image

CONTRATOS EM ESPÉCIE – DA DOAÇÃO

Sumário: 9.1 Conceito e natureza jurídica9.2 Efeitos e regras da doação sob o prisma das suas modalidades ou espécies: 9.2.1 Classificação da doação quanto à presença ou não de elementos acidentais; 9.2.2 Doação remuneratória; 9.2.3 Doação contemplativa ou meritória; 9.2.4 Doação a nascituro; 9.2.5 Doação sob forma de subvenção periódica; 9.2.6 Doação em contemplação de casamento futuro (doação propter nuptias); 9.2.7 Doação de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges; 9.2.8 Doação com cláusula de reversão; 9.2.9 Doação conjuntiva; 9.2.10 Doação manual; 9.2.11 Doação inoficiosa; 9.2.12 Doação universal; 9.2.13 Doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice; 9.2.14 Doação a entidade futura9.3 Da promessa de doação9.4 Da revogação da doação9.5 Resumo esquemático9.6 Questões correlatasGabarito.

9.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A doação é um contrato que gera inúmeras consequências jurídicas, estando tipificado entre os arts. 538 a 564 do Código Civil. Por esse negócio jurídico, o doador transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o donatário, sem a presença de qualquer remuneração. Pelo que consta no art. 538 do CC, trata-se de ato de mera liberalidade, sendo um contrato benévolo, unilateral e gratuito. Sendo negócio jurídico benévolo ou benéfico, somente se admite a interpretação restritiva, nunca a interpretação declarativa ou extensiva (art. 114 do CC).

Ao contrário do que constava no art. 1.165 do CC/1916, seu correspondente na codificação anterior, o art. 538 do CC/2002 deixou de mencionar a locução “que os aceita”, trazendo dúvidas se a aceitação do donatário é ou não requisito essencial do contrato. A doutrina atual encontra-se dividida diante do tema.

Maria Helena Diniz entende que a aceitação do donatário continua sendo elemento essencial do contrato, pois “a doação não se aperfeiçoará enquanto o beneficiário não manifestar sua intenção de aceitar a doação” (Código Civil..., 2005, p. 482).

Porém, para Paulo Luiz Netto Lôbo, a aceitação do donatário não é mais elemento essencial do contrato, sendo “elemento complementar para tutela dos interesses do donatário porque ninguém é obrigado a receber ou aceitar doação de coisas ou vantagens, inclusive por razões subjetivas” (Comentários..., 2003, p. 279). Entendemos, com todo o respeito ao posicionamento contrário, que para que o contrato seja válido basta a intenção de doar, ou seja, o ânimo do doador em fazer a liberalidade (animus donandi). Dessa forma, a aceitação do donatário está no plano da eficácia desse negócio jurídico e não no plano da sua validade. Por isso, tem razão Paulo Lôbo. Esse entendimento pode ser confirmado pela redação do art. 539 do atual Código Civil:

“Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”

Como o dispositivo menciona que o doador “pode” fixar prazo para que o donatário declare se aceita ou não a liberalidade, percebe-se que a aceitação não é essencial ao ato. Aliás, eventual silêncio do doador traz a presunção relativa (iuris tantum) de aceitação. Essa é a nossa opinião.

De qualquer forma, a doutrina tradicional sempre apontou que a aceitação não pode ser presumida sem que haja a ciência do donatário. Tem razão essa corrente, pois afinal de contas ninguém está obrigado a aceitar determinado bem se não o quiser. Conclui-se, portanto, que a aceitação pode ser expressa ou presumida. Mesmo não sendo elemento essencial, não se presume de forma absoluta essa aceitação se o donatário não foi cientificado.

Dispensa-se a aceitação expressa quando se tratar de doação pura feita em favor de absolutamente incapaz, hipótese prevista no art. 543 do CC. Tal dispensa protege o interesse do incapaz, pois a doação pura só pode beneficiá-lo. Porém, Maria Helena Diniz entende que este dispositivo “conflita, em parte, com o artigo 1.748, II. O artigo 543 dispensa a aceitação de doação pura e simples se o donatário que se encontre sob o poder familiar for absolutamente incapaz, com o escopo de protegê-lo, possibilitando que receba a liberalidade ao desobrigá-lo da aceitação, que deixa de ser exigida, por haver presunção ‘juris tantum’ de benefício da doação, mas nada impede que o representante legal demonstre em juízo a desvantagem da liberalidade para o incapaz” (Código..., 2005, p. 484). Paulo de Tarso Sanseverino opina no sentido de que se o incapaz estiver submetido à tutela, “o seu tutor deverá obter autorização judicial expressa para aceitar a doação com encargo (art. 1.748, II, do CC/2002)” (Contratos..., 2006, p. 104). A questão, portanto, divide a doutrina.

A aceitação tácita pode resultar do silêncio do interessado, mas também pode ser revelada pelo comportamento do donatário que se mostrar incompatível com a intenção de recusa. Como exemplo, pode ser citada a conduta do donatário que não aceita expressamente o imóvel, mas recolhe o Imposto de Transmissão Inter Vivos, nos termos da Súmula 328 do STF, que estabelece ser legítima a incidência de tal tributo na doação de imóvel. Em casos tais, há que se falar em aceitação do imóvel. Silvio Rodrigues traz um outro exemplo interessante: “se o doador revela seu propósito de doar um automóvel ao donatário, que a despeito de silente o recebe, licencia, emplaca-o e passa a usá-lo como dono, evidente que deu sua aceitação tácita, pois tal comportamento é incompatível com a deliberação de recusar” (Direito..., 2003, p. 201).

A aceitação ainda poderá ser tácita na hipótese em que a doação for feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não podendo ser impugnada por falta de aceitação, e só ficando sem efeito se o casamento não se realizar (art. 546 do CC). Nessa situação, a celebração do casamento gerará a presunção de aceitação, não podendo ser arguida a sua falta.

Por outro lado, havendo doação com encargo, é imprescindível que o donatário a aceite de forma expressa e consciente (art. 539, parte final, do CC).

Superada essa visão estrutural, é importante continuar na análise da natureza jurídica da doação. Como foi dito, trata-se de contrato benévolo, unilateral e gratuito, pois não há qualquer dever ao donatário.

A despeito disso, o doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem está sujeito às consequências da evicção ou dos vícios redibitórios (art. 552 do CC). Isso, salvo em relação às doações com encargo e as remuneratórias (doações onerosas), casos em que o doador estará obrigado até o limite do ônus imposto ou do serviço prestado. Nas doações para casamento com certa e determinada pessoa (propter nuptias), o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário (art. 552, parágrafo único, do CC).

Superado esse ponto, anote-se que, quanto aos riscos da evicção e vícios redibitórios na doação, há a seguinte disciplina:

Riscos da evicção e vícios redibitórios

Doações puras e simples

Em regra, não obrigam o devedor. Excepcionalmente obrigarão se forem propter nuptias e se não houver disposição em contrário em relação à evicção (art. 552, 2.ª parte)

Doações com encargo Doações remuneratórias

Obrigam o devedor até o limite do serviço prestado ou do ônus imposto

Por outro lado, o donatário é obrigado a executar os encargos da doação, caso tenham sido instituídos em benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral. Se o encargo foi instituído em favor do doador ou de terceiro, ambos poderão exigir judicialmente o seu cumprimento em caso de mora. Se de interesse geral for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução depois da morte do doador, se este não tiver feito. É importante não confundir os legitimados para exigir o cumprimento do encargo (doador, terceiro ou Ministério Público) com o legitimado para pleitear a revogação da doação em virtude do não cumprimento do encargo pelo donatário, que é o doador (este pedido só pode ser feito em juízo e a ação é de natureza personalíssima). Em relação à natureza jurídica da doação modal ou com encargo, o tema será abordado oportunamente.

O contrato de doação é também um contrato consensual, que tem aperfeiçoamento com a manifestação de vontade das partes. Lembra Maria Helena Diniz “a nítida natureza contratual da doação, visto que gera apenas direitos pessoais, não sendo idônea a transferir a propriedade do bem doado. A doação acarreta unicamente a obrigação do doador de entregar, gratuitamente, a coisa doada ao donatário serve de ‘titulus adquirendi’, pois o domínio só se transmitirá pela tradição se móvel o bem doado, e pelo registro, se imóvel (RT 534:111)” (Curso..., 2005, p. 233). Diante do que expõe a doutrinadora, não se trata de contrato real, que é aquele que tem aperfeiçoamento com a entrega da coisa. Também da obra de Orlando Gomes pode-se extrair que a doação é um contrato simplesmente consensual, “porque não requer, para seu aperfeiçoamento, a entrega da coisa doada ao donatário” (GOMES, Orlando. Contratos..., 2007, p. 254).

O contrato é ainda comutativo, pois as partes já sabem de imediato quais são as prestações. No tocante às formalidades em sentido genérico, o contrato pode ser assim classificado:

a) A doação será formal e solene no caso de doação de imóvel com valor superior a 30 salários mínimos.

b) A doação será formal e não solene nos casos envolvendo imóvel com valor inferior ou igual a 30 salários ou bens móveis (arts. 108 e 541 do CC). Nos dois casos não é necessária escritura pública (contrato não solene), mas sim escrito particular, o que faz com que o contrato seja formal.

Entretanto, há uma exceção para a segunda regra, pois o art. 541, parágrafo único, do CC preceitua que a doação de bens de pequeno valor dispensa a forma escrita, podendo ser celebrada verbalmente, desde que seguida pela tradição (entrega da coisa). Essa doação é denominada doação manual. Para a doutrina e a jurisprudência, a caracterização de bem de pequeno valor deve levar em conta o patrimônio do doador, cabendo a análise de acordo com o caso concreto (ALVES, Jones Figueirêdo. Código Civil..., 2008, p. 493). O autor citado traz à colação interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa deve ser aqui transcrita:

“Direito civil e processual civil. Doação à namorada. Empréstimo. Matéria de prova. I – O pequeno valor a que se refere o art. 1.168 do Código Civil há de ser considerado em relação à fortuna do doador; se se trata de pessoa abastada, mesmo as coisas de valor elevado podem ser doadas mediante simples doação manual (Washington de Barros Monteiro). II – No caso, o acórdão recorrido decidiu a lide à luz da matéria probatória, cujo reexame é incabível no âmbito do recurso especial. III – Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp 155.240/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 3.ª Turma, j. 07.11.2000, DJ 05.02.2001, p. 98).

No tocante à classificação da doação quanto às formalidades, ressalte-se que, quando da IV Jornada de Direito Civil (outubro de 2006), o jurista Sílvio de Salvo Venosa propôs enunciado no sentido de que o art. 108 do CC, que dispensa a escritura pública para atos de disposição de imóveis com valor igual ou inferior a 30 salários mínimos, não se aplicaria à doação. Isso porque o art. 541 do CC seria norma especial para o contrato em questão.

O enunciado doutrinário proposto tinha a seguinte redação: “Para a validade do contrato de doação, a norma do art. 541 do CC faculta ao doador a opção pela forma pública ou particular, não se lhe aplicando a norma do art. 108 do CC”. A ementa não foi discutida e votada naquela ocasião por falta de tempo e excesso de trabalho. De qualquer forma, vale dizer que não se filia em parte à proposta e com o posicionamento de Venosa, pois o art. 108 do CC é norma protetiva dos vulneráveis, tendo relação direta com o princípio da função social dos contratos. Pode-se dizer que o art. 108 do atual Código tem relação com a visão sociológica do Direito Civil, que procura tutelar os direitos dos pobres e desfavorecidos, dentro da ideia de um Direito Civil Personalizado (MENGER, Antonio. El derecho civil..., 1898).

Superada a classificação da doação, segue o estudo dos seus efeitos, tendo como pano de fundo as suas diversas modalidades.

9.2 EFEITOS E REGRAS DA DOAÇÃO SOB O PRISMA DAS SUAS MODALIDADES OU ESPÉCIES

9.2.1 Classificação da doação quanto à presença ou não de elementos acidentais

Os elementos acidentais de um contrato ou negócio jurídico estão no plano de sua eficácia (terceiro degrau da Escada Ponteana). São eles:

a) Condição – subordina a eficácia do contrato a um evento futuro e incerto.

b) Termo – subordina a eficácia do contrato a um evento futuro e certo.

c) Encargo ou modo – ônus introduzido no ato de liberalidade.

De início, a doação pura ou simples é aquela feita por mera liberalidade ao donatário, sem lhe impor qualquer contraprestação, encargo ou condição.

Ademais, a doação condicional é aquela em que a eficácia do contrato está subordinada à ocorrência de um evento futuro e incerto, caso da doação a nascituro (art. 542 do CC), daquela realizada em contemplação de casamento futuro (propter nuptias – art. 546 do CC) e da doação com cláusula de reversão (art. 547 do CC), que ainda serão estudadas.

A doação a termo, por sua via, é aquela cuja eficácia do ato está subordinada à ocorrência de um evento futuro e certo. A título de exemplo, é possível se estipular que um bem permaneça com um donatário por um determinado lapso temporal, oportunidade em que será transmitido a outro. Anote-se que esse evento futuro e certo não pode ser a morte, sendo vedada a doação sucessiva. Como é cediço, para tanto existe o instituto do fideicomisso, forma de substituição testamentária (arts. 1.951 a 1.960 do CC). O fundamento da vedação é o art. 426 do CC/2002, segundo o qual não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. Havendo a doação sucessiva, esta será nula por nulidade virtual, pois a lei proíbe o ato, sem, contudo, cominar sanção (art. 166, VII, do CC).

Por fim, a doação modal ou com encargo é aquela gravada com um ônus, havendo liberalidade somente no valor que exceder o ônus (art. 540 do CC). Não sendo atendido o encargo cabe a revogação da doação, como forma de resilição unilateral. A título de exemplo, alguém doa um terreno a outrem para que o donatário construa em parte dele um asilo.

Apesar de alguns doutrinadores entenderem que a doação modal é um contrato bilateral, opinamos no sentido de que o contrato é unilateral imperfeito. Isso porque o encargo não constitui uma contraprestação, um dever jurídico a fazer com que o contrato seja sinalagmático. Constitui sim um ônus, que não atendido traz consequências ao donatário. Quanto às diferenças entre ônus e dever, remete-se o leitor ao Volume 2 desta coleção. De qualquer forma, o contrato é oneroso, mesmo sendo unilateral imperfeito. É importante ressaltar que, na doutrina contemporânea, também Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho entendem que o encargo “não tem o peso da contraprestação, a ponto de desvirtuar a natureza do contrato” (Novo curso..., 2008, p. 95-96).

Por outra via, há quem entenda que o contrato é bilateral, ou mesmo bilateral imperfeito, sendo altamente controvertida a questão. Para aprofundamentos sobre o tema, sugere-se a leitura da obra de Luciano de Camargo Penteado, fruto de dissertação de mestrado defendida na USP (Doação..., 2004).

Didaticamente, a doação modal não se confunde com a doação condicional, pois esta última é identificada pela conjunção se, havendo suspensão da aquisição e do exercício do direito enquanto não ocorrer o implemento do evento futuro e incerto. Por outra via, a doação modal é identificada pelas locuções conjuntivas para que ou com o fim de, não havendo suspensão da aquisição nem do exercício do direito, pois o donatário já recebe a coisa doada.

Superada essa análise preliminar classificatória, parte-se para o estudo de outras modalidades de doação. Como se poderá notar, várias delas constituem doações condicionais.

9.2.2 Doação remuneratória

A doação remuneratória é aquela feita em caráter de retribuição por um serviço prestado pelo donatário, mas cuja prestação não pode ser exigida pelo último. Isso porque, caso fosse exigível, a retribuição deveria ser realizada por meio do pagamento, uma das formas de extinção das obrigações.

Em regra, não constitui ato de liberalidade, havendo remuneração por uma prestação de serviços executada pelo donatário. A título de exemplo, imagine-se o caso de uma doação de um automóvel feita ao médico que salvou a vida do doador. Somente haverá liberalidade na parte que exceder o valor do serviço prestado, conforme dispõe o art. 540 do Código Civil em vigor, cabendo análise caso a caso.

A prova da remuneração cabe a quem alega, a fim de retirar o caráter de liberalidade. Nesse sentido, vejamos interessante aresto pronunciado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2013, que envolve os conceitos de doação remuneratória e doação com encargo: “Bem móvel/semovente. Revogação de doação cumulada com indenização por perdas e danos. Alegação de doação onerosa, com encargo. Doação de felino com o encargo da donatária vir a castrá-lo, a fim de se evitar a proliferação da espécie. Procriação do animal. Ocorrência. Incontrovérsia quanto à doação. Controvérsia quanto a que condição se deu a celebração do contrato. Donatária que alega doação remuneratória por serviços veterinários prestados aos felinos do gatil da doadora. Revogação condicionada à demonstração do encargo. Art. 562 do Código Civil. Inteligência. Ônus probatório atribuído à autora, que dele não se desincumbiu. Art. 333, I, do CPC. Exegese. Ação julgada improcedente. Sentença mantida. Recurso improvido” (TJSP, Apelação 0108797-57.2006.8.26.0100, Acórdão 6631511, São Paulo, 32.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rocha de Souza, j. 04.04.2013, DJESP 11.04.2013).

Pois bem, para o Direito Civil, a análise ou configuração da doação remuneratória é pertinente por três razões. Primeiro, porque cabe a alegação de vício redibitório quanto ao bem doado, eis que se trata de uma forma de doação onerosa (art. 441, parágrafo único, do CC). Segundo, porque não se revogam por ingratidão as doações puramente remuneratórias (art. 564, I, do CC). Terceiro, porque as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente não estão sujeitas a colação (art. 2.011 do CC).

9.2.3 Doação contemplativa ou meritória

Também de acordo com o que consta no art. 540 do CC, a doação contemplativa é aquela feita em contemplação a um merecimento do donatário. Exemplo típico pode ocorrer no caso de alguém que doa vários livros a um professor famoso, pois aprecia o seu trabalho, constando esse motivo no instrumento contratual.

Em hipóteses tais, o doador prevê, expressamente, quais são os motivos que o fizeram decidir pela celebração do contrato de doação. Geralmente o doador leva em consideração uma qualidade pessoal do donatário, não perdendo o caráter de liberalidade – ou seja, o caráter de doação pura e simples –, caso se descubra que o donatário não a mereça. Não há qualquer consequência prática dessa denominação, sendo certo que essa terminologia apenas interessa como conceito a ser indagado em provas de graduação e concursos públicos.

9.2.4 Doação a nascituro

Prevê o art. 542 do CC que “a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal”. O nascituro, aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu (infans conceptus), poderá receber a doação, mas a sua aceitação deverá ser manifestada pelos pais ou pelo curador incumbido de cuidar dos seus interesses, nesse último caso, com autorização judicial. A aceitação por parte do representante legal do nascituro está no plano da validade do contrato. Além disso, a eficácia do contrato depende do nascimento com vida do donatário, havendo uma doação condicional, segundo o entendimento majoritário.

Em outras palavras, se o donatário não nascer com vida, caduca a liberalidade, pois se trata de direito eventual, sob condição suspensiva. No entanto, se tiver um instante de vida, receberá o benefício, transmitindo-o a seus sucessores (CHINELATO, Silmara Juny. Tutela..., 1999, p. 337).

O art. 542 do Código em vigor reforça a tese pela qual o nascituro não tem personalidade jurídica material, ou seja, aquela relacionada com direitos patrimoniais e que só é adquirida pelo nascimento com vida. Nesse plano, portanto, há mera expectativa de direitos. Mas, segundo a doutrina majoritária brasileira, o nascituro é pessoa, tendo personalidade jurídica formal, aquela relacionada com os direitos da personalidade, conforme pode ser retirado do Enunciado n. 1 CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil: “A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”.

Para demonstrar que a teoria concepcionista, aquela que reconhece personalidade ao nascituro, prevalece na doutrina contemporânea, este autor escreveu artigo científico sobre o tema intitulado, A situação jurídica do nascituro: uma página a ser virada no direito civil brasileiro (Questões controvertidas..., 2007, vol. 6). Na pesquisa realizada para o trabalho foram encontrados, como adeptos da corrente segundo a qual o nascituro tem direitos (teoria concepcionista), os seguintes autores: Silmara Juny Chinelato, Pontes de Miranda, Rubens Limongi França, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Roberto Senise Lisboa, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Francisco Amaral, Gustavo Rene Nicolau, Renan Lotufo, Maria Helena Diniz e Maria Berenice Dias. Assim, interpretando o art. 2.º do CC, na doutrina viva do Direito Civil atual prevalece a tese concepcionista, pela qual o nascituro é pessoa, devendo ser reconhecidos os seus direitos da personalidade: direito à vida e à integridade físico-psíquica, à honra, ao nome, à imagem, à intimidade, entre outros. Como não poderia ser diferente, somos adeptos dessa corrente, mais harmonizada com a personalização do Direito Civil, ou seja, com a proteção da pessoa humana e sua dignidade (art. 1.º, III, da CF/1988) – Direito Civil Personalizado. Entender que o nascituro é uma coisa contraria toda essa tendência.

Os estudos a respeito do tema do nascituro têm levado este autor a repensar a ideia de que o nascituro não teria direitos patrimoniais desde a concepção, mas somente com o nascimento com vida. Tal posição, na verdade, parece restringir sobremaneira os direitos do nascituro, que deve ser tratado como pessoa humana integralmente, para todos os fins. De qualquer modo, deve ser considerada como majoritária, trazendo a conclusão de que a doação a nascituro é condicional ao nascimento.

Relata Maria Helena Diniz que há jurisprudência reconhecendo a possibilidade de doação à prole eventual, pessoa que sequer foi concebida (Código Civil..., 2005, p. 484). A ilustrar, julgado do TJRJ, admitindo a figura e aplicando, por analogia, o dispositivo referente à doação em contemplação a casamento futuro: “Prole eventual. Art. 1.173. Código Civil de 1916. Interpretação analógica. Doação. Prole eventual. Feita pelos avós aos netos já existentes e outros que viessem a nascer. Aplicação analógica das disposições pertinentes à doação ‘propter nuptias’. Embora não a tenha previsto expressamente, o nosso Código Civil não é avesso à doação em favor de prole eventual, tanto assim que a admite na doação ‘propter nuptias’, consoante artigo 1.173, norma essa que pode ser aplicada analogicamente ao caso vertente. A inteligência das Leis é obra de raciocínio, mas também de bom senso, não podendo o seu aplicador se esquecer que o rigorismo cego pode levar a ‘summa injuria’. Tal como na interpretação de cláusula testamentária, deve também o juiz, na doação, ter por escopo a inteligência que melhor assegure a vontade do doador. Provimento do recurso” (TJRJ, Acórdão 5629/1994, Santa Maria Madalena, 2.ª Câmara Cível, Rel. Des. Sergio Cavalieri Filho, j. 08.11.1994).

Em casos tais, na atualidade, merece aplicação o art. 1.800, § 4.º, do CC, pelo qual se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão do doador, não for concebido o donatário, o bem doado será transmitido para os herdeiros legítimos. Ressalte-se que esse entendimento também deve ser aplicado à doação em favor do embrião, que funciona sob condição resolutiva.

9.2.5 Doação sob forma de subvenção periódica

Trata-se de uma doação de trato sucessivo, em que o doador estipula rendas a favor do donatário (art. 545 do CC). Por regra, terá como causa extintiva a morte do doador ou do donatário, mas poderá ultrapassar a vida do doador, havendo previsão contratual nesse sentido. Porém, em hipótese alguma, poderá ultrapassar a vida do donatário, sendo eventual cláusula nesse sentido revestida por nulidade virtual (art. 166, VII, do CC). O dispositivo em comento reforça o caráter personalíssimo parcial da doação de rendas. Em realidade, essa doação constitui um favor pessoal, como uma pensão ao donatário, não se transferindo a obrigação aos herdeiros do doador.

Em uma análise sistemática da codificação, surge aqui uma dúvida: quais as diferenças entre a doação sob forma de subvenção periódica ou doação de rendas e o contrato de constituição de renda (arts. 803 a 813 do CC)?

Como é notório, o contrato de constituição de renda é uma figura típica, de acordo com o Código Civil de 2002, que substituiu o antigo instituto das rendas constituídas sobre bem imóvel, tratado no CC/1916 como um direito real de gozo ou fruição (arts. 749 a 754). As diferenças entre os dois institutos constam da tabela a seguir:

Doação sob forma de subvenção periódica

Contrato de constituição de renda

Constitui espécie. “Trata-se de uma constituição de renda vitalícia a título gratuito” (DINIZ, Maria Helena. Código..., p. 486).

Constitui gênero.

É sempre negócio jurídico gratuito.

Pode assumir forma gratuita ou onerosa (art. 804 do CC).

Nunca estará relacionada com imóvel. A renda tem origem no patrimônio do doador de forma direta.

A renda pode estar relacionada com imóvel, de onde é retirada.

Na dúvida, nada obsta que as normas previstas para o contrato de constituição de renda sejam aplicadas à doação de rendas, sendo o último contrato espécie do primeiro.

9.2.6 Doação em contemplação de casamento futuro (doação propter nuptias)

De acordo com o art. 546 do CC, a doação propter nuptias é aquela realizada em contemplação de casamento futuro com pessoa certa e determinada. Trata-se de uma doação condicional, havendo uma condição suspensiva, pois o contrato não gera efeitos enquanto o casamento não se realizar. O contrato em questão é considerado por Carlos Roberto Gonçalves como um presente de casamento, mas não se confunde com os presentes enviados pelos parentes e amigos, como é costume fazer (Direito..., 2004, p. 266). Em suma, pode-se dizer que no caso de presentes enviados após a declaração de casamento há uma doação pura, e não uma doação condicional.

Segundo os ensinamentos de Paulo Luiz Netto Lôbo, tal modalidade de doação se perfaz pelos nubentes entre si, por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, no futuro, houverem um do outro. Portanto, pode-se beneficiar a prole eventual do futuro casal. Na hipótese em que o casamento não for realizado ou inviabilize-se a futura prole, o nubente deverá devolver a coisa com os mesmos efeitos do possuidor de boa-fé (Comentários..., 2003, p. 319-322). Em quaisquer das hipóteses, a doação não pode ser impugnada por falta de aceitação.

Como se trata de norma especial, deve-se entender que o art. 546 do CC não se aplica à união estável, até porque, ao contrário do casamento, há uma dificuldade em apontar, no plano fático, a existência de uma união livre, eis que os seus requisitos são abertos e demandam a análise caso a caso: relação pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família (art. 1.723 do CC).

Entretanto, é possível prever uma doação condicional e atípica, que somente terá aperfeiçoamento se alguém passar a viver com outrem de forma duradoura, conforme ordena o art. 1.723 do CC. Não há qualquer ilicitude no conteúdo desse contrato, sendo o mesmo perfeitamente válido.

9.2.7 Doação de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges

Segundo o art. 544 do CC, as doações de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importam em adiantamento do que lhes cabe por herança. Houve relevantes alterações do dispositivo, pois o art. 1.171 do CC/1916 previa que “a doação de pais aos filhos importa em adiantamento da legítima”. Além da inclusão dos demais ascendentes e descendentes, foi também incluído o cônjuge, que é herdeiro necessário pelo Código Civil de 2002 (art. 1.845 do CC/2002), podendo concorrer com os descendentes na herança (art. 1.829, I, do CC/2002). Em complemento, o dispositivo não utiliza mais o termo “legítima”, mas “herança”. Apesar da última alteração, o objetivo é a proteção dessa legítima, que é a quota que cabe aos herdeiros necessários.

Relativamente à doação de ascendente a descendente, os bens deverão ser colacionados no processo de inventário por aquele que os recebeu, sob pena de sonegados, ou seja, sob pena de o herdeiro perder o direito que tem sobre a coisa (arts. 1.992 a 1.996 do CC/2002). Todavia, é possível que o doador dispense essa colação (art. 2.006 do CC).

Conclui-se, como parte da doutrina, que poderá haver doação de um cônjuge a outro sendo o regime de separação convencional de bens, de comunhão parcial (havendo patrimônio particular), ou de participação final nos aquestos (quanto aos bens particulares) (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2005, p. 486).

Vale dizer que o STJ já entendeu ser nula a doação entre cônjuges no regime da comunhão universal: “Doação entre cônjuges. Incompatibilidade com o regime da comunhão universal de bens. A doação entre cônjuges, no regime da comunhão universal de bens, é nula, por impossibilidade jurídica do seu objeto” (Superior Tribunal de Justiça, AR 310/PI, Rel. Min. Dias Trindade, 2.ª Seção, j. 26.05.1993, DJ 18.10.1993, p. 21.828). De qualquer forma, na opinião deste autor a doação é possível no tocante aos bens excluídos da comunhão universal (art. 1.668 do CC), caso de um bem de uso pessoal.

Essa doação não pode implicar em fraude à execução – será ineficaz; fraude contra credores – será anulável; simulação – será nula; ou fraude à lei – será nula. A respeito da fraude, surge dúvida quanto à possibilidade de doação entre cônjuges se o regime entre eles for o da separação obrigatória, nos moldes do art. 1.641 do CC.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, há fraude à lei em casos tais (art. 166, VI, do CC), razão de nulidade dessa doação, eis que buscam os cônjuges burlar o regime imposto de forma compulsória (Direito..., 2005, p. 136). Citando a jurisprudência do STJ, ensina Paulo de Tarso Sanseverino que “na separação obrigatória de bens, instituída em determinadas situações pelo legislador (art. 1.641 do CC/2002) para proteção de determinadas pessoas (v.g. maiores de sessenta anos), se a doação representar burla do regime de bens do casamento, será inválida” (Contratos nominados II..., 2006, p. 109).

A questão, contudo, não é pacífica.

Como se sabe, o regime da separação total de origem legal ou obrigatória estará presente em três casos, nos termos do art. 1.641 do CC:

I – Das pessoas que contraírem casamento com inobservância das causas suspensivas para a celebração do casamento (art. 1.523 do CC);

II – Da pessoa maior de setenta anos, tendo sido a idade aumentada dos sessenta anos, por força da Lei 12.344/2010;

III – De todos os que dependerem de suprimento judicial para casar, caso dos menores e dos incapazes.

Ora, prevê o Enunciado n. 262 CJF/STJ que é possível a alteração do regime de bens, nos termos do art. 1.639, § 2.º, do CC, podendo ser estendida aos casos dos incisos I e III do art. 1.641 se cessarem as causas de imposição do regime. Já o Enunciado n. 125 CJF/STJ considera inconstitucional a norma do inciso II do art. 1.641, por ser discriminatória, violando a dignidade humana e a autonomia privada do idoso, que pode se casar com quem bem entenda e por qualquer regime. Concorda-se doutrinariamente com os dois enunciados doutrinários.

Assim sendo, seria realmente possível a doação de bens entre cônjuges nesse regime, desde que preenchidos os requisitos constantes do Enunciado n. 262 CJF/STJ. Se possível é a alteração do regime, também válida é a doação entre os cônjuges em casos tais, por razões óbvias.

Como reforço à possibilidade de doação entre cônjuges no regime da separação legal, frise-se que este autor é adepto da manutenção da Súmula 377 do STF, pela qual nesse regime comunicam-se os bens havidos durante o casamento, pelo esforço comum dos cônjuges, na opinião deste autor. Também no STJ são encontrados julgados pela permanência de aplicação do citado sumular:

“Civil. Regime de bens. Separação obrigatória. Aquestos. Esforço comum. Comunhão. Súmula 377/STF. Incidência. 1. No regime da separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum dos cônjuges (art. 259 do CC/1916). 2. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 442.629/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4.ª Turma, j. 02.09.2003, DJ 15.09.2003, p. 324, REPDJ 17.11.2003, p. 332).

Pois bem, se há comunicação de alguns bens, a separação não é tão obrigatória assim, não havendo óbice para a doação de alguns bens, desde que não haja simulação, fraude contra credores ou fraude à execução. Em suma, não se pode presumir a fraude à lei nos casos em questão. Nessa linha, concluindo pela possibilidade de doação entre cônjuges no regime da separação obrigatória de bens, colaciona-se julgado do Tribunal Paulista:

“Anulação de doação. Ex-cônjuges. Alegação de que o regime de separação obrigatória de bens impedia o ato. Doação de imóvel que não se estende ao alegado impedimento. Ato de mera liberalidade. Valor que não dilapidou o patrimônio do doador. Inexistência de coação. Sentença de improcedência mantida. Provimento negado. Litigância de má-fé. Não configuração. Inexistência de intuito protelatório. Provimento negado” (TJSP, Apelação com Revisão 546.548.4/7, Acórdão 2548431, São Paulo, 8.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Caetano Lagrasta, j. 02.04.2008, DJESP 16.04.2008).

Na mesma trilha, colaciona-se acórdão do Superior Tribunal de Justiça do ano de 2011, segundo o qual, com precisão, “são válidas as doações promovidas, na constância do casamento, por cônjuges que contraíram matrimônio pelo regime da separação legal de bens, por três motivos: (I) o CC/16 não as veda, fazendo-no apenas com relação às doações antenupciais; (II) o fundamento que justifica a restrição aos atos praticados por homens maiores de sessenta anos ou mulheres maiores que cinquenta, presente à época em que promulgado o CC/16, não mais se justificam nos dias de hoje, de modo que a manutenção de tais restrições representam ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana; (III) nenhuma restrição seria imposta pela Lei às referidas doações caso o doador não tivesse se casado com a donatária, de modo que o Código Civil, sob o pretexto de proteger o patrimônio dos cônjuges, acaba fomentando a união estável em detrimento do casamento, em ofensa ao art. 226, § 3.º, da Constituição Federal” (STJ, AgRg-REsp 194.325/MG, 3.ª Turma, Rel. Des. Conv. Vasco Della Giustina, j. 08.02.2011, DJE 01.04.2011).

Por fim, deve-se entender que o art. 544 do CC não se aplica à doação ao convivente, em primeiro lugar porque o companheiro não é herdeiro necessário, e em segundo, porque a norma é especial e restritiva, não admitindo aplicação da analogia ou interpretação extensiva.

9.2.8 Doação com cláusula de reversão

A doação com cláusula de reversão (ou cláusula de retorno) é aquela em que o doador estipula que os bens doados voltem ao seu patrimônio se sobreviver ao donatário (art. 547 do CC). Trata-se esta cláusula de uma condição resolutiva expressa, demonstrando o intento do doador de beneficiar somente o donatário e não os seus sucessores, sendo, portanto, uma cláusula intuitu personae que veda a doação sucessiva.

Porém, o pacto de reversão só tem eficácia se o doador sobreviver ao donatário. Se falecer antes deste, a condição não ocorre e os bens doados incorporam-se ao patrimônio do donatário definitivamente, podendo transmitir-se, aos seus próprios herdeiros, com sua morte.

Essa cláusula é personalíssima, a favor do doador, não podendo ser estipulada a favor de terceiro, pois isso caracterizaria uma espécie de fideicomisso por ato inter vivos, o que é vedado pela legislação civil, a saber, pelo art. 426 do CC, o qual proíbe os pactos sucessórios ou pacta corvina.

Marco Aurélio Bezerra de Melo ensina que essa cláusula não institui a inalienabilidade do bem, que pode ser transferido a terceiro (Novo Código..., 2004, p. 198). Tem razão o doutrinador, pois, como se sabe, a inalienabilidade de um bem não pode ser presumida, diante da notória proteção da autonomia privada como valor constitucional relacionado com os princípios da liberdade e da dignidade humana (art. 1.º, III, da CF/1988).

No entanto, segundo uma visão tradicional, alienando o bem e falecendo o donatário, essa alienação é tornada sem efeito, havendo condição resolutiva, nos termos do art. 1.359 do atual Código (Diniz, Maria Helena. Código Civil..., 2005, p. 487; Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil..., 2004, p. 271; Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil..., 2003, p. 126). Isso porque a propriedade daquele que adquiriu o bem com a referida cláusula é resolúvel. Concluindo, eventual adquirente do bem sofrerá os efeitos da evicção outrora estudados.

Entretanto, acredita-se que esse posicionamento será alterado substancialmente no futuro. Isso porque há uma grande preocupação legal, doutrinária e jurisprudencial de proteção dos direitos de terceiros de boa-fé. Por esse caminho, a cláusula de reversão não poderia ter efeitos em face de terceiros que não têm conhecimento da cláusula de retorno e realizam negócios movidos pela probidade, pela boa-fé objetiva. Como exemplo dessa tendência, pode ser citado o art. 167, § 2.º, do CC/2002, que consagra a inoponibilidade do ato simulado, que gera a nulidade do contrato, em face de terceiros de boa-fé. Isso confirma a tese segundo a qual a boa-fé objetiva é preceito de ordem pública, conforme reconhecido pelo Enunciado n. 363 CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil: “Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação”. Espera-se pela mudança, prestigiando a boa-fé, que é valor fundamental do Direito Civil Contemporâneo.

9.2.9 Doação conjuntiva

A doação conjuntiva é aquela que conta com a presença de dois ou mais donatários (art. 551 do CC), presente uma obrigação divisível. Em regra, incide uma presunção relativa (iuris tantum) de divisão igualitária da coisa em quotas iguais entre os donatários. Entretanto, o instrumento contratual poderá trazer previsão em contrário.

Por regra, não há direito de acrescer entre os donatários na doação conjuntiva. Dessa forma, falecendo um deles, sua quota será transmitida diretamente a seus sucessores e não ao outro donatário. Mas o direito de acrescer pode estar previsto no contrato (direito de acrescer convencional) ou na lei (direito de acrescer legal).

O art. 551, parágrafo único, do CC, consagra uma hipótese de direito de acrescer legal, sendo aplicada quando os donatários forem marido e mulher. Nessa hipótese, falecendo um dos cônjuges, a quota do falecido é transmitida para o seu consorte, sendo desprezadas as regras sucessórias.

A norma não é aplicada quando o casal estiver separado judicial ou extrajudicialmente. Da jurisprudência mineira, colaciona-se acórdão que afastou o direito de acrescer de casal separado de fato, conclusão que parece ser a mais correta: “Direito Civil. Agravo de instrumento. Doação conjuntiva. Direito de acrescer. Parágrafo único, art. 551, CC/02. Inaplicabilidade. Separação de fato. Comprovação inequívoca. Efeitos patrimoniais. Nos termos do que dispõe o parágrafo único do art. 551 do CC/02, se os beneficiados da doação conjuntiva são marido e mulher, a regra é o direito de acrescer, e, portanto, com o falecimento de um dos donatários, a doação subsiste, na totalidade, para o cônjuge sobrevivente. Inaplicável a regra do direito de acrescer quando inequívoca a separação de fato, o que, consoante a assente jurisprudência pátria, põe fim não só aos deveres conjugais, mas igualmente faz cessar a relação patrimonial do casal” (TJMG, Agravo de Instrumento 1.0069.01.000209-0/005, Rel. Des. Versiani Penna, j. 30.08.2013, DJEMG 09.09.2013).

Como se trata de norma especial (ou melhor, excepcional) prevista para o casamento, este autor não é favorável à sua aplicação para a união estável, até porque a convivência é de difícil caracterização.

9.2.10 Doação manual

Conforme no presente capítulo foi demonstrado, a doação de bem móvel de pequeno valor pode ser celebrada verbalmente, desde que seguida da entrega imediata da coisa (tradição). Essa é a regra constante do art. 541, parágrafo único, do CC, que traz a denominada doação manual.

A doação é um contrato consensual em que se exige a forma escrita, por regra. Porém, a doação manual constitui exceção a essa regra. Estamos tratando novamente dessa forma de doação para fins didáticos, para que o estudioso não se esqueça dessa modalidade contratual.

Repise-se que a caracterização do que seja bem de pequeno valor depende de análise casuística. É o que ensina Marco Aurélio Bezerra de Melo, merecendo destaque suas palavras: “O problema está na concepção do que significa bem de pequeno valor. Qual o critério que deverá ser usado pelo intérprete? Diante de uma previsão vaga, mister será atentar para a lógica do razoável (princípio da razoabilidade) e aferir no concreto a capacidade econômica do doador e do donatário e as circunstâncias da doação, consultando-se, outrossim, o real intento do doador. Entendemos que, na dúvida, deverá o intérprete concluir pela validade da doação, pois desta forma se prestigiará a manifestação de vontade dos contratantes” (Novo Código..., 2004, p. 192). O que o desembargador fluminense defende, no final do seu texto, é a aplicação do princípio da conservação contratual, que é anexo à função social (Enunciado n. 22 CJF/STJ).

Apesar desse entendimento, pode surgir outro, ou seja, o de que um bem de pequeno valor é aquele com valor inferior a 30 salários mínimos, levando-se em conta o art. 108 do CC. Também há quem sustente como índice o valor correspondente a um salário mínimo (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso..., 2008, p. 96-97). Esses parâmetros também parecem lógicos, apesar de que o posicionamento anterior, de análise caso a caso, é o considerado como majoritário.

9.2.11 Doação inoficiosa

Segundo o art. 549 do CC, é nula a doação quanto à parte que exceder o limite de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. Essa doação, que prejudica a legítima (quota dos herdeiros necessários), é denominada doação inoficiosa.

É interessante verificar que o caso é de nulidade absoluta textual (art. 166, VII, do CC), mas de uma nulidade diferente das demais, eis que atinge tão somente a parte que excede a legítima. Exemplificando, se o doador tem o patrimônio de R$ 100.000,00 e faz uma doação de R$ 70.000,00, o ato será válido até R$ 50.000,00 (parte disponível) e nulo nos R$ 20.000,00 que excederam a proteção da legítima. O que se percebe é que o art. 549 do CC tem como conteúdo o princípio da conservação do contrato, que é anexo à função social dos contratos, uma vez que procura preservar, dentro do possível juridicamente, a autonomia privada manifestada na doação. O julgado do STJ a seguir é ilustrativo dessa solução:

“Civil. Doação inoficiosa. 1. A doação ao descendente é considerada inoficiosa quando ultrapassa a parte que poderia dispor o doador, em testamento, no momento da liberalidade. No caso, o doador possuía 50% dos imóveis, constituindo 25% a parte disponível, ou seja, de livre disposição, e 25% a legítima. Este percentual é que deve ser dividido entre os 6 (seis) herdeiros, tocando a cada um 4,16%. A metade disponível é excluída do cálculo. 2. Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp 112.254/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4.ª Turma, j. 16.11.2004, DJ 06.12.2004, p. 313).

Ainda em sede de Superior Tribunal de Justiça, pontue-se que a Corte tem entendido que o valor a ser apurado com o fim de se reconhecer a nulidade deve levar em conta o momento da liberalidade. Assim, “para aferir a eventual existência de nulidade em doação pela disposição patrimonial efetuada acima da parte de que o doador poderia dispor em testamento, a teor do art. 1.176 do CC/1916, deve-se considerar o patrimônio existente no momento da liberalidade, isto é, na data da doação, e não o patrimônio estimado no momento da abertura da sucessão do doador. O art. 1.176 do CC/1916 – correspondente ao art. 549 do CC/2002 – não proíbe a doação de bens, apenas a limita à metade disponível. Embora esse sistema legal possa resultar menos favorável para os herdeiros necessários, atende melhor aos interesses da sociedade, pois não deixa inseguras as relações jurídicas, dependentes de um acontecimento futuro e incerto, como o eventual empobrecimento do doador” (STJ, AR 3.493/PE, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 12.12.2012, publicado no seu Informativo n. 512).

Como a questão envolve ordem pública, este autor entende que a ação declaratória de nulidade da parte inoficiosa – também denominada de ação de redução –é não sujeita à prescrição ou à decadência (didaticamente, imprescritível), podendo ser proposta a qualquer tempo (art. 169 do CC). Por isso, não há necessidade de aguardar o falecimento do doador para a sua propositura. Em outras palavras, poderá ser proposta mesmo estando vivo o doador que instituiu a liberalidade viciada. Visando a esclarecer, o Projeto de Lei 699/2011 (antigo PL 6.960/2002) pretende acrescentar um parágrafo único ao art. 549, com o seguinte teor: “Art. 549. (...) Parágrafo único. A ação de nulidade pode ser intentada mesmo em vida do doador”. A proposta confirma o entendimento doutrinário atual, que pode ser invocado (ALVES, Jones Figueirêdo. Código Civil..., 2008, p. 500; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil..., 2007, p. 270).

Quanto ao prazo, surge um outro entendimento no sentido de que, pelo fato de a questão envolver direitos patrimoniais, está sujeita a prazo prescricional, que é próprio dos direitos subjetivos. Como não há prazo especial previsto, deverá ser aplicado o prazo geral de prescrição. Na vigência do CC/1916 esse prazo era de vinte anos; na vigência do CC/2002 é de dez anos (art. 205). A respeito da aplicação do prazo geral de prescrição para essa hipótese, já entendeu o Superior Tribunal de Justiça:

“Civil e processual. Acórdão estadual. Nulidade não configurada. Ação de reconhecimento de simulação cumulada com ação de sonegados. Bens adquiridos pelo pai, em nome dos filhos varões. Inventário. Doação inoficiosa indireta. Prescrição. Prazo vintenário, contado da prática de cada ato. Colação dos próprios imóveis, quando ainda existentes no patrimônio dos réus. Exclusão das benfeitorias por eles realizadas. CC anterior, arts. 177, 1.787 e 1.732, § 2.º. Sucumbência recíproca. Redimensionamento. CPC, art. 21. Se a aquisição dos imóveis em nome dos herdeiros varões foi efetuada com recursos do pai, em doação inoficiosa, simulada, em detrimento dos direitos da filha autora, a prescrição da ação de anulação é vintenária, contada da prática de cada ato irregular. Achando-se os herdeiros varões ainda na titularidade dos imóveis, a colação deve se fazer sobre os mesmos e não meramente por seu valor, a teor dos arts. 1.787 e 1.792, § 2.º, do Código Civil anterior. Excluem-se da colação as benfeitorias agregadas aos imóveis realizadas pelos herdeiros que os detinham (art. 1.792, § 2.º). Sucumbência recíproca redimensionada, em face da alteração decorrente do acolhimento parcial das teses dos réus. Recurso especial conhecido em parte e provido” (STJ, REsp 259.406/PR (200000489140), 600816, Data da decisão: 17.02.2005, 4.ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 04.04.2005, p. 314).

Por fim, é forçoso anotar que este autor segue o entendimento, também majoritário na doutrina, pelo qual a ação somente poderá ser proposta pelos interessados, ou seja, pelos herdeiros necessários do doador (MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo Código..., 2004, p. 201). Isso ressalta o seu caráter de nulidade especial, pois, apesar de envolver ordem pública, a ação somente cabe a quem tem interesse (STJ, REsp 167.069/DF, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Waldemar Zveiter, 3.ª Turma, j. 20.02.2001, DJ 02.04.2001, p. 285).

9.2.12 Doação universal

Nula é a doação de todos os bens, sem a reserva do mínimo para a sobrevivência do doador (art. 548 do CC). Essa doação, que é vedada expressamente pela lei – sendo, por isso, uma hipótese de nulidade textual, nos termos do art. 166, VII, primeira parte, do CC –, é denominada doação universal.

Anote-se que o art. 1.176 do CC/1916, que corresponde a esse dispositivo, foi um dos comandos legais explorados na obra-prima do Direito Civil intitulada Estatuto jurídico do patrimônio mínimo do jurista Luiz Edson Fachin (2001). Recomenda-se a sua leitura integral, eis que esse trabalho foi essencial para a formação deste autor e de outros civilistas da geração contemporânea (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso..., 2008, p. 111).

Por esta brilhante tese, diante do princípio da proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988), deve ser assegurado à pessoa o mínimo para a sua sobrevivência, ou melhor, o mínimo para que possa viver com dignidade (piso mínimo de direitos patrimoniais). Isso diante da tendência de personalização do Direito Privado. A tese acaba entrelaçando os direitos existenciais aos patrimoniais. A ilustrar, estabelecendo a relação entre a vedação da doação universal e a proteção da dignidade humana, veja-se julgado assim publicado no Informativo n. 433 do STJ:

“Doação universal. Bens. Separação. Discute-se no REsp se a proibição de doação universal de bens, óbice disposto no art. 1.175 do CC/1916 (atual art. 548 do CC/2002), incidiria no acordo da separação consensual de casal. Segundo o recorrente, da abrangência total dos bens, uns foram doados e outros ficaram para a ex-mulher na partilha. Já o Tribunal a quo posicionou-se no sentido da inaplicabilidade do art. 1.175 do CC/1916, visto que, à época das doações, o recorrente possuía partes ideais de outros imóveis e, na partilha da separação consensual, os bens que ficaram com a ex-mulher foram doados ao casal pelos pais dela. Explica o Min. Relator que a proibição do citado artigo deve incidir nos acordos de separação judicial, pois se destina à proteção do autor da liberalidade, ao impedi-lo de, em um momento de impulso ou de depressão psicológica, desfazer-se de todos seus bens, o que o colocaria em estado de pobreza. Ademais, a dissipação completa do patrimônio atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, II, da CF/1988). Considera, ainda, o Min. Relator que os acordos realizados nas separações judiciais são transações de alta complexidade, haja vista os interesses a serem ajustados (guarda dos filhos, visitas, alimentos etc.). Por esse motivo, é corriqueira a prática de acordos a transigir com o patrimônio a fim de compor ajustes para resolver questões que não seriam solucionadas sem a condescendência econômica de uma das partes. Observa que as doações, nos casos de separação, também se sujeitam à validade das doações ordinárias; assim, a nulidade da doação dar-se-á quando o doador não reservar parte de seus bens, ou não tiver renda suficiente para a sua sobrevivência e só não será nula quando o doador tiver outros rendimentos. Diante do exposto, a Turma deu provimento ao recurso para anular o acórdão recorrido, a fim de que o tribunal de origem analise a validade das do ações, especialmente quanto à existência de recursos financeiros para a subsistência do doador” (STJ, REsp. 285.421/RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em 04.05.2010).

Mais uma vez, como a nulidade é absoluta e envolve ordem pública, poderá a ação declaratória de nulidade ser proposta a qualquer tempo, sendo imprescritível. Caberá ainda intervenção do MP e declaração de ofício dessa nulidade absoluta pelo juiz, que dela tenha conhecimento (art. 169 do CC).

A leitura correta do art. 548 do CC traz a conclusão de que é até possível que a pessoa doe todo o seu patrimônio, desde que faça uma reserva de usufruto, de rendas ou alimentos a seu favor, visando à sua manutenção e a sua sobrevivência de forma digna. Em casos tais, para esclarecer qual é o piso mínimo, recomenda-se análise casuística.

9.2.13 Doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice

Enuncia o art. 550 do Código Civil em vigor que é anulável a doação do cônjuge ao seu cúmplice, desde que proposta ação anulatória pelo outro cônjuge ou pelos seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

O dispositivo merece críticas e comentários, pois apresenta uma série de problemas.

Primeiro, tal proibição tem por alcance somente as pessoas casadas, não se aplicando às solteiras, separadas ou divorciadas, que podem dispor de seus bens livremente aos seus companheiros, desde que a doação não seja inoficiosa ou passível de declaração de nulidade ou anulação por outra razão.

Diante da proteção constitucional das entidades familiares, deve-se entender que o dispositivo não se aplica se o doador viver com o donatário em união estável (doação à companheira ou companheiro). Assim entendeu a 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento anterior ao Código Civil de 2002 (RSTJ 62/193 e RT 719/258). Esse entendimento deve ser aplicado aos casos de ser o doador casado, mas separado de fato, judicial ou extrajudicialmente (art. 1.723, § 1.º, e Lei 11.441/2007 do CC), mesmo sendo o donatário o pivô da separação.

Segundo, é de se condenar a utilização das expressões “adúltero” e “cúmplice”, que se encontram superadas. Doutrinadores que compõem o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), entidade máxima do Direito de Família no País, também entendem dessa forma (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil..., 2004, p. 317). Ademais, não se pode esquecer que a Lei 11.106/2005 fez desaparecer o tipo penal do adultério.

Terceiro, o art. 550 do CC entra em conflito com o art. 1.642, V, do CC (“Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: (...) V – reivindicar os bens comuns móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de 5 (cinco) anos”). Isso porque o primeiro dispositivo menciona a anulação nas hipóteses de doação ao cúmplice, enquanto o último prevê a possibilidade de uma ação reivindicatória a ser proposta pelo outro cônjuge. Como se sabe, a ação de anulação está sujeita a prazo decadencial, enquanto a ação reivindicatória ou está sujeita à prescrição ou é imprescritível. Ademais, o inciso V do art. 1.642 acaba prevendo um prazo para a união estável, de forma invertida (cinco anos). Pelo menos para esse caso. Nesse sentido, acaba entrando em conflito com o art. 1.723, caput, do CC, que dispensa prazo para a sua caracterização.

Na verdade, o art. 550 do CC é polêmico, parecendo-nos a sua redação um verdadeiro descuido do legislador, um grave cochilo. A sua aplicação somente será possível se o doador não viver em união estável com o donatário, havendo uma doação a concubino, de bem comum, na vigência do casamento. Para esses casos, por ter sentido de maior especialidade, o art. 550 do CC prevalece sobre o art. 1.642, V, da mesma codificação.

9.2.14 Doação a entidade futura

A lei possibilita a doação a uma pessoa jurídica que ainda não exista, condicionando a sua eficácia à regular constituição da entidade, nos termos do art. 554 do CC em vigor. Se a entidade não estiver constituída no prazo de dois anos contados da efetuação da doação, caducará essa doação. A utilização da expressão “caducará” pelo dispositivo deixa claro que o prazo referido no dispositivo é decadencial.

Por isso, a doutrina é unânime em apontar a existência de uma doação sob condição suspensiva, pois o negócio fica pendente até a regularização da empresa (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2005, p. 490; ROSENVALD, Nelson. Código..., 2007, p. 437).

9.3 DA PROMESSA DE DOAÇÃO

Discute-se muito em sede doutrinária e jurisprudencial a viabilidade jurídica da promessa de doação, ou seja, a possibilidade de haver contrato preliminar unilateral que vise a uma liberalidade futura. Sintetizando, pela promessa de doação, uma das partes compromete-se a celebrar um contrato de doação futura, beneficiando o outro contratante.

Na opinião deste autor, não há óbice em se aceitar tal promessa, uma vez que não há no ordenamento jurídico qualquer dispositivo que a vede, não contrariando esta figura negocial qualquer princípio de ordem pública como, por exemplo, o da função social dos contratos e o da boa-fé objetiva. Muito ao contrário, o art. 466 do Código Civil em vigor, que trata da promessa unilateral de contrato, acaba dando sustentáculo a essa possibilidade. Em reforço, a promessa de doação está dentro do exercício da autonomia privada do contratante. Adotando em parte tais premissas, na VI Jornada de Direito Civil (2013) foi aprovado o Enunciado n. 549, in verbis: “a promessa de doação no âmbito da transação constitui obrigação positiva e perde o caráter de liberalidade previsto no art. 538 do Código Civil”. O enunciado é perfeito ao admitir a promessa de doação, havendo polêmica quanto à perda ou não do seu caráter de liberalidade.

Admitidas a validade e a eficácia desse negócio, dentro dos princípios gerais que regem o contrato preliminar, o futuro beneficiário é investido no direito de exigir o cumprimento da promessa de doação da coisa, pois a intenção de praticar a liberalidade manifestou-se no momento da sua celebração.

Sílvio de Salvo Venosa apresenta entendimento contrário de outros doutrinadores, ou seja, de que não seria possível admitir uma forma coativa de doação, o que ocorre no caso de promessa anterior. Relata esse autor que são desfavoráveis à promessa de doação Caio Mário da Silva Pereira e Miguel Maria de Serpa Lopes, uma vez que o ato de liberalidade não pode ser forçado. Entretanto, Venosa entende ser possível a promessa de doação, “quando emanar de vontade límpida e sem vícios e seu desfecho não ofender qualquer princípio jurídico” (Direito..., 2003, p. 132).

Em nosso entender, diante da versão pós-moderna do Direito Contratual e da atual visualização da autonomia privada, o entendimento contrário à promessa de doação não procede. Washington de Barros Monteiro, entre os clássicos, é um dos autores favoráveis à sua previsão. Entre os contemporâneos, Marco Aurélio Bezerra de Melo (Novo Código..., 2004, p. 188) tem entendimento muito próximo, citando o fato de o atual Código Civil ter regulamentado o contrato preliminar. Quanto ao cumprimento da promessa de doação, esta é possível pela redação do art. 466-B do CPC, introduzido pela Lei 11.232/2005 e que revogou o art. 639 do mesmo Estatuto: “Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado”.

Encerrando, lembre-se de que o próprio STJ já reconheceu a validade e a eficácia da promessa de doação, em caso envolvendo a dissolução da sociedade conjugal: “Doação. Promessa de doação. Dissolução da sociedade conjugal. Eficácia. Exigibilidade. Ação cominatória. O acordo celebrado quando do desquite amigável, homologado por sentença, que contém promessa de doação de bens do casal aos filhos, é exigível em ação cominatória. Embargos de divergência rejeitados” (Superior Tribunal de Justiça, EREsp 125.859/RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Segunda Seção, julgado em 26.06.2002, DJ 24.03.2003, p. 136). Porém a questão é demais controvertida, havendo decisão do próprio STJ em sentido oposto (STJ, REsp 730.626/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4.ª Turma, j. 17.10.2006, DJ 04.12.2006, p. 322).

9.4 DA REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO

Na presente obra foi exposto que a revogação é forma de resilição unilateral, de extinção de um contrato por meio de pedido formulado por um dos contratantes em virtude da quebra de confiança entre eles. O instituto está tratado entre os arts. 555 e 564 do atual Código Civil e é reconhecido como um direito potestativo a favor do doador.

A revogação pode se dar por dois motivos, quais sejam, por ingratidão do donatário ou pela inexecução do encargo ou modo (art. 555 do CC).

Primeiramente, quanto à ingratidão, esta envolve matéria de ordem pública. Tanto isso é verdade, que o art. 556 da codificação privada em vigor proíbe a renúncia prévia ao direito de revogar a doação por ingratidão. Se houver cláusula nesse sentido, tal disposição será nula, mantendo-se o restante do contrato (princípio da conservação contratual). De qualquer modo, mesmo sendo nula a cláusula de renúncia, o doador pode abrir mão desse direito, não o exercendo no prazo fixado em lei, já que se trata de um direito potestativo.

O art. 557 do CC traz um rol de situações que podem motivar a revogação por ingratidão, a saber:

a) Se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele.

b) Se cometeu contra ele ofensa física.

c) Se o injuriou gravemente ou o caluniou.

d) Se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava (desamparo quanto aos alimentos).

A discussão a respeito desse dispositivo refere-se à natureza taxativa ou exemplificativa desse rol. A matéria é de ordem pública, o que justificaria o argumento de que o rol é numerus clausus ou taxativo. Entretanto, preconiza o Enunciado n. 33 CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, que “o Código Civil vigente estabeleceu um novo sistema para a revogação da doação por ingratidão, pois o rol legal do art. 557 deixou de ser taxativo, admitindo outras hipóteses”. O enunciado, que consubstancia o entendimento doutrinário majoritário, segue a tendência de entendimento pelo qual as relações tratadas pelo Código Civil são meramente exemplificativas, e não taxativas.

Ademais, como dizem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “não há limites para a ingratidão humana. Assim sendo, a perspectiva de caracterização de ingratidão como violações à boa-fé objetiva pós-contratual faz com que reconheçamos que ao contrário do que estava assentado na vigência do Código Civil brasileiro de 1916, o novo rol não é mais taxativo, aceitando, em nome do princípio, outras hipóteses, ainda que de forma excepcional” (Novo curso..., 2008, p. 139). Conclui-se, portanto, que qualquer atentado à dignidade do doador por parte do donatário pode acarretar a revogação da doação por ingratidão, cabendo análise caso a caso. Em suma, o rol é exemplificativo (numerus apertus).

De toda sorte, mesmo sendo o rol ilustrativo, deve o ato de ingratidão ser de especial gravidade, a fundamentar a revogação e consequente ineficácia da doação. No trilhar de aresto relatado pelo Ministro Sidnei Benetti no Superior Tribunal de Justiça, “para a revogação da doação por ingratidão, exige-se que os atos praticados, além de graves, revistam-se objetivamente dessa característica. Atos tidos, no sentido pessoal comum da parte, como caracterizadores de ingratidão, não se revelam aptos a qualificar-se juridicamente como tais, seja por não serem unilaterais ante a funda dissensão recíproca, seja por não serem dotados da característica de especial gravidade injuriosa, exigida pelos termos expressos do Código Civil, que pressupõem que a ingratidão seja exteriorizada por atos marcadamente graves, como os enumerados nos incisos dos arts. 1.183 do Código Civil de 1916 e 557 do Código Civil de 2002” (STJ, REsp 1.350.464/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 26.02.2013, DJE 11.03.2013).

Também pode ocorrer a revogação por indignidade quando o ofendido for cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador (art. 558 do CC). Há proposta de alteração desse dispositivo com o objetivo de incluir neste rol o companheiro, equiparado em parte ao cônjuge pela Constituição Federal (PL 699/2011). O dispositivo em comento reforça a tese de que o rol do art. 557 do CC é aberto ou exemplificativo, pois o atentado a fundamentar a ingratidão não necessariamente ocorrerá em relação ao donatário, mas em relação a uma pessoa de sua família.

Segundo o art. 561 do CC/2002 a revogação por ingratidão no caso de homicídio doloso do doador caberá aos seus herdeiros, exceto se o doador tiver perdoado o donatário. Esse perdão, logicamente, poderá ser concedido no caso de declaração de última vontade provada por testemunhas idôneas. A título de exemplo, o doador, antes de falecer e convalescendo em um hospital, declara verbalmente que perdoou o ato praticado pelo donatário, o que deve ser comprovado pelo interessado. Por óbvio que essa declaração não pode ser dada após a morte do doador, pois não se admite a prova psicografada.

A revogação por ingratidão não prejudicará os direitos adquiridos por terceiros, nem obrigará o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida, pois nessa situação a sua condição de possuidor de boa-fé é presumida. No entanto, sujeita-o a pagar os frutos posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio-termo de seu valor (art. 563 do CC). Está sendo proposta, também pelo Projeto de Lei 699/2011 de alteração desse dispositivo, que passaria a redigir-se: “Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-las pelo meio-termo de seu valor”. Relatam Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado que se trata de mera correção gramatical, o que pode ser percebido pelas palavras grifadas – la e las (Código Civil..., 2005, p. 278). A proposta não visa a alterar o sentido do texto, muito menos o seu conteúdo.

De acordo com a lei, em alguns casos não é admitida a revogação da doação por ingratidão, a saber (art. 564 do CC):

a) Doações puramente remuneratórias, salvo na parte que exceder o valor do serviço prestado pelo donatário ao doador.

b) Doações modais com encargo já cumprido, também diante do seu caráter oneroso.

c) Doações relacionadas com cumprimento de obrigação natural ou incompleta, como, por exemplo, gorjetas, dívidas de jogo não regulamentado, entre outras, por serem inexigíveis (são os casos de “Schuld sem Haftung”).

d) Doações propter nuptias, feitas em contemplação de determinado casamento.

O prazo para a revogação da doação consta no art. 559 do CC, cuja redação merece transcrição, para os aprofundamentos necessários:

“Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor.”

Pois bem, a grande dúvida que surge do dispositivo é a seguinte: o prazo decadencial previsto no art. 559 do CC aplica-se tanto à revogação por ingratidão quanto ao caso de inexecução do encargo? Opinamos que sim, pois o dispositivo, ao mencionar “qualquer desses motivos” está fazendo referência ao art. 555 do CC. Reforçando, a ação de revogação é de natureza constitutiva negativa, fundada em direito potestativo, o que justifica o prazo decadencial.

Mas há quem entenda, amparado em entendimento jurisprudencial, que o prazo para revogar a doação por inexecução do encargo é prescricional de 10 anos em virtude da aplicação do art. 205 do CC. Quando da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, foi elaborada proposta de enunciado pelo então Desembargador do TJRS, atualmente Ministro do STJ, Paulo de Tarso Sanseverino, nos seguintes termos: “O prazo para revogação da doação por descumprimento do encargo é de dez (10) anos no novo Código Civil, não se aplicando o disposto no seu art. 559.”

É interessante verificar os principais trechos de suas justificativas, aqui referenciadas como doutrina, inclusive com citação do entendimento jurisprudencial:

“O prazo para a propositura da ação de revogação da doação por ingratidão continua fixado em um ano pelo artigo 559 do novo CC, que repetiu, com pequenas alterações de redação, a norma do artigo 1184 do CC de 1916. Discute-se a incidência dessa regra para regulamentação do prazo para revogação da doação por descumprimento do encargo, estabelecendo-se rara e interessante divergência entre doutrina e jurisprudência. Na doutrina, predomina o entendimento no sentido de que o prazo também é de um ano para revogação da doação por descumprimento do encargo. (...) Esses argumentos doutrinários, que se prendiam às remissões sistemáticas feitas entre si pelos artigos 178, § 6.º, I, e 1184 do CC/1916, perderam a sua força com o advento novo CC, que não elencou, novamente, entre as hipóteses de prescrição do art. 206 a situação regulada pelo art. 178, § 6.º, I, do CC/16. Na jurisprudência do STJ, encontram-se os mais sólidos argumentos em prol da tese de que a regra do art. 559 do novo CC não se aplica à revogação por inexecução do encargo. (...) Nesse sentido, a 3.ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial 27019/SP, em 10.05.1993, tendo por relator o Min. Eduardo Ribeiro, decidiu: “Doação modal. Inexecução do encargo. Prazo Prescricional. O prazo de prescrição para a ação tendente a obter a revogação da doação por inexecução do encargo é de vinte anos. A prescrição anual refere-se à revogação em virtude de ingratidão do donatário. Recurso especial conhecido e provido (RSTJ 48/312). (...) Posteriormente, o STJ, através da sua 4.ª Turma, tendo por relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em 26/06/1996, teve oportunidade de reafirmar esse mesmo entendimento em uma ação de revogação proposta por um Município contra uma empresa que recebera a doação de um terreno de dez mil metros quadrados para a construção de uma indústria em determinado prazo e não o fizera (LEXSTJ 89/119). Na mesma linha, orientou-se o acórdão proferido no Recurso Especial 69.682-MS (STJ, 4.ª Turma, rel. Min. Ruy Rosado, DJ 12.02.1996). Assim, no estabelecimento do prazo para o ingresso da ação de revogação da doação por descumprimento do encargo, ocorre uma interessante e rara divergência entre, de um lado, a doutrina brasileira e, de outro lado, a jurisprudência do STJ. Mais consistentes mostram-se os argumentos que alicerçam a posição jurisprudencial do STJ, que devem ser plenamente acatados. Desse modo, na vigência do novo CC, o prazo prescricional para a ação de revogação da doação por inexecução do encargo passou a ser de dez anos, conforme previsto pelo art. 206 do CC/2002”.

Como se pode perceber, a proposta confronta o entendimento da doutrina e da jurisprudência, em um embate que sempre existiu. De qualquer modo, o enunciado não foi aprovado, sendo certo que este autor participou do caloroso debate que circundou a questão quando da III Jornada do CJF/STJ, em dezembro de 2004. O enunciado não foi aprovado, pois não houve unanimidade quanto à natureza jurídica do direito do doador que, em casos tais, trata-se de um potestativo ou subjetivo. Como foi aqui demonstrado, sou favorável ao entendimento pelo qual o direito do doador, mesmo na inexecução do encargo, é potestativo, o que justifica o prazo decadencial.

Ainda quanto ao art. 559 do CC, o PL 699/2011 pretende alterá-lo, nos seguintes termos: “Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada em 1 (um) ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário, seu cônjuge, companheiro ou descendente, o autor da ofensa”. Pela proposta fica claro que o dispositivo somente seria aplicado aos casos de ingratidão, de lege ferenda.

Superado esse ponto, entendemos que também o art. 560 do atual Código deverá ser aplicado para ambos os casos de revogação da doação. De acordo com esse dispositivo, o direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide.

Especificamente quanto à revogação da doação onerosa por inexecução do encargo, essa somente é possível se o donatário incorrer em mora. Aqui, é importante não confundir o legitimado para a revogação, que é somente o doador, com os legitimados para exigir a execução do encargo na doação, que podem ser o doador, o terceiro ou o Ministério Público caso o encargo seja de interesse geral. Não havendo prazo para o cumprimento, ou melhor, para a execução, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida, ou melhor, com o ônus assumido (art. 562 do CC). Após esse prazo fixado pelo doador é que se conta o prazo decadencial de um ano previsto no art. 559 do CC.

Por fim, atualizando a presente obra, consigne-se que a Lei 12.122, de dezembro de 2009, introduziu uma nova letra no art. 275 do CPC (letra g), passando a prever que a ação de revogação segue rito sumário. Logicamente, o objetivo é tornar mais célere a referida ação, pelo rito abreviado.

9.5 RESUMO ESQUEMÁTICO

image

image

9.6 QUESTÕES CORRELATAS

1. (183º Magistratura SP – VUNESP) Assinale a alternativa correta.

(A) O silêncio do donatário quanto à aceitação da doação pura faz presumir que a recusou.

(B) A doação remuneratória perde o caráter de liberalidade, se não exceder o valor do serviço prestado.

(C) A doação de bem imóvel de qualquer valor pode ser feita por instrumento particular.

(D) A doação feita ao nascituro dispensa a aceitação.

(E) A doação em forma de subvenção periódica ao beneficiado transmite-se aos herdeiros do donatário.

2. (ESAF – Procurador – Banco Central do Brasil – 2002) A doação de um bem feita por A a B, com o dever de este continuar a viver em companhia de uma pessoa doente, é considerada:

(A) remuneratória

(B) condicional

(C) conjuntiva

(D) onerosa

(E) sob a forma de subvenção periódica

3. (Magistratura – Minas Gerais – 2004) O devedor, certo de que seria herdeiro de substanciosa fortuna, doou os bens de valor que garantiam seus credores, não tendo o donatário nenhum conhecimento desta última situação. Um dos credores pleiteou a revogação da doação.

Assinale a decisão CORRETA que o Juiz deve tomar.

(A) Deve negar o pedido sob fundamento de falta de “concilium fraudis”, porque o donatário de nada sabia.

(B) Deve negar o pedido sob fundamento de que, por ocasião do ato, não havia título protestado.

(C) Deve negar a anulação sob fundamento de que o próprio devedor-doador desconhecia o estado de insolvência.

(D) Deve anular a doação, mas considerar o donatário credor pelo valor do bem.

(E) Deve anular a doação, por tratar-se de ato gratuito.

4. (VUNESP/Magistratura do RJ/2012) Assinale a alternativa correta.

(A) O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio se sobreviver ao donatário, prevalecendo tal estipulação em favor de terceiro.

(B) É nula a doação com estipulação de cláusula de reversão em favor do doador, se este sobreviver ao donatário, por configurar-se doação a retorno.

(C) O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio se sobreviver ao donatário, não prevalecendo tal estipulação em favor de terceiro.

(D) O doador poderá inserir cláusula estipulando que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário, hipótese em que se terá doação sob condição suspensiva.

5. (Juiz de Direito – TJDF – 2004) Analise as proposições e indique a alternativa correta.

I – O doador pode estipular cláusula de reversão em favor de terceiro por ele indicado.

II – A revogação judicial da doação por inexecução do encargo opera-se de pleno direito, independentemente de intervenção judicial.

III – Não se pode revogar, por ingratidão, a doação onerosa, senão depois de cumprido o encargo.

Alternativas:

(A) Todas as proposições são verdadeiras.

(B) Todas as proposições são falsas.

(C) Apenas uma das proposições é verdadeira.

(D) Apenas uma das proposições é falsa.

6. (VI Exame de Ordem Unificado – FGV) Marcelo, brasileiro, solteiro, advogado, sem que tenha qualquer impedimento para doar a casa de campo de sua livre propriedade, resolve fazê-lo, sem quaisquer ônus ou encargos, em benefício de Marina, sua amiga, também absolutamente capaz. Todavia, no âmbito do contrato de doação, Marcelo estipula cláusula de reversão por meio da qual o bem doado deverá se destinar ao patrimônio de Rômulo, irmão de Marcelo, caso Rômulo sobreviva à donatária. A respeito dessa situação, é correto afirmar que

(A) diante de expressa previsão legal, não prevalece a cláusula de reversão estipulada em favor de Rômulo.

(B) no caso, em razão de o contrato de doação, por ser gratuito, comportar interpretação extensiva, a cláusula de reversão em favor de terceiro é válida.

(C) a cláusula em exame não é válida em razão da relação de parentesco entre o doador, Marcelo, e o terceiro beneficiário, Rômulo.

(D) diante de expressa previsão legal, a cláusula de reversão pode ser estipulada em favor do próprio doador ou de terceiro beneficiário por aquele designado, caso qualquer deles, nessa ordem, sobreviva ao donatário.

7. (Exame de Ordem – 122.º SP) O prazo para revogar doação por ingratidão é

(A) decadencial de um ano, contado do conhecimento do fato pelo próprio doador.

(B) prescricional de 4 anos, contado da ciência do fato.

(C) decadencial de 2 anos, a partir da data da prática dos atos ofensivos.

(D) prescricional de 5 anos, contado do dia em que o doador soube da ingratidão.

8. (Exame de Ordem – 120.º SP) Doação com cláusula de reversão é

(A) uma constituição de renda a título gratuito.

(B) a que, sob aparência de mera liberalidade, revela o propósito do doador de retribuir serviço prestado pelo donatário.

(C) a feita em comum a várias pessoas, distribuída por igual entre elas, sendo obrigação divisível, exceto disposição em contrário que venha a estabelecer que a parte do que faltar acresça à do que vier a sobreviver.

(D) aquela em que o doador estipula que o bem doado retorne ao seu patrimônio se sobreviver ao donatário.

9. (Juiz de Direito – MG – 2006) Conforme dispõe o Código Civil, é CORRETO afirmar que:

(A) a revogação por ingratidão obriga o donatário a restituir os frutos percebidos, mesmo antes da citação válida;

(B) o direito de revogar a doação por ingratidão transmite-se aos herdeiros do doador;

(C) revogam-se por ingratidão as doações feitas para determinado casamento;

(D) a revogação por ingratidão pode ocorrer também quando o ofendido for descendente do doador, ainda que adotivo.

10. (Juiz de Direito – SE – 2004) Em relação à doação, julgue os itens a seguir.

10.1. É aceitável a cláusula constante do acordo de separação que submeta a doação aos filhos de imóveis de propriedade do casal à condição de poder ser desfeita a qualquer tempo, pela vontade única dos doadores.

10.2. Se um imóvel for doado a um dos cônjuges, casados em regime de comunhão de bens, com cláusula de comunicabilidade ao outro, na ocorrência da morte de um deles, o objeto da doação passa ao domínio exclusivo do cônjuge supérstite.

11. (Defensor Público – AM – 2003) Com referência aos contratos, julgue o seguinte item:

A doação dos pais a um dos filhos, com o consentimento dos demais filhos, não será considerada adiantamento da herança legítima.

12. (Defensor Público da União – 2007) Julgue os itens seguintes, acerca dos contratos regidos pelo Código Civil.

Mesmo se o bem que fora doado já tiver sido transferido, a doação poderá ser revogada por ingratidão, o que poderá levar o doador a ser indenizado pelo valor equivalente ao bem. Por ser personalíssima, somente o doador pode se valer dessa revogação, ressalvada a hipótese de seu homicídio doloso ser imputável ao donatário. Entretanto, esse tipo de revogação não é possível nos seguintes casos: doação com encargo já cumprido, doação puramente remuneratória, doação feita para determinado casamento, doação que se fizer em cumprimento de obrigação natural.

13. (Juiz do Trabalho – 9.ª Região – 2009) Considere as seguintes proposições:

I. A doação é classificada como contrato unilateral, gratuito, consensual e, em regra, solene.

II. É do comodante a obrigação de conservar a coisa objeto do comodato, pelo que, deve arcar com as despesas de conservação necessárias ao uso e gozo da coisa.

III. Possível é ao mandatário testar em nome do mandante.

IV. Nula é a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação.

(A) somente as proposições I e IV são corretas.

(B) somente as proposições I, II e III são corretas.

(C) somente as proposições II, III e IV são corretas.

(D) somente as proposições II e III são corretas.

(E) somente as proposições I, III e IV são corretas.

14. (Juiz de Direito/RJ – VUNESP/2013) É correto afirmar que a doação feita a nascituro

(A) deve ser considerada nula tanto nos casos de natimorto como nos casos de nascimento com deficiência mental.

(B) deve ser considerada inexistente no caso de natimorto e nula nos casos de nascimento com vida, ainda que haja aceitação por seu representante legal.

(C) é nula de pleno direito, já que a personalidade civil começa apenas com o nascimento com vida, independentemente de aceitação por seu representante legal.

(D) desde que seja aceita por seu representante legal, é válida, ficando, porém, sujeita a condição, qual seja, o nascimento com vida.

15. (Juiz de Direito/PA – CESPE/2012) Ricardo, casado com Carla, pretende proceder à doação pura e simples de bem imóvel de sua propriedade a seu único filho, Rafael, de quatorze anos de idade.

Acerca dessa situação hipotética, assinale a opção correta.

(A) A doação só será válida sem a outorga uxória se o regime de casamento for o da separação de bens.

(B) Mesmo que Ricardo não demonstre os motivos da revogação, a doação poderá ser revogada antes de Rafael completar dezoito anos de idade.

(C) Se Rafael já tiver filhos quando falecer, o bem não poderá retornar ao patrimônio de Ricardo.

(D) O nascimento de outro filho do casal não tornará a doação ineficaz.

(E) Aplica-se ao caso a aceitação tácita do donatário para aperfeiçoamento da doação.

16. (Promotor de Justiça/RJ – FUJB/2012) Sobre o contrato de doação, é INCORRETO afirmar que:

(A) o Código Civil admite a doação feita ao nascituro, que deverá ser aceita pelo seu representante legal;

(B) a dispensa de aceitação, na hipótese de donatário absolutamente incapaz, só é admitida na doação pura, ou seja, desprovida de encargos ou submetida à condição;

(C) na doação mortis causa, admitida expressamente no Novo Código Civil, o doador dispõe que seus efeitos só se produzirão após a sua morte, ressalvando o direito de revogá-la ad nutum;

(D) a doação verbal é considerada válida pelo Código Civil, sendo necessário o preenchimento de dois requisitos: versar sobre bens móveis de pequeno valor e lhe seguir incontinenti a tradição;

(E) a doação remuneratória é aquela que se destina a recompensar serviços prestados, aferíveis economicamente, mas que não traduzem dívidas exigíveis, impossibilitando a revogação por ingratidão.

17. (Promotor de Justiça/SC – 2013) Analise cada um dos enunciados das questões abaixo e assinale “certo” ou “errado”.

17.1. Quando trata sobre a doação, o Código Civil menciona que aquela feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.

17.2. Se o donatário injuriar gravemente ou caluniar o doador, bem como, se o donatário cometer ofensa física contra o doador, este poderá revogar, por ingratidão, a doação feita.

18. (Juiz do Trabalho – 2.ª Região – 2012) No caso da doação, marque a alternativa correta.

(A) Admite-se o aceite tácito da doação pelo donatário, mesmo que a doação seja sujeita a encargo.

(B) A doação verbal será válida se, versando sobre bens móveis de qualquer valor, seguir-se incontinenti a tradição.

(C) E inválida a doação feita ao nascituro, mesmo sendo aceita pelo seu representante legal.

(D) É válida cláusula de reversão dos bens doados em favor de terceiro, se o doador sobreviver ao donatário.

(E) O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às consequências do vício redibitório.

19. (Juiz do Trabalho – 18.ª Região – FCC/2012) A doação feita de ascendente a descendente constitui

(A) doação com cláusula de reversão.

(B) simulação anulável.

(C) negócio jurídico nulo.

(D) adiantamento de legítima.

(E) negócio jurídico inexistente.

GABARITO

1 – B

2 – D

3 – E

4 – C

5 – B

6 – A

7 – A

8 – D

9 – D

10 – 10.1 – Errado
          10.2 – Errado

11 – Errado

12 – Certo

13 – A

14 – D

15 – D

16 – C

17 – 17.1 – Certo;
17.2 – Certo.

18 – E

19 – D