasta, j. 21.08.2008, DJESP 09.09.2008).
A aplicação do diálogo das fontes justifica-se no Brasil diante de uma aproximação principiológica entre os dois sistemas legislativos (CDC e CC/2002), principalmente no que tange aos contratos. Sobre essa aproximação, foi aprovado o Enunciado n. 167 na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, em dezembro de 2004 (“Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”). As razões apontadas pelo magistrado paraibano e civilista Wladimir Alcibíades Marinho Falcão Cunha, autor da proposta que gerou o enunciado, são pertinentes, merecendo transcrição o seguinte trecho:
“Entretanto pode-se dizer que, até o advento do Código Civil de 2002, somente o Código de Defesa do Consumidor encampava essa nova concepção contratual, ou seja, somente o CDC intervinha diretamente no conteúdo material dos contratos. Entretanto, o Código Civil de 2002 passou também a incorporar esse caráter cogente no trato das relações contratuais, intervindo diretamente no conteúdo material dos contratos, em especial através dos próprios novos princípios contratuais da função social, da boa-fé objetiva e da equivalência material. Assim, a corporificação legislativa de uma atualizada teoria geral dos contratos protagonizada pelo CDC teve sua continuidade com o advento do Código Civil de 2002, o qual, a exemplo daquele, encontra-se carregado de novos princípios jurídicos contratuais e cláusulas gerais, todos hábeis a proteção do consumidor mais fraco nas relações contratuais comuns, sempre em conexão axiológica, valorativa, entre dita norma e a Constituição Federal e seus princípios constitucionais. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 são, pois, normas representantes de uma nova concepção de contrato e, como tal, possuem pontos de confluência em termos de teoria contratual, em especial no que respeita aos princípios informadores de uma e de outra norma”.
As palavras do autor do enunciado doutrinário são confirmadas pelo que ensina Claudia Lima Marques, ainda discorrendo sobre o referido diálogo de complementaridade. Para a renomada doutrinadora, “parece-me que o CDC tende a ganhar com a entrada em vigor do CC/2002, pois seus princípios básicos são quase os mesmos. Como vimos, quatro são os princípios básicos do CDC que afetam diretamente o novo direito obrigacional brasileiro: o da vulnerabilidade, o da confiança, o da boa-fé e o do equilíbrio contratual. O primeiro tem reflexo direto no campo de aplicação do CDC, isto é, determina quais relações contratuais estarão sob a égide desta lei tutelar e de seu sistema de combate ao abuso. O segundo estabelece as bases da garantia legal de produtos e serviços, e possibilita a imputação de uma responsabilidade objetiva para toda a cadeia de fornecimento. O terceiro princípio é basilar de toda conduta contratual, mas aqui deve ser destacada a função limitadora da liberdade contratual. O quarto princípio tem maiores reflexos no combate à lesão ou à quebra da base do negócio, mas pode ser aqui destacada a sua função de manutenção da relação no tempo. Note-se que, à exceção do princípio especial da vulnerabilidade, que dá sustento à especialidade do CDC, os outros três princípios do CDC encontram-se hoje incorporados no sistema geral do direito privado, pois presentes no novo Código Civil, como vimos. Repita-se, pois, que, se o espírito do diálogo das fontes aqui destacado prevalecer, é necessário superar a visão antiga dos conflitos e dar efeito útil às leis novas e antigas! Mister é preservar a ratio de ambas as leis e dar preferência ao tratamento diferenciado dos diferentes, concretizado nas leis especiais, como no CDC, e assim respeitar a hierarquia dos valores constitucionais, sobretudo coordenando e adaptando o sistema para uma convivência coerente! A convergência de princípios e cláusulas gerais entre o CDC e o CC/2002 e a égide da Constituição Federal de 1988 garantem que haverá diálogo e não retrocesso na proteção dos mais fracos na relação contratual. O desafio é grande, mas o jurista brasileiro está preparado” (Comentários..., 2004, p. 52).
Além do diálogo de complementaridade, Claudia Lima Marques propõe, ainda, o diálogo sistemático de coerência, o diálogo de subsidiariedade e o diálogo das influências recíprocas sistemáticas. A partir de sua recente e didática obra, tais diálogos são assim explicados (Manual..., 2007, p. 91):
a) Havendo aplicação simultânea das duas leis, se uma lei servir de base conceitual para a outra, estará presente o diálogo sistemático de coerência. Exemplo: os conceitos dos contratos de espécie podem ser retirados do Código Civil mesmo sendo o contrato de consumo, caso de uma compra e venda (art. 481 do CC).
b) Se o caso for de aplicação coordenada de duas leis, uma norma pode completar a outra, de forma direta (diálogo de complementaridade) ou indireta (diálogo de subsidiariedade). O exemplo típico ocorre com os contratos de consumo que também são de adesão. Em relação às cláusulas abusivas, pode ser invocada a proteção dos consumidores constante do art. 51 do CDC e também a proteção dos aderentes constante do art. 424 do CC.
c) Os diálogos de influências recíprocas sistemáticas estão presentes quando os conceitos estruturais de uma determinada lei sofrem influências de outra. Assim, o conceito de consumidor pode sofrer influências do próprio Código Civil. Como diz a própria Cláudia Lima Marques, “é a influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de doublé sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática)” (Manual..., 2007, p. 91).
Não há dúvidas de que tais diálogos são possíveis, eis que a citada aproximação principiológica realmente existe. Assim sendo, há algum tempo este autor tem defendido a aplicação prática do diálogo das fontes, determinando a análise do Direito Privado com base no Código Civil de 2002, no Código de Defesa do Consumidor e, por lógico, na Constituição Federal de 1988. Isso, nunca em prejuízo do consumidor vulnerável ou de outra parte que mereça a proteção especial pela lei.
Nesse contexto, por diversas vezes nesta obra, será utilizado o referido diálogo das fontes para resolver questões interessantes envolvendo o contrato. Isso ocorrerá, por exemplo, quando da análise dos contratos de seguro e de transporte, normalmente caracterizados como contratos de consumo e de adesão. O que se percebe é que a teoria do diálogo das fontes interessa à prática cível, até pela comum citação jurisprudencial.
Além do diálogo entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, merece destaque a interação entre as duas normas e a legislação trabalhista. Anote-se que, conforme o art. 8.° da CLT, o direito comum – incluindo logicamente o Direito Civil –, seria mera fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Entendemos que o art. 8.° da CLT, nesse ponto, perdeu aplicação em parte, merecendo nova leitura diante da tese do diálogo das fontes. Ora, não se pode mais dizer que o Direito Civil é mera fonte subsidiária do Direito do Trabalho, pois, em alguns casos, terá aplicação direta, como naqueles envolvendo a responsabilidade civil do empregador, o abuso do direito no contrato de trabalho e os contratos de prestação de serviço e empreitada (TARTUCE, Flávio. Diálogos..., 2006, p. 30).
Destaque-se que, na jurisprudência trabalhista, numerosos são os arestos que apontam o necessário diálogo das fontes em relação ao contrato de trabalho. Por todos, vejamos duas ementas:
“Artigo 475-J, CPC. Aplicação ao processo trabalhista. Diálogo das fontes. Cabimento. A circunstância de ser do estatuto de processo a disciplina traduzida no teor de seu artigo 475-j não importa, de per si, em sua inaplicabilidade ao processo trabalhista, nem que a CLT não seja omissa no particular, e isso porque, como se sabe, hodiernamente, diante do aumento dos microssistemas e da grande quantidade de normas inseridas nos mais diversos diplomas legais, regulando situações específicas, imprescindível o recurso ao denominado diálogo das fontes, como meio mais eficaz de proteção à parte mais fraca de uma relação jurídica, no âmbito processual inclusive, preservando-se a sua dignidade de pessoa humana, propiciando que a vontade constitucional prevaleça, quanto à proteção a ser dispensada a determinadas classes de pessoas e servindo mesmo, no campo do processo, de ponto de (re) equilíbrio dos litigantes com desiguais condições de fazer valer suas pretensões e seus interesses em juízo, também por possibilitar uma visão de conjunto que um olhar parcial, por óbvio, não proporciona. Vale acrescentar que a proteção ao trabalhador não deve ser procurada e/ou limitada ao diploma consolidado, mas por todo o ordenamento jurídico, visto cuidar-se de imposição de rasgo constitucional” (TRT da 15.a Região, RO 0000423-02.2012.5.15.0129, Acórdão 63113/2013, 3.a Turma, Rel. Des. Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, DEJTSP 02.08.2013, p. 638).
“Terceirização. Súmula n.° 331/TST. Ônus da prova. Omissão do poder público na prova da fiscalização. Princípio da aptidão da prova. Circunstâncias do caso concreto que revelam culpa in vigilando, diante da violação dos direitos trabalhistas. Arrastamento da responsabilidade da administração pública direta, autárquica ou fundacional com base no artigo 37, XXI, CF e artigos 58, III, 67, caput e parágrafo 1.°, e 82 da Lei n.° 8666/93 c/c arts. 186, 927, caput, e 944 do CC. 1. No julgamento da ADC 16, houve pronúncia pela constitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1.°, da Lei n.° 8.666/93, mas nos debates restou consignado que a constitucionalidade não inibe o judiciário trabalhista, à luz das circunstâncias do caso concreto, à base de outras normas, reconhecer a responsabilidade subsidiária do poder público (notícias do STF, www.STF.Jus.br, 26.11.2010). Nesse passo, a Lei n.° 8.666/93, em seu artigo 71, parágrafo 1.°, não traz o princípio da irresponsabilidade estatal, em termos absolutos, apenas alija o poder público da responsabilidade pelos danos a que não deu causa. Havendo inadimplência das obrigações trabalhistas que tenha como causa a falta de fiscalização pelo órgão público contratante, o poder público é responsável. Logo, a excludente de responsabilidade incide, apenas, na hipótese em que o poder público contratante demonstre ter, no curso da relação contratual, fiscalizado o adequado cumprimento das cláusulas e das garantias das obrigações trabalhistas pela fornecedora da mão de obra, o que lhe incumbe nos termos do artigo 37, inciso XXI, da CF e artigos 58, III, e 67, caput e parágrafo 1.°, sob pena de responsabilidade civil prevista no artigo 82, ambos da Lei das licitações. Ressalte-se que, nos termos do princípio da aptidão da prova, deve ser imputado o ônus de provar, à parte que possui maior capacidade para produzi-la, no caso, o poder público. Resta clara sua aplicação no processo do trabalho, diante da teoria do diálogo das fontes com o sistema de defesa do consumidor, e que autoriza a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6.°, VIII do CDC, ‘(...) quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências’. A ausência de prova da fiscalização por parte da administração pública (art. 818 CLT e 333 CPC) quanto ao correto cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada licitada, devidas aos seus empregados, evidencia a omissão culposa da administração pública, o que atrai a sua responsabilidade, porque todo aquele que causa dano pratica ato ilícito e fica obrigado a reparar (art. 82, da Lei n.° 8.666/93)” (TRT da 2.a Região, RO 0001041-44.2012.5.02.0052, Acórdão 2013/0524292, 4.a Turma, Rel.a Des.a Fed. Ivani Contini Bramante, DJESP 04.06.2013).
A aplicação direta das normas de Direito Civil ao Direito do Trabalho será percebida, por diversas vezes, pela leitura do presente trabalho.
O contrato constitui um negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Assim sendo, os elementos constitutivos dos contratos são os mesmos que estão expostos no Volume 1 desta coleção, como elementos constitutivos dos negócios jurídicos em geral. Cumpre aqui rever as questões que foram comentadas naquela obra, agora com um maior aprofundamento e especificidade, como é comum nos volumes mais avançados das coleções de manuais.
Sem prejuízo dessa análise, é fundamental lembrar que o contrato apresenta ainda elementos naturais que o identificam e o diferenciam de outros negócios. É o caso do preço, elemento natural da compra e venda e do aluguel, nos casos de locação. Esses elementos, como nos casos citados, também podem ser essenciais.
Chegou o momento de recordar a teoria criada pelo grande jurista Pontes de Miranda, que concebeu de forma exemplar a estrutura do negócio jurídico, analisando os seus elementos constitutivos. Trata-se do que se convencionou denominar de Escada Ponteana ou Escada Pontiana. Serão expostos os ensinamentos que foram e continuam sendo transmitidos pela professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Titular do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP. A construção da Escada Ponteana foi concebida, originariamente, a partir das discussões em seu grupo de estudos, sendo uma de suas linhas de pesquisa.
Pois bem, o negócio jurídico, na visão de Pontes de Miranda, é dividido em três planos:
– Plano da existência.
– Plano da validade.
– Plano da eficácia.
No plano da existência estão os pressupostos para um negócio jurídico, ou seja, os seus elementos mínimos, seus pressupostos fáticos, enquadrados dentro dos elementos essenciais do negócio jurídico. Nesse plano há apenas substantivos sem adjetivos, ou seja, sem qualquer qualificação (elementos que formam o suporte fático). Esses substantivos são: agente, vontade, objeto e forma. Não havendo algum desses elementos, o negócio jurídico é inexistente, conforme defendem os doutrinadores que seguem à risca a doutrina de Pontes de Miranda, caso de Marcos Bernardes de Mello (Teoria... Plano..., 2003).
No segundo plano, o da validade, as palavras indicadas ganham qualificações, ou seja, os substantivos recebem adjetivos, a saber: agente capaz; vontade livre, sem vícios; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita e não defesa em lei. Esses elementos de validade constam do art. 104 do CC/2002. Na realidade, não há menção à vontade livre, mas é certo que tal elemento está inserido no plano da validade, seja na capacidade do agente, seja na licitude do objeto do negócio. O negócio jurídico que não se enquadra nesses elementos de validade, havendo vícios ou defeitos quanto a estes, é, por regra, nulo de pleno direito, ou seja, haverá nulidade absoluta. Eventualmente, o negócio pode ser também anulável, como no caso daquele celebrado por relativamente incapaz ou acometido por algum vício do consentimento.
Por fim, no plano da eficácia estão os elementos relacionados com as consequências do negócio jurídico, ou seja, com a suspensão e a resolução de direitos e deveres relativos ao contrato, caso da condição, do termo, do encargo, das regras relacionadas com o inadimplemento, dos juros, da multa ou cláusula penal, das perdas e danos, da resolução, da resilição, do registro imobiliário e da tradição (em regra). De outra forma, nesse plano estão as questões relativas às consequências e aos efeitos gerados pelo negócio em relação às partes e em relação a terceiros.
Logicamente, a Escada Ponteana indica que o plano seguinte não pode existir sem o anterior. Elucidando, para que o negócio ou contrato seja eficaz, deve ser existente e válido, em regra. Para ser válido, deve existir.
Todavia, é possível que um negócio ou contrato exista, seja inválido e esteja gerando efeitos. É o caso de um contrato acometido pelo vício da lesão (art. 157 do CC). Aliás, se a ação anulatória não for proposta no prazo decadencial de quatro anos, a contar da celebração do negócio, o contrato será convalidado. A convalidação é o fenômeno jurídico pelo qual o negócio inválido passa a ser tido juridicamente como válido. Tudo isso demonstra como a Escada Ponteana é valiosa do ponto de vista estrutural, didático e metodológico.
A importância da matéria é inquestionável. Todas as vezes que foi mencionada a expressão negócio jurídico, poder-se-ia substituir por contrato, pois todo contrato é negócio jurídico. Dessa forma, a Escada Ponteana pode ser concebida conforme o gráfico a seguir:
Conforme foi mencionado no Volume 1 da presente coleção, o atual Código Civil Brasileiro não concebeu de forma expressa e distinta o plano da existência. Como se pode perceber, o seu art. 104 trata, diretamente, do plano da validade. Na verdade, melhor considerar que o plano da existência está inserido dentro da validade, ou, didaticamente, que o plano da existência está embutido no da validade.
No atual Código Civil, não há dispositivo que explique tão bem a Escada Ponteana quanto o art. 2.035, caput, relacionando-a à solução de questões de direito intertemporal:
“Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.”
A redação do dispositivo traz duas constatações.
A primeira é que o comando legal também não adota o plano da existência de forma destacada, eis que o artigo começa tratando da “validade dos negócios e demais atos jurídicos”.
A segunda constatação, regra quanto à aplicação das normas no tempo, é de que, quanto à validade dos negócios jurídicos deve ser aplicada a norma do momento da sua constituição ou celebração. Desse modo, prevê o comando legal que se o negócio tiver sido celebrado na vigência do Código Civil de 1916, quanto à sua validade, devem ser aplicadas as regras que constavam na codificação anterior. Isso, em relação à capacidade das partes, à legitimação, à vontade das partes, ao objeto, à forma.
Por outra via, quanto ao plano da eficácia, devem ser aplicadas as normas existentes no momento da produção de seus efeitos (“... mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam...”). Desse modo, quanto à condição, ao termo, ao encargo, às consequências do inadimplemento do contrato, aos juros, à multa, à resolução, à resilição, ao registro imobiliário, deve ser aplicada a norma do momento da produção dos efeitos, que pode ser perfeitamente o Código Civil de 2002. Essa deve ser a conclusão, mesmo tendo sido o negócio celebrado na vigência da codificação anterior.
O que se percebe, portanto, é que é possível aplicar a um mesmo contrato as duas leis gerais privadas, ou seja, o Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002. Ilustrando, se o contrato foi celebrado em 1998, quanto à capacidade das partes, ao objeto e à forma será aplicada a codificação anterior. Relativamente ao inadimplemento, aos juros, à cláusula penal, entre outros elementos, incidirá a codificação em vigor.
Não há que se falar em inconstitucionalidade do art. 2.035, caput, do CC, por suposta lesão à proteção do direito adquirido e do ato jurídico perfeito (art. 5.°, XXXVI, da CF/1988). Isso porque tais institutos protegidos no Texto Maior somente se referem à existência e à validade dos negócios jurídicos em geral, não à eficácia, aplicando-se a regra tempus regit actum quanto à última. O próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a constitucionalidade do excelente dispositivo, aplicando-o a caso envolvendo a hipoteca (STJ, REsp 691.738/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12.05.2005, DJ 26.09.2005, p. 372).
Este é o momento de trazer exemplos de aplicação da Escada Ponteana e do art. 2.035, caput, do atual Código Civil aos contratos.
Primeiramente, imagine-se um caso em que foi celebrado um contrato na vigência do Código Civil de 1916 (até 10 de janeiro de 2003). O contrato traz uma multa exagerada, desproporcional, estando presente a onerosidade excessiva, a desproporção no negócio jurídico no que toca à cláusula penal. O descumprimento do negócio ocorreu na vigência do Código Civil de 2002 (a partir de 11 de janeiro de 2003, segundo a maioria da doutrina e da jurisprudência). Pergunta-se: é possível aplicar o art. 413 do atual Código Civil, que prevê o dever do magistrado reduzir a cláusula penal que for exagerada, a fim de evitar a onerosidade excessiva? Lembrando que essa redução equitativa em caso de desproporção constitui parcial novidade, é de se responder positivamente. Isso porque o inadimplemento ocorreu na vigência da nova lei, estando a multa no plano da eficácia, o que justifica a aplicação da atual legislação. A título de exemplo, vale citar a sentença proferida pela 13.a Vara Cível do Foro Central da Capital de São Paulo, no caso envolvendo o apresentador Boris Casoy e a Rede Record. Diante do descumprimento do contrato por parte da emissora, o apresentador resolveu cobrar a multa compensatória prevista no contrato, de cerca de 27 milhões de reais. Aplicando o art. 413 do CC ao contrato, celebrado em 12 de abril de 2002, o magistrado reduziu a cláusula penal para cerca de 6 milhões de reais (Processo 583.00.2006.135945-8; sentença de 18 de outubro de 2006; Juiz André Gustavo Cividanes Furlan).
Em junho de 2011, a decisio foi parcialmente reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que aumentou o valor da cláusula penal para 10 milhões de reais, por entender que multa fixada pela primeira instância era insuficiente. Vejamos a publicação da ementa do acórdão:
“Indenizatória. Contrato de prestação de serviços. Apresentador e editor-chefe de telejornal. Rescisão imotivada. Multa compensatória estabelecida em cláusula contratual. Montante manifestamente excessivo. Incidência do art. 413 do CC. Redução equitativa do valor da indenização. Critérios a serem observados. Adoção de cálculo aritmético com vista ao tempo faltante de cumprimento do contrato. Insuficiência. Indenização majorada. Recurso dos autores provido para este fim. Acolhimento de pedido subsidiário formulado na inicial. Reconhecimento da sucumbência recíproca. Apelo da ré provido” (TJSP, Apelação 0062432-17.2007.8.26.0000, Acórdão 5211780, São Paulo, Trigésima Primeira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Milton Carvalho, j. 21.06.2011, DJESP 28.06.2011).
De qualquer modo, o acórdão mantém a tese de incidência do art. 413 do Código Civil de 2002 a contrato celebrado na vigência do Código Civil de 1916, conforme aqui sustentado.
Como segundo exemplo de aplicação do art. 2.035 do CC, destaque-se o teor do Enunciado n. 164 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual: “Tendo início a mora do devedor ainda na vigência do Código Civil de 1916, são devidos juros de mora de 6% ao ano até 10 de janeiro de 2003; a partir de 11 de janeiro de 2003 (data da entrada em vigor do novo Código Civil), passa a incidir o art. 406 do CC/2002”. Como se sabe, os juros estão no plano da eficácia de uma obrigação ou de um contrato. Sendo assim, devem ser aplicadas as normas do momento da eficácia do negócio jurídico. É justamente isso que ordena o enunciado em questão, com o qual é de se concordar integralmente. Vários julgados do STJ vêm aplicando o teor dessa conclusão doutrinária (por todos: STJ, AgRg no Ag 714.587/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 11.03.2008, DJ 01.04.2008, p. 1; AgRg no REsp 727.842/SP, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 03.12.2007, DJ 14.12.2007, p. 398; REsp 813.056/PE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007, p. 184; AgRg no REsp 912.397/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 04.10.2007, DJ 17.10.2007, p. 281).
Outro exemplo envolve a necessidade da outorga conjugal. Como se sabe, o art. 1.647 do atual Código Civil exige a outorga uxória (da esposa) e marital (do marido) para a prática de alguns atos e negócios, salvo se o regime entre eles for o da separação absoluta. A exigência abrange a venda de imóvel, as doações e a prestação de fiança, dentre outros atos. A falta dessa outorga, não suprida pelo juiz, gera a anulabilidade do ato praticado (nulidade relativa), conforme determina o art. 1.649 do CC/2002. Pois bem, o Código Civil de 1916 previa, nos seus arts. 235, 242 e 252, que os atos assim celebrados, sem a outorga, seriam nulos (nulidade absoluta).
No entanto, e se a compra e venda de imóvel foi celebrada na vigência do CC/1916 por um dos cônjuges sem a outorga do outro? Esse negócio é nulo ou anulável? O negócio será nulo, pois se aplica a norma do momento da celebração. Consigne-se que a outorga conjugal é hipótese de legitimação, uma espécie de capacidade, que está no plano da validade. O negócio é nulo mesmo que a ação tenha sido proposta na vigência do Código Civil de 2002 (após 11 de janeiro de 2003), pois a questão a ser analisada é de natureza material, e não processual.
Também a título de exemplo, é imperioso apontar que a Escada Ponteana e o art. 2.035 repercutem no contrato de sociedade, típico do Direito Empresarial. De acordo com o art. 977 do atual Código Civil, “faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória”. O dispositivo citado proíbe que cônjuges casados sob os regimes da comunhão universal ou da separação total obrigatória constituam sociedade entre si. Trata-se de regra de capacidade, que está no plano da validade. Assim, o dispositivo somente se aplica às sociedades constituídas após a entrada em vigor do atual Código Civil.
No Código Civil anterior não havia essa restrição em relação à capacidade, havendo direito adquirido quanto à não aplicação do comando legal. Portanto, as sociedades anteriores não serão atingidas, pois quanto ao plano da validade deve ser aplicada a norma do momento da constituição do negócio. A tese foi adotada na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, pelo teor do seu Enunciado n. 204: “A proibição de sociedade entre pessoas casadas sob o regime da comunhão universal ou da separação obrigatória só atinge as sociedades constituídas após a vigência do Código Civil de 2002”. No mesmo sentido, é o Parecer jurídico 125/2003, do Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC/COJUR). A jurisprudência tem decidido na mesma linha de raciocínio, servindo para ilustrar a seguinte decisio:
“Mandado de segurança. Sociedade regularmente registrada na junta comercial entre marido e mulher. Superveniência do Código Civil de 2002. Artigo 977 a proibir sociedade entre casados no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória. Direito adquirido dos sócios. Segurança concedida. Apelo da Fazenda desprovido. Código Civil. Art. 977. Desnecessidade de adoção de regime diverso de casamento – § 2.° do artigo 1.639 do CC ou de desfazimento da sociedade ou do matrimônio, para cumprir o preceito do artigo 977. Direito adquirido dos cônjuges que formaram sociedade antes da vigência do novo Código Civil. Apelo da Fazenda desprovido. A vedação do artigo 977 do CC não se aplica às sociedades registradas anteriormente à vigência da nova lei, mas incide apenas para as sociedades a serem constituídas após 11.1.2003. O artigo 2.031 do CC não incide sobre sociedades entre cônjuges cujos atos, constitutivos sejam anteriores ao advento da nova normatividade, pois a eles socorre o direito adquirido de índole fundante e de ênfase explicitada na Constituição de 1988, a partir da alteração topográfica do capítulo dos direitos e garantias individuais” (TJSP, Apelação Cível 358.867-5/0, São Paulo, 1.a Câmara de Direito Público, Data do registro: 26.04.2006, Rel. Des. Renato Nalini, Voto 11.033).
A findar a presente abordagem, deve ficar claro que o art. 2.035, caput, do CC/2002 tem grande relevância prática para os contratos em geral. Que fique claro que este autor é um dos entusiastas do referido comando legal, um dos melhores da atual codificação. Nos próximos volumes da presente coleção outras questões são tratadas envolvendo esse importante dispositivo.
Buscar a natureza jurídica de um determinado contrato é procurar classificá-lo dentre as mais diversas formas e espécies possíveis (categorização jurídica). A matéria interessa muito quando são estudados os contratos em espécie. Diante dessa fulcral importância, serão analisadas a partir de então, à luz da melhor doutrina, as principais classificações contratuais.
Como é cediço, o negócio jurídico pode ser unilateral, bilateral ou plurilateral, o que depende do número de partes ou vontades presentes. O contrato é sempre negócio jurídico bilateral ou plurilateral, eis que envolve pelo menos duas pessoas (alteridade). No entanto, o contrato também pode ser classificado como unilateral, bilateral ou plurilateral.
O contrato unilateral é aquele em que apenas um dos contratantes assume deveres em face do outro. É o que ocorre na doação pura e simples, uma vez que há duas vontades (a do doador e a do donatário), mas do concurso de vontades surgem deveres apenas para o doador; o donatário apenas auferirá vantagens. Também são exemplos de contratos unilaterais o mútuo (empréstimo de bem fungível para consumo) e o comodato (empréstimo de bem infungível para uso). Percebe-se, assim, que nos contratos unilaterais, apesar da presença de duas vontades, apenas uma delas será devedora, não havendo contraprestação.
Atente-se que a doação modal ou com encargo – modalidade de doação onerosa, por trazer um ônus ao donatário – é tida como contrato unilateral imperfeito. Essa figura contratual será abordada oportunamente neste livro.
Por outra via, o contrato será bilateral quando os contratantes são simultânea e reciprocamente credores e devedores uns dos outros, produzindo o negócio direitos e deveres para ambos, de forma proporcional. O contrato bilateral é também denominado contrato sinalagmático, pela presença do sinalagma, que é a proporcionalidade das prestações, eis que as partes têm direitos e deveres entre si (relação obrigacional complexa).
O típico exemplo de contrato bilateral é a compra e venda, com a seguinte estrutura sinalagmática:
– o vendedor tem o dever de entregar a coisa e tem o direito de receber o preço;
– o comprador tem o dever de pagar o preço e tem o direito de receber a coisa.
Também são contratos bilaterais a troca ou permuta, a locação, a prestação de serviços, a empreitada, o transporte, o seguro, entre outros.
Além dessas formas contratuais, há ainda o contrato plurilateral, que é aquele que envolve várias pessoas, trazendo direitos e deveres para todos os envolvidos, na mesma proporção. São exemplos de contratos plurilaterais o seguro de vida em grupo e o contrato de consórcio.
O que deve ficar claro é que a classificação do contrato aqui abordada não se confunde com a classificação do negócio jurídico em unilateral, bilateral e plurilateral. Isso porque, como demonstrado, todo contrato é negócio jurídico pelo menos bilateral.
Em relação ao sacrifício patrimonial das partes contratuais, os contratos classificam-se em onerosos e gratuitos.
Os contratos onerosos são aqueles que trazem vantagens para ambos os contratantes, pois ambos sofrem o mencionado sacrifício patrimonial (ideia de proveito alcançado). Ambas as partes assumem deveres obrigacionais, havendo um direito subjetivo de exigi-lo. Há uma prestação e uma contraprestação. O exemplo típico de contrato oneroso é a compra e venda.
Por outro lado, os contratos gratuitos ou benéficos são aqueles que oneram somente uma das partes, proporcionando à outra uma vantagem sem qualquer contraprestação. No que concerne aos contratos gratuitos, deve ser observada a norma do art. 114 do CC, que prevê a interpretação restritiva dos negócios benéficos. O exemplo típico de contrato gratuito é a doação pura ou simples.
Como decorrência lógica da estrutura contratual, em regra, os contratos onerosos são bilaterais e os gratuitos são unilaterais. Mas pode haver exceção, como é o caso do contrato de mútuo de dinheiro sujeito a juros (mútuo feneratício), pelo qual, além da obrigação de restituir a quantia emprestada (contrato unilateral), devem ser pagos os juros (contrato oneroso).
Quanto aos contratos onerosos, será demonstrado que a onerosidade não pode ser excessiva de forma a gerar o enriquecimento sem causa de uma parte em relação à outra. Rompido o ponto de equilíbrio do contrato, o ponto estrutural da proporcionalidade ou sinalagma, a base do negócio jurídico, justifica-se a sua revisão, à luz da função social dos contratos e da boa-fé objetiva.
No que tange ao momento do aperfeiçoamento, os contratos podem ser consensuais ou reais. Os contratos consensuais são aqueles negócios que têm aperfeiçoamento pela simples manifestação de vontade das partes envolvidas. São contratos consensuais a compra e venda, a doação, a locação, o mandato, entre outros, conforme será devidamente desenvolvido quando do estudo dos contratos em espécie.
Por outro lado, os contratos reais são aqueles que apenas se aperfeiçoam com a entrega da coisa (traditio rei), de um contratante para o outro. São contratos reais o comodato, o mútuo, o contrato estimatório e o depósito. Nessas figuras contratuais, antes da entrega da coisa tem-se apenas uma promessa de contratar e não um contrato perfeito e acabado.
Insta verificar que não se pode confundir o aperfeiçoamento do contrato (plano da validade) com o seu cumprimento (plano da eficácia). A compra e venda gera efeitos a partir do momento em que as partes convencionam sobre a coisa e o seu preço (art. 482 do CC). No caso da compra e venda de imóveis, o registro mantém relação com a aquisição da propriedade do negócio decorrente, o mesmo valendo para a tradição nos casos envolvendo bens móveis. Utilizando a Escada Ponteana, o registro e a tradição estão no plano da eficácia desse contrato. Quanto à tradição, é melhor dizer que está, em regra, no plano da eficácia. Isso porque, no caso dos contratos reais, a entrega da coisa está no plano da validade.
Relativamente aos riscos que envolvem a prestação, o contrato oneroso será comutativo ou pré-estimado quando as partes já sabem quais são as prestações.
Em determinados negócios não existe o fator risco em relação às prestações, que serão certas e determinadas. A compra e venda, por exemplo, é, em regra, um contrato comutativo, pois o vendedor já sabe qual o preço a ser pago e o comprador qual é a coisa a ser entregue. Também é contrato comutativo o contrato de locação, pois as partes sabem o que será cedido e qual o valor do aluguel.
Por outro lado, no contrato aleatório a prestação de uma das partes não é conhecida com exatidão no momento da celebração do negócio jurídico pelo fato de depender da sorte, da álea, que é um fator desconhecido. O Código Civil de 2002 trata dos contratos aleatórios nos arts. 458 a 461.
Interessante ressaltar que alguns negócios são aleatórios devido à sua própria natureza, caso dos contratos de seguro e de jogo e aposta. Em outros casos, contudo, o contrato é aleatório em virtude da existência de um elemento acidental, que torna a coisa ou o objeto incerto quanto à sua existência ou quantidade, como ocorre na compra e venda de uma colheita futura. Percebe-se, por esse exemplo, que a compra e venda também pode assumir a forma aleatória, excepcionando a regra relativa à sua natureza comutativa.
Dentro dessa linha de raciocínio, o Código Civil Brasileiro de 2002 consagra duas formas básicas de contratos aleatórios:
a) Contrato aleatório emptio spei – é a hipótese em que um dos contratantes toma para si o risco relativo à própria existência da coisa, sendo ajustado um determinado preço, que será devido integralmente, mesmo que a coisa não exista no futuro, desde que não haja dolo ou culpa da outra parte (art. 458 do CC). Como se pode perceber, o risco é maior. No caso de compra e venda, essa forma negocial pode ser denominada venda da esperança.
b) Contrato aleatório emptio rei speratae – o contrato será dessa natureza se o risco versar somente em relação à quantidade da coisa comprada, pois foi fixado pelas partes um mínimo como objeto do negócio (art. 459 do CC). Nesse contrato o risco, apesar de existente, é menor. Em casos tais, a parte terá direito a todo o preço, desde que de sua parte não tenha concorrido com culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada. Mas, se a coisa não vier a existir, alienação não haverá, e o alienante deverá devolver o preço recebido (art. 459, parágrafo único do Código Civil). Na compra e venda trata-se da venda da esperança com coisa esperada.
Complementando o tratamento da matéria, o Código Civil consagra ainda duas regras quanto aos contratos aleatórios, que merecem ser pontuadas.
De início, “se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia da celebração do contrato”. Essa é a regra do art. 460 do Código Civil que trata da alienação de coisa existente sujeita a risco (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2005, p. 432).
No entanto, essa alienação aleatória poderá ser anulada pelo prejudicado, por ser dolosa, se esse provar que o outro contratante não ignorava a consumação do risco a que no contrato se considerava exposta a coisa (art. 461 do CC). O caso é de anulabilidade pela presença de dolo essencial, causa do negócio jurídico. Para a ação anulatória deve-se aplicar o art. 178, II, do CC, que prevê prazo decadencial de quatro anos, contado da celebração do ato.
Vale lembrar que não é possível, em regra, rever judicialmente um contrato aleatório que assumir qualquer uma das formas apontadas, seja pela ocorrência de uma imprevisibilidade ou em virtude da simples onerosidade excessiva, pois o risco, em casos tais, é da essência do negócio celebrado. Entretanto, é possível rever a parte comutativa desses contratos, conforme está exposto, nesta obra, no capítulo que trata da revisão contratual.
A busca de uma teoria geral dos contratos atípicos foi muito bem delineada pelo Professor Álvaro Villaça Azevedo, insigne mestre das Arcadas (Teoria..., 2002). Por certo que, o Código Civil de 2002, ao mencionar no art. 425 a expressão contratos atípicos, acaba por adotar a sua tese. Dessa forma, os contratos típicos são aqueles regulados por lei, enquanto os atípicos aqueles que não encontram previsão legal. Nos termos do citado dispositivo, é lícito às partes estipular contratos atípicos, desde que observadas as normas gerais estabelecidas pelo próprio Código Civil. Como normas que devem ser respeitadas, no caso normas de ordem pública, podem ser mencionados os arts. 421 e 422 do CC, que tratam dos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva (princípios sociais contratuais).
Alguns doutrinadores apontam que a expressão contratos atípicos seria sinônima de contratos inominados, enquanto a expressão contratos típicos seria sinônima de contratos nominados. Entretanto, apesar de respeitar esse posicionamento, entendemos ser mais pertinente utilizar a expressão que consta da lei, qual seja, a do art. 425 do CC.
Na verdade, existem sim diferenças entre os conceitos expostos como sinônimos. As expressões contratos nominados e inominados devem ser utilizadas quando a figura negocial constar ou não em lei. Por outro turno, os termos contratos típicos e atípicos servem para apontar se o contrato tem ou não um tratamento legal mínimo.
Vejamos um exemplo para elucidar essa diferenciação.
O art. 1.°, parágrafo único, da Lei de Locação (Lei 8.245/1991) ao prever as hipóteses de sua não aplicação, faz menção ao contrato de garagem ou estacionamento, nos seguintes termos: “Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais: a) as locações: (...) 2. das vagas autônomas de garagem ou de espaços de estacionamento de veículos”. Pois bem, percebe-se que o contrato de garagem ou estacionamento é nominado, pois o seu nome consta em lei. Entretanto, como não há uma previsão legal mínima, trata-se de um contrato atípico. Concluindo, o contrato em questão é nominado e atípico.
Essa diferenciação é adotada, com maestria, pela Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, merecendo destaque:
“Nesse passo, levanto pedido de licença para registrar, desde logo, a inconveniência e o desacerto de se prosseguir, doutrinaria e dogmaticamente, com aquela posição que sempre deu, como sinônimas, as expressões inominado e atípico. Sob nenhuma hipótese desconsidero tal crítica, eis que a atipicidade de um contrato não se traduz pelo fato de ter ele, ou não, um ‘nomen juris’, mas sim pelo fato de não estar devidamente regulamentado em lei. Reconhece-se com frequência cada vez mais acentuada que contratos há que têm nome e nem por isso são nominados-típicos já que, para que assim fossem considerados, estariam a exigir a presença de um regramento legislativo específico. Fico com a melhor e dominante doutrina para admitir que é preferível se referir, nestes casos, a contratos típicos e a contratos atípicos, em lugar de nominados e inominados. Assim, é contrato típico aquele que a lei regulamenta, estabelecendo regras específicas de tratamento e lhe concedendo um ‘nomen juris’. Aliás, penso que a denominação decorre da regulamentação, e não vice-versa, como poderia parecer se o adjetivo preferido fosse nominado. A seu turno, portanto, contrato atípico é aquele não disciplinado pelo ordenamento jurídico, embora lícito, pelo fato de restar sujeito às normas gerais do contrato e pelo fato de não contrariar a lei, nem os bons costumes, nem os princípios gerais de direito. Pouco importa se tem ou não um nome, porque este não é a característica da sua essência conceitual; seu traço característico próprio é o fato de não estar sujeito a uma disciplina própria” (Contrato..., Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br>. Acesso em: 10 de janeiro de 2006).
Sabe-se que são contratos tipificados pelo Código Civil: a compra e venda, a troca ou permuta, a locação, a prestação de serviço, a empreitada, o comodato, o mútuo, o contrato estimatório, o depósito, a fiança, a doação, o mandato, o transporte, a comissão, a agência e distribuição, a corretagem, a transação, o compromisso, o jogo e aposta, a constituição de renda e o seguro. Todas essas figuras negociais serão abordadas no presente volume da coleção.
Por outro lado, são contratos atípicos os contratos eletrônicos em geral, celebrados pela via digital, aplicando-lhes as normas do Código Civil, conforme prescreve o mencionado art. 425 da atual codificação.
Encerrando a presente seção, é fundamental apontar que Álvaro Villaça Azevedo criou classificação interessante dos contratos atípicos, que deve ser conhecida e estudada. Para o professor do Largo de São Francisco, os contratos atípicos podem ser singulares ou mistos. “Os contratos atípicos singulares são figuras atípicas, consideradas individualmente. Os contratos atípicos mistos apresentam-se: (a) com contratos ou elementos somente típicos; (b) com contratos ou elementos somente atípicos; e (c) com contratos ou elementos típicos e atípicos” (Teoria..., 2002, p. 138).
Para esclarecer tais deduções, reproduzimos a nossa versão do quadro criado pelo Professor Villaça, completando-o com exemplos dessas figuras negociais por ele propostas:
Conforme exposto no início do presente capítulo, não há como afastar o contrato da constante ingerência exercida pelo meio social. Nesse contexto se situa o contrato de adesão, que constitui um fenômeno há muito tempo percebido pela teoria contratual. Notório é que, com a evolução da sociedade, passou-se a exigir uma maior celeridade e intensidade das relações negociais, surgindo, nesse contexto, a estandardização. Por isso é que Enzo Roppo utiliza a expressão contratos standard para denominar os contratos de adesão, expressão que nos parece a mais apropriada.
Orlando Gomes, em obra específica sobre o tema, lembra que as exigências práticas da vida econômica, a necessidade de circulação intensa de bens e de capital, entre outros fatores consolidaram de forma plena essa figura contratual. No mesmo trabalho, o autor baiano conceitua o contrato de adesão como sendo “o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas” (Contrato..., 1972, p. 3).
Caio Mário da Silva Pereira ensina que “chamam-se contratos de adesão aqueles que não resultam do livre debate entre as partes, mas provêm do fato de uma delas aceitar tacitamente cláusulas e condições previamente estabelecidas” (Instituições..., 2004, p. 72). Ensina o doutrinador que alguns autores negam natureza contratual ao contrato de adesão, alegando ausência de vontade, o que é rebatido pelos irmãos Mazeaud, pela sua presença (da vontade) na aceitação das cláusulas, tese última com a qual se deve concordar.
Maria Helena Diniz prefere utilizar a expressão contrato por adesão para denominar o contrato de adesão, verificando que se constitui pela adesão da vontade de um oblato indeterminado à oferta permanente do proponente ostensivo. Desse modo, “os contratos por adesão (‘Standard Verträgen’) constituem uma oposição à ideia de contrato paritário, por inexistir a liberdade de convenção, visto que excluem a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as partes, uma vez que um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro (RT 519:163), aderindo a uma situação contratual já definida em todos os seus termos” (DINIZ, Maria Helena. Tratado..., 2003, p. 104).
Compreende-se perfeitamente as razões apontadas pela eminente professora. Entretanto, pela terminologia utilizada tanto pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 54), quanto pelo Código Civil de 2002 (arts. 423 e 424), seguiremos, pois a preferimos, a expressão contrato de adesão. Corroborando parcialmente esse parecer, entendemos que as expressões contratos de adesão e contratos por adesão são sinônimas.
Mas há aqueles que não concluem dessa forma. Orlando Gomes, por exemplo, diferenciava as duas expressões. Para ele “o que caracteriza o contrato de adesão propriamente dito é a circunstância de que aquele a quem é proposto não pode deixar de contratar, porque tem necessidade de satisfazer a um interesse que, por outro modo, não pode ser atendido”. Haveria, portanto, no contrato de adesão um monopólio, não presente no contrato por adesão. Esta última figura estaria presente nos demais casos em que o conteúdo é imposto por uma das partes, de forma total ou parcial (Contratos..., 1999, p. 120).
Na realidade, o presente autor defende que contratos de adesão e contratos por adesão são expressões sinônimas visando, inicialmente, a uma facilitação didática e terminológica. Ora, como tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto o atual Código Civil utilizam a expressão contratos de adesão em sentido amplo, nos comandos citados, melhor caracterizar como sendo de adesão qualquer contrato em que não haja plena discussão das cláusulas contratuais, ao contrário do que ocorre nos contratos paritários.
Ademais, se fosse feita a diferenciação outrora mencionada, os arts. 423 e 424 da atual codificação privada, normas que protegem o aderente, não se aplicariam aos contratos por adesão, mas somente aos contratos de adesão. Isso, a nosso ver, contraria o princípio da função social do contrato, eis que a intenção do legislador parece ter sido a de proteção de todos aqueles que tiveram contra si a imposição de cláusulas contratuais, de forma ampla ou restrita. Com a diferenciação, portanto, poderíamos chegar a situações injustas, em clara lesão ao princípio da igualdade ou isonomia.
Portanto, o contrato de adesão é aquele em que uma parte, o estipulante, impõe o conteúdo negocial, restando à outra parte, o aderente, duas opções: aceitar ou não o conteúdo desse negócio. Na opinião deste autor, o conceito deve ser visto em sentido amplo, de modo a englobar todas as figuras negociais em que as cláusulas são preestabelecidas ou predispostas, caso do contrato-tipo e do contrato formulário, figuras negocias em que as cláusulas são predeterminadas até por um terceiro. Esses contratos até são comercializados, em alguns casos. Eventualmente, caberá a análise cláusula a cláusula para apontar se o contrato possui a natureza de contrato de adesão ou de contrato paritário (plenamente discutido). Assinale-se que o contrato paritário também é denominado como contrato negociado.
O Código de Defesa do Consumidor cuidou de definir o contrato de adesão no seu art. 54. De acordo com esse preceito legal “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”. A despeito do posicionamento que nesta obra foi adotado, nota-se que o conceito legal traz tanto a ideia daquilo que Orlando Gomes denominava como sendo contrato de adesão – uma vez que o monopólio está na menção de aprovação pela autoridade competente – quanto a concepção de contrato por adesão em relação aos negócios em que as cláusulas são instituídas ou predeterminadas por uma das partes, de forma ampla ou restrita. O conceito aqui construído, aliás, foi concebido a partir do que consta no art. 54 da Lei 8.078/1990.
Os parágrafos do aludido comando legal trazem outras regras complementares de especial interesse. Inicialmente, o § 1.°do art. 54 do CDC preceitua que a inserção de cláusulas eventualmente discutidas no formulário não afasta a natureza de contrato de adesão. De acordo com a previsão seguinte, § 2.° do art. 54, admite-se na figura negocial a cláusula resolutória, uma condição resolutiva expressa, desde que esta não traga uma desvantagem excessiva ao consumidor, a teor do que estatui o art. 51, IV, da Lei 8.078/1990. Nesse ponto, a função social do contrato tem eficácia interna, ou seja, entre as partes contratantes, visando à proteção da parte vulnerável da relação contratual. Conforme o Enunciado n. 360 do CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, seguindo proposta por este autor formulada, “O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes”. O estudo do tema será aprofundado em momento oportuno.
Ato contínuo de análise, o § 3.° do art. 54 do CDC prevê que os contratos de adesão deverão ser escritos de modo a possibilitar o seu entendimento pelo consumidor, em termos “claros e com caracteres ostensivos, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”. A norma foi recentemente alterada pela Lei 11.785/2008, que introduziu a menção ao tamanho mínimo de corpo doze, o que está de acordo com o dever de informar, anexo ao princípio da boa-fé objetiva.
A exemplificar a questão dos termos claros, em decisão datada do ano de 2001, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o contrato de seguro médico-hospitalar que assume a forma de adesão deve ser redigido de forma clara, a possibilitar o seu entendimento pelo aderente leigo. Eventualmente, em caso de dúvidas, a interpretação do contrato deve ser feita da maneira mais favorável ao consumidor, conforme a regra da visualização mais favorável, a ser retirada do art. 47 do CDC:
“Direito Civil. Contrato de seguro-saúde. Transplante. Cobertura do tratamento. Cláusula dúbia e mal redigida. Interpretação favorável ao consumidor. Art. 54, § 4.°, CDC. Recurso especial. Súmula/STJ, enunciado 5. Precedentes. Recurso não conhecido. I – Cuidando-se de interpretação de contrato de assistência médico-hospitalar, sobre a cobertura ou não de determinado tratamento, tem-se o reexame de cláusula contratual como procedimento defeso no âmbito desta Corte, a teor de seu verbete sumular n. 5. II – Acolhida a premissa de que a cláusula excludente seria dúbia e de duvidosa clareza, sua interpretação deve favorecer o segurado, nos termos do art. 54, § 4.°, do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, nos contratos de adesão, as cláusulas limitativas ao direito do consumidor contratante deverão ser redigidas com clareza e destaque, para que não fujam de sua percepção leiga” (Superior Tribunal de Justiça, acórdão: REsp 311.509/SP (200100318126), 394250 Recurso Especial, data da decisão: 03.05.2001, fonte: DJ 25.06.2001, p. 196, JBCC, vol. 193, p. 87).
Superada essa conceituação inicial e aprofundando a sua análise, é interessante trazer à baila uma questão controvertida importante.
Muitas vezes, percebe-se, mesmo na doutrina e na jurisprudência, certa confusão entre os conceitos de contrato de consumo e contrato de adesão. E essa confusão não pode ser feita. Isso porque o conceito de contrato de consumo é retirado da análise dos arts. 2.° e 3.° da Lei 8.078/1990 que apontam os elementos da relação jurídica de consumo. O contrato de consumo pode ser conceituado como sendo aquele em que alguém, um profissional, fornece um produto ou presta ou serviço a um destinatário final, fático e econômico, denominado consumidor, mediante remuneração direta ou vantagens indiretas.
Por outro lado, conforme exposto, o contrato de adesão é aquele em que as cláusulas contratuais são predispostas por uma das partes, de forma plena ou restrita, restando à outra a opção de aceitá-las ou não. A construção do que seja contrato de adesão leva em conta a forma de contratação e não as partes envolvidas, ou o seu objeto, como ocorre na classificação dos contratos em civis e de consumo. Vale lembrar que nem todo contrato de consumo é de adesão. Por outro lado, nem todo contrato de adesão é de consumo.
Visualizando em termos práticos, exemplifica-se com uma situação em que uma pessoa adquire um tapete. Ela vai até uma loja especializada e discute todos os termos do contrato, barganhando o preço e impondo até mesmo a data de entrega, celebrando para tanto um instrumento sob a forma escrita. Essa pessoa é consumidora, uma vez que é destinatária final, fática e econômica, do tapete; mas o contrato assumiu a forma paritária aplicando-se todo o Código Consumerista, com exceção do que consta do seu art. 54, que conceitua o contrato standard e traz regras quanto a essa figura negocial.
Partindo para outro exemplo, da situação oposta, vejamos o caso de um contrato de franchising ou franquia. O franqueado recebe toda a estrutura do franqueador que cede, inclusive, o direito de utilização da marca. Observa-se que o franqueado recebe toda essa estrutura não como destinatário final, mas para repassá-la aos consumidores finais, que irão adquirir seus produtos ou serviços. O franqueado não é destinatário final econômico do serviço prestado, pois dele retira o seu lucro. Desse modo, o contrato não assume a forma de contrato de consumo, mas, na prática, é contrato de adesão, eis que o franqueador impõe todo o conteúdo do pacto, na grande maioria das vezes.
Como se pode perceber, nesse sentido, este autor é adepto de uma interpretação finalista do CDC, conforme propõe Cláudia Lima Marques (Contratos..., 2003, p. 304-333), razão pela qual não há como concordar com a tendência de ampliar com grandes exageros o conceito de consumidor, assim como fazem os adeptos de uma teoria denominada maximalista.
Seguindo a corrente finalista, somente será consumidor aquele que for destinatário fático e econômico do bem de consumo. Ser destinatário fático significa ser o último da cadeia de consumo. Ser destinatário final econômico significa não utilizar o produto ou o serviço para lucro.
Esse nosso posicionamento foi adotado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, com a aprovação do Enunciado n. 171, pelo qual o contrato de adesão, mencionado nos arts. 423 e 424 do Código Civil, não se confunde com o contrato de consumo.
De qualquer forma, entre os maximalistas, que pretendem ampliar o conceito de consumidor e de contrato de consumo, destaca-se a obra de Alinne Arquette Leite Novaes, que lhe valeu o título de mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sob a orientação de Gustavo Tepedino. Mesmo não concordando com o teor do seu conteúdo, conforme faz Cláudia Lima Marques na apresentação da obra, vale a sua leitura para reflexão (A teoria..., 2001, p. 13).
Nesse trabalho, a partir de uma interpretação do art. 29 do Código de Defesa do Consumidor – que traz o conceito de consumidor por equiparação ou bystander na ótica contratual –, entende a doutrinadora que a Lei Consumerista deve ser aplicada a todos os contratos de adesão, inclusive aos contratos de locação. Vale transcrever, nesse sentido, as suas palavras finais, conclusivas do citado trabalho:
“Concluímos, então, dizendo que o Código de Defesa do Consumidor é totalmente aplicável aos contratos de adesão, em virtude da extensão do conceito de consumidor, equiparando a este todas as pessoas expostas às práticas previstas nos seus Capítulos V e VI, estando, como é sabido, os contratos de adesão disciplinados dentro desse último. E isso ocorre porque a intenção do legislador, ao elaborar o Código de Defesa do Consumidor, foi garantir justiça e equidade aos contratos realizados sob sua égide, para equilibrar partes contratuais em posições diferentes, tutelando de modo especial o partícipe contratual, que julgou ser vulnerável. Assim, entendeu o legislador que a simples exposição ás práticas por ele previstas no CDC era suficiente para gerar uma situação de insegurança e de vulnerabilidade, considerando, portanto, que o simples fato de se submeter a um contrato de adesão colocava o aderente em posição inferior, se equiparando ao consumidor” (NOVAES, Aline Arquette Leite. A teoria..., 2001, p. 165).
Com todo o respeito que merece, não há como concordar com esse posicionamento, adepto da interpretação maximalista da existência da relação jurídica de consumo.
Isso porque outros sistemas jurídicos não podem sucumbir frente ao Código de Defesa do Consumidor, eis que constituem regras específicas aplicáveis a ramos privados, como é o caso da Lei de Locação (Lei 8.245/1991). O Código Civil de 2002, também, não pode perder prestígio frente ao CDC, principalmente em uma visão que prestigia os diálogos legislativos (diálogo das fontes). Além disso, os elementos do contrato de consumo devem ser retirados dos arts. 2.° e 3.° da Lei 8.078/1990, não se confundindo esse conceito com o de contrato de adesão, conforme outrora foi referido.
Mesmo não concordando com a teoria, na essência, entendemos que em alguns casos a teoria maximalista até se justifica, o que para alguns é geradora de uma teoria denominada como finalista aprofundada (para um estudo mais minucioso, ver: TARTUCE, Flávio; ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Manual..., 3. ed., 2014).
Tal ampliação conceitual vale não para todos os casos envolvendo o contrato de adesão, mas para situações em que fica patente a hipossuficiência da pessoa frente à outra parte contratual. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça entende que é consumidor um taxista, quando adquire o seu veículo, que será utilizado para produção. O fundamento da interpretação maximalista daquele Tribunal foi o princípio da isonomia, conforme se extrai dos julgados:
“Direito civil. Vício do produto. Aquisição de veículo zero quilômetro para uso profissional. Responsabilidade solidária. Há responsabilidade solidária da concessionária (fornecedor) e do fabricante por vício em veículo zero quilômetro. A aquisição de veículo zero quilômetro para uso profissional como táxi, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação das normas protetivas do CDC. Todos os que participam da introdução do produto ou serviço no mercado respondem solidariamente por eventual vício do produto ou de adequação, ou seja, imputa-se a toda a cadeia de fornecimento a responsabilidade pela garantia de qualidade e adequação do referido produto ou serviço (arts. 14 e 18 do CDC). Ao contrário do que ocorre na responsabilidade pelo fato do produto, no vício do produto a responsabilidade é solidária entre todos os fornecedores, inclusive o comerciante, a teor do que preconiza o art. 18 do mencionado Codex” (STJ, REsp 611.872/RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 02.10.2012, publicado no Informativo n. 505).
“Código de Defesa do Consumidor. Financiamento para aquisição de automóvel. Aplicação do CDC. O CDC incide sobre contrato de financiamento celebrado entre a CEF e o taxista para aquisição de veículo. A multa é calculada sobre o valor das prestações vencidas, não sobre o total do financiamento (art. 52, § 1.°, do CDC). Recurso não conhecido” (Superior Tribunal de Justiça, Acórdão: REsp 231.208/PE (199900843843), 384732 Recurso Especial, data da decisão: 07.12.2000, Órgão Julgador: Quarta Turma, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, fonte: DJ 19.03.2001, p. 00114, JBCC. vol. 00189, p. 00396, LEXSTJ, vol. 00143, p. 00155. Veja: STJ – REsp 160.861-SP, REsp 57.974/RS, REsp 142.799/RS, AGA 49.124-RS (RSTJ 66/26)).
Na mesma linha, deduz o Superior Tribunal de Justiça pela existência de relação de consumo no caso de compra de um caminhão por um caminhoneiro, também por sua patente vulnerabilidade:
“Civil. Relação de consumo. Destinatário final. A expressão destinatário final, de que trata o art. 2.°, caput, do Código de Defesa do Consumidor abrange quem adquire mercadorias para fins não econômicos, e também aqueles que, destinando-os a fins econômicos, enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade; espécie em que caminhoneiro reclama a proteção do Código de Defesa do Consumidor porque o veículo adquirido, utilizado para prestar serviços que lhe possibilitariam sua mantença e a da família, apresentou defeitos de fabricação. Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp 716.877/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, 3.a Turma, j. 22.03.2007, DJ 23.04.2007, p. 257).
Ainda na mesma esteira de conclusão, mais recentemente, o STJ julgou ser consumidora a costureira que adquire uma máquina de bordar para a sua produção de subsistência. A decisão foi assim publicada no Informativo n. 441 do STJ, com claras lições a respeito do conceito de consumidor:
“CDC. Consumidor. Profissional. A jurisprudência do STJ adota o conceito subjetivo ou finalista de consumidor, restrito à pessoa física ou jurídica que adquire o produto no mercado a fim de consumi-lo. Contudo, a teoria finalista pode ser abrandada a ponto de autorizar a aplicação das regras do CDC para resguardar, como consumidores (art. 2.° daquele código), determinados profissionais (microempresas e empresários individuais) que adquirem o bem para usá-lo no exercício de sua profissão. Para tanto, há que demonstrar sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica (hipossuficiência). No caso, cuida-se do contrato para a aquisição de uma máquina de bordar entabulado entre a empresa fabricante e a pessoa física que utiliza o bem para sua sobrevivência e de sua família, o que demonstra sua vulnerabilidade econômica. Dessarte, correta a aplicação das regras de proteção do consumidor, a impor a nulidade da cláusula de eleição de foro que dificulta o livre acesso do hipossuficiente ao Judiciário. Precedentes citados: REsp 541.867-BA, DJ 16.05.2005; REsp 1.080.719-MG, DJe 17.08.2009; REsp 660.026-RJ, DJ 27.06.2005; REsp 684.613-SP, DJ 1°.07.2005; REsp 669.990-CE, DJ 11.09.2006, e CC 48.647-RS, DJ 05.12.2005” (STJ, REsp 1.010.834/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03.08.2010).
Não obstante a concordância com o teor dos julgados, deduzimos que essa discussão perde relevo com a promulgação do Código Civil de 2002, que traz previsão específica quanto ao contrato de adesão (arts. 423 e 424), muito próxima da proteção constante do CDC. Tais comandos legais, por sua feição sociológica, serão estudados nos comentários em que serão abordados os efeitos internos ou inter partes da função social dos contratos.
O debate também perde força pela emergência da tese do diálogo das fontes, da qual este autor é adepto, pela qual é possível aplicar, ao mesmo tempo, tanto o Código Civil quanto o CDC a um determinado contrato, de forma complementar e desde que isso não prejudique o consumidor. Por diversas vezes, no presente trabalho, serão demonstrados exemplos de aplicação desse diálogo de complementaridade.
Clóvis Beviláqua conceituava a forma como sendo “o conjuncto de solemnidades, que se devem observar, para que a declaração da vontade tenha efficacia juridica. É o revestimento juridico, a exteriorizar a declaração de vontade. Esta é a substancia do acto, que a fórma revela” (Código..., 1977, p. 386).
Na classificação dos contratos, negócios jurídicos por excelência, é mister relembrar que os contratos formais são conceituados como aqueles que somente podem ser celebrados conforme características especiais previstas em lei. Desse modo, “a forma ou solenidade se apresenta, portanto, como uma condição para a formação do contrato, vale dizer, como um elemento constitutivo. Difere, por isto mesmo, da prova, que nenhuma relação guarda com a formação do laço jurídico” (ANDRADE, Darcy Bessone de Vieira. Do contrato..., 1960, p. 112). Essa construção remonta às formalidades da mancipatio, existente no Direito Romano. Para o último doutrinador, não há que se distinguir formalidade de solenidade.
Entretanto, outros doutrinadores preferem fazer distinção entre a solenidade e a forma. Para essa corrente, solenidade significa a necessidade de ato público (escritura pública), enquanto formalidade é a exigência de qualquer forma apontada pela lei, como, por exemplo, a de forma escrita. Seguindo a última corrente, pode-se dizer que a forma é gênero, enquanto a solenidade é espécie.
Pois bem, o Código Civil anterior, no seu art. 129, trazia a previsão de que os negócios jurídicos seriam, regra geral, informais, regra esta mantida integralmente pelo art. 107 do Código Civil, o que facilita a circulação de riqueza e de interesses que objetivam os negócios, à luz da operabilidade. Prevê o comando da atual codificação que “A validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir” (princípio da liberdade das formas). Como é notório, a forma está no plano da validade do contrato, no segundo degrau da Escada Ponteana.
A despeito dessa regra anterior, previa o art. 134, II, do Código Civil de 1916 que a escritura pública somente seria exigida para transmissão de direitos reais sobre imóveis com valor superior a “cinquenta mil cruzeiros, excetuado o penhor agrícola”. A atual codificação atualiza essa regra, prevendo o seu art. 108 que “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóvel de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
Em realidade, esse último comando legal não constitui no todo uma novidade. Comparando-o com a codificação anterior, nota-se que o legislador, inteligente que foi, preferiu utilizar como critério o salário mínimo e não a moeda nacional corrente, ciente das inúmeras possibilidades de desvalorização da moeda, principalmente na sociedade globalizada contemporânea.
Assim, para aqueles que entendem que as expressões são sinônimas, os contratos formais ou solenes são aqueles que exigem uma forma especial para a sua celebração, como é o caso da venda de um imóvel com valor superior a trinta salários mínimos. Por outro lado, os contratos informais ou não solenes são aqueles que admitem a forma livre, como é o caso do contrato do mandato, que pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito (art. 656 do CC).
Dúvida que sempre existiu seria quanto à necessidade de forma escrita para determinados negócios. Seria essa uma formalidade a fazer com que o contrato assuma a característica de contrato formal ou solene? Tudo depende do caminho seguido pelo doutrinador, quanto aos dois conceitos.
Entre os contemporâneos, Maria Helena Diniz responde positivamente, ao apontar que a fiança, por exemplo, exige a referida forma escrita, segundo prevê o art. 819 do CC (Curso..., 2005, p. 99). Para essa autora, as expressões forma e solenidade são sinônimas.
De qualquer forma, repise-se ser mais pertinente seguir o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa que diferencia o contrato solene do formal. Para ele, “O contrato solene entre nós é aquele que exige escritura pública. Outros contratos exigem forma escrita, o que os torna formais, mas não solenes. No contrato solene, a ausência de forma torna-o nulo. Nem sempre ocorrerá a nulidade, e a relação jurídica gerará efeitos entre as partes, quando se trata de preterição de formalidade, em contrato não solene” (Direito civil..., 2003, p. 415).
Tal diferenciação voltará a ser abordada quando do tratamento dos contratos em espécie. De imediato, pode-se afirmar que é melhor seguir a última corrente, pela qual a solenidade constitui uma especificidade da formalidade.
No que toca à independência ou levando-se em conta os contratos reciprocamente considerados, estes podem ser principais ou acessórios.
Os contratos principais ou independentes são aqueles que existem por si só, não havendo qualquer relação de dependência em relação ao outro pacto. Como exemplo, pode ser citado o contrato de locação de imóvel urbano, regido pela Lei 8.245/1991.
Por outra via, os contratos acessórios são aqueles cuja validade depende de um outro negócio, o contrato principal. O exemplo típico é o contrato de fiança, que depende de outro, como, por exemplo, de um contrato de locação de imóvel urbano.
Diante do princípio da gravitação jurídica, pelo qual o acessório segue o principal, tudo o que ocorre no contrato principal repercute no acessório. Desse modo, sendo nulo o contrato principal, nulo será o acessório; sendo anulável o principal o mesmo ocorrerá com o acessório; ocorrendo prescrição da dívida do contrato principal, o contrato acessório estará extinto; e assim sucessivamente.
Por outro lado, o contrato acessório não pode trazer mais obrigações do que o contrato principal, pois haveria violação aos princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade, retirados do art. 5.°, caput, da CF/1988. Em outras palavras, o acessório não pode tomar maiores dimensões do que o contrato principal. Alguns exemplos dessa última conclusão ainda serão apresentados na presente obra.
Todavia, deve ficar claro que o que ocorre no contrato acessório não repercute no principal. Assim sendo, a nulidade do contrato acessório não gera a nulidade do contrato principal; a anulabilidade do contrato acessório não gera a nulidade relativa do principal e assim de forma sucessiva. A conclusão é retirada do art. 184 do CC, segundo o qual, “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”.
Conceito de grande importância para o Direito Civil contemporâneo é o de contratos coligados, situação em que, em regra, existe uma independência entre os negócios jurídicos cujos efeitos estão interligados. Carlos Roberto Gonçalves, citando a melhor doutrina portuguesa, conceitua-os muito bem:
“Contratos coligados são, pois, os que embora distintos, estão ligados por uma cláusula acessória, implícita ou explícita. Ou, no dizer de Almeida Costa, são os que se encontram ligados por um nexo funcional, podendo essa dependência ser bilateral (vende o automóvel e a gasolina); unilateral (compra o automóvel e arrenda a garagem, ficando o arrendamento subordinado à compra e venda); alternativa (compra a casa na praia ou, se não for para lá transferido, loca-a para veraneio). Mantém-se a individualidade dos contratos, mas ‘as vicissitudes de um podem influir sobre o outro’” (Direito..., 2004, p. 92).
Do conceito e dos exemplos citados percebe-se que há certa independência nos contratos coligados, mas há também certa dependência justamente na união parcial, no elo que os liga.
O negócio jurídico em questão é, portanto, intermediário entre os contratos principais e acessórios. Ruy Rosado de Aguiar também esclarece nesse sentido: “Também aqui é possível que os figurantes fujam do figurino comum e enlacem diversas convenções singulares (ou simples) num vínculo de dependência, acessoriedade, subordinação ou causalidade, reunindo-as ou coligando-as de modo tal que as vicissitudes de um possam influir sobre o outro” (Extinção..., 1991, p. 37). Essa natureza híbrida foi reconhecida por nossos Tribunais, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça.
Em uma primeira situação, o STJ entendeu que o inadimplemento de um determinado contrato pode gerar a extinção de outro, diante de uma relação de interdependência:
“Resolução do contrato. Contratos coligados. Inadimplemento de um deles. Celebrados dois contratos coligados, um principal e outro secundário, o primeiro tendo por objeto um lote com casa de moradia, e o segundo versando sobre dois lotes contíguos, para área de lazer, a falta de pagamento integral do preço desse segundo contrato pode levar à sua resolução, conservando-se o principal, cujo preço foi integralmente pago. Recurso não conhecido” (Superior Tribunal de Justiça, acórdão: REsp 337.040/AM (200100917401), 441.929 Recurso Especial, data da decisão: 02.05.2002, Órgão Julgador: Quarta Turma, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, fonte: DJ 01.07.2002, p. 347, RDR, vol. 27, p. 429, RJADCOAS, vol. 43, p. 26).
Em outro caso envolvendo contratos coligados, o mesmo Tribunal Superior entendeu que o contrato de trabalho entre clube e atleta profissional seria o negócio principal, sendo o contrato de exploração de imagem o negócio jurídico acessório. Essa interpretação foi importante para fixar a competência para apreciar a lide envolvendo o pacto, no caso da Justiça do Trabalho:
“Conflito de competência. Clube esportivo. Jogador de futebol. Contrato de trabalho. Contrato de imagem. Celebrados contratos coligados, para prestação de serviço como atleta e para uso da imagem, o contrato principal é o de trabalho, portanto, a demanda surgida entre as partes deve ser resolvida na Justiça do Trabalho. Conflito conhecido e declarada a competência da Justiça Trabalhista” (Superior Tribunal de Justiça, acórdão: CC 34.504/SP (200200130906), 490.339 Conflito de Competência, data da decisão: 12.03.2003, Órgão Julgador: Segunda Seção, rel. Min. Nancy Andrighi, rel. acórdão: Min. Ruy Rosado de Aguiar, fonte: DJ 16.06.2003, p. 256, RDDP, vol. 5, p. 211, RDR, vol. 27, p. 252).
A conclusão da última ementa foi repetida em outro acórdão, mais recente, que merece ser colacionado:
“Agravo regimental no conflito positivo de competência. Contratos coligados de trabalho e de cessão de imagem firmado entre jogador de futebol e clube desportivo. Competência da justiça trabalhista. Decisão mantida. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no CC 69.689/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 23.09.2009, DJe 02.10.2009).
Voltando à doutrina, entre os civilistas da nova geração, Carlos Nelson Konder procura relacionar a realidade dos contratos coligados ou conexos à função social e à causa do contrato. São suas palavras: “O conceito de contratos conexos é bastante abrangente e pode ser descrito – mas não definido – pela utilização de uma pluralidade de negócios para a realização de uma mesma operação econômica” (Contratos..., 2006, p. 275-277). Ensina o autor que na Itália utiliza-se a expressão coligação contratual; na França, grupos de contratos; na Argentina, redes contratuais, conceito desenvolvido por Ricardo Lorenzetti. Conclui-se que os contratos coligados ou conexos constituem realidade de grande importância atual para a teoria geral dos contratos. A demonstrar a importância do tema, na V Jornada de Direito Civil, em novembro de 2011, aprovou-se o seguinte enunciado: “Os contratos coligados devem ser interpretados segundo os critérios hermenêuticos do Código Civil, em especial os dos arts. 112 e 113, considerada a sua conexão funcional” (Enunciado n. 420).
Levando-se em conta o momento de cumprimento, assim como as obrigações, os contratos podem ser instantâneos (ou de execução imediata), de execução diferida e de execução continuada (ou trato sucessivo).
Os contratos instantâneos ou de execução imediata são aqueles que têm aperfeiçoamento e cumprimento de imediato, caso de uma compra e venda à vista.
Por outra via, os contratos de execução diferida têm o cumprimento previsto de uma vez só no futuro. O exemplo típico é uma compra e venda pactuada com pagamento por cheque pré ou pós-datado.
Por fim, os contratos de execução continuada ou de trato sucessivo têm o cumprimento previsto de forma sucessiva ou periódica no tempo. É o caso de uma compra e venda cujo pagamento deva ser feito por meio de boleto bancário, com periodicidade mensal, quinzenal, bimestral, trimestral ou qualquer outra forma sucessiva.
Frise-se que tais formas negociais podem referir-se a ambos os deveres contratuais, dentro da ideia de sinalagma. Na compra e venda, por exemplo, podem dizer respeito à entrega da coisa ou ao pagamento do preço.
Outrossim, anote-se que, em regra, os contratos instantâneos já cumpridos não podem ser alterados por fato superveniente, seja por meio da revisão por imprevisibilidade (art. 317 do CC) ou da revisão por simples onerosidade excessiva (art. 6.°, V, do CDC). A matéria será aprofundada quando do tratamento da revisão dos contratos pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor.
Os contratos pessoais, personalíssimos ou intuitu personae são aqueles em que a pessoa do contratante é um elemento determinante de sua conclusão. Diante desse fato, o contrato não pode ser transmitido por ato inter vivos ou mortis causa, ou seja, pelo falecimento da parte.
Ocorrendo a morte do contratante que assumiu uma obrigação infungível, insubstituível, ocorrerá a extinção desse contrato pela cessação contratual. Ocorrendo a cessão inter vivos sem a devida autorização, esse fato poderá motivar a resolução do contrato em virtude do inadimplemento contratual.
O exemplo típico de negócio pessoal é o contrato de fiança, uma vez que a condição de fiador não se transmite aos herdeiros, mas somente as obrigações vencidas e não pagas enquanto era vivo o fiador e até os limites da herança (art. 836 do CC). Cite-se, ainda, a prestação de serviços, que é extinta com a morte de qualquer das partes, conforme a dicção do art. 607 da codificação privada.
Por outra via, os contratos impessoais são aqueles em que a pessoa do contratante não é juridicamente relevante para a conclusão do negócio. Isso ocorre na compra e venda de um determinado bem, hipótese em que a causa do contrato está relacionada com a transmissão do domínio. Eventualmente, pode ocorrer a transmissão dessa obrigação, por ato inter vivos ou mortis causa, em casos especificados em lei ou contrato e que serão estudados em breve.
Na classificação quanto às pessoas envolvidas, serão utilizados os conceitos de Roberto Senise Lisboa (Manual..., 2005, p. 190). As construções a seguir demonstram que está superada aquela velha regra pela qual os contratos não envolvem a ordem pública, não sendo possível a eventual intervenção do Ministério Público em casos relacionados com essas figuras negociais patrimoniais. Vejamos essa importante classificação do promotor de justiça paulista:
a) Contrato individual ou intersubjetivo: é aquele que conta com apenas um sujeito em cada polo da relação jurídica.
b) Contrato individual plúrimo: é aquele que conta com mais de um sujeito em um ou em ambos os polos da relação jurídica.
c) Contrato individual homogêneo: é aquele realizado por uma entidade, com autorização legal, para representar os interesses de pessoas determinadas, cujos direitos são predeterminados ou preestabelecidos, havendo uma relevância social.
d) Contrato coletivo: é aquele que possui, ao menos em um dos polos, uma entidade autorizada pela lei para a defesa dos interesses de um grupo, classe ou categoria de pessoas indeterminadas, porém determináveis, vinculadas por uma relação jurídica-base (caso do contrato coletivo de trabalho, celebrado por sindicato).
e) Contrato difuso: é aquele que possui, ao menos em um dos polos, uma entidade que tenha autorização legal para a defesa dos interesses de pessoas indeterminadas, vinculadas por uma situação de fato (caso de um termo de compromisso firmado entre o Ministério Público e uma empresa fornecedora de um determinado produto que esteja fora das especificações legais).
Pois bem, em havendo questão contratual envolvendo interesses difusos e coletivos, terá o Ministério Público legitimidade para defesa de tais direitos. Quanto aos interesses individuais homogêneos indisponíveis, vale a mesma tese para os casos de relevância social. O julgado a seguir, do STJ, envolvendo contratos para a compra da casa própria, traz um resumo do tratamento jurisprudencial que vem sendo dado ao assunto:
“Processo civil. Ação civil pública. Legitimidade ativa do Ministério Público. Reajustes de prestações. Sistema financeiro de habitação. CF, art. 129, III, Lei 7.347/85. Lei 8.625/93. Utilização da TR como índice de correção monetária dos contratos do SFH. Decisão liminar proferida em sede de ação civil pública mantida pelo tribunal de origem. Ausência de pronunciamento definitivo quanto ao mérito” (Superior Tribunal de Justiça, REsp 586.307/MT, 1.a Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 14.09.2004, DJ 30.09.2004, p. 223).
Do julgado transcrito, é interessante destacar o seguinte trecho: “Em consequência, legitima-se o ‘Parquet’ a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc.), sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade). Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. Precedentes do STJ: AARESP 229.226/RS, rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 07.06.2004; REsp 183.569/AL, deste relator, Primeira Turma, DJ 22.09.2003; REsp 404.239/PR; rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ 19.12.2002; ERESP 141.491/SC; rel. Min. Waldemar Zveiter, Corte Especial, DJ 01.08.2000. Nas ações que versam interesses individuais homogêneos, esses interesses transindividuais participam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A despatrimonialização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais”.
Essa legitimidade do Ministério Público para a defesa de interesses contratuais individuais homogêneos e de relevância social foi confirmada em outro julgado do STJ, da relatoria da Ministra Fátima Nancy Andrighi, que merece elogios: “Direito do consumidor e processual civil. Agravo no recurso especial. Recurso especial. Ação civil pública. Legitimidade ativa. Ministério Público. Contratos de financiamento celebrados no âmbito do SFH. Direitos individuais homogêneos. CDC. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública que cuida de direitos individuais homogêneos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Negado provimento ao agravo no recurso especial” (STJ, AgRg no REsp 633.470/CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. 29.11.2005, DJ 19.12.2005, p. 398).
Os arestos demonstram que o contrato tem hoje um papel social relevante. Com isso adianta-se outra aplicação importante do princípio da função social dos contratos, que pode ter eficácia externa, para além das partes contratantes, visando à tutela dos interesses difusos em sentido amplo.
Por fim, assim como fazem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, os contratos podem ser classificados quanto à definitividade (Novo curso..., 2005, p. 157) em contratos definitivos e contratos preliminares.
Inicialmente, os contratos preliminares ou pré-contratos (pactum de contrahendo) são negócios que tendem à celebração de outros, denominados contratos definitivos. Esses últimos não têm qualquer dependência futura, no aspecto temporal.
O contrato preliminar está tratado de forma específica no Código Civil de 2002, entre os arts. 462 e 466, tema que será estudado quando do capítulo que trata da formação do contrato (Capítulo 3).
1. (Procurador da República – 18.° PGR/MPF – 2002) Assinale a alternativa correta:
(A) assim como ocorre com a cláusula penal, a multa penitencial é instituída em beneficio do credor;
(B) enquanto a acessão altera a substância da coisa, a benfeitoria gera conservação, melhoramento ou aformoseamento da coisa;
(C) segundo o princípio da continuidade, a norma jurídica terá vigência pelo tempo de duração previamente fixado pelo legislador;
(D) os contratos de depósito e seguro são consensuais.
2. (Juiz Federal – TRF 1.a Região – 2002) Examine as proposições a seguir e assinale a alternativa correta:
I – nos contratos unilaterais, com exceção do mútuo, quem suporta os riscos é o credor.
II – no contrato de depósito, a entrega da coisa integra o segmento da execução do contrato.
III – à luz do Código Civil, as ações redibitória e estimatória (quanti minoris) podem ser cumuladas, a critério da parte.
IV – a exceção de inexecução somente é compatível com os contratos bilaterais imperfeitos.
(A) somente a IV está incorreta.
(B) somente a I e a IV estão incorretas.
(C) somente a I está correta.
(D) somente a I e a III estão corretas.
3. (Juiz Federal – TRF 1.a Região – 2002) Em face das asserções seguintes, assinale a alternativa correta:
I – todo contrato é um negócio jurídico e todo negócio jurídico é um contrato, pois em ambos existe sempre a conjunção de vontades.
II – segundo a teoria preceptiva, o negócio jurídico é um instrumento da autonomia privada.
III – a teoria normativista do negócio jurídico foi desenvolvida sistematicamente, na Itália, por Santi-Romano.
IV – o reconhecimento de um filho, a elaboração de um testamento e a fixação de domicílio são atos jurídicos não negociais.
(A) todas estão corretas.
(B) somente a III está correta.
(C) somente a II e a IV estão corretas.
(D) somente a II está correta.
4. (Promotor de Justiça/TO – 2004) Com referência aos contratos, julgue os itens a seguir.
I – No contrato de adesão, os contratantes sofrem limitação na liberdade de contratar em razão da função social do contrato. O mesmo não acontece nos contratos paritários, em que as partes têm liberdade contratual plena.
II – O princípio da boa-fé objetiva implica o dever das partes de agir com boa-fé, sem o intuito de prejudicar ou de obter vantagens indevidas, desde as tratativas iniciais até a formação, a execução e a extinção do contrato.
III – Os contratantes podem resilir bilateralmente um contrato de trato sucessivo por meio de um distrato, ou seja, podem estabelecer um contrato modificativo com eficácia retroativa.
IV – Ante a impossibilidade de cumprimento obrigacional pela onerosidade excessiva, deve a parte prejudicada requerer judicialmente a revisão do contrato, podendo a outra parte opor-se a esse pedido, pleiteando a resolução do contrato sem pagamento de qualquer indenização.
V – O desequilíbrio econômico do contrato não é motivo suficiente para que ele possa ensejar sua modificação ou resolução no interesse da comutatividade dos contratos.
Estão certos apenas os itens
(A) I e III.
(B) I e IV.
(C) II e III.
(D) II e IV.
(E) IV e V.
5. (Juiz de Direito – MS – 2001) Assinale a alternativa correta.
(A) A emptio spei é uma das modalidades de compra e venda aleatória, que se verifica quando uma das prestações pode falhar, havendo para cada uma das partes a chance de ganho ou perda.
(B) A substituição de dinheiro por coisa, consentida pelo vendedor depois de concluído o contrato de compra e venda, converte-o em troca ou permuta.
(C) No contrato de empreitada, o comitente tem o direito de exigir do dono da obra que a aceite uma vez concluída nos termos contratuais.
(D) Apólice plúrima é aquela em que a substituição da coisa segurada está prevista, fazendo-se o seguro por uma soma global, como se verifica em relação a mercadorias armazenadas.
6. (Juiz do Trabalho – 3.a Região – 2001) Assinale a alternativa incorreta:
(A) O distrato faz-se pela mesma forma que o contrato. Mas a quitação vale, qualquer que seja a sua forma.
(B) Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratante diminuição em seu patrimônio, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a parte, a quem incumbe fazer prestação em primeiro lugar, recusar-se a esta, até que a outra satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
(C) Nos contratos unilaterais, responde por simples culpa o contratante a quem o contrato aproveita e, só por dolo, aquele a quem não favoreça.
(D) As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistem nos juros de mora e custas, sem prejuízo da pena convencional.
(E) Se o credor não alegar prejuízo, o devedor não é obrigado ao pagamento dos juros de mora, quando não se tratar de prestação em dinheiro.
7. (Juiz de Direito – MG – 2005) De acordo com a Lei 8.078/1990, o contrato de adesão se caracteriza como aquele:
(A) em que não se admite a cláusula resolutória.
(B) cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
(C) que contém cláusula estipulando execução de serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor.
(D) em cujas cláusulas prevalece-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe produtos ou serviços.
8. (Juiz Federal – TRF 4.a Região – 2005) Assinalar a alternativa INCORRETA. Quanto à classificação dos contratos, pode-se dizer que:
(A) o contrato de compra e venda é consensual e principal, entre outras classificações possíveis.
(B) o contrato de doação manual (bens móveis de pequeno valor), obrigatoriamente, será real.
(C) o contrato de fiança é principal e sinalagmático, entre outras classificações possíveis.
(D) o contrato de locação é principal, não solene e sinalagmático, entre outras classificações possíveis.
9. (Magistratura do Estado de Goiás – 2005) Assinale a alternativa falsa:
(A) o Código Civil vigente, no que se refere aos “contratos em geral”, contempla o princípio da função social do contrato;
(B) ocorre ‘lesão’ quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta;
(C) há casos em que o Código Civil vigente não exige que o distrato se faça pela mesma forma exigida para o contrato;
(D) nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
10. (Ministério Público do Estado de Goiás – 2005) Analise os enunciados a seguir e, após, assinale a alternativa correta:
I – A vontade livre é um dos elementos de validade do negócio jurídico e o art. 104 do Código Civil faz menção expressa a este requisito.
II – No plano de eficácia do negócio jurídico estão os elementos relacionados à suspensão ou resolução dos direitos e deveres.
III – A eficácia dos negócios se refere à produção de efeitos, que podem existir ou não, sem prejuízo de sua validade.
IV – O Código Civil atual, diferentemente do anterior, adota de forma expressa e distinta a teoria da “escada pontiana” formulada por Pontes de Miranda que tem por finalidade explicar os elementos essenciais, naturais e acidentais do negócio jurídico.
V – A qualidade de ser sujeito de direito é um requisito de validade do negócio jurídico.
VI – A “vis compulsiva” é um vício do consentimento que consiste em retirar toda capacidade de manifestação de vontade do agente, acarretando a nulidade absoluta do negócio.
(A) as alternativas II, III e IV estão corretas
(B) as alternativas II e V estão corretas
(C) somente as alternativas I, V e VI estão corretas
(D) as alternativas II e III estão corretas.
11. (27.° Concurso Promotor de Justiça – MPDFT) Ainda a respeito dos contratos, assinale a opção incorreta.
(A) O contrato é um negócio jurídico resultante da manifestação da autonomia da vontade das partes, no qual devem coexistir harmonicamente a função econômica e a função social, esta no interesse individual da parte economicamente mais fraca da relação contratual e aquela no interesse da coletividade que necessita do equilíbrio econômico do mercado e da segurança jurídica.
(B) Tratando-se de relação de consumo e de contrato de adesão, há presunção legal do poder negocial dominante e presunção absoluta de que o consumidor e o aderente são juridicamente vulneráveis, pois submetidos ao poder negocial do outro contratante.
(C) O princípio da equivalência material busca preservar a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes.
(D) Admite-se a intervenção judicial nos contratos quando ocorrer uma causa superveniente ao contrato, capaz de gerar mudanças nas condições econômicas sob as quais foi celebrado o contrato, ocasionando a onerosidade excessiva decorrente de evento extraordinário e imprevisível ou, nos contratos de consumo, por fatos supervenientes, mesmo previsíveis, que tornem as prestações excessivamente onerosas.
(E) O dever de informar manifesta-se na fase pré-contratual pela imposição da obrigatoriedade de o contratante fornecer ao outro todas as informações necessárias para que ele possa formar uma opinião esclarecida quanto a firmar ou não o contrato.
12. (Magistratura Federal – 3.a Região – 2001) Nos chamados contratos de consumo regidos pelo Código de Defesa do Consumidor CDC, aprovado pela Lei 8.078, de 11.09.1990:
(A) somente por iniciativa das Curadorias de Proteção ao consumidor do Ministério Público as cláusulas abusivas poderão ser revistas, para o fim de adequá-las às disposições do CDC;
(B) só ao fornecedor é assegurado o direito de pleitear a revisão de cláusulas contratuais se delas decorrer onerosidade excessiva;
(C) por ser aplicável a esses contratos o princípio pacta sunt servanda, nem consumidor, nem fornecedor poderão se furtar ao cumprimento de todas as cláusulas contratuais, mesmo que algumas dessas cláusulas estabeleçam prestações desproporcionais;
(D) o rigor do dogma da intangibilidade do conteúdo do contrato (pacta sunt servanda) pode ser mitigado tanto para o consumidor, como para o próprio fornecedor, em hipóteses previstas no CDC das quais decorra onerosidade excessiva.
13. (Juiz Federal – TRF 2.a Região – 2005 – Exame oral) Quais são os elementos essenciais e os acidentais de um contrato? O que é elemento específico do contrato?
A resposta pode ser dada com base no estudo da Escada Ponteana.
Os elementos essenciais são partes capazes; vontade livre (sem vícios); objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita e não defesa em lei. Os elementos acidentais do contrato estão no plano da eficácia, caso da condição, termo e encargo. Por fim os elementos específicos do contrato são os elementos naturais, que o identificam, caso do preço na compra e venda e do aluguel na locação. Os elementos naturais podem ser também essenciais.
14. (Magistratura de Mato Grosso – Segunda fase – 2006) Identifique a relação entre o Direito Civil e o Direito do Consumidor e discorra sobre o âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, considerando o conceito de relação de consumo.
GABARITO OFICIAL. O candidato deve tratar dos seguintes temas:
1) A relação do CDC e do C. Civil de 1916.
2) A relação do CDC e do C. Civil de 2002.
3) Os conceitos de consumidor: arts. 2.°, 17 e 29 do CDC.
4) O conceito de fornecedor: art. 3.° do CDC.
5) O conceito de relação de consumo.
Comentários: Também deveria ser exposta a tese do diálogo das fontes, com a possibilidade de diálogo entre as referidas leis.
15. (179.° Concurso da Magistratura do Estado de São Paulo – 2006 – 2.a Fase) Direito Civil – Dissertação. Plano de Saúde. Contratos que o estabelecem. Sua natureza e elementos característicos. Atos normativos que regulam as relações entre os contratantes. Coberturas obrigatórias e exclusões permitidas pela lei. Regras a serem obedecidas nas cláusulas restritivas e na interpretação dos contratos.
Resposta: A dissertação poderia estar baseada na tese do diálogo das fontes, com a menção do diálogo de complementaridade entre o Código Civil (regras do contrato de seguro), o Código de Defesa do Consumidor e a Lei n. 9.656/1998. Quanto às cláusulas, poderiam ser mencionados os princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva.
16. (87.° MP/SP – 2010) Assinale a alternativa correta:
(A) o princípio da autonomia privada, segundo o qual o sujeito de direito pode contratar com liberdade, está limitado à ordem pública e à função social do contrato.
(B) a exigência da boa-fé se limita ao período que vai da conclusão até a execução do contrato.
(C) segundo o entendimento sumular, a cláusula contratual limitativa de dias de internação hospitalar é perfeitamente admissível quando comprovado que o contratante do seguro saúde estava ciente do seu teor.
(D) a função social justifica o descumprimento do contrato, com fundamento exclusivo na debilidade financeira.
(E) os contratos atípicos não exigem a observância rigorosa das normas gerais fixadas no Código Civil, pois que nestes casos os contratantes possuem maior liberdade para contratar.
17. (Defensoria Pública da União – CESPE/2010) A respeito das cláusulas abusivas em contrato de consumo, julgue os próximos itens.
17.1. O direito nega qualquer efeito à cláusula de contrato tida por abusiva, visto que é considerada eivada de nulidade absoluta.
17.2. O juiz pode utilizar-se do critério da equidade, para identificar a abusividade de cláusula contratual.
17.3. Diante de cláusula-preço lesionária, o consumidor deve requerer a nulidade, sendo-lhe vedado requerer a modificação, visto que o juiz não poderá impor nova cláusula ao contrato.
1 – B |
2 – D |
3 – B |
4 – D |
5 – A |
6 – E |
7 – B |
8 – C |
9 – C |
10 – B |
11 – A |
12 – D |
16 – A |
17 – 17.1 – Certo; |