Sumário: 7.1 Conceito de compra e venda e seus elementos principais – 7.2 Natureza jurídica do contrato de compra e venda – 7.3 A estrutura sinalagmática e os efeitos da compra e venda. A questão dos riscos e das despesas advindas do contrato – 7.4 Restrições à compra e venda: 7.4.1 Da venda de ascendente a descendente (art. 496 do CC); 7.4.2 Da venda entre cônjuges (art. 499 do CC); 7.4.3 Da venda de bens sob administração. As restrições constantes do art. 497 do CC; 7.4.4 Da venda de bens em condomínio ou venda de coisa comum – O direito de prelação legal do condômino (art. 504 do CC) – 7.5 Regras especiais da compra e venda: 7.5.1 Venda por amostra, por protótipos ou por modelos (art. 484 do CC); 7.5.2 Venda a contento ou sujeita a prova (arts. 509 a 512 do CC); 7.5.3 Venda por medida, por extensão ou ad mensuram (art. 500 do CC); 7.5.4 Venda de coisas conjuntas (art. 503 do CC) – 7.6 Das cláusulas especiais da compra e venda: 7.6.1 Cláusula de retrovenda; 7.6.2 Cláusula de preempção, preferência ou prelação convencional; 7.6.3 Cláusula de venda sobre documentos; 7.6.4 Cláusula de venda com reserva de domínio – 7.7 Resumo esquemático – 7.8 Questões correlatas – Gabarito.
O art. 481 do CC/2002, seguindo o princípio da operabilidade – no sentido de facilitação dos institutos privados –, conceitua a compra e venda como sendo o contrato pelo qual alguém (o vendedor) se obriga a transferir ao comprador o domínio de coisa móvel ou imóvel mediante uma remuneração, denominada preço. Portanto, trata-se de um contrato translativo, mas que por si só não gera a transmissão da propriedade.
Como é notório, regra geral, a propriedade móvel se transfere pela tradição (entrega da coisa) enquanto a propriedade imóvel transfere-se pelo registro do contrato no Cartório de Registro Imobiliário (CRI). Dessa forma, o contrato de compra e venda traz somente o compromisso do vendedor em transmitir a propriedade, denotando efeitos obrigacionais (art. 482 do CC). Em outras palavras, o contrato é translativo no sentido de trazer como conteúdo a referida transmissão, que se perfaz pela tradição nos casos que envolvem bens móveis ou pelo registro, nas hipóteses de bens imóveis (Diniz, Maria Helena. Código..., 2005, p. 448). O julgado a seguir demonstra essa realidade jurídica:
“Civil. Compra e venda. Imóvel. Transcrição. Matéria de prova. I – Ensina a doutrina que na compra e venda de imóvel a transcrição no registro imobiliário do título translativo da propriedade apenas completa, ainda que necessariamente, a operação iniciada com o contrato, ou qualquer outro negócio translativo. O modus é condicionado pelo titulus. O registro é ato automático, independente de providências do transmitente. II – Em sede do Especial, inviável qualquer intento no sentido de reexame de matéria que envolva reavaliação de provas. III – Recurso não conhecido” (STJ, REsp 5.801/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, 3.ª Turma, j. 10.12.1990, DJ 04.02.1991, p. 576).
É interessante apontar, ainda, que a coisa transmitida deve ser corpórea, pois se for incorpórea não há compra e venda, mas contrato de cessão de direitos. Na visão clássica e contemporânea, os elementos da compra e venda são os seguintes:
a) Partes (comprador e vendedor), sendo implícita a vontade livre, o consenso entre as partes, sem vícios (consensus).
b) Coisa (res).
c) Preço (pretium).
Primeiramente, quanto às partes, essas devem ser capazes sob pena de nulidade ou anulabilidade da compra e venda, o que depende da modalidade de incapacidade. Nesse sentido, não se pode esquecer das regras especiais de legitimação, como a que consta do art. 1.647, I, do CC, que trata da necessidade de outorga conjugal para venda de bens imóveis a terceiros. Não havendo tal outorga (uxória ou marital), a compra e venda será anulável (art. 1.649 do CC), desde que proposta ação anulatória pelo cônjuge no prazo decadencial de dois anos, contados da dissolução da sociedade conjugal. A referida outorga é dispensável se o regime entre os cônjuges for o da separação absoluta.
No que concerne ao consentimento emitido pelas partes, que deve ser livre e espontâneo, deve ainda recair sobre os demais elementos do contrato de compra e venda, quais sejam a coisa e o preço. Em havendo um dos vícios do consentimento (erro, dolo, coação moral, estado de perigo e lesão), o contrato de compra e venda é anulável, conforme as regras que constam da Parte Geral do Código Civil (art. 171, II, do CC).
A coisa deve ser lícita, determinada (coisa certa) ou determinável (coisa incerta, indicada pelo gênero e quantidade). O art. 483 do CC trata da compra e venda de coisa futura, como ocorre nas vendas sob encomenda. Mas essa coisa futura deve existir em posterior momento sob pena de ineficácia do contrato, salvo se a intenção das partes era celebrar um contrato aleatório, dependente da sorte ou risco. Aliás, diante da boa-fé objetiva a doutrina recomenda que, no momento da realização do contrato de venda sob encomenda, o vendedor já tenha a coisa à sua disposição (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil..., 2003, p. 33). Caso contrário, poderá estar caracterizada situação em que o vendedor pretende transmitir coisa que não lhe pertence (venda a non domino). Ilustrando a hipótese, relacionada à emissão de títulos de crédito, da jurisprudência paulista:
“Ação declaratória de inexigibilidade de título c/c indenização por danos morais. Duplicatas sacadas indevidamente e levadas a protesto. Alegação do réu de ‘venda futura’. Impossibilidade, no caso, porque o réu vendeu mercadorias que não lhe pertenciam, emitindo notas fiscais e duplicatas sem concretizar o negócio. Inteligência do art. 483, do Novo Código Civil. Registro de inidoneidade financeira. Ato que por si só acarreta preconceito e gera difamação. Dever de indenizar que é de rigor. Valor da indenização fixado de acordo com precedentes da jurisprudência. Sentença mantida. Recurso improvido” (TJSP, Apelação n. 991.06.060682-7, Acórdão n. 4508389, Americana, Décima Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des.ª Ligia Araujo Bisogni, julgado em 12.05.2010, DJESP 09.06.2010).
A coisa deve ser também alienável, ou seja, deve ser consumível no âmbito jurídico, conforme consagra a segunda parte do art. 86 do CC (consuntibilidade jurídica). A venda de um bem inalienável, caso do bem de família voluntário ou convencional (arts. 1.711 a 1.722 do CC), é considerada nula, seja pela ilicitude do objeto (art. 166, II) ou por fraude à lei imperativa (art. 166, VI).
No tocante ao preço, remuneração do contrato, este deve ser certo e determinado e em moeda nacional corrente, pelo valor nominal, conforme consta do art. 315 do CC (princípio do nominalismo). O preço, em regra, não pode ser fixado em moeda estrangeira ou em ouro, sob pena de nulidade absoluta do contrato (art. 318 do CC). Exceção deve ser feita para a compra e venda internacional, nos termos do Decreto-lei 857/1969.
Cumpre salientar que o preço pode ser cotado dessas formas, desde que conste o valor correspondente em Real, nossa moeda nacional corrente. Isso porque o art. 487 da codificação consagra a licitude dos contratos de compra e venda cujo preço é fixado em função de índices ou parâmetros suscetíveis de objetiva determinação, caso do dólar e do ouro (preço por cotação).
O preço pode ser arbitrado pelas partes ou por terceiro de sua confiança (preço por avaliação), conforme faculta o art. 485 do CC. A título de exemplo, cite-se que é comum, na venda de bens imóveis, a avaliação por uma imobiliária ou por um especialista do ramo. No que interessa a essa confiança, deve-se mencionar que o princípio da boa-fé objetiva está implícito nesse comando legal. Se esse terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato (ineficácia), salvo quando os contratantes concordarem em indicar outra pessoa.
Em complemento, determina o art. 486 do CC que o preço pode ser fixado conforme taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar. É de se concordar com Maria Helena Diniz quando afirma que “se a taxa de mercado ou de bolsa variar no dia marcado para fixar o preço, este terá por base a média da oscilação naquela data” (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2005, p. 451). Isso para evitar a onerosidade excessiva, o desequilíbrio negocial, à luz da função social do contrato e da boa-fé objetiva.
O art. 488 do CC é uma novidade da atual codificação. Dispõe esse comando legal que “convencionada a venda sem fixação do preço ou de critérios para a sua determinação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor. Parágrafo único. Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço, prevalecerá o termo médio”.
Aqui, surge a seguinte dúvida: há previsão no art. 488 do CC de compra e venda sem preço? A resposta é negativa. Conforme leciona Paulo Luiz Netto Lôbo, “não há compra e venda sem preço, pois o comando legal em questão menciona que, se não houver preço inicialmente fixado, deverá ser aplicado o preço previsto em tabelamento oficial; ou, ausente este, o preço de costume adotado pelo vendedor. Ademais, na falta de acordo, deverá ser adotado o termo médio, a ser fixado pelo juiz” (Código..., 2004, p. 265). Nesse sentido, a conclusão constante em enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, de autoria de Cristiano Zanetti: “Na falta de acordo sobre o preço, não se presume concluída a compra e venda. O parágrafo único do art. 488 somente se aplica se houverem diversos preços habitualmente praticados pelo vendedor, caso em que prevalecerá o termo médio” (Enunciado n. 440).
Em complemento, entende Paulo Lôbo, com razão, que o preço de tabelamento envolve matéria de ordem pública, não podendo ser sobreposto por outro preço fixado pela autonomia privada, por aplicação do princípio da função social dos contratos, que, na sua eficácia interna, limita a liberdade das partes (Código..., 2004, p. 265).
O art. 489 do CC estabelece a nulidade da compra e venda se a fixação do preço for deixada ao livre-arbítrio de uma das partes. Surge outra dúvida atroz: como interpretar esse dispositivo diante da prevalência dos contratos de adesão em que o preço é determinado de forma unilateral, imposto por uma das partes? Na verdade, o comando legal em questão só está proibindo o preço cartelizado, ou seja, manipulado por cartéis – grupo de empresas que se reúnem para estabelecer acordos sobre fixação elevada de preços e cotas de produção para cada membro, com o fim de dominar o mercado e disciplinar a concorrência –, o que caracteriza abuso do poder econômico (Lei 8.884/1994). Essa deve ser a correta interpretação do dispositivo, para salvá-lo e dar a ele um sentido prático. Realmente, o comando legal deveria ter sido suprimido da atual codificação, pois não se coaduna com a realidade contemporânea do Império dos Contratos-Modelo ou estandardização contratual, em que prevalecem os contratos padronizados (standard) ou de adesão.
Superada a análise dos elementos fundamentais da compra e venda, passamos ao estudo da sua natureza jurídica, de suas características principais.
Como se expôs, buscar a natureza jurídica de um determinado contrato é buscar a sua classificação diante das mais diversas modalidades contratuais. Pode-se afirmar que a compra e venda possui as seguintes características:
a) O contrato de compra e venda é bilateral ou sinalagmático, havendo sinalagma (direitos e deveres proporcionais entre as partes, que são credoras e devedoras entre si).
b) Constitui contrato oneroso, porque há sacrifícios patrimoniais para ambas as partes, ou seja, para o comprador e para o vendedor (prestação + contraprestação). Essa onerosidade é confirmada pela presença de uma remuneração que é denominada preço.
c) Por regra, a compra e venda é contrato comutativo porque as partes já sabem de antemão quais serão as suas prestações. Eventualmente, incidirá o elemento álea ou sorte, podendo a compra e venda assumir a forma de contrato aleatório, envolvendo riscos. Em casos tais, surgem duas vendas aleatórias (arts. 458 a 461 do CC): i) venda de coisas futuras quanto à existência (art. 458 do CC) e à quantidade (art. 459 do CC); e ii) venda de coisas existentes, mas expostas a risco (art. 460 do CC). Em relação à venda de coisas futuras, o risco do contrato pode referir-se:
– Venda da esperança quanto à existência da coisa ou venda da esperança (Emptio spei) – refere-se à assunção de riscos por um dos contratantes quanto à existência da coisa, caso em que o outro terá direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir. No contrato em questão não é fixada nem mesmo uma quantidade mínima como objeto, fazendo que o risco seja maior.
– Venda da esperança quanto à quantidade da coisa ou venda da esperança com coisa esperada (Emptio rei speratae) – refere-se à assunção de riscos por um dos contratantes quanto à quantidade da coisa, caso em que o alienante terá direito a todo o preço, desde que de sua parte não tenha concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada. Nessa situação é fixada uma quantidade mínima para a compra, ou seja, neste contrato há um objeto mínimo fixado para compra e venda. As condições para negociar o preço são piores porque o risco é menor; há uma taxa mínima em relação ao objeto.
Nas hipóteses de venda de coisas já existentes, mas expostas a risco assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, ainda que a coisa não mais exista, no todo ou em parte, no dia da formalização do contrato (art. 460 do CC). Entretanto, o contrato poderá ser anulado se o prejudicado provar que o outro contratante agiu com dolo, ou seja, que não ignorava a consumação a que no contrato se considerava exposta a coisa (art. 461 do CC).
d) Pode surgir a dúvida se a compra e venda é um contrato consensual (que tem aperfeiçoamento com a manifestação da vontade) ou real (o aperfeiçoamento ocorre com a entrega da coisa). Na verdade, a compra e venda assume a primeira categoria, pois o aperfeiçoamento ocorre com a composição das partes. Isso pode ser retirado do art. 482 do CC (“A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço”). A entrega da coisa ou o registro do negócio no CRI, como apontado, não tem qualquer relação com o seu aperfeiçoamento de validade, e sim com o cumprimento do contrato, com a eficácia do negócio jurídico, particularmente com a aquisição da propriedade pelo comprador.
e) A compra e venda pode ser negócio formal (solene) ou informal (não solene). Repise-se que este autor segue o entendimento doutrinário segundo o qual a solenidade está relacionada com a escritura pública e não com a forma escrita (formalidade é gênero, solenidade é espécie). O contrato de compra e venda exige escritura pública quando o valor do bem imóvel objeto do negócio for superior a 30 salários mínimos (art. 108 do CC), sendo em casos tais um contrato formal e solene. Caso o imóvel tenha valor inferior ou igual a 30 salários mínimos, não haverá necessidade de escritura pública, a ser lavrada no Tabelionato de Notas. No entanto, em todos os casos envolvendo imóveis, é necessária a forma escrita para registro no CRI, estando a eficácia no mesmo plano que a validade do contrato em questão (contrato formal e não solene). Nas hipóteses de compra e venda de bem móvel, de qualquer valor, não há necessidade de escritura pública nem de forma escrita, pois não há registro (contrato informal e não solene).
f) A compra e venda é um contrato típico, pois está tratado pela codificação privada, sem prejuízo de outras leis específicas. Por diversas vezes, a compra e venda assume a forma de adesão, podendo ainda ser contrato de consumo, nos termos dos arts. 2.º e 3.º da Lei 8.078/1990 (venda de consumo). Para a última hipótese, a teoria do diálogo das fontes é fundamental, pois as regras relativas ao contrato previstas no Código Civil devem ser interpretadas de acordo com os princípios de proteção ao consumidor e com os artigos do CDC.
É notória, no Direito Civil Contemporâneo, a prevalência na prática das relações obrigacionais complexas, ou seja, situações em que as partes são credoras e devedoras entre si, ao mesmo tempo. Essa realidade obrigacional é precursora do sinalagma obrigacional ou contratual, presente em contratos como o de compra e venda.
Os esquemas a seguir simbolizam muito bem o que ocorre no contrato em questão:
Pois bem, percebe-se na compra e venda uma proporção igualitária de direitos e de deveres. Como se sabe, o conceito de sinalagma mantém íntima relação com o equilíbrio contratual, com a base estrutural do negócio jurídico. O direito do comprador é de receber a coisa e o seu dever é de pagar o preço. Por outro lado, o direito de vendedor é receber o preço, e o seu dever é de entregar a coisa.
Diante dessa estrutura sinalagmática, os riscos relacionados com a coisa, o preço, as despesas de transporte, escritura e registro correm por conta de quem, respectivamente? Essas questões devem ser respondidas e estão relacionadas com os deveres assumidos pelas partes, conforme apontado a seguir:
a) Os riscos quanto à coisa correm por conta do vendedor, que tem o dever de entregá-la ao comprador, pois enquanto não o fizer, a coisa ainda lhe pertence incidindo a regra res perit domino (a coisa perece para o dono).
b) Os riscos pelo preço correm por conta do comprador (art. 492 do CC), que tem os deveres dele decorrentes.
c) As despesas com transporte e tradição correm, em regra, por conta do vendedor (art. 490 do CC).
d) As despesas com escritura e registro serão pagas pelo comprador (art. 490 do CC).
Vale lembrar que o art. 490 do CC, que consagra regras quanto às despesas de escritura, registro, transporte e tradição, é norma de ordem privada, podendo haver previsão em sentido contrário no instrumento contratual, conforme a convenção das partes.
Relativamente aos riscos do contrato e despesas de transporte, de acordo com os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais dominantes, é possível a sua divisão entre as partes. Ilustre-se com o art. 393 do CC, pelo qual é possível que a parte se responsabilize por caso fortuito e força maior quanto à responsabilidade contratual por meio da cláusula de assunção convencional. Também é pertinente apontar a possibilidade de socialização dos riscos, que se dá pelo contrato de seguro.
A divisão das despesas de transportes é comum na compra e venda internacional, por meio dos INCOTERMS (International Commercial Terms ou Cláusulas Especiais da Compra e Venda no Comércio Internacional). A título de exemplo, cite-se a cláusula FOB (free on board), pela qual o vendedor responde pelas despesas do contrato até o embarque da coisa no navio.
Ainda quanto à estrutura interna do contrato de compra e venda, outras regras merecem ser comentadas.
De início, prescreve o art. 491 do CC “que não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço”. Esse comando legal complementa a previsão da exceção de contrato não cumprido, prevista no art. 476 da mesma codificação. Assim sendo, na venda à vista, diante do sinalagma, somente se entrega a coisa mediante o pagamento imediato do preço. Entretanto, por se tratar de norma de ordem privada, as partes podem afastá-la, por meio da cláusula solve et repete, em regra.
Como visto, o art. 492 do atual Código Privado traz regra segundo a qual até o momento da tradição os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador. Em complemento, os parágrafos do citado comando legal trazem regras interessantes.
Primeiramente, os casos fortuitos (eventos totalmente imprevisíveis) que ocorrerem no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, que normalmente se recebem dessa forma (contando, pesando, mediando ou assinalando), e que tiverem já sido colocadas à disposição do comprador, correrão por conta deste (§ 1.º). Em outras palavras, os riscos em situações tais serão por conta daquele que adquire a coisa.
Além disso, correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se este estiver em mora de recebê-las, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e pelo modo ajustado (§ 2.º). A exemplo do que consta do art. 400 do CC, acaba-se punindo o credor pelo atraso no recebimento da obrigação.
Em relação à tradição da coisa vendida, não havendo estipulação entre as partes, a entrega deverá ocorrer no lugar onde se encontrava ao tempo da celebração da venda (art. 493 do CC). Como o próprio dispositivo autoriza, trata-se de uma norma de ordem privada e, como tal, é possível que o instrumento contratual traga previsão de outro local para a entrega da coisa móvel (tradição).
Complementando, é possível que as partes negociem a expedição da coisa por parte do vendedor, como é comum na vendas realizadas fora do estabelecimento comercial. Em casos tais, se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos, uma vez entregue a coisa a quem deva transportá-la, salvo se o vendedor não seguir as instruções dadas pelo comprador (art. 494 do CC). Em resumo, se o comprador determinou a expedição de forma errada e, em decorrência disso, ela veio a se perder, a responsabilidade será sua, já que agiu com culpa por ação (culpa in comittendo). Por outra via, se o erro foi do vendedor, que desobedeceu às ordens do comprador, por sua conta correrão os riscos pelo fato de ter agido como um mandatário infiel.
Encerrando, enuncia o art. 495 do CC que não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em insolvência civil, poderá o vendedor sobrestar a entrega da coisa objeto de contrato, até que o comprador lhe dê caução, ou seja, que preste uma garantia real ou fidejussória de pagar no tempo ajustado. O mesmo entendimento deve ser aplicado para a situação em que o vendedor se tornar insolvente, caso em que o comprador poderá reter o pagamento até que a coisa lhe seja entregue ou que seja prestada caução. Esse dispositivo está sintonizado com o art. 477 do mesmo Código, que traz a exceptio non rite adimpleti contractus (“Se depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra se recusar à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la”). Os comandos legais citados visam a afastar o enriquecimento sem causa, mantendo-se o sinalagma obrigacional, se isso for possível. Não sendo dada a garantia, nas duas hipóteses, resolve-se o contrato de compra e venda, operando-se a cláusula resolutiva tácita por meio da interpelação judicial (art. 474, segunda parte, do CC).
Como é notório, foi demonstrado no presente volume da coleção que a autonomia privada contratual não é sempre soberana, encontrando limitações na ordem pública, o que muito bem expressa o princípio da função social dos contratos. Não é diferente para a compra e venda, havendo limitações quanto ao conteúdo do negócio, sob pena de sua nulidade, anulabilidade ou ineficácia da avença.
A partir desse momento, serão estudadas as restrições ao negócio tratadas pelo Código Civil de 2002 no capítulo específico da compra e venda pela seguinte ordem: venda de ascendente a descendente (art. 496 do CC), venda entre cônjuges (art. 499 do CC), venda de bens sob administração (art. 497 do CC) e venda de bens em condomínio ou venda de coisa comum (art. 504 do CC).
Passa-se, então, à análise dessas importantes restrições da compra e venda.
Enuncia o art. 496 do CC que “É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória”.
No tocante a esse diploma legal, comentam Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado que, “no que se refere ao contrato de compra e venda feita por ascendente a descendente, torna-se ele suscetível de anulabilidade, não mais se podendo falar de nulidade. Esta, a significativa inovação. O dispositivo espanca a vacilação então dominante na doutrina, diante do preceituado pelo art. 1.132 do Código Civil de 1916, tornando defeso que os ascendentes pudessem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consentissem. A referência expressa à anulabilidade contida na nova norma encerra, por definitivo, dissenso jurisprudencial acerca das exatas repercussões à validade do negócio jurídico, quando superada por decisões recentes do STJ, a Súmula 494 do STF” (Código..., 2005, p. 255). O art. 496 do CC, portanto, afasta a discussão anterior que atormentava a jurisprudência a respeito de ser o caso de nulidade absoluta ou relativa. A questão está superada, pois o caso é de anulabilidade ou nulidade relativa. Saliente-se que as hipóteses de nulidade absoluta ou relativa são fixadas por opção legislativa, não podendo ser contrariadas.
Interessante confrontar o parágrafo único do art. 496 CC que excepciona o regime da separação obrigatória (de origem legal), com o art. 1.647, I, também do CC, que trata da necessidade de outorga conjugal para a venda de imóvel a terceiro, sob pena de anulabilidade (art. 1.649). Isso porque o art. 1.647 dispensa a dita autorização se o regime entre os cônjuges for o da separação absoluta. Mas o que seria separação absoluta?
Entendemos que a separação absoluta é apenas a separação convencional, pois continua sendo aplicável a Súmula 377 do STF. Por essa súmula, no regime da separação legal ou obrigatória comunicam-se os bens havidos pelos cônjuges durante o casamento pelo esforço comum (o trecho destacado, conforme leitura de julgado do STJ – REsp 442.629/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4.ª Turma, j. 02.09.2003, DJ 15.09.2003 p. 324, REPDJ 17.11.2003, p. 332). Saliente-se, contudo, que acórdãos mais recentes daquela Corte Superior têm dispensado a prova do esforço comum para a comunicação de bens na separação obrigatória, transformando o regime em verdadeira comunhão parcial (por todos: STJ, REsp 1.171.820/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 07.12.2010, DJe 27.04.2011). Essa última conclusão não conta com o apoio deste autor.
Em síntese, o regime da separação legal ou obrigatória não constitui um regime de separação absoluta, uma vez que alguns bens se comunicam. Em outras palavras, a outorga conjugal é dispensada apenas se o regime de separação de bens for estipulado de forma convencional, por pacto antenupcial. Na doutrina, essa também é a conclusão de Nelson Nery Jr., Rosa Maria de Andrade Nery, Rolf Madaleno, Zeno Veloso, Rodrigo Toscano de Brito, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, entre outros.
Entretanto, autores como Silvio Rodrigues, Francisco Cahali e Inácio de Carvalho Neto defendem o cancelamento da referida súmula, o que repercute no art. 1.647 do CC, pois, entendendo dessa forma, haverá separação absoluta tanto na separação legal quanto na convencional, sendo desnecessária a outorga conjugal em ambos os casos. O tema é abordado de forma profunda no Volume 5 da coleção, que trata do Direito de Família, inclusive com todas as referências bibliográficas.
Voltando ao art. 496 do Código de 2002, trata-se de norma restritiva de direitos, que não se aplica por analogia aos casos de união estável, a exemplo do art. 1.647 do CC. Assim sendo, nos dois casos, não há necessidade de autorização do companheiro para os referidos atos (outorga convivencial), segundo a corrente seguida pelo autor desta obra. Todavia, a questão não é pacífica.
No que concerne ao prazo para anular a referida compra e venda em virtude da falta de autorização dos demais descendentes e do cônjuge, deve-se entender que a Súmula 494 do STF está cancelada. Isso porque a dita ementa estabelece um prazo prescricional de 20 anos, contados da celebração do ato, para anular a compra e venda de ascendente a descendente celebrada sem as referidas autorizações. Ora, como o Código Civil adota os critérios científicos de Agnelo Amorim Filho, para o caso em questão o prazo é decadencial e não prescricional, o que é comum para as ações condenatórias. Por isso, aplica-se o prazo de dois anos, contados da celebração do negócio, previsto no art. 179 do CC, que, na opinião deste autor, cancelou tacitamente a dita súmula. O último dispositivo traz um prazo geral de decadência para a anulação de contratos e negócios jurídicos.
Na doutrina, assim também entendem Paulo Luiz Netto Lôbo (Comentários..., 2003, p. 88), Maria Helena Diniz (Curso..., 2002, p. 175), José Fernando Simão (Aspectos..., 2005, p. 343) e Inácio de Carvalho Neto (A venda..., 2005, p. 393). Este autor também defendeu a tese do cancelamento da Súmula 494 do STF em artigo científico anterior sobre o tema (TARTUCE, Flávio. A outra face..., 2005, p. 173). Nesse sentido, adotando a nossa proposta, em conjunto com o Professor José Fernando Simão, foi aprovado, na IV Jornada de Direito Civil, o Enunciado n. 368 CJF/STJ, prevendo que “o prazo para anular venda de ascendente para descendente é decadencial de dois anos (art. 179 do Código Civil)”. É importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela aplicação do prazo decadencial de dois anos para a venda de ascendente para descendente, não havendo a referida autorização:
“Civil. Venda de ascendente para descendente. Interposta pessoa. Ato jurídico anulável. Prescrição. CC/1916, art. 178, § 9.º, V, ‘b’. CC/2002, arts. 179 e 496. Venda de ascendente para descendente por interposta pessoa. Ato jurídico anulável. Prescrição de quatro anos, na forma do art. 178, § 9.º, V, ‘b’, do Código Civil de 1916. Precedentes da Corte e do Supremo Tribunal Federal. 1. A anulação da venda de ascendente para descendente por interposta pessoa, sob o regime do Código Civil anterior, prescreve em quatro anos. A configuração de ato anulável, de resto, já está consolidada no Código Civil vigente (art. 496) que reduziu o prazo para dois anos, ‘a contar da data da conclusão do ato’ (art. 179). 2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 771.736-0/SC, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3.ª Turma, j. 07.02.2006, v.u.).
Não tem sido diferente a conclusão dos Tribunais Estaduais, podendo ser encontradas ementas que fazem incidir o prazo de dois anos do art. 179 do CC, caminho mais correto para a solução da questão (ver: TJSP, Apelação com Revisão 644.440.4/9, Acórdão 3671454, São Caetano do Sul, Sexta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Vito Guglielmi, j. 04.06.2009, DJESP 26.06.2009; TJMG, Apelação Cível 1.0518.05.085096-6/0011, Poços de Caldas, Décima Quinta Câmara Cível, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, j. 08.05.2008, DJEMG 04.06.2008).
Concluindo, a Súmula 494 do STF não tem mais aplicação. Destaque-se, contudo, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal não a cancelou e talvez não haja a pretensão de fazê-lo, uma vez que o Direito Civil foge da sua esfera de trabalho desde a Constituição Federal de 1988. O trabalho, assim, cabe à doutrina, devendo o estudioso do Direito ter cuidado com as antigas súmulas do STF relativas ao Direito Privado, todas anteriores ao Texto Maior em vigor.
Ainda a respeito do referido prazo para a anulação, na VI Jornada de Direito Civil foi aprovada outra ementa doutrinária, confirmando a incidência do prazo de dois anos. Conforme o Enunciado n. 545 CJF/STJ, “o prazo para pleitear a anulação de venda de ascendente a descendente sem anuência dos demais descendentes e/ou do cônjuge do alienante é de 2 (dois) anos, contados da ciência do ato, que se presume absolutamente, em se tratando de transferência imobiliária, a partir da data do registro de imóveis”. O enunciado em questão, como se nota, estabelece ainda que o início do prazo se dá com o registro imobiliário em se tratando de imóveis. Com o devido respeito, este autor entende que o prazo deve ser contado da escritura pública e não do registro, uma vez que o art. 179 do CC/2002 menciona a “conclusão do ato”, no sentido de sua celebração. Em suma, negócio jurídico concluído é aquele que existe e é válido. Para os devidos aprofundamentos, o tema está melhor desenvolvido no Volume 1 da presente coleção.
Pois bem, ainda em relação ao tema da venda de ascendente para descendente, surge um outro problema: o que significa a expressão “em ambos os casos”, prevista no parágrafo único do art. 496? Conforme o Enunciado n. 177 CJF/STJ, esta expressão deve ser desconsiderada, pois houve erro de tramitação, sendo certo que o projeto original da codificação trazia no caput tanto a venda de ascendente para descendente quanto a venda de descendente para ascendente, apontando a necessidade da referida autorização nos dois casos. Porém, a segunda hipótese (venda de descendente para ascendente) foi retirada do dispositivo. Mas esqueceu-se, no trâmite legislativo, de alterar o parágrafo único! Para que a questão fique bem clara, é interessante transcrever as justificativas do autor do enunciado, o Desembargador do TJSP e Professor da PUC/SP José Osório de Azevedo Júnior:
“Na realidade, não existem ambos os casos. O caso é um só: a venda de ascendente para descendente. Houve equívoco no processo legislativo. O artigo correspondente do Anteprojeto do Código Civil, publicado no DOU de 07.08.1972, (art. 490) não previa qualquer parágrafo. A redação era a seguinte: Art. 490 – Os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam. A venda não será, porém, anulável, se o adquirente provar que o preço pago não era inferior ao valor da coisa. No Projeto 634/1975, DOU 13.06.1975, houve alteração: Art. 494. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes expressamente houverem consentido. Em Plenário, foram apresentadas pelo Dep. Henrique Eduardo Alves as Emendas 390, 391 e 392 ao art. 494. A primeira delas para tornar nula a venda e para exigir a anuência do cônjuge do vendedor: Art. 494. É nula a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do vendedor expressamente houverem consentido. A segunda, para acrescentar um parágrafo considerando nula também a venda de descendente para ascendente: Art. 494. § 1.º É nula a venda de descendente para ascendente, salvo se o outro ascendente do mesmo grau, e o cônjuge do vendedor expressamente houverem consentido. A terceira emenda acrescentava mais um parágrafo (2.º), com a redação do atual parágrafo único, com a finalidade de dispensar o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória: Art. 494. § 2.º Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória. Pelo que se vê do texto do Código, a primeira emenda (390) foi aprovada em parte, só para exigir a anuência do cônjuge. A segunda emenda (391) foi inteiramente rejeitada. E a terceira (392) foi acolhida e transformada no atual parágrafo único. Esqueceu-se de que a segunda emenda, que previa uma segunda hipótese de nulidade – a venda de descendente para ascendente – foi rejeitada. Assim, no contexto das emendas, fazia sentido lógico a presença da expressão em ambos os casos, isto é, nos dois casos de nulidade, venda de ascendente para descendente e venda de descendente para ascendente. Agora não faz sentido, porque, como foi dito no início, a hipótese legal é uma só: a venda de ascendente para descendente. Houve erro material, s.m.j., e a expressão em ambos os casos deve ser tida como não escrita, dispensáveis maiores esforços do intérprete para achar um significado impossível. A regra de que a lei não contém expressões inúteis não é absoluta. Cumpre, portanto, desconsiderar a expressão em ambos os casos” (destaque nosso).
As justificativas do enunciado trazem uma interpretação histórica do processo legislativo, servindo também para responder que não haverá necessidade de autorização dos herdeiros em caso de venda de descendente a ascendente. Fica também a mensagem do doutrinador: “A regra de que a lei não contém expressões inúteis não é absoluta”. Ora, o que se percebe no Brasil muitas vezes é a inutilidade de algumas leis e previsões legais...
Anote-se, ainda, que o Projeto de Lei 699/2011, originariamente proposto pelo Deputado Ricardo Fiuza, pretende alterar o dispositivo, introduzindo previsão pela qual “é igualmente anulável a venda feita de um cônjuge, sem o consentimento expresso dos descendentes do vendedor”. Entretanto, trata-se de uma proposta legislativa que não se aplica no momento, pois essa restrição não consta do art. 499 do atual Código, que disciplina a venda entre cônjuges, próximo objeto de estudo do presente capítulo. Ressalte-se que a anuência dos descendentes e do cônjuge do alienante deve ser manifestada expressamente. Apesar de o Código Civil não ter indicado qual a forma a ser adotada, deve ser aplicada a regra geral prevista no art. 220, segundo o qual “A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento”. Desse modo, em se tratando de bem imóvel de valor superior a 30 salários mínimos, a anuência deve ser manifestada por meio de instrumento público; em se tratando de bem móvel, o instrumento particular poderá ser utilizado.
Por derradeiro, pontue-se que a jurisprudência superior tem entendido que a anulação da venda de ascendente para descendente somente é cabível se houver prova do prejuízo pela parte que alega a anulabilidade (ver: STJ, REsp 476.557/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, DJ 22.03.2004; EREsp 661.858/PR, 2.ª Seção, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJE 19.12.2008 e REsp 752.149/AL, Rel. Min. Raul Araújo, 4.ª Turma, 02.10.2010, citados em REsp 953.461/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3.ª Turma, j. 14.06.2011, DJe 17.06.2011). Mais recentemente, foi pronunciado naquela Corte Superior que “não é possível ao magistrado reconhecer a procedência do pedido no âmbito de ação anulatória da venda de ascendente a descendente com base apenas em presunção de prejuízo decorrente do fato de o autor da ação anulatória ser absolutamente incapaz quando da celebração do negócio por seus pais e irmão. Com efeito, tratando-se de negócio jurídico anulável, para que seja decretada a sua invalidade é imprescindível que se comprove, no caso concreto, a efetiva ocorrência de prejuízo, não se admitindo, na hipótese em tela, que sua existência seja presumida” (STJ, REsp 1.211.531/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.02.2013). Os julgados citados seguem a linha de conservar ao máximo o negócio jurídico, prestigiando a função social do contrato de compra e venda.
O art. 499 do CC/2002 possibilita a compra e venda entre cônjuges, desde que o contrato seja compatível com o regime de bens por eles adotado. Em outras palavras, somente é possível a venda de bens excluídos da comunhão, residindo no final do dispositivo a restrição específica da compra e venda. Se um bem que já fizer parte da comunhão for vendido, a venda é nula, por impossibilidade do objeto (art. 166, II, do CC).
A norma em questão não é totalmente restritiva, ao contrário da anteriormente comentada. Portanto, o art. 499 pode ser aplicado por analogia à união estável, sendo possível a venda entre companheiros de bens excluídos da comunhão. Lembre-se que, em regra e a exemplo do que ocorre com o casamento, o regime de bens da união estável é o da comunhão parcial de bens, não havendo contrato de convivência prevendo o contrário (art. 1.725 do CC).
Contudo, deve ser feito o alerta de que a compra e venda entre cônjuges não poderá ser celebrada com fraude contra credores, fraude à execução ou simulação. No primeiro caso será anulável, no segundo será ineficaz e no terceiro será nula.
Portanto, não havendo vícios, é perfeitamente possível a referida venda entre cônjuges. Primeiro, pelo seu caráter bilateral e oneroso. Segundo, porque o Código Civil de 2002 possibilita até a mudança de regime de bens, desde que justificada (art. 1.639, § 2.º, do CC). Aliás, a segunda razão afasta a crítica formulada pela doutrina tradicional, pela qual a venda entre cônjuges constituiria uma fraude ao regime de bens.
Assim, não há que se defender, portanto, a impossibilidade dessa venda, mesmo no regime da separação total legal ou obrigatória, a não ser nos casos de fraude ou violação à ordem pública. Havendo compra e venda entre os cônjuges, real no plano fático, o contrato é válido e eficaz.
A venda é possível mesmo no regime da comunhão universal, pois há bens excluídos nesse regime, caso dos bens de uso pessoal e dos utensílios de trabalho de cada um dos consortes (art. 1.668 do CC). Nesse regime, surge uma questão polêmica: é possível a venda entre cônjuges dos bens recebidos com cláusula de incomunicabilidade (art. 1.668, I, do CC)? Dois posicionamentos surgem quanto ao tema.
Pelo primeiro entendimento, a venda estaria vedada, pois constituiria uma fraude à disposição de vontade que instituiu a cláusula de incomunicabilidade.
Pelo segundo posicionamento, com o qual este autor concorda, não há óbice para o negócio, pois a incomunicabilidade não gera a inalienabilidade do bem. Muito pelo contrário, a inalienabilidade é que gera a incomunicabilidade (art. 1.911 do CC). Lembre-se que a inalienabilidade somente é possível nos casos especificados em lei. Esse segundo entendimento ganha força pelo fato de a referida compra e venda constituir negócio oneroso. Entretanto, vale repetir que para ser válida, não pode estar presente qualquer vício. Reforçando, para que a compra e venda seja possível, o bem vendido deve ser particular, ou seja, excluído da comunicação dos bens.
De acordo com o art. 497 do CC, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:
I – Pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração. A lei receia que estas pessoas façam prevalecer sua posição especial para obter vantagens, em detrimento dos titulares, sobre os bens que guardam ou administram.
II – Pelos servidores públicos em geral os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem ou que estiverem sob sua administração direta ou indireta. A lei visa, aqui, a proteger a moralidade pública.
III – Pelos juízes e serventuários da Justiça em geral (secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários) os bens a que se litigar no Tribunal onde servirem. Aqui o motivo é também a moralidade e a estabilidade da ordem pública. Aplicando o preceito, julgou o STJ que “nos termos do art. 1.133, III, do Código Civil de 1916 (art. 497, III, do Código Civil de 2002) é nula a arrematação de bem imóvel por funcionário que se encontrava lotado no mesmo lugar em que foi realizado esse ato processual. Não cabe a esta Corte decidir acerca de eventual ressarcimento em decorrência da anulação, tema não enfrentado na instância ordinária. Essa questão deve ser submetida ao juízo de primeiro grau” (STJ, EDcl-EDcl-REsp 774.161/SC, 2.ª Turma, Rel. Min. José de Castro Meira, j. 15.08.2006, DJU 25.08.2006, p. 327). Mas excepciona o art. 498 do CC, prevendo que, em tais hipóteses, não haverá proibição nos casos de compra ou cessão entre coerdeiros, em pagamento de dívida ou para garantia de bens já pertencentes a essas pessoas (juízes e serventuários).
IV – Pelos leiloeiros e seus prepostos quanto aos bens de cuja venda estejam encarregados. O motivo é também a moralidade, diante do munus que reveste tais administradores temporários.
As restrições envolvem a própria liberdade de contratar, pois há vedação de celebração do negócio jurídico entre determinadas pessoas. As proibições constantes do dispositivo atingem também a cessão de crédito que tenha caráter oneroso (art. 497, parágrafo único, do CC). A aplicação da restrição somente à cessão onerosa é defendida pelo Professor Álvaro Villaça Azevedo, com quem se concorda (Comentários..., 2005, p. 205).
O art. 497 do atual Código Civil não faz mais menção à restrição constante do art. 1.133, II, do CC/1916, seu correspondente, qual seja a impossibilidade de compra pelos mandatários de bens de cuja administração ou alienação estejam encarregados. Aliás, previa anteriormente a antiga Súmula 165 do STF que “a venda realizada diretamente pelo mandante ao mandatário não é atingida pela nulidade do art. 1.133, II, do Código Civil”. Álvaro Villaça Azevedo, citando o posicionamento coincidente de Sílvio Rodrigues, aplaude a exclusão, mesmo concluindo que o rol constante do art. 497 do CC não é taxativo ou numerus clausus. Entende o primeiro autor que outras situações existem em que a ética manda que esteja presente a proibição de compra (Comentários, 2005, p. 199). Quanto ao mandato, realmente o Código Civil de 2002 não poderia trazer mais essa restrição, eis que autoriza o mandato em causa própria, em que o mandatário pode adquirir o bem do mandante (arts. 117 e 685 do CC).
O condômino, enquanto pender o estado de indivisão da coisa, não poderá vender a sua parte a estranho, se o outro condômino a quiser, tanto por tanto – em igualdade de condições (art. 504, 1.ª parte, do CC). O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.
Para esclarecer essa importante restrição relacionada com a compra e venda, é preciso lembrar a seguinte classificação do condomínio:
a) Condomínio pro indiviso – quando o bem não se encontra dividido no plano físico ou fático entre os vários proprietários, de modo que cada um apenas possui parte ou fração ideal. Nesse caso, aplica-se a restrição do art. 504 do CC.
b) Condomínio pro diviso – quando apesar de possuírem em condomínio, cada condômino tem a sua parte delimitada e determinada no plano físico. Nesse caso, cada condômino pode vender sua parte a terceiro, sem estar obrigado a oferecê-la aos outros condôminos. É o que ocorre em relação à unidade autônoma em condomínio edilício, que pode ser vendida a terceiro, sem qualquer direito de preferência a favor dos demais condôminos. Aqui não se aplica a restrição do art. 504 do CC.
Pois bem, surge uma primeira dúvida prática, referente à aplicação do art. 504 do CC. Isso porque, quando da IV Jornada de Direito Civil, José Osório de Azevedo Jr., um dos grandes especialistas no tema da compra e venda no Brasil, fez proposta de enunciado no seguinte sentido: “O preceito do art. 504 do Código Civil aplica-se tanto às hipóteses de coisa indivisível como às de coisa divisível”. Foram as suas justificativas:
“O texto é praticamente o mesmo do art. 1.139 do código anterior. As alterações apenas se referem à indicação de que o prazo é de decadência (em relação a que não havia dúvida) e que o período é de 180 dias, e não de seis meses, dificultando a contagem. Durante os 86 anos de vigência do velho código, o direito brasileiro não chegou a uma conclusão segura sobre a interpretação a ser dada ao texto: se literal e restrita, ou se sistemática e ampla. Por outras palavras, se a preferência do condômino só ocorre quando se trata de coisa indivisível ou se acontece em qualquer hipótese de condomínio, seja a coisa indivisível ou não. Beviláqua criticou o texto, que foi trasladado do velho CC Português pelo Senado. O direito português aboliu, em 1930, a restrição e fez com que o direito de preferência também incida nos casos de venda de coisa divisível. O CC/1966, art. 1.409, manteve essa orientação. O Projeto Orlando Gomes, art. 466, também estabelece expressamente o direito de preferência na venda da coisa comum, divisível ou indivisível. O STJ julga nos dois sentidos: a) DIREITO DE PREFERÊNCIA – Condomínio – Condômino – Restringe-se esse direito à hipótese de coisa indivisível e não simplesmente indivisa. (STJ – REsp. n. 60.656 – SP – Rel. Min. Eduardo Ribeiro – J. 06.08.96 – DJU 29.10.96). CONDOMÍNIO – Coisa divisível – Alienação de fração ideal – Direito de preferência – Artigo 1.139 do CC. O condômino não pode alienar o seu quinhão a terceiro, sem prévia comunicação aos demais consortes, a fim de possibilitar a estes o exercício do direito de preferência, tanto por tanto, seja a coisa divisível ou não (STJ – REsp. n. 71.731 – SP – 4.ª T – Rel. Min. Cesar A. Rocha – DJU 13.10.98). O CC/2002 perdeu a oportunidade de dirimir a controvérsia. Urge dar ao texto interpretação sistemática, harmonizando-o com o preceito do art. 1.314, § único, a saber: Art. 1.314 – Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la. Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros. Não é coerente exigir o consenso dos condôminos para transmitir posse a estranhos e afastar essa exigência em caso de transmissão de propriedade, e, consequentemente, da própria posse. Em abono dessa tese, também se observam os art. 1.794 e 1.795, a propósito de venda de quota hereditária. Aqui o CC inovou e deixou expresso o direito de preferência dos herdeiros, sem qualquer distinção quanto à indivisibilidade dos bens que compõem o acervo. Quanto a esse ponto, também diverge a jurisprudência: Pela preferência: STJ, REsp 33.176, r. Min. Cláudio Santos, j. 03.10.95, indicando precedentes – REsp 4.180 e 9.934; Em sentido contrário: REsp 60.656-0-SP – 3.ª T., j. 06.08.1996, DJU 29.10.1996, RT 737/192. Diante do exposto, propõe-se o enunciado supra, prestigiando a interpretação sistemática em detrimento da literal, que é a mais tosca de todas”.
A questão é realmente polêmica no próprio STJ, como se pode perceber pelo teor da proposta de enunciado doutrinário. Todavia, inicialmente, ainda é majoritário o entendimento de que a restrição somente se aplica aos casos de condomínio de coisa indivisível. A norma do art. 504 do CC é restritiva da autonomia privada e, sendo assim, não admitiria interpretação extensiva. Entretanto, fica mais uma mensagem transmitida pelo Professor José Osório de Azevedo Jr.: “a interpretação literal é a mais tosca de todas!”.
Assim, no caso do condomínio ser pro indiviso e o bem indivisível, cada condômino só pode vender sua parte a estranhos se antes oferecer aos outros condôminos. Tal situação poderá abranger tanto os bens móveis quanto os imóveis.
Desse modo, a prelação legal ou preempção legal é o direito de preferência do condômino sobre a venda de bem indivisível. O condômino a quem não se der conhecimento da venda poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, no prazo decadencial de 180 dias. Conforme reconhece parte da doutrina, trata-se de uma ação anulatória de compra e venda, que segue rito ordinário (Diniz, Maria Helena. Código..., 2005, p. 463). Entretanto, há quem entenda que a ação é de adjudicação, pois o principal efeito da ação é constituir positivamente a venda para aquele que foi preterido (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Comentários..., 2005, p. 246). A última posição parece ser a mais correta tecnicamente, mas a primeira também é muito adotada, inclusive pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp 174.080/BA, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, j. 26.10.1999, DJ 13.12.1999, p. 153).
Em reforço, tendo em vista o princípio da boa-fé objetiva, o depósito deve ser integral para que a parte preterida em seu direito de preferência exercite esse seu direito.
Quanto ao início da contagem do prazo de 180 dias, entende Maria Helena Diniz, citando jurisprudência, que esse se dará com a ciência da alienação – RT 432/229 e 543/144 (Código..., 2005, p. 463). Entretanto, há quem entenda que o prazo será contado da consumação do negócio (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito..., 2005, p. 54). Por fim, há corrente que sustente que no caso de bens imóveis o prazo começa a fluir do registro imobiliário (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Comentários..., 2005, p. 199). Entendemos ser a primeira conclusão a mais justa, mais adequada à boa-fé, por valorizar a informação. Adotando tal premissa, da jurisprudência:
“Compra e venda. Direito de preferência. Prazo decadencial. Depósito do preço. Condomínio horizontal. Coisa indivisa. Inaplicabilidade do art. 1.139 do CC/1916. (...). O prazo decadencial do direito de preferência tem por termo inicial a data em que o condômino preterido teve ciência inequívoca da venda, e não a da sua efetivação. Se a aquisição de imóveis apenas se aperfeiçoa com a transcrição do título de transferência no registro de imóvel, não há que se falar em decurso do prazo de decadência anterior a tal fato. O retardamento da citação provocado por circunstâncias alheias à vontade do condômino preterido, por naturais delongas do expediente forense, não pode obstar o exercício de seu direito, se a ação de preferência foi proposta dentro do prazo. A insuficiência do depósito do preço pelo condômino preterido, simplesmente pela falta de acréscimo dos emolumentos cartorários e impostos, e não do próprio valor do imóvel alienado, é irregularidade passível de saneamento a qualquer tempo. Se o condomínio é horizontal, afasta-se a aplicação do art. 1.139 do CC/1916, não se podendo falar em direito de preferência. A regra do art. 1.139 do Código Civil tem aplicação restrita às coisas indivisíveis, não sendo por ela abrangidas as simplesmente indivisas” (TJMG, Apelação cível n. 1.0433.01.018810-3/0011, Montes Claros, Décima Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Elias Camilo, julgado em 05.02.2009, DJEMG 24.04.2009).
Sendo muitos os condôminos, deverá ser respeitada a seguinte ordem, conforme o parágrafo único do art. 504 do Código:
1.º) Terá preferência o condômino que tiver benfeitorias de maior valor (vedação do enriquecimento sem causa, em sintonia com a boa-fé).
2.º) Na falta de benfeitorias, terá preferência o dono do quinhão maior (também diante da vedação do enriquecimento sem causa).
3.º) Não falta de benfeitorias e sendo todos os quinhões iguais, terá preferência aquele que depositar judicialmente o preço (princípio da anterioridade, em sintonia com a boa-fé objetiva).
Por fim, é importante deixar claro que essa forma de preferência não se confunde com outras preferências, como a preempção convencional (arts. 513 a 520 do CC) e com o direito de preferência do locatário (art. 33 da Lei 8.245/1991), institutos que serão oportunamente estudados e que diferem quanto aos seus efeitos.
A primeira regra especial da compra e venda a ser estudada é a venda por amostra, por protótipos ou por modelos, que funciona sob condição suspensiva. Inicialmente, é preciso diferenciar o que seja amostra, protótipo e modelo.
A amostra pode ser conceituada como sendo a reprodução perfeita e corpórea de uma coisa determinada. O protótipo é o primeiro exemplar de uma coisa criada (invenção). Por fim, o modelo constitui uma reprodução exemplificativa da coisa, por desenho ou imagem, acompanhada de uma descrição detalhada (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2005, p. 450).
Como exemplo desses contratos, podem ser citados os negócios celebrados por viajantes que vendem tecidos, roupas e outras mercadorias em lojas do interior do Brasil, sob a promessa de entregar as peças conforme o mostruário. São os antigos mascates ou caixeiros viajantes.
Se a venda tiver como objeto bens móveis e se realizar por amostra, protótipos ou modelos, há uma presunção de que os bens serão entregues conforme a qualidade prometida. Caso tal entrega não seja efetuada conforme o pactuado, terão aplicação as regras relacionadas com os vícios redibitórios e do produto, outrora estudadas. Aplicando tal entendimento, a ilustrar, vejamos aresto do Tribunal Gaúcho, que trata da venda de máquinas:
“Apelação cível. Rescisão contratual. Perdas e danos. Máquina de corte CNC. Produto viciado. Diversas falhas apresentadas. Mau uso decorrente da exposição ao tempo e da carga de resistividade inadequada não comprovado. Art. 333, II, CPC. Ônus da prova da parte ré. A procedência do pedido inicial encontra amparo nas provas documentais produzidas, testemunhais e na prova pericial. As alegações da parte ré de que as falhas no equipamento decorreram do acúmulo de água na chapa de corte e da carga de resistividade inadequada, não foram comprovadas – ônus que lhe competia nos termos do artigo 333, II, Código de Processo Civil –, ao contrário, foram expressamente rechaçadas em laudo pericial. Aplicação do disposto no artigo 484 do Código Civil, cujo teor determina que, havendo a demonstração do equipamento, o vendedor assegura qualidades similares à coisa vendida. As diversas falhas constatadas pelas provas produzidas impõem a majoração da restituição à empresa autora à razão de 80% do valor gasto na compra do produto, que não atendeu aos fins a que se destinava, considerando uma estimativa de desgaste anual na ordem de 10% e atentando-se para o fato de que equipamento foi comprado em 2005, tendo parado de funcionar, definitivamente, em 2007. Inteligência do art. 944 do Código Civil. Recurso da ré desprovido e recurso da autora provido. Unânime”. (TJRS, Apelação Cível 70040581050, Ibirubá, 9.ª Câmara Cível, Rel.ª Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira, j. 26.01.2011, DJERS 03.02.2011).
Assim, a venda por amostra, que funciona como cláusula tácita, tem eficácia suspensiva, não ocorrendo o aperfeiçoamento do negócio até ulterior tradição, com a qualidade esperada. Se os bens não forem entregues conforme o modelo, amostra ou protótipo, poderá o contrato de compra e venda ser desfeito (condição resolutiva). As questões envolvem o plano da eficácia do contrato (terceiro degrau da Escada Ponteana).
Conforme dispõe o parágrafo único do art. 484 do CC, prevalece a amostra, o protótipo ou o modelo havendo contradição ou diferença em relação ao modo de descrição da coisa no contrato. O meio de oferta acaba prevalecendo, o que está em sintonia com o art. 30 do CDC. Ambos os dispositivos dialogam, relativizando a força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) e mantendo relação com o princípio da função social dos contratos e com a boa-fé objetiva.
A venda a contento (ad gustum) e a sujeita a prova são tratadas no Código Civil como cláusulas especiais da compra e venda, devendo assim ser consideradas para os devidos fins práticos.
Mas, como muitas vezes são presumidas em alguns contratos (v.g., venda de vinhos, perfumes, gêneros alimentícios etc.), não havendo a necessidade de previsão no instrumento, as categorias serão tratadas como regras especiais. Isso somente para fins didáticos, diga-se de passagem, pois a venda a contento e a venda sujeita a prova podem ser inseridas em contratos, constituindo cláusulas especiais ou pactos adjetos.
Nos dois casos, a venda não se aperfeiçoa enquanto o comprador não se declara satisfeito com o bem a ser adquirido (condição suspensiva). Percebe-se que os seus efeitos são similares à venda por amostra. A venda não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado (art. 509 do CC). Desse modo, a tradição não gerará a transferência da propriedade, mas tão somente a da posse direta.
Enquanto o comprador não manifestar sua vontade, suas obrigações serão as de um mero comodatário (art. 511 do CC). Em suma, até o ato de aprovação, a coisa pertence ao vendedor.
Entendemos que a eventual rejeição da coisa por parte do comprador que não aprovou a coisa entregue, funciona como condição resolutiva. A recusa deve ser motivada no bom-senso, não podendo estar fundada em mero capricho. Também aqui a boa-fé objetiva pode ser utilizada pelo juiz para interpretar o contrato.
Em complemento, em muitas situações concretas a venda a contento estará configurada como contrato de consumo, devendo as regras em comento ser analisadas em diálogo com o CDC. A título de ilustração, acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com o seguinte trecho na ementa: “evidenciado pela prova dos autos que os autores acreditavam estar comprando um colchão com as mesmas características de maciez daquele experimentado no showroom da loja, essa fez a eles uma venda a contento, sujeita a condição suspensiva, ou seja, até que os compradores manifestassem seu agrado, o que não veio a ocorrer, pois a própria vendedora reconheceu em gravação de diálogo com o marido da autora que assumiu o compromisso de aceitar a devolução do produto se não fosse o mesmo do agrado do casal comprador, no prazo de trinta dias. Desta forma, cabível a devolução do produto à loja, tendo os autores o direito à restituição do valor pago, cabendo àquela recolher a mercadoria, depois de cumprida a condenação. Dano moral caracterizado, não se limitando o episódio a um simples aborrecimento decorrente de mero descumprimento contratual” (TJRS, Recurso Cível 56654-31.2011.8.21.9000, Porto Alegre, 1.ª Turma Recursal Cível, Rel. Des. Pedro Luiz Pozza, j. 26.07.2012, DJERS 31.07.2012).
Destaque-se, outrossim, que a venda a contento gera um direito personalíssimo, ou seja, que não se transmite aos sucessores do comprador por ato inter vivos ou causa mortis, sendo que o falecimento do comprador extingue tal direito.
Ainda quanto à venda a contento ad gustum, não havendo prazo estipulado para a manifestação do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em prazo improrrogável (art. 512 do CC). Logicamente, na venda de vinhos isso não ocorre, eis que o contrato é instantâneo. Tendo sido intimado o comprador, que é tratado como mero comodatário até a aprovação, incidirá a parte final do art. 582 do CC, surgindo para ele o dever de pagar, até a restituição da coisa, um aluguel a ser arbitrado pelo comodante (a título de pena), sendo também cabível a propositura de ação de reintegração de posse para reaver a coisa.
A diferença básica primordial entre venda a contento e sujeita a prova é que no primeiro caso o comprador não conhece ainda o bem que irá adquirir, havendo uma aprovação inicial. Na venda sujeita a prova, a coisa já é conhecida. No último caso, o comprador somente necessita da prova de que o bem a ser adquirido é aquele que ele já conhece, tendo as qualidades asseguradas pelo vendedor e sendo idôneo para o fim a que se destina. A venda sujeita a prova também funciona sob condição suspensiva, aplicando-se os mesmos efeitos jurídicos previstos para a venda ad gustum (art. 510 do CC).
Por fim, é importante anotar que, nos contratos de consumo em que ocorre a venda fora do estabelecimento comercial, o adquirente não necessita expor o motivo de sua recusa, nem podendo o fornecedor a ela se opor. Estabelece o antes comentado art. 49 do CDC que “o consumidor tem o direito de desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”. Sílvio de Salvo Venosa entende que tal dispositivo “mais se aproxima da venda a contento em razão da natureza das relações de consumo, do que propriamente do direito de arrependimento, que o legislador denominou no parágrafo, de prazo de reflexão” (Direito..., 2003, p. 87). Entretanto, o entendimento majoritário, ao qual este autor adere, aponta que se trata de um direito de arrependimento previsto a favor do consumidor (STJ, REsp 57.789/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4.ª Turma, j. 25.04.1995, DJ 12.06.1995, p. 17.631).
No caso de compra e venda de um bem imóvel, poderão as partes estipular o preço por medida de extensão, situação em que a medida passa a ser condição essencial ao contrato efetivado, presente a venda ad mensuram. Nessa hipótese, a área do imóvel não é simplesmente enunciativa ao contrário do que ocorre na venda ad corpus, onde um imóvel é vendido como corpo certo e determinado, independente das medidas especificadas no instrumento, que são apenas enunciativas. Como exemplo de venda ad mensuram, pode ser citado o caso de compra e venda de um imóvel por metro quadrado (m2).
No caso de venda por extensão admite-se, em regra, uma variação de área de até 1/20 (um vigésimo), ou seja, 5% (cinco por cento), existindo uma presunção relativa ou iuris tantum de que tal variação é tolerável pelo comprador. Mas este pode provar o contrário, requerendo a aplicação das regras relacionadas com esse vício redibitório especial, nos termos do art. 500 do CC.
Assim, se a área não corresponder ao que for pactuado e o imóvel não tiver sido vendido como coisa certa e discriminada (ainda que não conste de modo expresso que a venda foi ad corpus – art. 500, § 3.º do CC), havendo uma variação superior ao tolerável estará presente o vício, podendo o comprador prejudicado exigir:
a) A complementação da área, por meio da ação ex empto.
b) O abatimento proporcional no preço, por meio da ação quanti minoris.
c) A resolução do contrato, com a devolução do que foi pago (ação redibitória). Havendo má-fé por parte do alienante, esta induz culpa, podendo o comprador requerer as perdas e danos que o caso concreto indicar, nos moldes dos arts. 402 a 404 do CC.
Por razões óbvias, para a complementação da área, é necessário que o vendedor seja proprietário do imóvel vizinho.
Questionamento importante é saber se se trata de opções do comprador, ou se a ordem acima descrita deve ser seguida. Apesar de o primeiro entendimento ser muito plausível, deve-se aplicar o princípio da conservação contratual, que mantém relação com a função social (Enunciado n. 22 CJF/STJ). Desse modo, a resolução do contrato deve ser encarada como a ultima ratio, o último caminho a ser percorrido. Na prática, o que se vê, é a prevalência da ação visando o abatimento de preço (quanti minoris), como no caso do exemplo a seguir:
“Venda e compra de imóvel rural. Ação estimatória ou quanti minoris. Negócio imobiliário comprovado nos autos. Área menor daquela que foi objeto do negócio. Possibilidade do manejo de ação visando o abatimento do preço. Aplicação do disposto no art. 1.105 do Código Civil de 1916. Alegação de impossibilidade jurídica do pedido afastada. Agravo retido desprovido. Venda ad mensuram. Aquisição de 5,00 alqueires pelo recorrido; imóvel, No entanto, que exibia como área apenas 2, 82 alqueires. Necessidade de abatimento do preço pelo réu, com o pagamento correspondente a área faltante, ou seja, 2,18 alqueires, a ser apurado em fase de liquidação. Sentença mantida. Recursos Improvidos (agravo retido e apelação)” (TJSP, Apelação n. 994.09.031826-9, Acórdão n. 4483226, Mogi-Mirim, Terceira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Donegá Morandini, julgado em 11.05.2010, DJESP 14.06.2010).
Mas se, em vez de faltar área, houver excesso, quem estará em uma situação de prejuízo é o vendedor. O último ingressará com ação específica, devendo provar que tinha motivos justos para ignorar a medida exata da área. O fundamento dessa ação é o enriquecimento sem causa por parte do comprador. Assim sendo, na ação proposta pelo vendedor, o comprador tem duas opções:
a) completar o valor correspondente ao preço; ou
b) devolver o excesso.
Ensina Paulo Luiz Netto Lôbo que se trata de obrigação alternativa do comprador, nos termos do art. 252 do CC (Comentários..., 2003, p. 114). No que toca à devolução do excesso, obviamente surgirão despesas que deverão ser arcadas por alguém (exemplo: destruição e construção de cercas e muros). Para a divisão dessas despesas, deve ser aplicado o princípio da boa-fé. Se houver indícios de que o vendedor sabia do vício, deverá ele arcar com tais despesas de forma integral. Havendo má-fé do comprador, este é quem deverá arcar com tais valores. Caso contrário, as despesas deverão ser divididas entre as partes, sendo vedada a caracterização da onerosidade excessiva.
De qualquer forma, poderá surgir o entendimento pelo qual o vendedor deverá sempre arcar com tais prejuízos, por ter dado causa à situação, o que é aplicação do princípio da imputação civil dos danos. A questão, como se vê, é controvertida.
O prazo decadencial para o ingresso de todas as ações referenciadas é de um ano, contado do registro do título (art. 501 do CC). De acordo com o parágrafo único desse dispositivo, tal prazo não correrá enquanto o interessado não for imitido na posse do bem. Trata-se de um caso excepcionalíssimo de impedimento ou suspensão da decadência, em sintonia com o art. 207 do CC.
Por fim, se a venda for realizada ad corpus, ou seja, sendo o imóvel vendido como coisa certa e discriminada, não caberão os pedidos aqui descritos, eventualmente formulados pelo suposto comprador ou vendedor prejudicados. Exemplo típico é o caso de compra e venda de um rancho, interessando mais ao comprador que seja banhado por águas de um rio, onde pretende pescar nos finais de semana, do que a extensão exata do imóvel. Ainda ilustrando, vale transcrever recente julgado do Tribunal de São Paulo a envolver a venda ad corpus:
“Compromisso de compra e venda. Ação ex empto. Improcedência. Muito embora a conclusão pericial (no sentido de que, de fato, a área mencionada no contrato é 10,64% maior que o tamanho real do imóvel), não se cuida de venda ad mensuram, mas ad corpus. Objeto da avença. Propriedade rural identificada (Sítio São Benedito). Chamada ‘venda de porteira fechada’, sem especificação do valor das benfeitorias. Hipótese que se amolda à exceção contida na parte final do artigo 1.136 do Código Civil de 1916 (então vigente), qual seja, imóvel vendido como coisa certa e determinada. Precedentes. Sentença mantida. Recurso improvido”. (TJSP, Apelação n. 994.03.044171-0, Acórdão n. 4755262, Itapetininga, Oitava Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Salles Rossi, julgado em 13.10.2010, DJESP 26.10.2010).
Para encerrar o estudo da venda ad mensuram é importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela incidência do Código de Defesa do Consumidor ao contrato em questão, aplicando o conceito de cláusula abusiva no caso de uma previsão contratual que previa a possibilidade de variação da área em até 5%, conforme preconiza o art. 500 do CC. Em suma, o julgado é um exemplo típico de incidência da teoria do diálogo das fontes a uma venda de consumo, conforme outrora destacado. Vejamos a ementa do julgado:
“Civil. Recurso especial. Contrato de compra e venda de imóvel regido pelo Código de Defesa do Consumidor. Referência à área do imóvel. Diferença entre a área referida e a área real do bem inferior a um vigésimo (5%) da extensão total enunciada. Caracterização como venda por corpo certo. Isenção da responsabilidade do vendedor. Impossibilidade. Interpretação favorável ao consumidor. Venda por medida. Má-fé. Abuso do poder econômico. Equilíbrio contratual. Boa-fé objetiva. – A referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel adquiridos na planta regidos pelo CDC não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no contrato e a área real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser caracterizada sempre como por medida, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento proporcional do preço ou a rescisão do contrato. – A disparidade entre a descrição do imóvel objeto de contrato de compra e venda e o que fisicamente existe sob titularidade do vendedor provoca instabilidade na relação contratual. – O Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do poder econômico, com o objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade coletiva. – Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a interpretação mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, consideradas a imperatividade e a indisponibilidade das normas do CDC. – O juiz da equidade deve buscar a Justiça comutativa, analisando a qualidade do consentimento. – Quando evidenciada a desvantagem do consumidor, ocasionada pelo desequilíbrio contratual gerado pelo abuso do poder econômico, restando, assim, ferido o princípio da equidade contratual, deve ele receber uma proteção compensatória. – Uma disposição legal não pode ser utilizada para eximir de responsabilidade o contratante que age com notória má-fé em detrimento da coletividade, pois a ninguém é permitido valer-se da lei ou de exceção prevista em lei para obtenção de benefício próprio quando este vier em prejuízo de outrem. – Somente a preponderância da boa-fé objetiva é capaz de materializar o equilíbrio ou justiça contratual. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 436.853/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 04.05.2006, DJ 27.11.2006, p. 273).
O julgado é perfeito, punindo um conhecido construtor de Brasília, que tinha o costume de inserir cláusulas nesse sentido em seus contratos de compra e venda de imóvel. Fez-se justiça a partir da aplicação da boa-fé objetiva e da função social do contrato, vedando-se uma situação de notória injustiça.
A prática do contrato de compra e venda possibilita a venda de coisas conjuntas. A título de exemplo, pode ser citada a venda de um rebanho bovino, em que há uma universalidade de fato, decorrente da autonomia privada, nos termos do art. 90 do CC (“Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias”).
A venda de coisas conjuntas também está presente nos casos de alienação de bens que compõem a universalidade de direito, o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotado de valor econômico, caso da herança e do patrimônio (art. 91 do CC).
Em todas essas situações, prescreve o art. 503 do Código Civil uma regra especial, pela qual nas coisas vendidas conjuntamente o defeito oculto de uma coisa não autoriza a rejeição de todas. Não há dúvidas de que o dispositivo está inspirado no princípio da conservação negocial, que tem relação com a eficácia interna da função social dos contratos (Enunciados n. 22 e 360 CJF/STJ). Ilustrando, o vício que atinge o boi não gera a rejeição de todo o rebanho; o problema que atinge uma coisa que compõe o acervo patrimonial não gera a extinção de todo o contrato. Conforme se depreende de acórdão do STJ, tal preceito “deve ser interpretado com temperamento, sempre tendo em vista a necessidade de se verificar o reflexo que o defeito verificado em uma ou mais coisas singulares tem no negócio envolvendo a venda de coisas compostas, coletivas ou de universalidades de fato” (STJ, REsp 991.317/MG, 3.ª Turma, Rel.ª Min.ª Fátima Nancy Andrighi, j. 03.12.2009, DJE 18.12.2009).
Inicialmente, o dispositivo tem relação com o tratamento dos vícios redibitórios, previstos para as relações civis, nos termos dos arts. 441 a 446 da codificação, não cabendo as ações edilícias em casos tais. Porém, invocando-se a teoria do diálogo das fontes, o defeito presente também pode constituir um vício ou fato do produto, conforme dispõem os arts. 12, 13, 18 e 19 do Código de Defesa do Consumidor. Isso, desde que preenchidos os requisitos da relação de consumo (arts. 2.º e 3.º da Lei 8.078/1990). Exemplificando a última hipótese, a compra de uma coleção de livros jurídicos não pode ser resolvida se apenas um livro apresentar defeito como a existência de algumas páginas em branco. Conclusão em contrário feriria a função social dos pactos e a própria teoria do adimplemento substancial, aqui invocada.
Por fim, como exceção, o art. 503 da codificação não deve ser aplicado para os casos de venda coletiva, ou seja, “a venda na qual as coisas vendidas constituem um todo só, como no caso da parelha de cavalos ou do par de sapatos” (SIMÃO, José Fernando. Direito civil..., 2008, p. 146). Também, segundo a doutrina, o comando legal em apreço não se aplica aos casos em que os bens defeituosos se acumulam ou se avultam, ou se o vício de um deles gerar uma depreciação significativa do conjunto (ROSENVALD, Nelson. Código Civil..., 2007, p. 397). Os civilistas citados têm total razão.
Conforme o magistério de Maria Helena Diniz, “o contrato de compra e venda, desde que as partes o consintam, vem, muitas vezes, acompanhado de cláusulas especiais, que embora não lhe retire os seus caracteres essenciais, alteram sua fisionomia, exigindo a observância de normas particulares, visto que esses pactos subordinam os efeitos de contrato a evento futuro e incerto, tornando condicional o negócio” (Curso..., 2005, p. 206). Essas cláusulas especiais, também chamadas de pactos adjetos, previstas pela atual codificação privada, são as seguintes:
a) Cláusula de retrovenda (arts. 505 a 508 do CC).
b) Cláusula de venda a contento e cláusula de venda sujeita a prova (arts. 509 a 512 do CC).
c) Cláusula de preempção ou preferência (arts. 513 a 520 do CC).
d) Cláusula de venda com reserva de domínio (arts. 521 a 528 do CC).
e) Cláusula de venda sobre documentos (arts. 529 a 532 do CC).
As cláusulas especiais, para valerem e terem eficácia, devem constar expressamente do instrumento, ponto que as diferencia das regras especiais, antes estudadas. Repita-se que justamente por serem presumidas em alguns contratos é que a venda a contento e a venda sujeita a prova foram elencadas como regras especiais, para fins didáticos. De qualquer modo, alertamos, mais uma vez, que tais figuras jurídicas são tratadas como cláusulas especiais. Com exceção desses institutos, já visualizados, passa-se a tratar das demais cláusulas especiais ou pactos adjetos da compra e venda. É pertinente assinalar que o CC/2002 não consagra mais, expressamente, o pacto comissório (art. 1.163 do CC/1916) e o pacto de melhor comprador (arts. 1.158 a 1.162 do CC/1916). O pacto comissório contratual ainda é possível, retirado do art. 474 do CC. Entretanto, a figura do pacto de melhor comprador foi totalmente banida pela nova codificação privada, por ser incompatível com a boa-fé objetiva, um dos baluartes contratuais da atual lei geral privada.
Constitui um pacto inserido no contrato de compra e venda pelo qual o vendedor reserva-se o direito de reaver o imóvel que está sendo alienado, dentro de certo prazo, restituindo o preço e reembolsando todas as despesas feitas pelo comprador no período de resgate, desde que previamente ajustadas (art. 505 do CC). Tais despesas incluem as benfeitorias necessárias, conforme o citado texto legal.
Na verdade, essa cláusula especial confere ao vendedor o direito de desfazer a venda, reavendo de volta o bem alienado dentro do prazo máximo de três anos (prazo decadencial). Deve ficar claro que a cláusula de retrovenda (pactum de retrovendendo ou cláusula de resgate) somente é admissível nas vendas de bens imóveis.
Critica-se o fato de o Código Civil de 2002 continuar a tratar dessa cláusula especial. Isso porque, na prática, encontra-se presente, muitas vezes, em casos envolvendo fraudes ou atos ilícitos. Comenta José Osório de Azevedo Jr. que “Raramente aprecem nos tribunais negócios de retrovenda autênticos. Geralmente são utilizados por emprestadores de dinheiro que querem fugir dos percalços de uma execução judicial, sempre complexa e demorada e na qual certamente virá à tona o valor das taxas dos juros. Por isso, usam do pacto de retrovenda como garantia do empréstimo; se o devedor não conseguir pagar e não exercer o direito de recompra, a coisa fica definitivamente na titularidade do comprador” (Compra..., 2005, p. 83). Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a presença de simulação quanto à cláusula de retrovenda, pode ser transcrita a seguinte ementa:
“Compra e venda. Retrovenda. Simulação. Medida cautelar. É cabível o deferimento de medida liminar para suspender os efeitos de escritura de compra e venda de imóveis que teria sido lavrada com o propósito de encobrir negócio usurário. Fatos processuais que reforçam essa ideia. Conveniência, porém, de que seja prestada caução (art. 804 do CPC). Recurso conhecido em parte e nessa parte provido” (STJ, REsp 285.296/MT, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4.ª Turma, j. 22.03.2001, DJ 07.05.2001, p. 150).
Voltando à análise da retrovenda válida juridicamente, percebe-se que a cláusula tem o condão de tornar a compra e venda resolúvel. Assim sendo, tecnicamente, trata-se de cláusula resolutiva expressa, porque enseja ao vendedor a possibilidade de desfazer a venda, operando-se o resgate do bem e a consequente extinção do contrato, reconduzindo as partes ao estado anterior. Em outras palavras, a propriedade do comprador, até o prazo de três anos, é resolúvel.
Esse direito de retrato deve ser exercido dentro do prazo máximo de três anos, podendo ser por prazo inferior desde que as partes convencionem, pois a lei utiliza a expressão destacada. Porém, não se admite que as partes estipulem um prazo superior, caso em que será reputado não escrito somente o excesso. Portanto, na última hipótese, deve ser aplicada a primeira parte do art. 184 do CC, pelo qual “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável”, prevalecendo os três anos como prazo para o resgate.
Esse prazo decadencial é improrrogável, ininterrupto e insuscetível de suspensão, e é contado da data em que se concluiu o contrato.
Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, o vendedor, para exercer o direito de resgate, as depositará judicialmente (art. 506 do CC). O dispositivo possibilita o ingresso da ação de resgate, de rito ordinário, pela qual o vendedor obtém o domínio do imóvel a seu favor. Essa ação é constitutiva positiva, o que justifica o prazo decadencial de três anos (critérios de Agnelo Amorim Filho, publicados na RT 300/7 e na RT 744/725).
Mas, nessa ação de resgate, se verificada a insuficiência do depósito judicial realizado, não será o vendedor restituído no domínio da coisa, até e enquanto não for integralmente pago o comprador (art. 506, parágrafo único, do CC). O vendedor tem, desse modo, uma última chance para quitar o preço, à luz da boa-fé objetiva, havendo a coisa para si.
O direito de resgate ou de retrato poderá ser exercido pelo devedor ou pelos seus herdeiros e legatários, particularmente em relação a terceiro adquirente (art. 507 do CC). Está reconhecida, assim, a transmissibilidade causa mortis da cláusula de retrovenda. Dúvidas existem quanto à possibilidade de transmissão inter vivos desse direito, inclusive de forma onerosa.
Para Maria Helena Diniz, não é possível a cessão por ato inter vivos, por tratar-se de direito personalíssimo do vendedor (Código..., 2005, p. 465). Entretanto, para Paulo Luiz Netto Lôbo, seria possível a transmissão, inclusive por escritura pública (Comentários..., 2003, p. 154). Concorda-se com esse último autor, eis que não consta qualquer proibição expressa da lei nesse sentido. Além disso, norma restritiva da autonomia privada não admite analogia ou interpretação extensiva. É pertinente transcrever as palavras do jurista quanto à possibilidade de venda do bem gravado com a cláusula de retrovenda:
“Não há impedimento a que o imóvel onerado com a cláusula de retrovenda possa ser vendido a terceiro. Terceiro será sempre sabedor do ônus, em virtude do registro do contrato de compra e venda, originário da cláusula. O registro da cláusula, contida no contrato, não gera direito real próprio mas produz eficácia ‘erga omnes’. Assim, independentemente de quem seja o titular do domínio sobre o imóvel, ficará sujeito às consequências do exercício do direito pelo primitivo comprador ou por seus sucessores. Não será a ele oponível o direito se não tiver havido prévio registro público da escritura” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários..., 2003, p. 155).
Cite-se que também compartilha desse último entendimento o Desembargador do TJ/SP José Osório de Azevedo Jr. (Compra..., 2005, p. 87).
O art. 508 do Código Civil em vigor trata da retrovenda feita por condôminos. Quando a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma delas o exercer, poderá o comprador intimar as demais para nele acordarem. No entanto, prevalecerá o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral. O comando legal em questão acaba por prestigiar a conduta de boa-fé.
Por fim, é importante salientar que a compra e venda com cláusula de retrovenda, de acordo com o art. 1.647, I, do CC, deve ser celebrada com a anuência do cônjuge de ambos os contratantes, salvo quando casados no regime de separação absoluta de bens.
A cláusula de preempção, preferência ou prelação convencional é aquela pela qual o comprador de um bem móvel ou imóvel terá a obrigação de oferecê-lo a quem lhe vendeu, por meio de notificação judicial ou extrajudicial, para que este use do seu direito de prelação em igualdade de condições, ou seja, “tanto por tanto”, no caso de alienação futura (art. 513 do CC). O instituto se aplica aos casos de venda e dação em pagamento.
De início, é importante não confundir a preempção, que significa preferência, com a perempção civil. Esta última é a extinção da hipoteca pelo decurso temporal de 30 anos, conforme art. 1.485 do CC, de acordo com a nova redação dada pela Lei 10.931/2004. Quanto a tal preempção, o Código Civil de 2002 consagra dois prazos com tratamento distinto.
Primeiramente, o art. 513, parágrafo único, do CC traz os prazos de extensão temporal máxima (prazos de cobertura), ou seja, a preferência somente abrangerá o prazo de cento o oitenta dias para bens móveis e dois anos para imóveis. Quanto ao início da contagem dos prazos, Maria Helena Diniz entende que começarão a fluir a partir da tradição, para os casos de bens móveis, ou do registro da venda, para os imóveis (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2005, p. 468). Com o devido respeito, entendemos que tais prazos devem ser contados da data da realização da venda original.
O transcurso desses prazos máximos torna possível a venda do bem a outrem, sem que haja o direito de preferência. A título de exemplo, se A vendeu a B um imóvel constando cláusula de preferência a favor do primeiro, se B (comprador) pretende vender a terceiro três anos após a venda originária, A (vendedor) não terá mais o referido direito de preempção na compra do bem.
Os esquemas a seguir demonstram como funcionam os citados prazos de extensão:
Compra e venda – Preempção
Para Paulo Lôbo, os prazos acima, de extensão, não podem ser alterados pelas partes, pois se trata de prazos de decadência legal. Entretanto, concluímos que os prazos podem ser reduzidos, pois o art. 513, parágrafo único do CC, ao mencionar a expressão “não poderá exceder” traz a ideia de que esses prazos podem ser alterados a menor. De qualquer forma, a questão é controversa.
Por conseguinte, o art. 516 do CC/2002 consagra prazos decadenciais para a manifestação do vendedor originário, aquele que tem o direito de preferência, pois o vendedor deve ser notificado judicial ou extrajudicialmente pelo comprador, que pretende vender ou dar o bem a terceiro (art. 514 do CC).
Inexistindo prazo previamente estipulado pelas partes, o direito de preempção caducará, se a coisa for móvel, não se exercendo nos três dias, e se for imóvel, nos sessenta dias subsequentes à data em que o comprador tiver notificado o vendedor, judicial ou extrajudicialmente. A não execução do direito de preempção implica em renúncia tácita a tal direito, sendo certo que tais prazos também são decadenciais. Em outras palavras, se o vendedor não se manifestar perderá a preferência. Pelo próprio texto legal, percebe-se que tais prazos não podem ser diminuídos pelas partes interessadas, mas apenas aumentados.
Os prazos referidos, portanto, não se confundem, conforme quadro abaixo:
Prazos do art. 513, parágrafo único, do CC ⇨ 180 dias para móveis e 2 anos para imóveis ⇨ Prazos de extensão da preferência. |
Prazos do art. 516 do CC ⇨ 3 dias para móveis e 60 dias para imóveis ⇨ Prazos para manifestação do vendedor, após a notificação. Isso, dentro do período de extensão da preferência. |
De acordo com o art. 515 do CC, aquele que exerce a preferência, o preemptor ou antigo proprietário da coisa, tem a obrigação de pagar o preço ajustado ou encontrado, em igualdade de condições com o terceiro, sob pena de perder a preferência. Não exercido o referido direito, o bem poderá ser dado ou vendido a terceiro livremente.
Se o direito de prelação for conjunto, isto é, estipulado a favor de dois ou mais indivíduos em comum, só poderá ser exercido em relação à coisa no seu todo. Desse modo, percebe-se que o direito à preempção é indivisível por força de lei (art. 517 do CC). Leciona Maria Helena Diniz que “cada um dos preemptores deverá exercer o direito sobre a totalidade do bem. Se um dos condôminos perder o prazo para exercer a prelação ou não pretender fazer uso desse direito, os demais poderão exercê-lo sobre a totalidade da coisa preempta e nunca na proporção de seu quinhão, pois a preferência não pode incidir sobre a quota ideal. Mas se o adquirente recebeu a coisa mediante compra de cotas ideais de vários condôminos, assegurando a cada um deles a preferência na reaquisição da respectiva cota-parte, a prelação poderá ser exercida pro parte” (Código..., 2005, p. 470).
O vendedor preterido no seu direito de preferência, sendo a prelação convencional, não poderá anular a venda ou haver a coisa para si por meio de ação adjudicatória, como ocorre na prelação legal, mas tão somente, pleitear perdas e danos, inclusive do adquirente de má-fé, que sabia da referida cláusula, nos moldes dos arts. 402 a 404 do CC. Isso consta taxativamente no art. 518 do CC, in verbis:
“Art. 518. Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ele lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé.”
Para a pretensão dessas perdas e danos, deve ser aplicado o prazo prescricional de três anos, uma vez que a ação é condenatória, havendo uma relação civil (art. 206, § 3.º, V, do CC). Em regra, o prazo terá início do surgimento da pretensão, ou seja, de quando é realizada a venda em detrimento daquele que tem a seu favor a preferência. Nesse sentido, prevê o Enunciado n. 14 CJF/STJ que: “1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer”. Eventualmente, pode-se defender que o prazo será contado de quando o vendedor tem ciência que foi preterido no seu direito, o que é até mais justo, representando aplicação da teoria actio nata. Ademais, havendo relação de consumo, deve-se aplicar o prazo de cinco anos do art. 27 do CDC, contados também da ocorrência da venda ou do seu conhecimento.
Como se pode perceber, os efeitos da prelação legal – existente a favor do condômino na compra e venda de coisa comum indivisível – são completamente diversos dos efeitos decorrentes da prelação convencional, o que pode ser visto no quadro abaixo:
Preempção legal – a favor do condômino (art. 504 do CC) – cabe anulação da compra e venda ou adjudicação (efeitos erga omnes). Prazo decadencial de cento e oitenta dias. |
Preempção convencional (arts. 513 a 520 do CC) – cabem perdas e danos (efeitos inter partes). Prazo prescricional de três anos. |
Justamente porque os seus efeitos são inter partes, gerando o dever de pagar perdas e danos, é que a cláusula de preempção também se diferencia da cláusula de retrovenda. Além disso, as estruturas e as decorrências práticas dos institutos são completamente diversas, particularmente quanto às suas caracterizações.
Superada a análise estrutural do instituto, parte-se à análise de polêmico dispositivo que consta do atual Código Civil. O art. 519 do CC volta a tratar do direito de retrocessão a favor do expropriado, merecendo também transcrição integral, visando a discussões importantes:
“Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.”
O dispositivo é um estranho no ninho, tendo a natureza de instituto de Direito Administrativo e não de Direito Civil. Pelo comando legal destacado, se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, não tiver o destino para o qual se desapropriou, ou se não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado exercer o direito de preferência pelo preço atual da coisa, para, então, reincorporá-la ao seu patrimônio. Ocorre o desvio de finalidade, já que o bem expropriado para determinado fim é empregado em outro, sem utilidade pública ou interesse social, o que se denomina tredestinação. Não havendo qualquer destinação da coisa, está presente o instituto da adestinação.
Quem comenta muito bem sobre o instituto tratado no dispositivo é o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Marco Aurélio Bezerra de Melo (Novo Código Civil..., 2004, p. 162-163). Ensina o doutrinador que o instituto não se confunde com a preempção convencional, o que é cristalino. Isso porque “retrocessão é a possibilidade de o expropriado readquirir o bem que fora objeto de desapropriação por não ter sido dado a ele o destino de interesse público para o qual se desapropriou”. Conclui que “a matéria continua sendo regulada no lugar errado e de forma incompleta, isto é, em um estatuto de direito privado, sendo que o artigo se refere primordialmente ao interesse público e, o que é pior, não se tem em conta o real alcance do instituto. Os equívocos acarretarão na continuação de uma das grandes divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da verdadeira natureza da retrocessão”. É de se concordar integralmente com as palavras do jurista.
A grande divergência que pode surgir do instituto refere-se à sua natureza real ou pessoal. Deve-se compreender que a natureza do direito de retrocessão é real, o que é mais justo, se a Administração Pública não der a devida finalidade ao bem expropriado. Aliás, essa a interpretação correta da redação do art. 519 do CC. Entretanto, o STJ já entendeu que os efeitos são meramente pessoais, cabendo apenas ao expropriado o direito de pleitear perdas e danos nos casos de tredestinação:
“Processual civil. Agravo regimental. Embargos de divergência. Dissídio pretoriano superado. Súmula 168/STJ. 1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que, independentemente de configuração de desvio de finalidade no uso do imóvel desapropriado, havendo sua afetação ao interesse público, não cabe pleitear a retrocessão, mas a indenização, se for o caso, por perdas e danos, se configurado o desvirtuamento do decreto expropriatório. 2. ‘Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado’. Súmula 168/STJ. 3. Agravo regimental improvido” (STJ, AERESP 73.907/ES, Agravo regimental nos embargos de divergência no Recurso Especial, j. 24.03.2004, 1.ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJ 07.06.2004, p. 153, Veja: STJ – AR 769-CE, REsp 43.651/SP, EDcl no REsp 412.634/RJ).
Mas a questão, de fato, não é realmente pacífica, pois, mais recentemente, houve uma outra decisão daquele Tribunal reconhecendo a eficácia real da retrocessão (STJ, REsp 868.120/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Turma, j. 27.11.2007, DJ 21.02.2008, p. 37).
A encerrar o estudo da preempção convencional, enuncia o art. 520 do CC que “o direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros”. Assim, está reconhecida a intransmissibilidade mortis causa da cláusula de prelação convencional, por se tratar de uma cláusula personalíssima ou intuitu personae.
A cláusula de venda sobre documentos é uma cláusula especial da compra e venda originária da Lex Mercatoria, fonte do Direito Internacional Privado formada pela prática dos comerciantes e os costumes dos empresários no mercado internacional.
A venda sobre documentos é também denominada crédito documentário ou trust receipt. Por essa cláusula, que tem por objeto bens móveis, a tradição, ou entrega da coisa, é substituída pela entrega do documento correspondente à propriedade, geralmente o título representativo do domínio (art. 529, caput, do CC). Sendo prevista a cláusula e estando a documentação em ordem, não pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, salvo se o defeito houver sido comprovado (art. 529, parágrafo único, do CC).
Há, na espécie, uma tradição simbólica (traditio longa manus), uma vez que a coisa é colocada à disposição do comprador. Exemplificando, uma empresa brasileira compra de uma empresa belga uma máquina industrial. Inserida a cláusula e sendo o contrato celebrado no Brasil, a empresa vendedora vem até o país para a entrega do documento correspondente à propriedade. A partir de então, a empresa brasileira é proprietária, respondendo pelos riscos e despesas referentes à coisa.
Não havendo estipulação em contrário, por regra, o pagamento deve ocorrer na data e no lugar da entrega do documento, no exemplo acima, no Brasil (art. 530 do CC). A norma é aplicação da regra locus regit actum.
Em havendo apólice de seguro, visando a cobrir os riscos de transporte, o prêmio deverá ser pago pelo comprador, salvo se houver má-fé do vendedor, que tinha ciência da perda ou avaria da coisa (art. 531 do CC). A parte final do dispositivo valoriza o princípio da boa-fé objetiva.
Finalmente, estabelece o art. 532 do CC que, “estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento bancário, caberá a este efetuá-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a coisa vendida, pela qual não responde. Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa do estabelecimento bancário a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretendê-lo, diretamente do comprador”.
Pelo teor do comando legal, se a venda for realizada por intermédio de estabelecimento bancário, esse não responde pela integridade da coisa. Cumpre destacar que tal entendimento, de exclusão da responsabilidade bancária, foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça conforme ementa a seguir transcrita:
“Comercial. Recurso especial. Operação de importação de mercadorias. Carta de crédito documentário. Análise das regras específicas relacionadas a tal forma de crédito. ‘Brochura 500’ da Câmara de Comércio Internacional. Limitação da responsabilidade do banco confirmador à análise formal dos documentos requeridos para o pagamento ao exportador. Prevalência da interpretação que confere maior segurança às operações internacionais. – O crédito documentário é utilizado em operações internacionais de comércio. Além da relação entre o importador e o exportador, envolve uma instituição financeira que garante o pagamento do contrato por intermédio de uma carta de crédito. Na prática, o banco emitente da carta de crédito é procurado por um cliente com o objetivo de efetuar o pagamento a um terceiro, beneficiário, ou, ainda, autorizar outro banco a fazer o pagamento ou a negociar. Precedente. – Como importante instrumento de fomento às operações internacionais de comércio, ao crédito documentário costuma-se atribuir as qualidades relativas à irrevogabilidade e à autonomia. Assim, uma eventual mudança posterior de ideia do tomador do crédito (importador) quanto à realização do negócio é irrelevante, pois, para que o banco confirmador honre seu compromisso perante o exportador, basta que este tenha cumprido os requisitos formais exigidos anteriormente pelo importador, salientando-se, ainda, que o banco sequer participa do contrato de compra e venda (...)” (STJ, REsp 885.674/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 07.02.2008, DJe 05.03.2008).
Dúvidas ficam se confrontado o dispositivo com o art. 7.º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que traz o princípio da solidariedade na responsabilidade consumerista, pelo qual o estabelecimento bancário responderia em conjunto com o vendedor. Interessante lembrar que a relação estabelecida com o banco pode ser configurada como relação de consumo (Súmula 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”).
Como resolver a questão? O caso é de antinomia jurídica ou conflito de normas.
Aplicando-se o critério da especialidade, prevalecerá a norma do Código Civil, que é norma especial para os casos de venda sobre documentos. Entretanto, adotando-se o entendimento pelo qual o CDC é norma principiológica, com posição fixa na Constituição Federal (arts. 5.º, XXXII, e 170, III) prevaleceria a Lei 8.078/1990, entrando em cena o critério hierárquico. Na doutrina, contudo, tem predominado o primeiro posicionamento, da aplicação do Código Civil em vigor.
Entendemos que o caminho da solução está na visualização do contrato. Se o bem é adquirido por alguém, na condição de destinatário final, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, desde que preenchidos todos os elementos constantes dos arts. 2.º e 3.º do CDC para a caracterização do contrato de consumo, ou seja, desde que o comprador seja destinatário final e econômico da coisa comprada e o vendedor, profissional na atividade de venda. Caso contrário, subsume-se o Código Civil em vigor. Mais uma vez, o caso é de incidência da teoria do diálogo das fontes. Vale dizer que no exemplo aqui exposto não se aplica o CDC, pois a máquina adquirida da empresa belga será utilizada pela empresa brasileira diretamente na produção.
A cláusula de venda com reserva de domínio ou pactum reservati dominii ganhou tratamento no Código Civil de 2002, entre os seus arts. 521 a 528. Havia previsão legal anterior no Decreto 1.027/1939, no CPC (arts. 1.070 e 1.071) e na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973).
Por meio dessa cláusula, inserida na venda de coisa móvel infungível, o vendedor mantém o domínio da coisa (exercício da propriedade) até que o preço seja pago de forma integral pelo comprador.
O comprador recebe a mera posse direta do bem, mas a propriedade do vendedor é resolúvel, eis que o primeiro poderá adquirir a propriedade com o pagamento integral do preço. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando essa lhe é entregue (art. 524 do CC). Essa hipótese revela a adoção pelo Código de 2002 do princípio res perit emptoris (a coisa perece para o comprador) como exceção ao princípio res perit domino (a coisa perece para o dono).
Essa propriedade resolúvel do vendedor – nos termos dos arts. 1.359 e 1.360 do CC – é condicional, ou seja, dependente de evento futuro e incerto, em que a condição é o pagamento integral do preço ou da última parcela caso a venda não tenha sido à vista. Enquanto esse pagamento não ocorrer, a aquisição do domínio e a transmissão da propriedade ficarão suspensas.
O requisito objetivo para tal cláusula é que não pode ser objeto da venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé (art. 523 do CC). Em outras palavras e para esta finalidade, a coisa deve ser móvel e infungível.
Como é notório, é comum a cláusula de venda com reserva de domínio nas vendas a crédito, como no caso de aquisição de veículos na qual o comprador investe-se desde logo na posse direta do bem. Mas a discussão que surge muitas vezes é a seguinte: o veículo automotor é bem fungível ou infungível? Pelo menos para esses fins contratuais, o automóvel é bem infungível, porque tem algo que o identifica, que é o número do chassi.
O art. 522 do CC/2002 estipula como formalidade para a cláusula de venda com reserva de domínio a sua estipulação por escrito e o registro no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do comprador, como condição de validade perante terceiros de boa-fé (eficácia erga omnes). Não sendo levada a registro, a referida cláusula não produzirá efeitos perante terceiros, mas apenas efeitos inter partes. Os efeitos erga omnes constavam anteriormente da Lei dos Registros Públicos (art. 129, n. 5.º, da Lei 6.015/1973).
No caso de mora do comprador, o vendedor tem duas opções previstas no art. 526, do atual Código Civil:
a) promover a competente ação de cobrança das parcelas vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou
b) recuperar a posse da coisa vendida, por meio da ação de busca e apreensão (arts. 1.070 e 1.071 do CPC).
Pois bem, mesmo o comando legal mencionando a existência de mora (atraso), parece querer referir-se ao inadimplemento absoluto da obrigação. Assim, é de se concordar, mais uma vez, com José Osório de Azevedo Jr., para quem “o que o Código está dizendo agora é que, não pagando no prazo contratualmente previsto nem no prazo de protesto ou da interpelação, o comprador estará sujeito às consequências da inexecução definitiva do contrato” (Compra..., 2005, p. 120).
Ademais, quando o dispositivo se refere à possibilidade de o vendedor “recuperar a posse”, erroneamente, poderia se pensar que a medida cabível seja a ação de reintegração de posse. Porém, conforme apontam com quase unanimidade tanto a doutrina quanto a jurisprudência, a ação cabível é a ação de busca e apreensão, prevista nos arts. 1.070 e 1.071 do CPC, sendo certo que nessa ação não cabe sequer a discussão inicial quanto à prisão civil do devedor (STJ, REsp 341.667/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, 4.ª Turma, j. 15.02.2005, DJ 28.03.2005, p. 258).
De acordo com o art. 525 do CC, o vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o devedor em mora, mediante o protesto do título ou interpelação judicial. O seguinte julgado do STJ é exemplar quanto à necessidade de sua prova:
“Processual civil. Busca e apreensão. Contrato de compra e venda com reserva de domínio. Comprovação da mora. Protesto do título. Art. 1.071 do CPC. I – A comprovação da mora para a busca e apreensão, relativa a bem objeto de contrato de compra e venda com reserva de domínio, se faz com o protesto do título no cartório correspondente (art. 1.071, caput, do CPC). II – Para tanto, insuficiente a notificação extrajudicial, em razão do procedimento especial diverso do Decreto-lei 911/1969. Precedentes. III – Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp 785.125/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 01.03.2007, DJ 23.04.2007, p. 274).
Ato contínuo, a jurisprudência mais recente tem entendido que o protesto já basta para a constituição em mora do devedor, sendo desnecessária a interpelação pessoal do devedor:
“Direito Civil e Processual Civil. Contrato de compra e venda. Reserva de domínio. Constituição do devedor em mora. Protesto. Desnecessidade de interpelação pessoal. Precedentes. 1. A mora ex re independe de interpelação, porquanto decorre do próprio inadimplemento de obrigação positiva, líquida e com termo implementado, cuja matriz normativa é o art. 960, primeira parte, do Código Civil de 1916. À hipótese, aplica-se o brocardo dies interpellat pro homine (o termo interpela no lugar do credor). 2. No caso dos autos, havendo contrato de compra e venda com pacto de reserva de domínio, o art. 1.071 do CPC determina a constituição em mora do devedor mediante protesto – independentemente de notificação pessoal –, o que foi providenciado na espécie. Precedentes. 3. Comprovada a mora do devedor, o pedido reconvencional alusivo à rescisão contratual com busca e apreensão dos bens vendidos deve ser acolhido. 4. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 762.799/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16.09.2010, DJe 23.09.2010).
Este autor está filiado ao entendimento segundo o qual, no caso de cobrança das parcelas vencidas, não há necessidade de prévia notificação, eis que não sendo pagas as parcelas, haverá mora ex re, ou mora automática do devedor, aplicando-se a máxima latina dies interpellat pro homine. Nesse sentido, ensina Paulo Luiz Netto Lôbo:
“Contudo, quando o vendedor optar pela cobrança apenas das prestações vencidas, não haverá necessidade de prévia constituição em mora. Nada impede que o vendedor se satisfaça com a cobrança de prestações apenas vencidas, sem executar a cláusula de reserva de domínio. Nessa hipótese, incidem as regras normais de exigibilidade das obrigações, em virtude do inadimplemento. Quando o fizer, não poderá cumular o pedido com a antecipação das dívidas vincendas nem com a recuperação da coisa vendida” (Comentários..., 2003, p. 207).
Também se concorda com o doutrinador quando comenta que, havendo relação de consumo, deve ser aplicado o art. 53 do CDC, que consagra a nulidade de cláusulas contratuais que estabeleçam a perda total das prestações pagas pelo devedor, em benefício do credor (nulidade da cláusula de decaimento ou de perdimento).
Além disso, a teoria do adimplemento substancial (substantial performance) ou teoria do quase cumprimento total do contrato aplica-se também à venda com reserva de domínio. Se grande parte das parcelas já foi paga, não caberá ação de busca e apreensão, mas apenas a cobrança das parcelas vencidas e vincendas. Assim já entendeu a melhor jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conforme comenta o Desembargador do TJ/PE e jurista Jones Figueirêdo Alves:
“Diante de contrato de financiamento, garantido por cláusula de reserva de domínio, observou-se a medida apreensiva postulada como impositiva de lesão desproporcional em face da teoria do adimplemento substancial, a significar, afinal, no pleito ajuizado, evidente quebra da boa-fé que deve presidir toda e qualquer relação contratual (TJRGS, 14.ª Câm. Cível, Ap. Cível 70009127531, Rel. Des. Sejalmo Sebastião de Paulo Nery, j. 28.10.2004)” (A teoria..., 2005, p. 410).
Anote-se, por oportuno, que a teoria também vem sendo aplicada pelo STJ ao contrato em questão (STJ, AgRg no Ag 607.406/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4.ª Turma, j. 09.11.2004, DJ 29.11.2004, p. 346). Reafirme-se que, além da relação com a boa-fé objetiva, a teoria do adimplemento substancial mantém relação direta com a função social dos contratos, pois visa à preservação da autonomia privada, à conservação do negócio jurídico. Concebe-se o contrato de acordo com o contexto da sociedade, pois é evitada uma situação de injustiça, que é aquela em que o comprador perde a posse da coisa, mesmo tendo quase cumprido o contrato de forma integral. Nesse sentido, vale mais uma vez transcrever o Enunciado n. 361 CJF/STJ, segundo o qual: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”. A relação existe, portanto, entre os dois princípios sociais contratuais, aplicados em relação de interdependência, como em uma simbiose.
No caso de busca e apreensão e perdendo o comprador a coisa, terá ele direito de reaver o que pagou, descontados os valores relacionados com a depreciação da coisa e todas as despesas que teve o vendedor. O art. 527 do CC, aliás, preceitua que o vendedor tem direito de retenção das parcelas pagas enquanto não receber o que lhe é direito. O excedente da importância apurada será devolvido ao comprador, e o que faltar lhe será cobrado, na forma da lei processual (arts. 1.070 e 1.071 do CPC). De qualquer forma, não se pode aceitar que, inserida em contrato de consumo ou de adesão, seja válida uma cláusula que traga onerosidade excessiva quanto às despesas do contrato. Eventual cláusula nesse sentido deve ser tida como abusiva e nula, nos termos dos arts. 51 do CDC e 424 do CC. É de se lembrar que há uma regra muito parecida prevista no art. 53, § 2.º, do Código de Defesa do Consumidor para os contratos de consórcio, nos seguintes termos: “Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo”.
Encerrando o tratamento quanto à cláusula de venda com reserva de domínio, transcreve-se o teor do art. 528 do CC, dispositivo que apresenta um erro técnico:
“Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.”
O erro técnico poderia ter passado despercebido se não tivesse sido constatado por José Osório de Azevedo Jr., autor da proposta que gerou o Enunciado n. 178, aprovado pela III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em 2004:
“Na interpretação do art. 528, devem ser levadas em conta, após a expressão ‘a benefício de’, as palavras ‘seu crédito, excluída a concorrência de’ que foram omitidas por manifesto erro material.”
Interessante colacionar as justificativas do proponente, para esclarecer:
“O art. 528 assim dispõe: ‘Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato’. O primeiro período do artigo está com a redação truncada e não faz sentido. O artigo não constava do projeto original e é fruto da emenda parlamentar n. 405, proposta pelo desembargador paulista Bruno Afonso de André, encampada, para efeitos regimentais, pelo Deputado Tancredo Neves, estando assim redigida: ‘Se o vendedor receber o preço à vista, ou posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, legalmente autorizada, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de seu crédito, excluída a concorrência de qualquer outro. A operação financeira e a ciência do comprador a respeito constarão do registro do contrato’. A par de mínimas alterações de redação, houve, no texto aprovado, manifesta omissão da parte em negrito, o que acabou por tornar desconexo o período. Em futura revisão, o Legislativo por certo corrigirá o erro material. Não se trata de erro de publicação do código. O erro já constava da redação final do Projeto Final aprovado pela Câmara e publicada no Diário do Congresso de 17.05.1984. Cumpre, portanto, na interpretação do referido texto, ter como incluída a parte omitida por manifesto erro material, a saber: ‘seu crédito, excluída a concorrência de’.”
Este autor votou favoravelmente ao enunciado quando da III Jornada de Direito Civil, pois ele faz com que o texto legal passe a ter um sentido lógico.
Encerrando, é preciso ter em mente que a cláusula de venda com reserva de domínio não se confunde com a alienação fiduciária em garantia ou com o leasing ou arrendamento mercantil. As diferenças constam do quadro abaixo. Tratamos especificamente da alienação fiduciária em garantia no Volume 4 desta coleção, para o qual se remete aquele que deseja maiores aprofundamentos.
CLÁUSULA DE VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO |
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA |
LEASING OU ARRENDAMENTO MERCANTIL |
Natureza jurídica: cláusula especial da compra e venda (arts. 521 a 528 do CC). |
Natureza jurídica: constitui direito real de garantia sobre coisa própria (arts. 1361 a 1.368 do CC, Decreto-lei 911/1969 e Lei 9.514/97). |
Natureza jurídica: contrato típico ou atípico, debate que divide doutrina e jurisprudência (Lei 6.099/1974 e resoluções do Banco Central do Brasil). |
O vendedor mantém o domínio (propriedade resolúvel), enquanto o comprador tem a posse direta da coisa alienada. Pagas as parcelas de forma integral, o comprador adquire a propriedade plena da coisa. |
O devedor fiduciante compra o bem de um terceiro, mas como não pode pagar o preço, aliena-o, transferindo a propriedade ao credor fiduciário. O proprietário do bem é o credor fiduciário, mas a propriedade é resolúvel, a ser extinta se o preço for pago de forma integral pelo devedor fiduciante. |
Constitui uma locação com opção de compra, com o pagamento do VRG (Valor Residual Garantido). A jurisprudência vem entendendo que o VRG pode ser diluído nas parcelas ou pago no final do contrato de arrendamento (Súmula 293 do STJ). |
A ação cabível para reaver a coisa é a ação de busca e apreensão, prevista no CPC. Não cabe prisão civil. |
A ação cabível para reaver a coisa móvel é a ação de busca e apreensão prevista no Decreto-lei 911/69. não cabe prisão, segundo decisões do STJ e do STF, mais recentemente. |
A ação cabível para reaver a coisa é a ação de reintegração de posse. Não cabe prisão civil se a coisa não for devolvida. |
1. (Magistratura PE – FCC/2011) Sobre o contrato de compra e venda analise os itens abaixo: I. Transfere o domínio da coisa mediante o pagamento de certo preço em dinheiro, independente de tradição. II. Não pode ter por objeto coisa futura. III. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. IV. É lícita a compra e venda entre cônjuge, com relação a bens excluídos da comunhão. V. Na venda ad corpus, presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada.
Está correto APENAS o que se afirma em
(A) I, II e III.
(B) I, III e V.
(C) II, III e IV.
(D) II, IV e V.
(E) III, IV e V.
2. (Ministério Público – PE – 2002) Realizei meu sonho comprando uma casa, recebi a escritura de venda e compra e levei-a para registrar. Como o Oficial fez algumas exigências, que achei descabidas, requeri que ele suscitasse dúvida para que o juízo competente a dirimisse. Nesse caso,
(A) o oficial providenciará a prenotação do título pelo prazo máximo de trinta dias.
(B) a decisão terá natureza administrativa e não impedirá o uso do processo contencioso adequado.
(C) eu posso contestar a dúvida perante o juízo, no prazo de dez dias contados de minha citação.
(D) o Ministério Público será ouvido no prazo de dez dias, mas não poderá recorrer da decisão.
(E) eu posso produzir livremente as provas pertinentes e permitidas em direito.
3. (Magistratura do Trabalho – 4.ª Região – 2003) No que se refere ao contrato de compra e venda, é correto afirmar que
(A) o direito de retrato, no caso de retrovenda, não poderá ser exercido contra terceiro adquirente.
(B) estipulado o direito de preempção, o prazo para exercê-la não poderá exceder a 12 (doze) meses se coisa móvel e a 3 (três) anos se imóvel.
(C) o vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.
(D) nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma autoriza a rejeição de todas.
(E) não e lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.
4. (TJMS – 2001) Assinale a alternativa incorreta.
A compra e venda é um contrato:
(A) que produz o efeito de aquisição da propriedade de um bem móvel ou imóvel.
(B) formal, bilateral em sua formação e nos seus efeitos e se constitui consensualmente.
(C) em que basta, para a sua formação, o acordo sobre a coisa e o preço que podem ser determinados ou determináveis.
(D) que gera responsabilidade pela evicção e pelo vício redibitório quando prevista no termo contratual.
5. (TJPR – 2003) Em tema de contrato de compra e venda, é correto afirmar que:
(A) o condômino em coisa indivisível não pode alienar a sua parte indivisa a estranho, se outro consorte a quiser tanto por tanto.
(B) o vendedor, sem exceção, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição.
(C) nas coisas vendidas conjuntamente, o vício oculto de uma autoriza a rejeição de todas.
(D) a ação de preempção do condômino não está sujeita a prazo de caducidade.
6. (TJSC – 2003) Nos contratos de compra e venda, assinale, dentre as respostas abaixo, a única alternativa correta:
(A) É condição de validade do contrato a fixação de preço certo no próprio instrumento contratual.
(B) A fixação de preço não pode ser feita em função de índices e parâmetros, ainda que suscetíveis de objetiva determinação.
(C) O preço corrente nas vendas habituais do vendedor é critério válido de atribuição do preço, quando a venda foi feita sem fixação do preço ou de critérios válidos para a sua determinação e não houver tabelamento oficial para o objeto do contrato.
(D) Todas as alternativas são corretas.
(E) Nenhuma das alternativas é correta.
7. (Magistratura – PR – 2003) Em tema de contrato de compra e venda, é correto afirmar que:
(A) o vendedor, sem exceção, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição.
(B) nas coisas vendidas conjuntamente, o vício oculto de uma autoriza a rejeição de todas.
(C) o condômino em coisa indivisível não pode alienar a sua parte indivisa a estranho, se outro consorte a quiser tanto por tanto.
(D) a ação de preempção do condômino não está sujeita a prazo de caducidade.
8. (Procurador do Estado de SP – 2005) Em relação ao contrato de compra e venda, é correta a declaração de que há transferência de propriedade da coisa vendida
(A) com a simples tradição, quando se tratar de bem móvel, por ser um contrato de natureza real.
(B) com a simples tradição, quando se tratar de bem móvel, por ser o contrato de natureza obrigacional.
(C) com a estipulação das condições do pagamento do preço e da entrega do objeto no contrato de compra e venda.
(D) com a realização de escritura pública em se tratando de bem imóvel.
(E) com a estipulação do objeto e do pagamento do preço no caso de compra e venda pura.
9. (Magistratura – RS – 2003) A venda de ascendente a descendente é
(A) nula, salvo se os outros descendentes expressamente houverem consentido.
(B) inexistente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
(C) anulável, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
(D) válida, se os outros descendentes houverem consentido expressamente e o cônjuge do alienante houver dado seu consentimento de forma tácita.
(E) eficaz, se os descendentes, o cônjuge e os colaterais até o quarto grau houverem consentido.
10. (Magistratura – RS – 2003) Na venda de um imóvel, foi estipulado o preço por medida de extensão, e esta não corresponde às dimensões dadas. Com base no enunciado, considere as assertivas propostas.
I – O comprador terá direito de exigir o complemento da área.
II – Não sendo possível o complemento da área, pode o comprador reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.
III – Se, em vez de falta, houver excesso e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.
Quais são corretas?
(A) Apenas I.
(B) Apenas II.
(C) Apenas III.
(D) Apenas I e II.
(E) I, II e III.
11. (Magistratura – RS – 2003) Considere as assertivas abaixo.
I – O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de resgate no prazo máximo de decadência de 3 (três) anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador.
II – O direito de retrato não é cessível nem transmissível a herdeiro e legatário.
III – A preferência impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.
IV – A venda feita a contento do comprador não se reputará perfeita enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.
Quais são corretas?
(A) Apenas I e II.
(B) Apenas III e IV.
(D) Apenas II, III e IV.
(E) I, II, III e IV.
12. (Magistratura – SC – 2003) Nos contratos de compra e venda, assinale, dentre as respostas abaixo, a única alternativa correta:
(A) É condição de validade do contrato a fixação de preço certo no próprio instrumento contratual.
(B) A fixação de preço não pode ser feita em função de índices e parâmetros, ainda que suscetíveis de objetiva determinação.
(C) O preço corrente nas vendas habituais do vendedor é critério válido de atribuição do preço, quando a venda foi feita sem fixação do preço ou de critérios válidos para a sua determinação e não houver tabelamento oficial para o objeto do contrato.
(D) Todas as alternativas são corretas.
(E) Nenhuma das alternativas é correta.
13. (Ministério Público – PB – 2005) Sobre o contrato de compra e venda é correto afirmar:
(A) A compra e venda feita de ascendente para descendente, sem o consentimento dos demais herdeiros, representa negócio jurídico anulável e não nulo;
(B) Não sendo a venda a crédito, o vendedor é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço;
(C) É ilícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão;
(D) É lícito às partes fixar o preço em função de índices, desde que suscetíveis de subjetiva determinação;
(E) Em regra, nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma autoriza a rejeição de todas.
14. (Ministério Público – RS – XL – 2002) Assinale a alternativa INCORRETA:
Há propriedade resolúvel:
(A) no fideicomisso.
(B) na alienação fiduciária em garantia.
(C) na retrovenda.
(D) na doação com cláusula de reversão.
(E) na venda a contento sob condição suspensiva.
15. (Procurador do Estado – MA – 2003) A compra e venda entre cônjuges é
(A) válida com relação a bens integrantes ou não da comunhão.
(B) nula com relação a quaisquer bens, porque implica alteração do regime de bens entre cônjuges.
(C) anulável, com relação a bens excluídos da comunhão e nula em relação aos que integram a comunhão.
(D) válida com relação a bens excluídos da comunhão.
(E) ineficaz enquanto não dissolvida a sociedade conjugal.
16. (Exame de Ordem – 26.º RJ) A quem cabem as despesas com a escritura de compra e venda de imóvel residencial?
(A) Necessariamente ao comprador;
(B) Necessariamente ao vendedor;
(C) Ao comprador, podendo haver disposição em contrário;
(D) Ao vendedor, podendo haver disposição em contrário.
17. (Juiz de Direito – SP – 181.º Concurso) Na hipótese de venda e compra de bem de devedor insolvente, com protesto de títulos e ações executivas, não tendo sido ainda pago o preço, estabelecido em base inferior ao corrente, desejando o adquirente afastar eventual anulação do negócio jurídico,
(A) deverá depositar o preço combinado, com justificativa de que a mantença do negócio se justifica, em respeito ao princípio da conservação do ato e em razão de ignorância sobre a situação do vendedor.
(B) deverá depositar o preço que corresponda ao valor real, com citação dos interessados.
(C) o interesse dos credores se dobra ante interesse de terceiro de boa-fé, com o que se torna desnecessário o depósito, na circunstância.
(D) o adquirente deverá depositar, em juízo, quantia equivalente a todos os débitos do alienante.
18. (Juiz de Direito – RS – 2009) Assinale a assertiva correta sobre compra e venda.
(A) Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes transfere o domínio de certa coisa mediante pagamento.
(B) A compra e venda pode ter por objeto coisa inexistente no momento da conclusão do contrato.
(C) A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro que os contratantes designarem. Se o terceiro não aceitar a incumbência nem os contraentes acordarem em designar outra pessoa, caberá ao juiz fixá-lo.
(D) A fixação do preço pode ser deixada para uma das partes.
(E) Assiste preferência legal ao condômino preterido na venda de bem divisível pelo outro proprietário, nas mesmas condições.
19. (Juiz de Direito – SP – VUNESP – 2013) A respeito do contrato de compra e venda, é certo afirmar que
(A) nulo é o contrato de compra e venda quando se atrela o preço exclusivamente a taxas de mercado ou bolsa.
(B) o direito de preferência que tem o vendedor de uma coisa de adquiri-la do comprador é personalíssimo, não se podendo ceder e nem passar aos herdeiros.
(C) o contrato de compra de safra futura ficará sem efeito se esta, por razões climáticas, vier a se perder, sendo nula, nessa hipótese, a cláusula que permita ao vendedor ficar com o preço já recebido.
(D) será nula a venda feita sem a observância de direito de preferência estipulado em favor de terceiro.
20. (Procurador da Assembleia Legislativa/PB – FCC/2013) No contrato de compra e venda,
(A) será nula a venda de ascendente a descendente, salvo consentimento expresso do cônjuge do alienante e dos demais descendentes.
(B) não podem as partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, em razão do curso forçado da moeda.
(C) até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do comprador, e os do preço por conta do vendedor.
(D) será ele anulável, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.
(E) seu objeto pode ser coisa atual ou futura, ficando sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.
21. (Juiz do Trabalho – 5.ª Região – CESPE/2013) Acerca do contrato de compra e venda, segundo o direito civil vigente, assinale a opção correta.
(A) O exercício da retrovenda impõe ao vendedor a restituição do preço recebido, a indenização pelo resgate e o reembolso das despesas do comprador com a realização de benfeitorias necessárias e úteis e mesmo com as que, durante o resgate, se efetuaram sem a sua autorização.
(B) Os bens móveis infungíveis poderão ser vendidos com pacto de reserva de domínio, o qual define que o comprador só adquire a propriedade e a posse da coisa ao integralizar o pagamento.
(C) A venda à vista de amostra, protótipos ou modelos, em caso de inexatidão entre esses e a mercadoria entregue, permite ao comprador manifestar a sua recusa, submetendo o vendedor às sanções decorrentes do descumprimento contratual.
(D) Os riscos de deterioração ou perdimento da coisa não entregue, no contrato de compra e venda de bens móveis e imóveis, são do vendedor e os riscos de pagamento correm à conta do comprador, mas, se ocorrer o perdimento antes da tradição ou do registro, por caso fortuito ou de força maior, os riscos correrão por conta do comprador.
(E) Não existindo convenção pelos contratantes, como regra geral, todas as despesas do negócio, incluindo as de escritura e registro, e os da tradição do bem objeto da compra e venda são de responsabilidade do comprador.
22. (Analista Judiciário – TRT – 9.ª Região – CESPE/2013) Quanto à compra e venda,
(A) quando pura, o contrato respectivo considerar-se-á consumado, obrigatório e perfeito, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.
(B) o preço da coisa deve ser fixado sempre em dinheiro, vedado que se o estabeleça à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar.
(C) só pode ter por objeto coisa atual, vedada a transação sobre coisas futuras.
(D) uma vez estabelecida, automaticamente transfere o domínio da coisa ao comprador, que se obriga ao pagamento do preço em dinheiro.
(E) é válido o contrato se for deixada ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço, desde que as partes sejam maiores e capazes.
23. (Defensoria Pública/MS – VUNESP/2012) João comprou um automóvel, com reserva de domínio, com uma entrada e pagamento de 24 prestações. Desempregado, deixou de efetuar o pagamento da última parcela, quando foi interpelado judicialmente pelo vendedor, para constituí-lo em mora e ser possível a execução da cláusula de reserva de domínio, resolvendo o contrato. Desse modo, é correto afirmar que:
(A) o vendedor pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
(B) considerando que a resolução depende de interpelação judicial, o vendedor, tendo constituído João em mora, poderá requerer a devolução do automóvel.
(C) a resolução da venda com reserva de domínio não depende de interpelação judicial, podendo o vendedor requisitar a devolução a qualquer tempo.
(D) pelo adimplemento substancial do contrato, não é possível a busca e apreensão do veículo, mas, apenas, a exigência do pagamento da parcela restante.
1 – E |
2 – B |
3 – C |
4 – C |
5 – A |
6 – C |
7 – C |
8 – B |
9 – C |
10 – E |
11 – C |
12 – C |
13 – A |
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16 – C |
17 – B |
18 – B |
19 – B |
20 – E |
21 – C |
22 – A |
23 – D |
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