Sumário: 10.1 Locação. Conceitos gerais – 10.2 Locação de coisas no Código Civil (arts. 565 a 578 do CC) – 10.3. Locação de imóvel urbano residencial ou não residencial. Estudo da Lei de Locação (Lei 8.245/1991) e das alterações incluídas pela Lei 12.112/2009: 10.3.1 Introdução; 10.3.2 Características e regras gerais da Lei de Locação. Aspectos materiais; 10.3.3 Deveres do locador e do locatário na locação de imóvel urbano; 10.3.4 Regras quanto à extinção da locação residencial e da locação para temporada; 10.3.5 Regras quanto à extinção da locação não residencial; 10.3.6 O direito de preferência do locatário; 10.3.7 Benfeitorias e nulidades contratuais; 10.3.8 Transferência do contrato de locação; 10.3.9 As garantias locatícias; 10.3.10 Regras processuais relevantes da Lei de Locação. As ações específicas – 10.4 Contrato de fiança: 10.4.1 Conceito e natureza jurídica; 10.4.2 Efeitos e regras relativas à fiança; 10.4.3 Extinção da fiança; 10.4.4 A impenhorabilidade do bem de família do fiador – 10.5 Resumo esquemático – 10.6 Questões correlatas – Gabarito.
Genericamente, em sentido amplíssimo, o contrato de locação é aquele pelo qual uma das partes, mediante remuneração (aluguel, salário civil ou preço), compromete-se a fornecer à outra, por certo tempo, o uso de uma coisa não fungível, a prestação de um serviço, ou a execução de uma obra determinada. Nesse sentido largo, podem ser estabelecidos três tipos de locação, o que remonta ao Direito Romano:
a) Locação de coisas (locatio rei) – tem como conteúdo o uso e gozo de bem infungível.
b) Locação de serviços (locatio operarum) – tem como conteúdo a prestação de um serviço com interesse econômico.
c) Locação de obras ou empreitada (locatio operis faciendi) – tem como conteúdo a execução de uma obra ou trabalho.
Relevante observar que, pela sistemática do atual Código Civil brasileiro, a prestação de serviços e a empreitada deixaram de ser espécies de locação, mesmo porque o legislador as colocou após o contrato de empréstimo – que se subdivide nos contratos de comodato e mútuo –, fazendo questão de separar esses contratos (prestação de serviços e empreitada) da locação de coisas. Desse modo, os conceitos clássicos ou tradicionais expostos perdem relevância teórica e prática diante do tratamento dado pela atual codificação privada.
Conveniente também esclarecer que os termos locação e arrendamento podem ser utilizados como expressões sinônimas. Em Portugal, a propósito, a segunda expressão aparece com mais frequência. Entretanto, na prática, utiliza-se arrendamento para os casos de imóveis rurais e rústicos e locação para os imóveis urbanos. Para outros autores, caso de Roberto Senise Lisboa, o que diferencia os dois contratos é que no arrendamento há uma opção de compra colocada à disposição do arrendatário, o que não ocorre na locação comum (Manual..., 2005, p. 391). Isso ocorre no leasing ou arrendamento mercantil, em que a opção de compra se dá com pagamento do VRG (valor residual garantido). A última diferenciação é também pertinente.
No tocante à natureza jurídica do contrato de locação de coisas, trata-se de contrato bilateral ou sinalagmático (pois traz obrigações recíprocas), oneroso (pela presença de remuneração), comutativo (as partes já sabem quais são as prestações), consensual (aperfeiçoa-se com a manifestação de vontades) e informal e não solene (não é necessária escritura pública ou forma escrita, como regra geral). Trata-se também de típico contrato de execução continuada (ou de trato sucessivo), uma vez que o cumprimento se protrai no tempo na maioria das hipóteses fáticas.
Superada essa importante introdução, veja-se então a análise da locação prevista no Código Civil de 2002.
A locação de coisas pode ser conceituada como sendo o contrato pelo qual uma das partes (locador ou senhorio) se obriga a ceder à outra (locatário ou inquilino), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa remuneração, denominada aluguel (art. 565 do CC). Na hipótese em que as partes não estipularem expressamente, o pagamento dos aluguéis deverá ser feito no domicílio do devedor, conforme determina o art. 327 do CC (“Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias”).
O que diferencia o contrato de locação do contrato de empréstimo, particularmente em relação ao comodato, é a presença de remuneração, o que não ocorre no último. Ademais, caso o contrato se refira a bem fungível, a hipótese é de mútuo. No entanto, em certas hipóteses, bens fungíveis poderão ser alugados, quando o seu uso e gozo for concedido ad pompam vel ostenationem, como no caso em que o locador cede ao locatário garrafas de vinho ou uma cesta de frutas para que sirvam de ornamentação em uma festa.
A forma do contrato de locação pode ser qualquer uma, inclusive a verbal, posto que é um contrato consensual e informal. O prazo da locação pode ser determinado ou indeterminado, dependendo do que se fixar no instrumento. No silêncio das partes, deve-se concluir que o prazo é indeterminado.
A locação prevista no Código Civil pode ter como objeto coisas móveis ou imóveis, desde que não esteja tratada pela legislação especial. Para os casos de imóveis urbanos aplica-se a Lei 8.245/1991, que será oportunamente estudada, com as recentes alterações introduzidas nos últimos anos. Para os imóveis rurais, aplica-se o Estatuto de Terra (Lei 4.504/1964), que disciplina os contratos de arrendamento rural e parceria agrícola.
Como deveres que lhe são inerentes, o locador é obrigado a entregar ao locatário a coisa, com todas as suas pertenças e em condições de ser utilizada, manter o bem nesse estado na vigência da locação e garantir o seu uso pacífico, nos termos do pactuado (art. 566, I e II, do CC). Em havendo desrespeito a tais deveres, o locatário poderá rescindir a locação, sem prejuízo das perdas e danos cabíveis.
Ocorrendo deterioração da coisa durante o prazo da locação e não havendo qualquer culpa do locatário, poderá este pleitear a redução do valor locatício ou resolver o contrato, caso a coisa não lhe sirva mais (art. 567 do CC). Isso porque, como se sabe, a coisa perece para o dono (res perit domino), regra que é retirada da teoria geral das obrigações. Aplicando bem a norma a uma locação de equipamentos, cumpre colacionar decisão do Tribunal de Minas Gerais:
“Ação de anulação de título cambial c/c indenização por danos materiais e morais. Locação de bens móveis. Equipamento com defeito. Plano de contingência para conclusão dos serviços. Redução proporcional da locação. Danos materiais e morais não provados. Diante do descumprimento parcial do contrato, em razão da locação do equipamento com defeito, em observância ao princípio geral de conservação dos contratos, mister se faz reduzir proporcionalmente as prestações, conforme autoriza o disposto no art. 567 do Código Civil. A ausência de comprovação da efetiva ocorrência dos danos materiais e morais, não autoriza à concessão da respectiva indenização” (TJMG, Apelação Cível 1.0079.04.144899-8/0011, Contagem, 16.ª Câmara Cível, Rel. Des. Wagner Wilson, j. 11.02.2009, DJEMG 13.03.2009).
Como outro dever que lhe é inerente, o locador deve resguardar o locatário contra as turbações e os esbulhos cometidos por terceiros, tendo ambos legitimidade para promover as competentes ações possessórias, pois o locador é possuidor indireto e o locatário possuidor direto.
Também responderá o locador por eventuais vícios e defeitos que acometem a coisa (art. 568 do CC). Os vícios referenciados são os redibitórios ou, eventualmente, os de produto, caso a relação jurídica seja caracterizada como de consumo, como é a situação de uma locação de veículo para um período de férias.
O art. 569 do Código Civil de 2002 traz as obrigações legais do locatário, comuns a todos que assumem essa condição, a saber:
a) Servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos conforme a natureza dela, tratando a coisa como se sua fosse.
b) Pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados e na falta de ajuste, segundo os costumes do lugar, sob pena de caracterização do inadimplemento contratual.
c) Levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiro, que se pretendam fundadas de direito.
d) Restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvo as deteriorações naturais do uso.
Também nesses casos, se o locatário desrespeitar um dos seus deveres, caberá a rescisão do contrato, por parte do locador, sem prejuízo das perdas e danos (resolução por inexecução voluntária).
Eventualmente, empregando o locatário a coisa em uso diverso do que consta no instrumento ou mesmo tendo em vista a destinação normal da coisa e vindo esta a deteriorar-se, mais uma vez poderá o locador pleitear a rescisão do contrato por resolução, sem prejuízo de eventuais perdas e danos (art. 570 do CC).
Superado esse ponto, duas regras importantes que constam do art. 571 do CC devem ser estudadas.
A primeira é que se a locação for estipulada com prazo fixo, antes do seu vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada, a não ser que indenize o locatário pelas perdas e danos resultantes dessa quebra do contrato, gozando o locatário de direito de retenção do imóvel até o seu pagamento. Como segunda regra, dispõe o comando legal que o locatário somente poderá devolver a coisa pagando a multa prevista no contrato, proporcionalmente ao tempo que restar para o seu término.
Complementando, o art. 572 do Código Civil, em sintonia com a redução da cláusula penal (art. 413 do CC) e com o princípio da função social do contrato, prevê que se a multa ou a obrigação de pagar aluguel pelo tempo que restar para o término do contrato constituir uma indenização excessiva, será facultado ao juiz reduzi-la em bases razoáveis. Isso, se o contrato prever tal pagamento, como forma de multa ou cláusula penal.
Sendo esse último artigo norma de ordem pública, não cabe sua renúncia, por força do instrumento contratual. Contudo, há um grande problema no art. 572 do CC. Isso porque o dispositivo menciona que “será facultado ao juiz fixá-lo em bases razoáveis”, enquanto o art. 413 do CC expressa que a “penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz”. Pelo primeiro comando, há uma faculdade, pelo segundo um dever, o que inclui a redução da multa de ofício pelo juiz (Enunciado n. 356 CJF/STJ).
Como o art. 572 do CC é norma especial, deve ser aplicado para a locação de coisas que segue a codificação privada. Para os demais casos incide o art. 413 do CC, particularmente para aqueles envolvendo a locação de imóvel urbano, como se verá a seguir.
Desse modo, nas edições anteriores desta obra, não se filiava ao teor do Enunciado n. 179 CJF/STJ, pelo qual “A regra do art. 572 do novo CC é aquela que atualmente complementa a norma do art. 4.º, 2.ª parte, da Lei 8.245/1991 (Lei de Locações), balizando o controle da multa mediante a denúncia antecipada do contrato de locação pelo locatário durante o prazo ajustado”. Foram as justificativas de Paulo de Tarso Sanseverino, autor da proposta daquele enunciado, aprovado na III Jornada de Direito Civil:
“Observe-se que a Lei 8.245/91, ao regular, na parte final de seu art. 4.º, a denúncia imotivada do locatário no curso do prazo da locação, permite a sua redução equitativa na forma prevista pelo art. 924 do CC/16, buscando estabelecer uma sanção proporcional ao tempo restante do contrato. A partir da edição do novo Código Civil, a complementação da regra do art. 4.º da Lei 8.245/91 deverá ser feita não apenas pelo art. 413, que é o correspondente do art. 924 do CC/16, mas também, especialmente, por este art. 572, que regula a mesma situação para o caso específico dos contratos de locação. Competirá ao locatário requerer ao juiz a redução equitativa da multa, conforme a extensão do tempo que faltar para a execução do contrato. O legislador confia mais uma vez no senso de equidade dos juízes para que se estabeleça um valor justo para a multa contratual. Constitui concreção da diretriz da eticidade, traçada por Miguel Reale, buscando abrir espaço para os valores éticos no ordenamento jurídico (Reale, Miguel. Visão geral do Código Civil, p. 16). O presente caso representa exatamente uma abertura expressa do ordenamento jurídico ao juízo de equidade dos magistrados, permitindo alcançar a justiça do caso concreto.”
Na verdade, o presente autor não concordou com o enunciado e votou contra a sua aprovação, quando da III Jornada de Direito Civil (2004), sendo pertinente expor as razões anteriores desse entendimento. De imediato, destaque-se, todavia, que o art. 4.º da Lei de Locação foi alterado pela Lei 12.112/2009. De toda sorte, apesar da alteração, é importante expor nossa tese anterior, pois entendemos ser ela ainda aplicável.
Pois bem, o art. 4.º da Lei de Locação prescrevia, em sua redação original, que “Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada segundo a proporção prevista no art. 924 do Código Civil e, na sua falta, a que foi judicialmente estipulada”. Como se sabe, o art. 924 antes referenciado era dispositivo do CC/1916, que equivale ao art. 413 do CC/2002. Ora, o último dispositivo menciona o dever do magistrado em reduzir a multa, enquanto o art. 572 faz alusão a uma faculdade.
O enunciado doutrinário anterior desprezava essa correlação entre os dispositivos dos dois Códigos Civis, ao mesmo tempo em que contrariava a função social dos contratos, uma vez que um dos principais aspectos desse princípio é a redução equitativa da cláusula penal como um dever do magistrado (redução ex officio).
Na primeira edição desta obra, foi ressaltado que seria feita proposta de substituição desse enunciado na IV Jornada de Direito Civil. Foi exatamente o que ocorreu, pois foi aprovado o Enunciado n. 357 CJF/STJ, a saber: “O art. 413 do Código Civil é o que complementa o art. 4.º da Lei 8.245/1991. Revogado o Enunciado 179 da III Jornada”. Assim sendo, a tese defendida na primeira edição deste volume foi adotada na IV Jornada de Direito Civil, evento que se tornou o mais importante para os civilistas brasileiros. Para a Professora Claudia Lima Marques, que trabalhou na coordenação dos trabalhos daquele evento, o novo enunciado aprovado representa uma evolução doutrinária em relação à matéria. Na doutrina contemporânea, outros autores também se posicionam favoravelmente ao novo enunciado, caso de Nelson Rosenvald, em sua tese de doutorado defendida na PUC/SP (Cláusula..., 2007, p. 260-261).
Pois bem, o art. 4.º da Lei de Locação foi alterado pela Lei 12.112/2009, passando a prever que, durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcionalmente ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada. Ressalte-se, por oportuno, que mais recentemente o dispositivo foi mais uma vez alterado pela Lei 12.744/2012, fazendo ressalva ao contrato “built-to-suit”, hipótese em que a redução da multa não se aplica. O tema ainda será analisado no presente capítulo.
Como se pode perceber, a alteração principal, e que interessa ao presente momento, é que não há mais menção ao art. 924 do Código Civil de 1916, mas apenas à redução da cláusula penal proporcionalmente ao cumprimento do contrato.
Na opinião deste autor, a nova redação dada pela Lei 12.112/2009 não afasta a incidência do art. 413 do Código Civil de 2002 à multa locatícia, sendo perfeitamente possível a redução por equidade da cláusula penal. De outra forma, pode-se afirmar que o Enunciado n. 357 CJF/STJ ainda tem incidência. Primeiro, pela tese do diálogo das fontes, que procura um sentido de complementaridade entre as normas (Lei 8.245/1991 + Código Civil de 2002). Segundo, porque, repise-se, o art. 413 do CC, norma específica sobre a cláusula penal, tem relação direta com a função social do contrato, princípio de ordem pública com aplicação emergencial e prioritária (art. 2.035, parágrafo único, do CC). Entre julgados publicados nos últimos anos, fazendo incidir o art. 413 para a multa locatícia, colaciona-se:
“Apelação. Ação de despejo c.c. cobrança. Contrato de locação. (...). Validade do contrato de locação e da fiança prestada por outra corré. Entrega das chaves em agosto, fazendo-se necessário o pagamento das prestações locatícias vencidas até então. Multa também devida, pela rescisão imotivada e antes do termo final ajustado contratualmente, porém reduzida na proporção do adimplemento parcial (art. 413 do Código Civil). Demonstração de que houve exercício da atividade pela locatária, sem qualquer impedimento. Obrigação de alvará de funcionamento que foi contratualmente incumbia à locatária. Atividade de show room que podia ser exercida sem ressalvas. Recurso parcialmente provido” (TJSP, Apelação 0400978-63.2010.8.26.0000, Acórdão 6984622, São Paulo, 25.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Hugo Crepaldi, j. 29.08.2013, DJESP 12.09.2013).
“Locação. Imóvel. Cobrança movida pela locatária contra o locador pelo rompimento do contrato antes do término do prazo avençado. Procedência da ação principal e reconvenção acolhida parcialmente. Multa compensatória. Pretensão à redução proporcional. Possibilidade. Art. 413 do Código Civil. Recurso Provido. Cumprindo parte do prazo contratual avençado, deve o locador, responsável pela rescisão, pagar multa compensatória, a qual, no caso específico, deve ser reduzida proporcionalmente ao tempo restante do contrato, nos termos do art. 413 do Código Civil” (TJSP, Apelação 0002860-86.2007.8.26.0435, Acórdão 4860961, Pedreira, Trigésima Segunda Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Kioitsi Chicuta, j. 09.12.2010, DJESP 11.01.2011).
“Direito civil. Locação. Cláusula penal. Artigo 413 do Código Civil. Matéria de ordem pública. Redução do valor da multa de ofício. Possibilidade. 1. A norma do artigo 413 do Código Civil é de ordem pública, sendo possível de alegação em sede recursal, ainda que não suscitada na instância a quo. Preliminar rejeitada. 2. A multa prevista no contrato locatício para o caso de desocupação antecipada do imóvel há que ser reduzida a valor condizente à proporcionalidade do adimplemento do ajuste, pois, de resto, afigura-se injusto impor ao locatário a penalidade integral, quando cumpriu parte da obrigação. 3. Recurso conhecido e parcialmente provido” (TJDF, Recurso 2010.07.1.015264-2, Acórdão 486.005, Primeira Turma Cível, Rel. Des. Sandoval Oliveira, DJDFTE 11.03.2011, p. 113).
Destaque-se que, pela subsunção do art. 413 do CC/2002 à multa locatícia, a sua redução não será obrigatoriamente proporcional, mas razoável. Nessa linha, estabelece o Enunciado n. 359 CJF/STJ, também da IV Jornada de Direito Civil, que “A redação do art. 413 do Código Civil não impõe que a redução da penalidade seja proporcionalmente idêntica ao percentual adimplido”. Para ilustrar, se o contrato de locação for cumprido pela metade, não obrigatoriamente a redução da multa será em 50%. Caso o magistrado entenda que o seu valor ainda é exagerado, reduzirá ainda mais a cláusula penal. Em outras palavras, vale a razoabilidade e não obrigatoriamente a proporcionalidade.
Superada essa questão controvertida e interessante, por outra via, sendo por prazo determinado, a locação cessará de pleno direito com o término do prazo estipulado e independentemente de qualquer notificação ou aviso. Percebe-se, portanto, que a codificação adota, como regra, a possibilidade de denúncia vazia, ou seja, aquela sem fundamento em qualquer motivo (art. 573 do CC). A hipótese é de resilição unilateral, pois a lei reconhece esse direito potestativo de extinguir o contrato à parte contratual, nos moldes do art. 473, caput, do CC.
Mas, se findo o prazo da locação, e o locatário continuar na posse da coisa alugada, sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a avença sem prazo determinado, com o mesmo aluguel (art. 574 do CC). Em circunstâncias tais, a qualquer tempo e desde que vencido o prazo do contrato, poderá ainda o locador notificar o locatário para restituir a coisa (denúncia vazia) – resilição unilateral.
Não sendo a coisa devolvida, pagará o locatário, enquanto estiver na sua posse, o aluguel que o locador arbitrar na notificação, respondendo também por eventuais danos que a coisa venha a sofrer, mesmo em decorrência de caso fortuito (evento totalmente imprevisível), conforme o art. 575 do CC.
De acordo com o art. 575, parágrafo único, do CC, se o aluguel arbitrado pelo locador quando da notificação for excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo como parâmetro o seu intuito de penalidade. Em suma, a fixação do aluguel pelo locador deve ser pautada pela boa-fé. Mais uma vez, percebe-se a possibilidade de controle da multa pelo magistrado, havendo um poder e não um dever, ao contrário do que consta do art. 413 do CC. Entretanto, mais uma vez, trata-se de norma especial que deve ser aplicada para os casos em questão, envolvendo a locação de coisas do Código Civil.
Sendo alienada a coisa, o novo proprietário não será obrigado a respeitar o contrato a não ser que o contrato esteja em sua vigência, por prazo determinado, e contenha cláusula de sua vigência no caso de alienação, a constar do Registro de Imóveis ou do Cartório de Títulos e Documentos (art. 576, caput e § 1.º, do CC). A nova redação do dispositivo confirma o teor da Súmula 442 do STF, segundo a qual: “A inscrição do contrato no registro de imóveis, para a validade da cláusula de vigência contra o adquirente do imóvel, ou perante terceiros, dispensa a transcrição no registro de títulos e documentos”.
Para os casos envolvendo imóvel, e ainda na situação em que o locador não esteja obrigado a respeitar o contrato, não poderá ele despedir o locatário, senão observado o prazo de 90 (noventa) dias após a notificação, visando à desocupação do imóvel (art. 576, § 2.º, do CC).
Morrendo o locador ou locatário, transfere-se a locação a seus herdeiros, o que comprova que o contrato não tem natureza personalíssima ou intuitu personae no que se refere à questão sucessória. Nesse âmbito, o contrato é considerado como impessoal (art. 577 do CC).
A respeito das benfeitorias, o locatário tem direito de retenção quanto às necessárias, em todos os casos. Quanto às úteis, o locatário só terá direito de retenção se forem autorizadas (art. 578 do CC). É muito pertinente verificar o teor da Súmula 158 do STF, segundo a qual: “Salvo estipulação contratual averbada no registro imobiliário, não responde o adquirente pelas benfeitorias do locatário”. Mais recentemente, o STJ editou a Súmula 335, também aplicável à locação de imóveis regida pelo Código Civil, a saber: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”.
Finalizando, lembre-se o que ensina Sílvio de Salvo Venosa, no sentido de que para reaver a coisa móvel cabe ação de rescisão contratual, cumulada com reintegração de posse. Por outro lado, no caso de imóveis caberá ação de despejo (Direito..., 2003).
Como é notório, a Lei de Locação (Lei 8.245/1991) constitui um microssistema jurídico ou estatuto jurídico próprio que regulamenta a locação de imóveis urbanos residenciais e não residenciais. Apesar da corriqueira utilização da expressão Lei do Inquilinato, o presente autor prefere a primeira expressão, pois há um tom não muito agradável no termo inquilino. Primeiro, pois a palavra tem um sentido de subalterno e de precário, diante da origem romana da expressão inquilinus (MEIRA, Sílvio A. B. Instituições..., 1971, p. 374). Segundo, porque a utilização do termo parece indicar que a norma é protetiva do locatório ou inquilino, o que não é verdade. A Lei 8.245/1991 de forma alguma constitui um sistema de proteção, assim como é a Lei 8.078/1990 em relação ao consumidor. Por tais conclusões, na presente obra será utilizada a legenda LL, para denotar dispositivos da Lei de Locação.
Em 9 de dezembro de 2009 foi publicada a Lei 12.112 com alterações relevantes da Lei de Locação, entrando em vigor em janeiro de 2010. Cumpre anotar que o art. 3.º da novel lei previa a sua entrada em vigor de imediato. Todavia, a proposta foi vetada, nos seguintes termos, trazendo a conclusão aqui esposada, a respeito da entrada em vigor somente no primeiro mês de 2010:
“Nos termos do art. 8.º, caput, da Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998, a entrada em vigor imediata somente deve ser adotada em se tratando de normas de pequena repercussão, o que não é o caso do presente projeto de lei.
Assim, de modo a garantir tempo hábil para que os destinatários da norma examinem o seu conteúdo e estudem os seus efeitos, propor-se (sic) que a cláusula de vigência seja vetada, fazendo-se com que o ato entre em vigor em quarenta e cinco dias, nos termos do art. 1.º do Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro”.
Consigne-se que, no que concerne à subsunção da legislação emergente, o Superior Tribunal de Justiça concluiu ser de aplicação imediata, diante de sua natureza eminentemente processual, desde que o contrato esteja gerando efeitos sob a égide da nova legislação (STJ, REsp 1.207.161/AL, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 08.02.2011, DJe 18.02.2011).
Como se verá, a nova norma confirma a tese de que a Lei de Locação não é uma norma protetiva do locatário, uma vez que as inovações mais protegem o locador, e também o fiador.
Pois bem, o Código Civil de 2002 não afastou a aplicação da Lei 8.245/1991 à locação de imóvel urbano, conclusão retirada da simples leitura do seu art. 2.036 segundo o qual “A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida”. Entretanto, deve-se concluir que o Código Civil terá aplicação subsidiária à locação de prédio urbano, em casos específicos e quando for omissa a lei especial, sendo essa a leitura necessária do art. 2.036 do CC, que possui conteúdo de norma de direito intertemporal. O art. 2.036 do CC apenas afasta a aplicação das normas relativas à locação de coisas, previstas no Código Civil de 2002, às locações de imóveis urbanos. Porém, o dispositivo não tem o condão de afastar as regras gerais da teoria geral dos contratos, sobretudo aquelas relativas aos princípios contratuais (função social do contrato e boa-fé objetiva); ou os preceitos especiais de outros contratos típicos, caso da fiança, nas relações envolvendo a locação urbana.
Inicialmente, é fundamental verificar que o critério utilizado pela Lei de Locação (LL) para diferenciar imóvel urbano de imóvel rural ou rústico é a sua destinação e não a sua localização ou estado (com ou sem construção). Desse modo, urge classificar:
a) Imóvel rural, agrário ou rústico – é aquele destinado à agricultura, à pecuária, ao extrativismo ou terrenos baldios. Está regulado pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964) ou pelo Código Civil.
b) Imóvel urbano – é aquele destinado à residência, indústria, comércio e serviços com intuito empresarial. Está regulado pela Lei de Locação (Lei 8.245/1991).
Eventualmente, um imóvel localizado no perímetro urbano pode ser rural para fins locatícios (exemplo: plantação de tomates no centro de uma grande cidade). Ainda ilustrando, um posto de combustíveis localizado na zona rural ou próximo a uma rodovia deve ser tido como imóvel urbano para esses fins, incidindo as regras previstas na Lei 8.245/1991. Para tal classificação, é pertinente sempre verificar a atividade preponderante desenvolvida no imóvel. Portanto, deve ficar claro que não interessa, em regra, a localização do imóvel ou o seu estado (com construção ou sem construção).
Porém, outras regras devem ser estudadas, uma vez que, de acordo com o art. 1.º da Lei de Locação, a norma especial não terá incidência no caso de locação de imóveis:
a) Públicos ou bens que integram o patrimônio público: a esses bens devem ser aplicados o Decreto-Lei 9.760/1946 e a Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações). A Lei de Locação poderá ser aplicada no caso de imóvel locado ao Poder Público, situação em que este for locatário e dependendo da atividade desenvolvida no imóvel.
b) Vagas autônomas de garagem ou espaços destinados a veículos. A locação desses bens deverá ser regida pelo Código Civil. Eventualmente se forem locados apartamento e vaga de garagem, a Lei de Locação deverá incidir pela aplicação do princípio pelo qual o acessório segue o principal. Além disso, a Lei de Locação também tem aplicação para os casos de locação de espaços destinados para estacionamentos, eis que a utilização do imóvel para prestação de serviços está no conteúdo dessa norma especial (STJ, REsp 1.046.717/RJ, DJe 27.04.2009; REsp 769.170/RS, DJ 23.04.2007 e AgRg no REsp 1.230.012/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 02.10.2012, o último publicado no seu Informativo n. 505).
c) Espaços publicitários, ou outdoors: sobre eles incidem as regras do Código Civil.
d) Locação de espaços em apart-hotéis, hotéis residência ou equiparados (flats): sobre esses bens aplicam-se as regras do Código Civil. Alguns defendem a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, eis que há uma prestação de serviço, tese com a qual se concorda.
e) Arrendamento Mercantil ou leasing: deve ser aplicada a Lei 6.099/1974, para fins tributários, e resoluções do Banco Central do Brasil (BACEN). Mais recentemente, entrou em vigor a Lei 11.649/2008, que dispõe, essencialmente, no seu art. 1.º: “Nos contratos de arrendamento mercantil de veículos automotivos, após a quitação de todas as parcelas vencidas e vincendas, das obrigações pecuniárias previstas em contrato, e do envio ao arrendador de comprovante de pagamento dos IPVAs e dos DPVATs, bem como das multas pagas nas esferas Federal, Estaduais e Municipais, documentos esses acompanhados de carta na qual a arrendatária manifesta formalmente sua opção pela compra do bem, exigida pela Lei 6.099, de 12 de setembro de 1974, a sociedade de arrendamento mercantil, na qualidade de arrendadora, deverá, no prazo de até trinta dias úteis, após recebimento destes documentos, remeter ao arrendatário: I – o documento único de transferência (DUT) do veículo devidamente assinado pela arrendadora, a fim de possibilitar que o arrendatário providencie a respectiva transferência de propriedade do veículo junto ao departamento de trânsito do Estado; II – a nota promissória vinculada ao contrato e emitida pelo arrendatário, se houver, com o devido carimbo de ‘liquidada’ ou ‘sem efeito’, bem como o termo de quitação do respectivo contrato de arrendamento mercantil (leasing)”.
Pelo fato de constituir um outro microssistema jurídico ou estatuto jurídico, próprio de proteção dos vulneráveis, o entendimento majoritário é pela não subsunção do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) às locações de imóveis urbanos. Nesse sentido, é interessante transcrever o entendimento jurisprudencial dominante:
“Locação. Recurso especial. Inaplicabilidade do código de defesa do consumidor. Acessão. Indenização. Renúncia. 1. Esta Corte firmou compreensão no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos locatícios. 2. Não é nula a cláusula em que se renuncia ao direito de indenização nas hipóteses de acessão em terreno locado, prestigiando o princípio da autonomia das vontades. 3. Recurso conhecido e improvido” (STJ, REsp 439.797/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, 6.ª Turma, j. 19.11.2002, DJ 26.05.2003, p. 380).
“Locação. Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Inaplicabilidade. Não se aplica aos contratos de locação o limite estabelecido para as multas contratuais pelo Código de Defesa do Consumidor” (2.º TACSP, Ap. c/ rev. 537.151, 3.ª Câm., Rel. Juiz João Saletti, j. 23.02.1999. Anotação: AI 533.688, 8.ª Câm., Rel. Juiz Walter Zeni, j. 18.06.1998; Ap. s/ rev. 518.303, 1.ª Câm., Rel. Juiz Vieira de Moraes, j. 29.06.1998; Ap. s/ rev. 510.521, 5.ª Câm., Rel. Juiz Luís de Carvalho, j. 29.07.1998; Ap. c/ rev. 523.863, 4.ª Câm., Rel. Juiz Mariano Siqueira, j. 15.09.1998; Ap. c/ Rev. 528.330, 7.ª Câm., Rel. Juiz Américo Angélico, j. 20.10.1998; Ap. c/ rev. 516.014, 5.ª Câm., Rel. Juiz Luís de Carvalho, j. 04.11.1998; Ap. c/ rev. 535.366, 7.ª Câm., Rel. Juiz Paulo Ayrosa, j. 17.11.1998, AI 555.510, 7.ª Câm., Rel. Juiz Paulo Ayrosa, j. 17.11.1998; Ap. c/ rev. 527.250, 12.ª Câm., Rel. Juiz Oliveira Prado, j. 11.03.1999; Ap. s/ rev. 552.886-00/2, 2.ª Câm., Rel. Juiz Peçanha de Moraes, j. 05.07.1999).
Esse mesmo entendimento consta do Enunciado n. 11 do Tribunal de Justiça do Paraná, pelo qual “O Código de Defesa do Consumidor não se aplica às locações de imóveis”.
Todavia, este autor entende de forma contrária em determinadas situações em que o locador for profissional nessa atividade, tirando dela todos os seus recursos. Em casos tais, parecem estar configurados os elementos da relação de consumo previstos nos arts. 2.º e 3.º da Lei 8.078/1990. O locador pode ser enquadrado como um prestador do serviço de moradia no caso em questão. Na outra ponta da relação o locatário é o seu destinatário final, fático e econômico, pagando uma determinada remuneração, que é o aluguel. Em reforço, a tese do diálogo das fontes entra em cena para compatibilizar o CDC à Lei 8.245/1991, sem sacrificar a última norma. A teoria de Erik Jayme e Claudia Lima Marques também serve para afastar o argumento segundo o qual as duas normas constituem microssistemas próprios, que não se interpenetram. Esse novo enquadramento olha para o futuro...
Como primeiro passo para essa nova tese, a jurisprudência admite a existência de relação de consumo entre o locador e a imobiliária contratada para administrar o imóvel, o que é caracterizada como uma prestação de serviços. Vejamos três ementas nesse sentido:
“Direito do consumidor. Aplicabilidade do CDC aos contratos de administração imobiliária. É possível a aplicação do CDC à relação entre proprietário de imóvel e a imobiliária contratada por ele para administrar o bem. Isso porque o proprietário do imóvel é, de fato, destinatário final fático e também econômico do serviço prestado. Revela-se, ainda, a presunção da sua vulnerabilidade, seja porque o contrato firmado é de adesão, seja porque é uma atividade complexa e especializada ou, ainda, porque os mercados se comportam de forma diferenciada e específica em cada lugar e período. No cenário caracterizado pela presença da administradora na atividade de locação imobiliária sobressaem pelo menos duas relações jurídicas distintas: a de prestação de serviços, estabelecida entre o proprietário de um ou mais imóveis e a administradora; e a de locação propriamente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação. Nas duas situações, evidencia-se a destinação final econômica do serviço prestado ao contratante, devendo a relação jurídica estabelecida ser regida pelas disposições do diploma consumerista” (REsp 509.304-PR, Rel. Min. Villas Bôas Cueva, j. 16.05.2013, publicado no seu Informativo n. 523).
“Ação civil coletiva. Ministério Público. Contrato de prestação de serviços entre imobiliária e locador. Ausência de relação de consumo entre administradora e locatário. Contrato de locação. Lei 8.245/91. Ilegitimidade ativa do ‘Parquet’. Não há dúvida de que a imobiliária é uma intermediária na locação dos bens imóveis, mas não se pode olvidar que, embora quanto ao locador a empresa possa ser uma prestadora de serviços, tal não acontece com o locatário, pois a relação entre ambos é meramente contratual e reflexa da anterior. No que tange ao locatário, por conseguinte, não se pode aplicar o CDC, justamente porque não há relação de prestação de serviços entre ele e a administradora. O locatário é apenas a pessoa para quem o imóvel é alugado a partir de uma prestação de serviços que não lhe diz respeito, assumindo, quando contrata, todas as condições ali expostas, e, nesta relação, a lei de regência é a da locação, ou seja, a Lei 8.245/91, e não o Código de Defesa do Consumidor, que não se aplica à espécie. Daí a ilegitimidade do Ministério Público para propor a ação coletiva com vistas a anular cláusulas contidas em Contrato de Locação utilizado pela imobiliária ré, reputadas abusivas ao locatário, e proibir futuras pactuações com o uso das mesmas” (TACMG, Acórdão 0387587-0 Apelação (Cv) Cível Ano: 2002, Comarca: Belo Horizonte/Siscon, 3.ª Câm. Cível, Rel. Juiz Mauro Soares de Freitas, j. 27.08.2003, Dados Publ.: Não publicado, Decisão: Unânime).
“Civil. Direito do consumidor. Contrato de prestação de serviços de administração de imóvel. Inadimplência imputada à contratada quanto a obrigação de cobrar do inquilino a pintura do imóvel e outros encargos. Omissão caracterizada. Prejuízo constatado. Manifesto dever de indenizar. Configura relação de consumo, e como tal sujeita aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, a relação travada entre proprietário de imóvel e empresa imobiliária, com vista à administração do bem e sua locação a terceiros. Assentada a relação consumerista (na modalidade de prestação de serviços), o contrato firmado deverá ter as suas cláusulas interpretadas de forma mais favorável ao consumidor, nos termos autorizados pelo artigo 47 do CDC. Comprovado que o proprietário do imóvel entregou à imobiliária os comprovantes de despesas e orçamentos, com vistas à sua cobrança judicial, bem como a omissão da administradora no cumprimento de seu ofício, impossibilitando assim a realização dos serviços e nova locação do imóvel, é manifesto o dever de indenizar os prejuízos materiais, na modalidade de lucros cessantes, daí advindos. A mora da imobiliária no repasse dos aluguéis ao locador enseja o acréscimo dos juros correspondentes, bem como a multa prevista no artigo 52, § 1.º, do Código Consumerista. Sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do artigo 46 da Lei 9.099/1995. Honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da condenação, mais custas processuais, a cargo da recorrente” (Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Processo: Apelação Cível no Juizado Especial 20050710186232, Acórdão: 25.6576, Órgão julgador: Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF. Data: 12.09.2006, Relator: José Guilherme, Publicação: Diário da Justiça do DF: 17.10.2006, p. 127).
Como segundo passo, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal admitiu a figura do locatário consumidor por equiparação ou bystander, incidindo os arts. 17 e 29 do CDC. Na hipótese, um falsário celebrou contrato de locação em nome de outrem, que foi prejudicado pela relação jurídica estabelecida, diante da sua inscrição em cadastro de inadimplentes. De toda sorte, o julgado afastou o dever de indenizar do locador, pela presença da culpa exclusiva de terceiro, uma das excludentes da responsabilidade objetiva do fornecedor. Vejamos a ementa da decisão:
“Civil e direito do consumidor. Contratos de locação. Celebração mediante fraude. Falsificação impassível de ser aferida. Cautelas observadas pela locadora. Exibição de todos os documentos pessoais, comprovante de residência e de propriedade de imóvel. Inserção do nome do consumidor vitimado pela fraude em cadastro de devedores inadimplentes. Fatos decorrentes da culpa de terceiro. Causa excludente de responsabilidade (CDC, art. 14, § 3.º, II). Responsabilização da fornecedora. Impossibilidade. 1 – Conquanto não tenha concertado nenhum vínculo obrigacional nem mantido relacionamento comercial com a empresa especializada na locação e administração de imóveis, o autor, em tendo experimentado as consequências derivadas da celebração de contratos de locação em seu nome pelo falsário que se passara por sua pessoa, equipara-se ao consumidor ante o enquadramento do havido na conceituação que está impregnada no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor. 2 – Emoldurado o relacionamento havido como sendo de consumo, a responsabilidade da fornecedora de serviços é de natureza objetiva, prescindindo sua caracterização da comprovação de que tenha agido com culpa, bastando tão somente a comprovação de que ocorrera o ilícito e que dele tenha emergido efeitos materiais afetando o consumidor para que sua obrigação emerja, sendo-lhe ressalvado, contudo, o direito de se eximir da sua responsabilização se evidenciar que o havido derivara da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, qualificando-se essas ocorrências como causas excludentes de responsabilidade (CDC, art. 14, § 3.º, II). 3 – Aferido que as celebrações dos contratos que foram concertados de forma fraudulenta em nome do consumidor foram precedidas de todas as cautelas possíveis e passíveis de serem exigidas da fornecedora, pois lhe foram exibidos todos os documentos pessoais daquele com quem contratara, comprovantes de residência e de que possuía imóvel e as assinaturas apostas nos instrumentos pelo falsário reconhecidas por notário público, não lhe pode ser debitada nenhuma responsabilidade pelo havido e pelas consequências que dele germinaram ante a circunstância de que derivara de fato de terceiro, ensejando a caracterização da excludente de responsabilidade apta a alforriá-la da responsabilização pelo ilícito e pelos efeitos que irradiaram, afetando sua pessoa, e do alcançado diretamente pela fraude. 4 – Recurso conhecido e improvido. Unânime”. (TJDF, Apelação Cível 740007019988070001, Rel. Des. Teófilo Caetano, j. 01.08.2007, 2.ª Turma Cível, Data de Publicação: 11.09.2007).
Apesar da conclusão final, a decisão representa um caminhar para a incidência do CDC às relações locatícias, o que parece ser tendência para o futuro.
Superada essa visualização inicial da relação locatícia, parte-se à análise das regras materiais da Lei 8.245/1991.
Inicialmente, determina o art. 2.º da Lei de Locação que havendo pluralidade de locadores e locatários todos serão solidários entre si, salvo estipulação em contrário no instrumento contratual. Dessa forma, em regra, haverá solidariedade legal ativa e passiva, entre locadores e locatários. Em complemento, o parágrafo único do comando em questão estabelece que também se presume a solidariedade entre ocupantes de habitações coletivas multifamiliares, que devem ser tratados como locatários ou sublocatários, conforme a análise do caso concreto. Por razões óbvias, a presunção é relativa, iuris tantum, admitindo prova ou previsão em contrário no próprio contrato de locação instrumentalizado.
Aqui, transcreve-se o conceito de habitação coletiva exposto por Maria Helena Diniz: “A habitação coletiva é a casa, apartamento ou prédio que serve de residência a várias pessoas, sem relação de parentesco, podendo, ainda, designar o local em que, mesmo acidentalmente, vivem várias pessoas. Mas, tratando-se de imóvel urbano que serve de moradia a pessoas pertencentes a várias famílias, os seus ocupantes presumir-se-ão locatários ou sublocatários” (Lei..., 1999, p. 42). Essas habitações são também conhecidas na prática como cortiços, pensões ou casas de cômodos, sendo ainda comuns nos grandes centros urbanos, caso da cidade de São Paulo.
Conforme o art. 3.º da Lei 8.245/1991, se o contrato for celebrado com prazo superior a dez anos, haverá necessidade de outorga uxória ou marital. Se não houver tal vênia, o cônjuge não estará obrigado a observar o prazo excedente. Entendemos que não há que se invocar a aplicação subsidiária do art. 1.647 do CC/2002 que dispensa a outorga conjugal se o regime for o da separação absoluta. Isso porque a última norma é especial e com caráter restritivo, que não admite interpretação extensiva ou mesmo a submissão à analogia.
Percebe-se, ademais, que o art. 3.º da Lei de Locação não menciona a anulabilidade, não sendo o seu caso, mas apenas a ineficácia em relação ao outro cônjuge. A norma locatícia é mais especial, portanto.
José Fernando Simão, por outra via, entende que o art. 3.º da Lei de Locação deve ser influenciado pelo art. 1.647, caput, do CC em vigor, no sentido de que é dispensada a outorga conjugal para a locação com prazo superior a dez anos se o regime entre o locador e o seu cônjuge for o da separação absoluta. São suas palavras:
“A lei especial não distingue este ou aquele regime de bens para exigir a vênia conjugal. Então, conclui-se que, a princípio, a lei se aplica às pessoas casadas, qualquer que seja o regime de bens, por se tratar de norma protetiva da família. Com a vigência do novo Código Civil, as pessoas casadas pelo regime da separação total de bens necessitariam da vênia conjugal para as locações por prazo superior a 10 anos?
A resposta é não. Se o novo diploma admite que, na hipótese de alienação, ou seja, em que haverá disposição patrimonial, as pessoas casadas pelo regime da separação total de bens não necessitam da concordância de seu consorte, ilógico seria imaginar tal necessidade para o caso de simples locação.
Não faria sentido admitir-se a alienação sem vênia conjugal, mas exigi-la para os casos de locação. Se a família, que teve por origem o casamento pelo regime da separação total de bens, não merece mais tal proteção quanto à alienação de bens, a mesma deve ser estendida para as hipóteses de locação por prazo superior a 10 anos. E note-se que, no caso, o regime pode ser o da separação convencional, estabelecido por meio de pacto antenupcial (CC, art. 1.687) ou da separação obrigatória (CC, art. 1.641).
Assim, após a promulgação do novo Código Civil, deve-se compreender o art. 3.º da Lei 8.245/1991 da seguinte maneira: ‘O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo, dependendo de vênia conjugal, se por mais de dez anos, salvo se o regime adotado for o da separação absoluta de bens’” (Legislação civil..., 2007, p. 24).
Em reforço aos seus argumentos, o jurista cita a tese do diálogo das fontes. Apesar do respeito a esse posicionamento, a ele não se filia. Como foi dito, o art. 1.647 do CC é norma restritiva especial, assim como é o art. 3.º da Lei de Locação, não admitindo aplicação por analogia, por restringir a liberdade.
Por fim, ainda no que toca ao art. 3.º da LL, compreendemos que não deve ser aplicado à união estável, mais uma vez por se tratar de norma especial restritiva, que não merece aplicação analógica ou mesmo interpretação extensiva.
Durante o prazo convencionado não poderá o locador reaver o imóvel alugado (art. 4.º da Lei 8.245/1991). Trata-se de um dever legal que, se violado, gera a possibilidade de o locatário pleitear as perdas e danos cabíveis, nos termos dos arts. 402 a 404 do CC.
No entanto, o locatário poderá devolvê-lo, na vigência do contrato, pagando a multa pactuada, nos termos do mesmo art. 4.º da Lei de Locação. Essa multa deve ser reduzida proporcionalmente ao cumprimento do contrato ou nos termos do art. 413 do CC, se entender o juiz da causa que a penalidade é exagerada (Enunciado n. 357 CJF/STJ). Já foram comentadas as razões pelas quais entendemos que o art. 413 do CC é o que complementa esse dispositivo da Lei de Locação e não o art. 572 do CC, sendo certo que o nosso entendimento gerou o citado enunciado do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Conforme outro enunciado, também aprovado na IV Jornada de Direito Civil, a redução da cláusula penal deve se dar de ofício pelo juiz (Enunciado n. 355 CJF/STJ). Também foi exposto que a recente Lei 12.112/2009 alterou o art. 4.º da Lei de Locação, não fazendo mais referência ao art. 924 do Código Civil de 1916, o que confirma a tese de aplicação subsidiária do art. 413 do Código Civil de 2002.
Frise-se, ainda, que a Lei 12.744/2012, que trata da locação nos contratos de construção ajustada (“built-to-suit”), introduziu outra alteração no comando. Com a nova redação passou-se a estabelecer que a redução da multa não é cabível em tais contratos, valorizando-se a autonomia privada das partes e afastando-se a redução equitativa da cláusula penal pelas peculiaridades existentes em tais negócios. A estrutura de tal locação ainda será abordada mais à frente no presente capítulo.
Em reforço, ainda sobre o art. 4.º da Lei de Locação, o locatário ficará dispensado da multa se a devolução do imóvel decorrer de transferência, pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviços em localidade diversa daquela informada no início do contrato, e se notificar, por escrito, o locador com, no mínimo, trinta dias de antecedência (parágrafo único do art. 4.º). Essa última norma tem um forte caráter social, mitigando a força obrigatória do contrato. A hipótese, segundo a doutrina, é de resilição unilateral, ou seja, um direito colocado à disposição do locatário (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código..., 2005, p. 1.330).
Em todos os casos, a ação para reaver o imóvel é a de despejo (art. 5.º da LL), não se aplicando essa regra se a locação terminar em decorrência de desapropriação com a imissão do expropriante na posse do imóvel. Segundo o reiterado entendimento jurisprudencial, não há que se falar em ação de reintegração de posse nos casos de locação de imóvel urbano regida pela Lei 8.245/1991. Proposta a ação de reintegração em vez do despejo, deve ela ser julgada extinta sem a resolução do mérito, por falta de interesse, particularmente por falta de adequação, não estando presente uma das condições da ação (art. 267, VI, do CPC). Nesse sentido, interessante transcrever duas ementas de julgados, com referência a outras decisões:
“Locação. Reintegração de posse. Rescisão. Mútuo acordo. Descumprimento pelo locatário. Descabimento. Despejo. Via adequada. A posse do agravante sobre o imóvel objeto da ação de reintegração de posse decorre do contrato de locação firmado entre as partes. Em razão desse pacto locatício é aplicável a regra do art. 5.º da Lei 8.245/91, onde, qualquer que seja o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel deve ser a de despejo. Ausência de interesse processual” (2.º Tribunal de Alçada de São Paulo, AI 867.231-00/2, 10.ª Câm., Rel. Juiz Irineu Pedrotti, j. 29.09.2004. Anotação no mesmo sentido: quanto à Lei 6.649/79: Ap. c/ Rev. 294.748-00/3, JTA (LEX) 134/240).
“Ação de reintegração de posse. Ausência de interesse processual da agravada para a presente ação, eis que restou configurado contrato de locação do imóvel que pretende reintegrar. Art. 5.º da Lei 8.245/91. A ação cabível para reaver imóvel locado é a ação de despejo. Extinção da ação sem julgamento do mérito. Recurso prejudicado. Jurisprudência: TJES, AC 010020002803, 4.ª CC, rel. Des. Frederico Guilherme Pimentel, j 06.10.03; 2.º TACSP, AP 678.439-00/0, 2.ª C, rel. Juiz Norival Oliva, DOESP 31.08.01; 2.º TACSP, AP 695.880-00/7, 7.ª CC, rel. Juiz Willian Campos, DOESP 30.11.01; TJRJ, AC 12.947/2001, 1.ª CC, rel. Des. Luiz Fux, j. 07.11.01; STJ, AgRg no MC 610/SP, 3.ª T, rel. Min. Menezes Direito, DJ 03.11.97” (Tribunal de Alçada do Paraná, Agravo de Instrumento 0286791-8, Curitiba, Desembargador Eugênio Achille Grandinetti, 16.ª Câmara Cível, j. 13.04.2005, Ac. 236.530, Public. 22.04.2005).
Essa ação de despejo não necessariamente será proposta pelo proprietário, havendo legitimidade, por exemplo, do usufrutuário do imóvel. Nessa linha, aresto do Superior Tribunal de Justiça concluindo que “o locador, ainda que não seja o proprietário do imóvel alugado, é parte legítima para a propositura de ação de despejo fundada na prática de infração legal/contratual ou na falta de pagamento de aluguéis. A Lei n. 8.245/1991 (Lei de Locações) especifica as hipóteses nas quais é exigida a prova da propriedade para o ajuizamento da ação de despejo. Nos demais casos, entre os quais se encontram os ora analisados, deve-se atentar para a natureza pessoal da relação de locação, de modo a considerar desnecessária a condição de proprietário para a propositura da demanda. Ademais, cabe invocar o princípio da boa-fé objetiva, cuja função de relevo é impedir que o contratante adote comportamento que contrarie o conteúdo de manifestação anterior, em cuja seriedade o outro pactuante confiou. Assim, uma vez celebrado contrato de locação de imóvel, fere o aludido princípio a atitude do locatário que, após exercer a posse direta do imóvel, alega que o locador, por não ser o proprietário do imóvel, não tem legitimidade para o ajuizamento de eventual ação de despejo nas hipóteses em que a lei não exige essa condição do demandante” (STJ, REsp 1.196.824/AL, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 19.02.2013, publicado no seu Informativo n. 515). Como se percebe, o acórdão cita a máxima que veda o comportamento contraditório – venire contra factum proprium non potest –, que tem relação direta com o princípio da boa-fé objetiva.
O art. 6.º da Lei Locatícia dispõe que o locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado a qualquer tempo, mediante aviso por escrito ao locador, com antecedência mínima de trinta dias. Nesse sentido, nota-se que a Lei 8.245/1991 adota como regra a denúncia vazia, sem motivos, também a favor do locatário – forma de resilição unilateral, nos termos do art. 473, caput, do CC.
Ausente esse aviso, o seu parágrafo único determina a imposição de uma penalidade, qual seja o pagamento do correspondente a um mês de aluguel e encargos, vigentes quando da resilição. Trata-se de multa compensatória que, eventualmente, pode ser descontada da caução de até três aluguéis dada pelo locatário para garantir o contrato. Acredita-se na redução dessa multa, se ela for exagerada, representando onerosidade excessiva, nos termos do art. 413 do Código Civil em vigor, o que representa incidência dos efeitos intra partes ou internos do princípio da função social dos contratos, na linha do Enunciado n. 360 CJF/STJ.
No que concerne ao aluguel, enuncia o art. 17 da LL que é livre a sua convenção, vedada a sua estipulação em moeda estrangeira, nem vinculado a variação cambial ou salário mínimo. A vedação de estipulação em moeda estrangeira está de acordo com o princípio do nominalismo, que pode ser retirado do art. 315 do CC em vigor.
O aluguel não pode ser cobrado antecipadamente, salvo na locação por temporada ou na ausência de garantias locatícias (art. 20 da LL). Os índices e a periodicidade dos reajustes são os previstos na legislação específica.
Sem prejuízo disso, as partes poderão fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste (art. 18 da LL). Isso pode ser feito desde que não se configure uma situação de injustiça contratual ou onerosidade excessiva, o que não pode prevalecer diante dos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos.
Em relação ao art. 18 da Lei da Locação, prescreve o Enunciado n. 16 do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (2.º TACSP), tribunal que era competente para apreciar as questões locatícias nesse Estado, que: “O acordo das partes que, no contrato de locação, inserir ou modificar a periodicidade dos reajustes, interrompe prazo para ajuizamento da ação revisional”. Deixamos claro que os enunciados do extinto 2.º TACSP, agora TJSP, ainda têm sido aplicados, servindo como exemplo de aplicação do atual entendimento jurisprudencial a respeito da locação urbana.
Não havendo acordo, poderão as partes pleitear a revisão judicial do aluguel, após três anos da celebração do contrato, visando a adequá-lo ao real valor de mercado (art. 19 da LL). Também do extinto 2.º TACSP (agora TJSP) preconiza o Enunciado n. 10 que “é possível a revisão do contrato durante o prazo previsto no contrato de locação, ainda que para fins não residenciais, após três anos de sua vigência”. Em outras palavras, a revisão é possível para qualquer locação regida pela lei em comento.
Relativamente ao aluguel da sublocação, o valor deste não poderá exceder ao da locação (art. 21 da LL). Exceção é feita para as habitações coletivas multifamiliares, sendo o limite da soma dos aluguéis o dobro do valor da locação. Sendo desrespeitada essa última regra, o sublocatário está autorizado a reduzir o aluguel até esse limite legal, inclusive judicialmente. Saliente-se que, na prática, a norma é desrespeitada com frequência no mercado imobiliário.
A alienação do imóvel rompe o contrato, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação, averbada no registro de imóveis (art. 8.º da LL). A ação de despejo deve ser proposta pelo adquirente do imóvel, tendo igual direito o promissário comprador e o promissário cessionário, em caráter irrevogável. A denúncia deve ser exercida no prazo de noventa dias, contados do registro da venda ou do compromisso, presumindo-se após esse prazo a concordância pelo adquirente quanto à manutenção do locatário no imóvel.
Aplicando corretamente a boa-fé objetiva ao interpretar tal comando, concluiu o Superior Tribunal de Justiça, em julgado de 2013, que “é certo que, de acordo com o art. 8.º da Lei n. 8.245/1991, se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de 90 dias para a desocupação, salvo se, além de se tratar de locação por tempo determinado, o contrato tiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel. Todavia, em situações como a discutida, apesar da inexistência de averbação, há de se considerar que, embora por outros meios, foi alcançada a finalidade precípua do registro público, qual seja, a de trazer ao conhecimento do adquirente do imóvel a existência da cláusula de vigência do contrato de locação. Nessa situação, constatada a ciência inequívoca, tem o adquirente a obrigação de respeitar a locação até o seu termo final, em consonância com o princípio da boa-fé” (STJ, REsp 1.269.476/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05.02.2013).
O art. 9.º da Lei de Locação traz os casos gerais que geram a denúncia cheia, com motivos, cabíveis mesmo na vigência do contrato, a saber:
a) Mútuo acordo descumprido pelo locatário.
b) Prática de infração contratual ou legal.
c) Falta de pagamento de aluguéis e encargos da locação.
d) Realização de reparos urgentes determinados pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executados com a permanência do locatário do imóvel.
Conforme mencionado outrora, em casos tais a ação do locador para reaver o imóvel é sempre a de despejo, que pode ser cumulada com a cobrança de aluguéis. Como regra geral, a ação de despejo segue o rito ordinário.
O art. 7.º da Lei de Locação também elenca como motivo da extinção do contrato, a fundamentar o despejo, a extinção do usufruto ou do fideicomisso, no caso de o contrato ter sido celebrado pelo usufrutuário ou fiduciário. A denúncia, na opinião deste autor, é cheia nesse caso, uma vez que poderá ou não ser exercida, não sendo obrigatória (no mesmo sentido: Pedrotti, Irineu e Pedrotti, William. Comentários..., 2005, p. 46). A questão, todavia, não é pacífica, havendo julgados apontando que a denúncia nesse caso é vazia, pois não se declinam os motivos:
“Despejo. Denúncia vazia. Extinção do usufruto (art. 7.º da Lei 8.245/1991). Cabimento. O despejo com fundamento no art. 7.º da Lei 8.245/1991 dispensa a explicitação ou justificação do pedido” (Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Apelação sem revisão 466.567, 2.ª Câm., Rel. Juiz Andreatta Rizzo, j. 21.10.1996).
Ocorrendo a referida denúncia, o prazo para desocupação será de trinta dias, salvo se tiver havido concordância escrita do nu-proprietário ou do fideicomissário – terceiros interessados no contrato –, ou se a propriedade estiver consolidada nas mãos do usufrutuário ou do fiduciário.
A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias, contados da extinção do fideicomisso ou da averbação da extinção do usufruto, presumindo-se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação (art. 7.º, parágrafo único, da LL). Como se pode perceber, o dispositivo traz um prazo decadencial para o exercício do despejo, nesse caso específico, o que ressalta a ideia de que a denúncia é cheia e não vazia.
Os arts. 22 e 23 da Lei de Locação preveem, respectivamente, deveres para o locador e para o locatário, o que confirma a tese de que ambas as partes assumem obrigações conjuntivas ou cumulativas, com várias prestações de natureza diversa. Nesse sentido, nota-se que o contrato de locação traz como conteúdo uma relação obrigacional complexa, em que as partes são credoras e devedoras entre si, estando aí presente o sinalagma obrigacional.
De acordo com o art. 22 da Lei 8.245/1991 são deveres do locador:
I) Entregar o imóvel ao locatário para que este o utilize conforme pactuado no instrumento contratual.
II) Garantir o uso pacífico do imóvel durante a locação.
III) Manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel.
IV) Responder pelos vícios ou defeitos no imóvel, desde que anteriores à locação.
V) Fornecer ao locatário, caso solicitadas, informações precisas quanto ao estado geral de conservação do imóvel.
VI) Fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias pagas a título de aluguel e encargos da locação, já que o devedor tem direito à quitação.
VII) Pagar as taxas de administração imobiliária e de intermediações, nestas compreendidas as despesas de coleta de informações quanto à idoneidade do locatário ou fiador.
VIII) Pagar impostos e taxas, inclusive o IPTU que incidir sobre o imóvel. Eventualmente, conforme previsão dos arts. 22, VIII, e 25 da Lei de Locação, tais encargos poderão ser transferidos ao locatário por força do instrumento contratual. O locatário deverá pagar, ainda, o seguro complementar contra o incêndio, cabendo também a sua transferência ao locatário for força do contrato.
IX) Exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas, devendo constar a discriminação detalhadas dos valores relativos aos aluguéis, encargos, impostos, taxas em geral, despesas de condomínio etc.
X) Pagar as despesas extraordinárias de condomínio, referentes à manutenção ou ao uso rotineiro do mesmo, e que não podem ser transferidas ao locatário, englobando:
a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura do edifício;
b) pinturas de fachadas, poços e iluminação, bem como das esquadrias externas;
c) obras destinadas a repor as condições habitacionais do prédio;
d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa do empregado, ocorridas em data anterior ao início da locação;
e) instalação de equipamentos de segurança, de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de lazer e esporte;
f) despesas de decoração e paisagismo nas partes comuns do edifício;
g) constituição de fundo de reserva. Quanto ao fundo de reserva, que visa a manter sanada a contabilidade do condomínio, ensinam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery que o “locatário só participará das despesas para a recomposição do fundo de reserva se este tiver sido utilizado para suportar as despesas elencadas no art. 23, § 1.º, letras a a h, da Lei do Inquilinato, ocorridas em período posterior do início da locação (Lei do Inquilinato, art. 23, § 1.º, i). Não sendo o caso dessa exceção, a regra é que o locador é obrigado a fazer a reconstituição do fundo de reserva” (Código..., 2005, p. 1.346).
O art. 23 da Lei 8.245/1991 traz os deveres do locatário, a saber:
I) Pagar pontualmente o aluguel e encargos da locação, exigidos por força de lei ou convenção. Tais valores deverão ser pagos conforme previsão no contrato ou, na sua falta, até o sexto dia útil ao mês seguinte ao vencimento, no imóvel locado, se não tiver sido previsto outro local para o pagamento.
II) Servir-se do imóvel conforme pactuado, compatível com a sua natureza e destinação, devendo tratá-lo como se seu fosse (dever de lealdade, relativo à boa-fé objetiva).
III) Restituir o imóvel finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações comuns e decorrentes do seu uso normal.
IV) Levar imediatamente ao conhecimento do locador o surgimento de qualquer dano no imóvel, bem como eventuais turbações praticadas por terceiros (dever de informação, também decorrente da boa-fé objetiva).
V) Realizar a imediata reparação de danos causados no imóvel, por culpa sua ou de seus prepostos, visitantes ou dependentes. Esse dever de diligência também decorre da lealdade, da boa-fé objetiva, pois a coisa deve ser tratada pelo locatário como se fosse sua.
VI) Não modificar a forma externa ou interna do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador. Percebe-se, aqui, uma obrigação de não fazer do locatário, o que confirma a tese da existência de obrigação cumulativa ou conjuntiva.
VII) Entregar imediatamente ao locador os documentos de cobrança de tributos e encargos condominiais, bem como qualquer intimação, multa ou exigência da autoridade pública, mesmo que não dirigidas especificamente ao locador.
VIII) Pagar as despesas de telefone, de água, luz, gás e esgoto. Tais despesas são pessoais do usuário do serviço e não do proprietário da coisa.
IX) Permitir a vistoria do imóvel pelo locador ou seu preposto, mediante combinação prévia de dia e hora, bem como admitir que seja o imóvel visitado e examinado por terceiros nos casos de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento.
X) Cumprir integralmente com a convenção de condomínio e regulamento interno, caso o imóvel esteja localizado em edifício condominial.
XI) Pagar o prêmio do seguro de fiança, no caso de ser esta a forma de garantia pactuada.
XII) Pagar as despesas ordinárias de condomínio, relacionadas com a administração do condomínio e que englobam:
a) salários, encargos trabalhistas, contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do condomínio;
b) consumo de água e esgoto, gás e luz das áreas comuns;
c) despesas com limpeza e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos e de segurança, de uso de todos;
d) manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum, destinados à prática de esportes e lazer;
e) limpeza, conservação e pintura das instalações das áreas comuns;
f) manutenção e conservação dos elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas;
g) pequenos reparos nas dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso de todos;
h) rateios de saldo devedor, salvo se referentes a período anterior ao início da locação;
i) reposição de fundos de reserva, total ou parcialmente, desde que comprovadas a previsão orçamentária e o rateio mensal, podendo o locatário exigir a qualquer tempo a sua comprovação.
O locatário fica ainda obrigado ao pagamento das despesas ordinárias de condomínio desde que comprovadas a previsão orçamentária e o rateio mensal, podendo exigir a qualquer tempo a comprovação das mesmas (art. 23, § 2.º, da Lei de Locação). Além disso, em um edifício constituído por unidades imobiliárias autônomas, sendo estas de propriedade da mesma pessoa, os locatários ficam obrigados ao pagamento das despesas ordinárias de condomínio desde que comprovadas (art. 23, § 3.º, da Lei de Locação). Nos dois casos, não sendo provada a existência das despesas, não há que se falar em pagamento.
Para os imóveis utilizados como habitação coletiva multifamiliar, os locatários ou sublocatários poderão depositar judicialmente o aluguel e os encargos se a construção for considerada em condições precárias pelo Poder Público (art. 24 da Lei de Locação). Trata-se, portanto, de uma ação consignatória a ser proposta pelos locatários ou sublocatários visando a manter vigente o contrato. No entanto, o levantamento dos depósitos somente será deferido com a comunicação, pela autoridade pública, da regularização do imóvel (art. 24, § 1.º, da LL). Os locatários ou sublocatários que deixarem o imóvel em casos tais estarão desobrigados do aluguel devido durante a execução das obras necessárias à regularização (art. 24, § 2.º, da LL). Por fim, no tocante aos depósitos efetuados em juízo pelos locatários e sublocatários, esses poderão ser levantados, mediante ordem judicial, para a realização das obras ou serviços necessários à regularização do imóvel (art. 24, § 3.º, da LL).
O art. 25 da Lei 8.245/1991 dispõe que, atribuída ao locatário a responsabilidade pelo pagamento dos tributos relativos ao imóvel (como, por exemplo, o IPTU), bem como os encargos e as despesas ordinárias de condomínio, o locador poderá cobrar tais verbas juntamente com o pagamento do aluguel do mês a que se refiram. Se o locador antecipar os pagamentos desses tributos e das despesas, a ele pertencerão as vantagens do pagamento advindas, salvo se o locatário reembolsá-lo integralmente. A última regra, constante do parágrafo único do dispositivo, refere-se a eventuais benefícios tributários referentes ao pagamento antecipado do imposto. Lembre-se que, silente o contrato, as verbas aqui referidas serão devidas pelo locador, e não pelo locatário.
Prevê o Enunciado n. 4 do extinto 2.º TACSP que “as despesas com elaboração do contrato de locação, conhecidas como ‘taxas de contrato’, não podem ser cobradas do locatário”. Em outras palavras, tais despesas são da incumbência do locador, por serem do seu interesse, não podendo ser transferidas ao locatário em hipótese alguma. Eventual cláusula nesse sentido deve ser considerada abusiva e, portanto, nula de pleno direito, nos termos do art. 45 da Lei de Locação.
Encerrando o item, o art. 26 da LL expressa que necessitando o imóvel de reparos urgentes, cuja realização incumba ao locador, o locatário é obrigado a consentir com a sua realização. Se os reparos durarem mais de dez dias, o locatário terá direito ao abatimento no aluguel, proporcional ao período excedente. Se a obra durar mais de trinta dias, o locatário poderá resilir unilateralmente o contrato, sendo caso de denúncia cheia (art. 26, parágrafo único, da LL).
Por derradeiro, vale aqui destacar as anotações de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: “Se o locatário recusar seu consentimento para a realização de obra urgente, assim considerada por perícia, poderá o locador pedir o desfazimento da relação locatícia (LI 9.º IV), Se consentir nas obras, mister que se distingam as hipóteses: a) o locatário consente nas obras mas elas não podem ser realizadas com ele dentro do imóvel. O locador tem duas soluções. Pede o desfazimento da relação locatícia (LI 9.º IV) ou faz os reparos e depois recebe o locatário de volta, caso a locação seja de habitação coletiva (LI 24 § 2.º); b) o locatário consente nas obras e elas podem ser realizadas com ele dentro do imóvel. (...) O locador é obrigado a reduzir o valor do aluguel se a obra perdurar por mais de 10 dias. Se o período ultrapassar 30 dias, o locatário pode resilir a relação locatícia, não havendo necessidade da intimação da LI 4.º, nem a antecedência da LI 6.º. É criminoso o ato do locador que não promove, em 60 dias da entrega do imóvel, os reparos e obras a que se comprometeu (LI 44 III), podendo o locatário prejudicado reclamar perdas e danos (LI 44 par. ún.)” (Código Civil..., 2005, p. 1.351).
No que concerne à extinção da locação de imóvel residencial, incluindo a locação para temporada, o legislador estabeleceu as seguintes hipóteses, a seguir estudadas de forma pontual:
a) Contratos fixados por escrito por trinta meses ou mais – nestes casos, o contrato se rescinde no término do prazo, com prorrogação por tempo indeterminado, caso silentes as partes por mais de trinta dias. Ocorrida a prorrogação, caberá denúncia imotivada (denúncia vazia), a qualquer tempo, com 30 dias para a desocupação. Mas, na ação de despejo, se o locatário concordar em sair do imóvel, terá seis meses para a desocupação. Essas são as regras que podem ser retiradas dos arts. 46 e 61 da Lei de Locação. Determina o Enunciado n. 12 do extinto 2.º TACSP que: “Locação residencial ajustada antes da Lei do Inquilinato admite denúncia vazia e retomada imotivada”.
b) Contratos fixados verbalmente ou por escrito, por menos de trinta meses – as duas formas de locação, verbal ou por escrito com prazo inferior a trinta meses, merecem o mesmo tratamento no art. 47 da Lei de Locação. Quanto à locação verbal, esta se presume por prazo indeterminado, conforme o entendimento jurisprudencial (Enunciado n. 20 do extinto 2.º TACSP). No que toca ao contrato celebrado por escrito, findo o prazo ajustado sem a celebração de novo contrato, a locação prorrogar-se-á automaticamente. Em todos esses casos, a retomada do imóvel só será possível por meio da denúncia cheia, fundamentada em uma das hipóteses previstas nos incisos do citado art. 47 da LL, a saber:
I) Hipóteses do art. 9.º da Lei de Locação (mútuo acordo, infração contratual ou legal, falta de pagamento e obras aprovadas pelo Poder Público).
II) Em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel estiver relacionada com o seu emprego.
III) Havendo pedido para uso próprio, do cônjuge, companheiro ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio. Interessante lembrar, aqui, o teor de quatro súmulas do Supremo Tribunal Federal, a saber: Súmula 175 (“Admite-se a retomada do imóvel alugado para uso de filho que vai contrair matrimônio”); Súmula 409 (“Ao retomante, que tenha mais de um prédio alugado, cabe optar entre eles, salvo abuso de direito”); Súmula 410 (“Se o locador utilizando prédio próprio para a residência ou atividade comercial, pede o imóvel próprio, diverso do que tem o por ele ocupado, não está obrigado a provar a necessidade, que se presume”); Súmula 484 (“Pode, legitimamente, o proprietário pedir o prédio para a residência de filho, ainda que solteiro”).
IV) Se o imóvel for pedido para demolição licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída em, no mínimo, vinte por cento (20%), ou se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinquenta por cento (50%).
V) Se a vigência sem interrupção do contrato superar cinco anos, o que é denominado locação velha.
Alguns comentários devem ser feitos em relação a essas regras.
Inicialmente, segundo o Enunciado n. 19, do extinto 2.º TACSP: “Está dispensada a notificação premonitória para a retomada motivada”. Esse entendimento não é acolhido de forma unânime pela jurisprudência. Destaque-se que alguns magistrados daquele Tribunal entendem que o enunciado não mais se aplica. Vale dizer que o enunciado não consta referenciado em obra coletiva, escrita por juízes do extinto 2.º TACSP, agora desembargadores (CASCONI, Francisco; AMORIM, José Roberto Neves. Locações..., 2004, p. 315-318).
Enuncia o § 1.º do art. 47 que na hipótese de retomada para uso próprio ou para pessoa da família do locador, a necessidade de uso do imóvel deverá ser judicialmente demonstrada se:
– O retomante, alegando necessidade de usar o imóvel, estiver ocupando, com a mesma finalidade, outro de sua propriedade situado na mesma localidade ou se, residindo ou utilizando imóvel alheio, já tiver retomado o imóvel anteriormente.
– O ascendente ou descendente beneficiário da retomada já residir em imóvel próprio.
Entretanto, nos demais casos, presume-se a sinceridade do pedido do retomante, devendo o locatário provar o contrário, ônus que lhe cabe. Percebe-se, de imediato, que a presunção é relativa ou iuris tantum. Segundo a jurisprudência, cabe ao locatário o ônus de afastar essa presunção, sendo interessante transcrever:
“Locação comercial. Renovatória. Retomada. Uso próprio. Presunção de sinceridade não elidida. Admissibilidade. Cabe ao inquilino, uma vez deduzida a pretensão de retomada do imóvel para uso próprio na ação renovatória, o ônus de elidir a presunção que atua em favor do locador, valendo-se, para tanto, de provas idôneas e convincentes” (2.º TACSP, Ap. c/ rev. 842.250-00/1, 3.ª Câm., Rel. Juiz Antônio Benedito Ribeiro Pinto, j. 10.08.2004. Sobre o tema: RT 16/74. J. Nascimento Franco e Nisske Gondo: Ação renovatória e ação revisional de aluguel, RT, n. 176, p. 196-197. Anotação: no mesmo sentido: JTA (RT) 84/304, 124/0247, Ap. c/ rev. 293.509-00/1, 7.ª Câm., Rel. Juiz Antonio Marcato, j. 30.07.1991; Ap. c/ rev. 300.799-00/7, 7.ª Câm., Rel. Juiz Antonio Marcato, j. 10.12.1991; Ap. c/ Rev. 329.267-00/0, 6.ª Câm., Rel. Juiz Gamaliel Costa, j. 16.03.1993; Ap. c/ Rev. 359.021-00/1, 3.ª Câm., Rel. Juiz Oswaldo Breviglieri, j. 26.10.1993).
Também nos casos de retomada para uso próprio ou de pessoa da família e de demolição ou realização de obras (incisos III e IV do art. 47), o retomante deverá comprovar ser o proprietário, o promissário-comprador ou o promissário-cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo (§ 2.º do art. 47 da LL). Isso, para que não pairem dúvidas a respeito do domínio sobre a coisa.
Quanto à previsão do inciso V do art. 47 (locação superior a cinco anos), dispõe o Enunciado n. 30 do extinto 2.º TACSP a sua aplicação somente para os casos de locações contratadas na vigência da Lei 8.245/1991. Aliás, quanto a essa previsão, trata-se da última oportunidade para o despejo para os contratos descritos no caput, não ocorrendo nenhuma das hipóteses previstas nos seus incisos. O caso é de denúncia cheia, não de denúncia vazia, pois o motivo consta da lei. Mas há quem entenda que a hipótese é de denúncia vazia, como Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Código Civil..., 2005, p. 1.364) e José Fernando Simão (Legislação civil..., 2007, p. 38).
c) Locação para temporada – é aquela celebrada para fins de residência temporária do locatário, para a prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel e outros fatos que decorram em determinado tempo, cujo prazo não pode ser superior a 90 dias, esteja ou não mobiliado o imóvel (art. 48 da LL). Em casos tais, o aluguel e os encargos poderão ser cobrados antecipadamente e de uma só vez, cabendo qualquer uma das formas de garantia previstas na Lei de Locação (art. 49 da LL). A locação para temporada necessita da forma escrita, conforme exigência expressa do texto legal (contrato formal). Obrigatoriamente, no contrato de locação por temporada haverá a descrição de todos os bens móveis que o guarnecem, o que protege tanto o locador quanto o locatário da má-fé alheia (art. 48, parágrafo único, da LL). Findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de 30 dias, a locação estará prorrogada por tempo indeterminado, não sendo mais cabível exigir o pagamento antecipado dos aluguéis. Ocorrendo essa prorrogação, a locação somente poderá ser denunciada após 30 meses do seu início ou havendo motivos para denúncia cheia (art. 50 da LL). Determina o Enunciado n. 1 do 2.º TACSP que: “Inexistindo no contrato locativo a indicação de sua natureza para temporada, considera-se tenha sido celebrado para finalidade residencial e com prazo inferior a trinta meses, salvo prova em contrário”.
No que concerne à locação não residencial, existe um tratamento legal complexo previsto entre os arts. 51 a 57 da Lei 8.245/1991.
Como premissa-regra, para a locação de imóvel não residencial – inclusive para fim comercial, ou melhor, empresarial –, sendo celebrado o contrato por qualquer prazo, ou seja, por prazo determinado, estará o mesmo extinto ao seu término, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso, cabendo a denúncia vazia (art. 56 da LL). Nessas situações, é dispensável a notificação prévia nos trinta dias seguintes ao termo final do contrato.
Findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de 30 dias sem oposição do locador, incidirá a presunção de prorrogação da locação nas mesmas condições anteriormente ajustadas, mas sem prazo determinado (art. 56, parágrafo único, da LL). A regra continua sendo de cabimento de denúncia vazia, mas a lei exige que o locatário seja notificado para a desocupação em trinta dias (art. 57 da LL).
A despeito das previsões apontadas por último, o locatário comerciante, empresário ou industrial pode obter judicialmente a renovação do aluguel caso tenha celebrado, por escrito, contrato de locação por prazo superior a cinco anos e cumprido de forma ininterrupta (ação renovatória de aluguel, prevista no art. 51 da Lei 8.245/1991). Também é necessário que o empresário esteja explorando sua atividade, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos. Para a configuração desse prazo, a jurisprudência admite que prazos de contratos sucessivos sejam somados, como se depreende pelo teor da Súmula 482 do STF: “O locatário que não for sucessor ou cessionário do que o precedeu na locação, não pode somar os prazos concedidos a este, para pedir a renovação do contrato, nos termos do Decreto n. 24.150”. Como se percebe, a súmula admite a soma temporal como regra.
A ação renovatória deverá ser proposta nos primeiros seis meses do último ano de vigência do contrato (entre um ano e seis meses antes do término da locação), prazo que é decadencial, segundo o entendimento doutrinário majoritário. Isso porque a ação renovatória tem natureza constitutiva positiva, segundo o critério científico adotado por Agnelo Amorim Filho, o que justifica a sua natureza decadencial (RT 300/7 e 744/725).
As sociedades civis com fins lucrativos têm também direito à ação renovatória. A Lei de Locação revogou expressamente a antiga Lei de Luvas (Decreto 24.150, de 1934), incorporando, porém, no seu texto a matéria revogada. Sobre o tema, prevê o Enunciado n. 9 do extinto 2.º TACSP que a Lei 8.245/1991 não proíbe a cobrança de luvas no contrato inicial da locação comercial. As chamadas luvas são valores em dinheiro, além do aluguel, pagos pelo locatário ao locador, quando da elaboração do contrato inicial de locação comercial ou empresarial, para que tenha preferência na locação, ou por ocasião da sua renovação (Diniz, Maria Helena. Dicionário..., 2005, p. 202). Também é comum a sua cobrança de novos locatários, por uma suposta transmissão do ponto comercial ou empresarial. Entendemos que a cobrança das luvas constitui abusividade, a gerar o enriquecimento sem causa do locador, pois não há qualquer prestação que a fundamente. Nesse sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, quando vigente um contrato de locação:
“Direito civil. Locação. Pagamento do ponto e/ou luvas. Art. 45 da Lei 8.245/91. Interpretação. 1 – A exigência de pagamento pelo ponto comercial e/ou luvas, quando já em vigor o contrato de locação, ainda que não seja uma renovação, no sentido estrito da palavra, representa verdadeira perturbação ao direito do locatário de permanecer no imóvel, ferindo os princípios norteadores da Lei n. 8.245/91, insculpidos no seu art. 45. 2 – Recurso conhecido e provido” (STJ, REsp 440.872/SC (200200677282), 475.783, j. 20.02.2003, 6.ª Turma, DJ 17.03.2003, p. 300, RJADCOAS, v. 46, p. 85).
A locação não residencial civil, que abrange os locatários que exercem atividades civis, bem como suas sedes, escritórios, estúdios e consultórios, rege-se pelos princípios da locação comercial, particularmente pelas regras da denúncia vazia. Mas, em casos tais, não haverá direito à ação renovatória. As mesmas regras valem para a locação em benefício ou vantagem profissional indireta, quando o locatário for pessoa jurídica e o imóvel estiver destinado ao uso de seus titulares, diretores, sócios, gerentes, executivos ou empregados (art. 55 da LL).
A Lei 8.245/1991 trata ainda da chamada locação não residencial especial para imóveis utilizados como hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas (art. 53 da LL). Diante de patente caráter social relacionado com os interesses da coletividade somente caberá a desocupação por denúncia cheia em duas hipóteses:
I) Nas hipóteses do art. 9.º da LL (mútuo acordo desrespeitado, infração legal ou contratual, falta de pagamento, para realização de obras e reparos urgentes determinados pelo Poder Público).
II) Se o proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável e imitido na posse, com título registrado, que haja quitado o preço da promessa ou que, não o tendo feito, seja autorizado pelo proprietário a pedir o imóvel para demolição, edificação licenciada ou reforma que venha resultar em aumento mínimo de cinquenta por cento da área útil do imóvel.
A Lei de Locação trata ainda da locação em shopping center, particularmente da relação entre empreendedores (locadores) e lojistas (locatários), caracterizada como uma locação não residencial pela norma, o que possibilita o ingresso de ação renovatória (art. 54 da LL). Nesses contratos prevalecerão as regras que forem livremente pactuadas por locador e locatário, sem prejuízo das normas constantes da Lei 8.245/1991, que também devem subsumir. Sobre a ação renovatória que tenha por objeto o espaço em shopping center, é importante ressaltar a seguinte peculiaridade: o locador não poderá recusar a renovação com fundamento na alegação de que o imóvel passará a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente (art. 52, § 1.º, da LL).
Outra peculiaridade existente nesse contrato se refere à impossibilidade dos empreendedores-locadores cobrarem dos lojistas-locatários, segundo o § 1.º do art. 54 da Lei de Locação:
a) As despesas extraordinárias de condomínio relacionadas com obras de reformas ou acréscimos que interessarem à estrutura integral do imóvel; as pinturas de fachadas em geral e das esquadrias externas; as indenizações trabalhistas e previdenciárias decorrentes da dispensa de empregados, desde que ocorridas em data anterior ao início da locação.
b) As despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem a modificação do projeto ou do memorial descritivo da data do habite-se bem como das obras de paisagismo nas partes de uso comum.
Diante do dever de informar relativo à boa-fé objetiva, as despesas cobradas do locatário devem ser previstas e devidamente demonstradas em orçamento, salvo nos casos de urgência ou de força maior. Em situações tais, poderá o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe que representa os lojistas, exigir a comprovação de tais despesas. Para a jurisprudência, esse prazo não pode ser tido como decadencial “por se tratar de simples possibilidade do locatário postular a apresentação de contas no prazo ali referido, sem que tanto se constitua num dever a ser exercitado no lapso temporal de 60 dias” (2.º TACSP. 2.ª Câm., Ap. 504184, Rel. Juiz Vianna Cotrim, j. 16.02.1998. In: Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil..., 2005, p. 1.375).
A encerrar a seção, a Lei 12.744/2012, que trata da locação nos contratos de construção ajustada (“built-to-suit”), introduziu o art. 54-A na Lei 8.245/1991. O caput do novo dispositivo legal passou a definir tais negócios como locações não residenciais em que o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado. De acordo com as lições de Adriano Ferriani, professor da PUC/SP, “Built to suit, numa tradução livre, seria ‘construído para servir’, ou ‘construído para ajustar’. Juridicamente, a expressão é utilizada em referência a contratos de locação (antes considerados atípicos por alguns) de bens imóveis urbanos, em que o locador investe dinheiro no imóvel, nele edificando ou por meio de reformas substanciais, sempre com vistas a atender às necessidades previamente identificadas pelo locatário. Exemplificando, se uma rede de varejo precisa locar um imóvel que tenha determinadas características, qualquer investidor pode providenciar a compra e construção, ou reforma, com a finalidade única de atender aos interesses desse inquilino especificamente. Para tanto, antes do investimento, o locador celebra o contrato built to suit, contemplando um prazo de vigência que lhe permita ter a segurança de recuperar o capital investido, além de perceber rendimentos da locação” (FERRIANI, Adriano. O contrato..., Disponível em: <www.migalhas.com.br>. Publicado em: 16 jan. 2013).
Ainda na dicção do caput do novo preceito, em tais contratos prevalecerão as condições livremente pactuadas no instrumento respectivo e as disposições procedimentais ou processuais previstas na Lei de Locação. Assim, em tese, as normas materiais da Lei 8.245/1991 ficariam afastadas para os negócios de “built-to-suit”, como ocorre com o art. 4.º da norma, antes analisado.
Além disso, de acordo com § 1.º do art. 54-A, poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação. Em outras palavras, a revisão é tida pelo novo preceito como um direito disponível pelas partes, podendo ser afastada por acordo entre elas.
Por fim, em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação (§ 2.º do art. 54-A). Essa exceção é que foi incluída no art. 4.º da Lei 8.245/1991, devendo a multa ser paga integralmente, não cabendo, em tese, a sua redução.
De toda sorte, apesar da alteração desse último comando e do art. 4.º da Lei de Locação, este autor acredita sempre na possibilidade de redução da multa ou cláusula penal nos termos do art. 413 do Código Civil. Trata-se de norma de ordem pública com relação direta com o princípio da função social do contrato (art. 421 do CC/2002), devendo sempre prevalecer, notadamente quando a multa for exagerada ou traduzir onerosidade excessiva à parte. A jurisprudência deve se posicionar sobre a questão no futuro.
Sem prejuízo do direito de preferência do condômino na venda de coisa comum (art. 504 do CC) e do vendedor no caso da preempção convencional (arts. 513 a 520 do CC), a Lei de Locação, entre os seus arts. 27 a 33, consagra o direito de preferência a favor do locatário de imóvel urbano. Como o regime é de proteção do locatário, qualquer cláusula de renúncia à preferência deve ser tida como nula. Para tanto, pode ser até invocado o princípio da função social do contrato, no sentido de que a cláusula de renúncia representa um abuso de direito, sendo ilícita (arts. 166, II, 187 e 421 do CC).
No caso de alienação do imóvel, o locatário terá preferência (preempção ou prelação legal) para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros (e em especial, quanto ao preço), devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, notificação extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.
De forma detalhada, estatui o art. 27 da Lei 8.245/1991 que “no caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca”. Em complemento, enuncia o parágrafo único do dispositivo que essa comunicação deverá conter todas as condições do negócio a ser celebrado com o terceiro, constando:
a) o preço da venda;
b) a forma de pagamento;
c) a existência de ônus reais sobre o imóvel;
d) o local e o horário em que pode ser examinada a documentação relacionada com o imóvel e o negócio.
O locatário deverá se manifestar de forma inequívoca no prazo de 30 dias, contados da notificação, sob pena de caducar o seu direito de preferência (art. 28 da LL). Esse prazo, como se pode perceber, é de decadência, de perda de um direito potestativo, eis que a lei utiliza a expressão caducar. Outra justificativa para a natureza decadencial do prazo é que a ação de preferência é predominantemente constitutiva.
Ocorrendo a aceitação da proposta pelo locatário e posterior desistência por parte do locador, este deverá responder pelos prejuízos causados ao primeiro, particularmente pelos danos emergentes e lucros cessantes, nos termos dos arts. 402 a 404 do Código Civil em vigor. Essa é, igualmente, a regra constante do art. 29 da Lei de Locação. É importante deixar claro, de qualquer forma, que para a responsabilização do locador o locatário deverá provar a existência desses prejuízos que não são presumidos na espécie. Sobre o último dispositivo, comenta Sílvio de Salvo Venosa que “essa inovação da lei visou, sem dúvida, coibir eventual abuso de direito do locador. Por vezes, engendra ele uma proposta de venda, sem a real intenção de fazê-lo, a fim de facilitar a desocupação do imóvel. Erige-se nesse dispositivo hipótese de responsabilidade pré-contratual. A proposta deve ser séria. Feita a proposta, o proponente não está obrigado a vender, mas sujeita-se a indenização se não o fizer” (Direito civil..., 2005, p. 188).
O art. 30 da Lei de Locação reconhece o direito de preferência também ao sublocatário, se o imóvel estiver locado em sua totalidade e tenha existido autorização expressa para a sublocação. Em seguida, terá preferência o locatário. Sendo vários os sublocatários, a preferência poderá ser exercida por todos, em comum, ou por qualquer deles, se um só for o interessado no imóvel. Por fim, havendo pluralidade de pretendentes, caberá o exercício do direito de preferência ao locatário mais antigo e, se da mesma data, ao mais idoso (art. 30, parágrafo único, da LL).
Nos casos de alienação de mais de uma unidade imobiliária, o direito de preferência incidirá sobre a totalidade dos bens objeto da alienação (art. 31 da LL). Em outras palavras, havendo venda em bloco a preferência também deverá ser exercida em bloco, não podendo o titular do domínio ser obrigado a fracionar o seu imóvel. A regra é aplicada, por exemplo, no caso de venda de um prédio onde se encontram vários escritórios.
Segundo o art. 32 da Lei 8.245/1991, o direito de preferência não alcança as seguintes hipóteses:
a) venda por decisão judicial;
b) permuta;
c) doação;
d) integralização de capital;
e) cisão, fusão ou incorporação de empresas.
Para os contratos firmados a partir de 1.º de outubro de 2001, o direito de preferência não alcançará ainda os casos de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia, inclusive mediante leilão extrajudicial, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica. Essa é a regra constante do parágrafo único do art. 32 da Lei em comento, introduzida pela Medida Provisória 2.223/2001 e posteriormente convertida em lei (art. 61 da Lei 10.931/2004).
Pois bem, sendo o locatário preterido no seu direito de preferência, poderá este reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses contados do registro da compra e venda (art. 33 da Lei 8.245/1991). Mas, para exigir o bem para si, é necessário que o contrato de locação esteja averbado na matrícula do imóvel, pelo menos 30 dias antes da alienação da coisa imóvel. A averbação far-se-á à vista de qualquer das vias do contrato de locação, desde que subscrito também por duas testemunhas (parágrafo único do art. 33 da LL).
A medida judicial prevista para o exercício desse direito é denominada ação de preferência, seguindo o rito ordinário. Não se aplicam a essa ação de preferência os preceitos processuais especiais previstos no art. 58 da Lei de Locação, que serão devidamente estudados. Há controvérsias quanto à natureza jurídica dessa ação, sendo certo que entendemos tratar-se de ação adjudicatória, que visa invalidar a negociação feita em desrespeito ao direito de preferência do locatário, tendo, portanto, natureza constitutiva negativa. Concorda-se com Sílvio Venosa quando o doutrinador afirma que se trata de exemplo de obrigação com eficácia real (Direito civil..., 2005, p. 190). Essa afirmação demonstra os efeitos erga omnes do direito de preferência decorrente de lei, devendo a ação de preferência ser proposta contra o alienante e o adquirente do imóvel.
Repise-se que para que o locatário possa haver o imóvel para si, o contrato deverá estar devidamente registrado, conforme consta expressamente da lei. Porém, entendemos, assim como parte considerável da jurisprudência, que para que o locatário pleiteie as perdas e danos o registro é dispensável, pois em casos tais os efeitos são tão somente pessoais obrigacionais (STJ, RESP, 14.905, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 10.12.1991, julgado citado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil... 2004, p. 1.268). Assim também se posiciona Sílvio Venosa, na obra citada (Direito civil..., 2005, p. 190). Entretanto, é preciso assinalar que alguns autores, caso de Maria Helena Diniz, concluem que para que o locatário tenha direito às perdas e danos é preciso que o contrato também esteja registrado (Lei..., 1999, p. 135).
Deve-se compreender que o prazo decadencial de seis meses previsto no caput do art. 33 da LL somente se aplica para o exercício do direito real, para que o locatário tenha o bem para si. Para pleitear o ressarcimento pelas perdas e danos, aplica-se o prazo prescricional de três anos previsto para a reparação civil (art. 206, § 3.º, V, do CC), contado a partir do registro do negócio que preteriu o direito do locatário ou da ciência inequívoca dessa venda.
A encerrar a análise da preferência do locatário, comanda o art. 34 da Lei de Locação que, havendo condomínio sobre o imóvel, a preferência do condômino terá prioridade sobre a do locatário. Em tom didático, pode-se dizer que a regra do art. 504 do CC – que institui a preferência do condômino no condomínio pro indiviso – é mais forte do que a regra do art. 33 da Lei de Locação, devendo aquela prevalecer, por pura opção legislativa. Não exercendo o condômino o seu direito no prazo legal, a oportunidade passará para o locatário ou para eventual sublocatário.
Enuncia o art. 35 da Lei de Locação que as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, estas desde que autorizadas, são indenizáveis e permitem o direito de retenção. Por outro lado, as benfeitorias voluptuárias não são indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que a sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel (art. 36 da LL).
A primeira regra apontada é de ordem privada, pois tal disposição pode ser deliberada de modo diverso no contrato de locação, renunciando o locatário a tais benfeitorias, segundo previsão do próprio art. 35 da Lei 8.245/1991. A propósito, prevê o Enunciado n. 15 do extinto 2.º TACSP: “É dispensável prova sobre benfeitorias se há cláusula contratual em que o locatário renunciou ao respectivo direito de retenção ou de indenização”. Mais recentemente, como mencionado anteriormente, o STJ editou a Súmula 335, consagrando a validade da cláusula de renúncia às benfeitorias na locação.
Entretanto, assumindo o contrato de locação a forma de contrato por adesão, opinamos que não terá validade a cláusula de renúncia às benfeitorias pela previsão do art. 424 do CC, de aplicação subsidiária ao negócio jurídico em análise. Vale lembrar que, pelo dispositivo do Código Civil, será nula, no contrato de adesão, qualquer cláusula que implique renúncia prévia do aderente a direito resultante da natureza do negócio. A primeira defesa desse posicionamento se deu por ocasião de nossa dissertação de mestrado (TARTUCE, Flávio. Função social..., 2005, p. 251); e aqui já foi comentado. Nunca é demais rever essa posição.
Analisando a questão sob o enfoque do art. 35 da Lei de Locação, será nula a cláusula de renúncia às benfeitorias necessárias no contrato de locação de adesão, pois o próprio comando legal reconhece como direito inerente ao locatário-aderente a possibilidade de ser indenizado ou reter as benfeitorias necessárias – mesmo as não autorizadas –, bem como as úteis autorizadas. Fazendo diálogo com o CDC, é interessante verificar que o seu art. 51, XVI, consagra a nulidade absoluta de cláusulas que determinam a renúncia às benfeitorias necessárias. Em reforço, anote-se que o locatário é possuidor de boa-fé, tendo esse último direito de retenção ou de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis (art. 1.219 do CC). Como se pode perceber, há uma hipótese em que a parte está renunciando a um direito que lhe é inerente.
Em complemento a essas previsões, o art. 424 do Código Civil merece subsunção, afastando a aplicação do art. 35 da Lei de Locação e a admissão da cláusula de renúncia às benfeitorias, caso o contrato de locação assuma a forma de adesão. Como a lei assegura o direito de indenização e de retenção ao locatário, possuidor de boa-fé, não terá validade eventual renúncia veiculada a ambas pelo contrato. Compartilhando dessas premissas, repise-se o enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, em 2011, nos seguintes termos: “A cláusula de renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção por benfeitorias necessárias é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do contrato de adesão” (Enunciado n. 433).
Um argumento contrário ao que está sendo exposto poderia sustentar que uma norma geral constante do Código Civil (art. 424) não pode sobrepor-se a uma norma especial prevista em microssistema jurídico próprio, aplicável às relações locatícias que têm como objeto imóveis urbanos (art. 35 da Lei 8.245/1991). Para tanto, poderia ser até invocado o art. 2.036 do CC, que traz a regra pela qual a lei específica em questão continua sendo aplicável às locações de imóvel urbano.
Mas a questão não é tão simples assim. Na realidade, o art. 424 do CC é norma especial, especialíssima, com maior grau de especialidade do que o art. 35 da Lei de Locação. Isso porque o comando legal em questão é aplicável aos contratos de locação que assumam a forma de adesão, forma especial de contratação dentro desses contratos de locação. Portanto, deverá prevalecer o que consta no Código Civil atual. De fato, o Código Civil, em si, é norma geral, mas está repleto de normas gerais e especiais. Entre essas últimas, estão os comandos legais previstos para os contratos de adesão, quais sejam, os arts. 423 e 424 do CC.
Quanto ao art. 2.036 do CC, repita-se que esse comando intertemporal somente impede a aplicação das normas previstas no atual Código Civil (arts. 565 a 578) em relação à locação de imóveis urbanos.
Tratando especificamente das nulidades, expressa o art. 45 da Lei 8.245/1991 que “são nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem elidir os objetivos da presente lei, notadamente que proíbam a prorrogação prevista no art. 47 ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto”. Além das cláusulas mencionadas, deverão ser tidas como nulas todas as cláusulas que implicam lesão às normas de ordem pública, cabendo ao intérprete analisar o caso concreto. Isso é uma aplicação direta da eficácia interna do princípio da função social dos contratos, mitigando o antigo adágio pacta sunt servanda, e controlando o conteúdo dos negócios locatícios. Há ainda relação com a boa-fé objetiva, que exige uma boa conduta das partes em todas as fases contratuais.
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery anotam, no tocante ao dispositivo da Lei de Locação, que “este sistema é assemelhado ao regime das cláusulas abusivas instituído pelo CDC 51, que se aplica integralmente às relações locatícias, por extensão” (Código Civil..., 2005, p. 1.361). Em suma, deve ser feito também um diálogo de complementaridade entre a lei locatícia e a lei consumerista (diálogo das fontes), desde que isso não prejudique a aplicação da primeira, que é lei especial, nem os direitos dos consumidores. Consigne-se, contudo, que, conforme o entendimento reiterado da jurisprudência, o locatário não é considerado consumidor. Quiçá e felizmente isso tende a mudar, para os casos em que o locador for profissional em sua atividade.
De qualquer modo, o art. 45 da Lei de Locação confirma a tese de que as cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas relações de consumo, sendo possível identificá-las também nos contratos civis comuns (Enunciado n. 172 CJF/STJ). Como ficou claro, a função social dos contratos e a boa-fé objetiva têm aplicação direta no contrato de locação de imóvel urbano.
Admite-se que um contrato de locação seja transferido para terceiros nas seguintes formas:
a) inter vivos – pela cessão, sublocação ou empréstimo;
b) mortis causa – pela morte de um dos contratantes, do locador ou do locatário.
Vejamos tais conceitos, que podem ser retirados dos arts. 10 a 16 da Lei de Locação. Primeiramente, será tratada a transferência inter vivos.
A cessão locacional consiste na transferência a outrem, mediante alienação, da posição contratual do locatário. O locatário desliga-se do contrato primitivo, desaparecendo a sua responsabilidade, devendo o cessionário regular as relações jurídicas com o locador. A cessão, por importar em transferência de direito pessoal, rege-se pelas disposições do Código Civil atinentes à cessão de crédito. Prevê a Súmula 411 do STF, com interessante feição prática, que “O locatário autorizado a ceder a locação pode sublocar o imóvel”.
Já a sublocação consiste na concessão do gozo – parcial ou total – da coisa locada, por parte do locatário, a uma terceira pessoa, que se torna locatária do locatário, sendo-lhe assegurados os mesmos direitos e deveres. Entretanto, o locatário primitivo, denominado sublocador, não se exonera da locação original. Trata-se, desse modo, de uma cessão parcial de contrato.
Nesse sentido, expressa o art. 14 da Lei de Locação, que “aplicam-se às sublocações, no que couber, as disposições relativas à locação”. Simplificando, o sublocatário estará sujeito às mesmas regras legais e contratuais a que estiver submetido o locatário.
Rescindida ou finda a locação, qualquer que seja a sua causa, resolver-se-ão as sublocações, devendo ser ressalvado o direito de indenização do sublocatário contra o sublocador (art. 15 da Lei de Locação).
O sublocatário responde subsidiariamente ao locador pela importância que dever ao sublocador, quando este for demandado e, ainda, pelos aluguéis que se vencerem durante a lide (art. 16 da LL). Assim, a responsabilidade do sublocatário não é solidária, mas indireta ou mediata (subsidiária), devendo primeiro ser demandado o locatário (sublocador). Esgotadas todas as vias para a satisfação obrigacional, o locador poderá demandar o sublocatário (STJ, AgRg-Ag 344.395/SP, Processo 2000/0118763-5, 6.ª Turma, Rel.ª Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, j. 21.02.2008, DJE 10.03.2008).
Pode ocorrer ainda o empréstimo do imóvel objeto da locação, hipótese em que o locatário cede o imóvel locado a terceiro de forma gratuita e por breve tempo (contrato de comodato). Em situações tais, o locatário continua responsável perante o locador.
Na cessão, na sublocação e no empréstimo deve haver consentimento prévio e por escrito do locador, seja a cessão total ou parcial (art. 13 da Lei da Locação). A falta desse consentimento é motivo para denúncia cheia, a possibilitar o despejo por infração legal (art. 9.º, II, da LL).
De qualquer modo, não se presume o consentimento pela simples demora do locador em manifestar formalmente a sua oposição, ou seja, quem cala não consente (§ 1.º do art. 13 da LL). Nos casos de cessão, sublocação ou empréstimo, notificado o locador pelo locatário, o primeiro terá prazo de trinta dias para manifestar formalmente a sua oposição (§ 2.º). Se não o fizer no prazo previsto em lei, deve-se entender pela decadência do direito de opor-se à cessão, sublocação ou comodato, conforme entende a doutrina, caso de Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery (Código Civil..., 2004, p. 1.251).
Na locação de prédio urbano, falecendo o locador, os herdeiros receberão os direitos inerentes à locação (art. 10 da LL). Em outras palavras, não se extingue a locação, uma vez que seus direitos e obrigações passarão aos sucessores.
Em caso de óbito do locatário, têm direito à continuidade da locação, caracterizando hipótese de sub-rogação subjetiva passiva (art. 11 da LL):
a) Cônjuge ou companheiro sobrevivente e sucessivamente os herdeiros necessários e pessoas que viviam na dependência econômica do locatário, desde que residentes no imóvel para fins residenciais. Nesse sentido, percebe-se que o contrato de locação é intuitu familiae (com intuito familiar). Como a tendência é de ampliação do conceito de família, diante das mudanças sociais da contemporaneidade, deve-se estender a regra também para as uniões entre pessoas do mesmo sexo ou uniões homoafetivas.
b) Espólio do locatário falecido e a seguir o seu sucessor, no caso de locação não residencial.
Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade convivencial (união estável), a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou o companheiro que permanecer no imóvel, o que ressalta o caráter intuito familiae da locação de imóveis urbanos (art. 12, caput, da LL). A norma foi atualizada pela Lei 12.112/2009, que substituiu o termo “dissolução da sociedade concubinária” por “dissolução da união estável”, em consonância com a evolução do Direito de Família e o reconhecimento da união estável como uma entidade familiar, e não mais como mera sociedade de fato.
O dispositivo deve ser estendido para atingir o separado extrajudicialmente, por escritura pública, diante da Lei 11.441/2007. De fato, ficaria sem sentido proteger o separado de fato e o separado judicialmente; e não o separado extrajudicialmente. De toda sorte, deve ficar claro que este autor está filiado ao entendimento que afirma que a separação de direito – a englobar a separação judicial e a extrajudicial –, desapareceu do sistema jurídico nacional com a entrada em vigor da Emenda do Divórcio (EC 66/2010). Desse modo, a menção à separação judicial e a conclusão em relação à separação extrajudicial somente se aplicam às pessoas que se encontrarem separadas na entrada em vigor da citada Emenda Constitucional.
Nota-se que a redação do art. 12 da Lei de Locação também protege a moradia, nos termos do art. 6.º da CF/1988, pois seria totalmente injusto desalojar o parente do locatário. A regra consagra, mais uma vez, casos de sub-rogação subjetiva passiva de origem legal.
Houve alterações importantes nos parágrafos do dispositivo em estudo, diante da recente Lei 12.112/2009.
De início, o parágrafo único da norma previa que, nas hipóteses previstas neste artigo, a sub-rogação seria comunicada por escrito ao locador, o qual teria o direito de exigir, no prazo de trinta dias, a substituição do fiador ou o oferecimento de qualquer das garantias previstas nesta lei. Com a alteração legislativa passou-se a enunciar que nas hipóteses previstas neste artigo e no art. 11 da LL, a sub-rogação será comunicada por escrito ao locador e ao fiador, se esta for a modalidade de garantia locatícia.
Ato contínuo, como inovação importante, passou-se a prescrever que em casos tais o fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de trinta dias contados do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado. Essa exoneração se dá por meio de notificação ao credor (resilição unilateral), ficando responsável pelos efeitos da fiança durante cento e vinte dias após a notificação ao locador.
A inovação segue a tendência constante do art. 835 do CC/2002, que possibilita a exoneração unilateral do fiador, quando se tratar de fiança com prazo indeterminado. Assim, vem em boa hora, pois não se pode admitir que a garantia pessoal seja perpétua ou atrelada a questões não convencionadas originalmente no contrato. Como é notório, a fiança não admite interpretação extensiva (art. 819 do CC/2002).
Superada essa atualização, nota-se que pelo que consta dos arts. 11 e 12 da Lei de Locação, o contrato de locação é personalíssimo (intuitu personae) no plano inter vivos, pois a sua transmissão necessita de autorização. O mesmo não se pode dizer no plano mortis causa, pois o contrato se transmite automaticamente, em regra e nos casos descritos.
O art. 37 da Lei 8.245/1991 elenca as seguintes formas de garantia para o contrato de locação:
a) Caução real, em dinheiro (de até três aluguéis) ou em títulos e ações.
b) Fiança pessoal ou bancária.
c) Seguro de fiança locatícia.
d) Cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento (incluído pela Lei 10.196/2005).
Vejamos o tratamento geral dessas formas de garantia, antes de adentrar na análise do parágrafo único do dispositivo, que desperta controvérsias.
A respeito da caução real, poderá ser de bens móveis ou imóveis (art. 38, caput, da LL), devendo ser aplicadas, por analogia, as regras gerais previstas para os direitos reais de garantia (arts. 1.419 a 1.430 do CC); e ainda aquelas previstas especialmente para o penhor e a hipoteca, o que depende do bem que está sendo garantido. Se for bem móvel, serão aplicadas as regras do penhor; sendo imóvel, as normas da hipoteca. Pela sua natureza real, tal garantia gera efeitos erga omnes. Para tanto, a caução de bens móveis deve ser registrada no Cartório de Títulos e Documentos, enquanto a de bens imóveis deve ser averbada à margem da respectiva matrícula do registro de imóveis (art. 38, § 1.º, da LL).
Por outra via, a caução em dinheiro não pode exceder o correspondente a três aluguéis (§ 2.º do art. 38 da LL). Esses valores são depositados em conta poupança, autorizada pelo Poder Público e por ele regulamentada (qualquer banco oficial), revertendo-se em benefício do locatário todas as vantagens dela decorrentes por ocasião do levantamento da soma respectiva. Dessa forma, os juros, frutos civis ou rendimentos, serão revertidos a favor do locatário. Eventual cláusula contratual em sentido contrário, prevendo que o locatário não terá direito à caução, é nula, pelo que consta do art. 45 da Lei 8.245/1991, uma vez que a norma em comento é protetiva do locatário. Ademais, haveria nessa cláusula enriquecimento sem causa, o que é vedado expressamente pelos arts. 884 a 886 do CC.
No que concerne à eventual caução em títulos e ações, deverá ser substituída, no prazo de trinta dias, em casos de concordata, falência ou liquidação das sociedades emissoras (§ 3.º do art. 38 da LL). Logicamente, diante da Nova Lei de Falências, o termo “concordata” deve ser desprezado tendo em vista a sua substituição pelos modernos institutos da recuperação judicial e extrajudicial.
O art. 39 da Lei 8.245/1991 foi alterado pela Lei 12.112, de dezembro de 2009. Originalmente, expressava que, salvo disposição contratual em contrário, quaisquer garantias da locação se estenderiam até a efetiva devolução do imóvel. Atualmente, a sua redação é a seguinte: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei”.
Pois bem, o comando legal em sua redação original sempre provocou controvérsias, particularmente no que toca à fiança, diante do seu confronto com o art. 835 do CC. Essas questões serão comentadas quando do tratamento específico deste contrato de garantia, ainda no presente capítulo da obra. Na ocasião será demonstrado que a nova redação dada ao art. 39 da LL pela Lei 12.112/2009 parece ter encerrado uma das polêmicas.
Relativamente à fiança, o locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade da garantia, nos seguintes casos (art. 40 da LL):
a) Morte do fiador, o que gera a extinção da fiança, por cessação contratual, conforme a feliz expressão de Orlando Gomes.
b) Ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador, desde que declaradas judicialmente. A menção à recuperação judicial foi introduzida pela Lei 12.112/2009, na esteira das inovações da Nova Lei de Falências.
c) Alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança de residência sem comunicação ao fiador.
d) Exoneração do fiador.
e) Prorrogação da locação por prazo indeterminado, sendo a fiança ajustada por prazo certo.
f) Desaparecimento dos bens imóveis dados em garantia.
g) Desapropriação ou alienação do imóvel dado em garantia.
h) Exoneração de garantia constituída por quotas de fundo de investimento (incluído pela Lei 11.196/2005).
i) Liquidação ou encerramento do fundo de investimento cujas cotas serviram de garantia (cessão fiduciária) para o contrato de locação (incluído pela Lei 11.196/2005).
j) Prorrogação da locação por prazo determinado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante cento e vinte dias após a notificação do locador (introduzido pela Lei 12.112/2009). Trata-se de uma das principais inovações da alteração legislativa, possibilitando a exoneração por resilição unilateral do fiador, mediante simples notificação dirigida ao locador (credor). A diferença em relação ao art. 835 do CC é que o fiador continua responsável por 120 dias após a notificação, e não por 60 dias, como consta da codificação privada. Como consequência da extinção da fiança, o locador pode exigir novo garantidor.
Como outra novidade incluída pela lei de 2009, o parágrafo único do art. 40 da Lei de Locação passou a prever que o locador poderá notificar o locatário para apresentar nova garantia no prazo de trinta dias, sob pena de desfazimento da locação. A inovação está de acordo com o dever de informar, corolário da boa-fé objetiva, dando prazo razoável para que o locatário obtenha nova garantia, sob pena de resolução do contrato.
Em relação ao seguro de fiança locatícia, esse contrato abrangerá a totalidade das obrigações do locatário, conforme o art. 41 da Lei de Locação. A regra, a nosso ver, está do mesmo modo sintonizada com o princípio da boa-fé objetiva, por razões óbvias aplicável às relações locatícias.
Vale lembrar que, não estando a locação garantida por qualquer uma das formas previstas no art. 39 da norma especial, poderá o locador exigir o pagamento do aluguel e encargos de forma antecipada, até o sexto dia útil do mês vincendo (art. 42 da LL). O pagamento antecipado apenas se refere a um mês, e não a todos os meses do contrato, o que constituiria uma cláusula abusiva (art. 45 da LL), principalmente se introduzida em contrato de locação de adesão (art. 424 do CC). Isso porque cláusula, nesse sentido, causa onerosidade excessiva, uma desproporção enorme, sendo injusta e tendente ao enriquecimento sem causa.
Para findar a análise da matéria, é pertinente comentar o parágrafo único do art. 37 da Lei de Locações. De acordo com esse comando legal: “É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação”. Destaque-se que a exigência da dupla garantia na locação configura contravenção penal, conforme prevê o art. 43, II, da própria Lei 8.245/1991.
Algumas questões interessantes poderão surgir da vedação da dupla garantia locatícia.
Inicialmente, é preciso saber quais são os limites da vedação de cumulação. Aplicando o princípio da função social dos contratos e visando a proteger o locatário, que na grande maioria das vezes é a parte mais fraca da relação jurídica, é forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao comando legal em comento.
Seguindo essa interpretação de cunho social, exemplificando, é vedado ao locador exigir fiança pessoal e fiança bancária, ou caução real e caução e dinheiro. Como se pode perceber, essas garantias enquadram-se em uma mesma modalidade, ou seja, em um mesmo inciso do art. 37 da LL. Mesmo assim, entendemos que o caso é de nulidade. Também por razões óbvias, não é possível exigir simultaneamente a fiança e o seguro-fiança. Mas, por outro lado, até porque não há que se falar em exagero, o locador poderá exigir tais garantias quando existirem vários locatários como, por exemplo, um casal de fiadores, situação muito comum na prática locatícia.
Outra questão importante refere-se a qual garantia deverá ser considerada nula. Segundo aponta a doutrina, deve-se entender que a primeira garantia prestada é válida, sendo as demais nulas. Esse posicionamento é defendido pelo Desembargador do Tribunal Paulista Luiz Antonio Rodrigues da Silva, em obra coletiva escrita pelos juízes do extinto 2.º TACSP (Garantias..., 2004, p. 150).
Eventualmente, sendo as garantias prestadas ao mesmo tempo, compreendemos que deverá prevalecer a garantia que traga menos onerosidade à parte mais fraca da relação contratual, que na grande maioria das vezes é o locatário. Isso, mais uma vez, aplicando-se o princípio da função social dos contratos.
No que concerne à situação prática comum no mercado imobiliário, em que o fiador oferece um bem imóvel de sua propriedade, há julgado do Tribunal de São Paulo concluindo que não há que se falar em dupla garantia, mas apenas na prevalência da fiança. Nesse sentido:
“Despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança de alugueres e acessórios da locação. 1 – O caucionamento, em contrato de locação, de um dos bens do fiador é mera superfetação, vez que todos seus bens garantem aquele contrato, não havendo destarte se falar em dupla garantia. 2 – O abono pontualidade não é nulo, apenas não sendo cumulável com a multa moratória, porque não é admissível dupla penalidade moratória para uma mesma inadimplência. Recurso parcialmente provido” (TJSP, Apelação Cível 844.731-0/6, Mogi Mirim, 28.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Amaral Vieira, j. 28.06.2005, v.u.).
Entretanto, do extinto 2.º TACSP, agora TJSP, podem ser encontrados outros julgados em sentido contrário, que aplicam a nulidade da garantia:
“Locação. Contrato. Dupla garantia. Nulidade da excedente. Reconhecimento. Aplicação do artigo 37, parágrafo único, da Lei 8.245/91. Constatando-se que o contrato de locação prevê duas espécies de garantia, fiança e caução de imóvel, há nulidade parcial, nos termos do artigo 37, parágrafo único, da Lei n. 8.245/91, devendo prevalecer aquela que as partes primeiramente estabeleceram, no caso a fiança, sendo insubsistente, portanto, a caução” (2.º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Ap. c/ rev. 670.366-00/6, 6.ª Câm., Rel. Juiz Thales do Amaral, j. 22.09.2004 (quanto à Lei 8.245/91). Anotação: no mesmo sentido: quanto à Lei 8.245/91: JTA (LEX) 157/429, 154/222; JTA (RT) 101/300 AI 678.967-00/3; JTA (LEX) 188/415 Ap. c/ rev. 509.894-00/8, 10.ª Câm., Rel. Juiz Adail Moreira, j. 18.02.1998, Ap. c/ rev. 519.121-00/4, 11.ª Câm., Rel. Juiz Artur Marques, j. 08.06.1998, Ap. c/ rev. 518.838-00/6, 10.ª Câm., Rel. Juiz Gomes Varjão, j. 23.09.1998, Ap. c/ rev. 527.172-00/5, 12.ª Câm., Rel. Juiz Campos Petroni, j. 04.02.1999, Ap. s/ rev. 567.003-00/0, 3.ª Câm., Rel. Juiz Ribeiro Pinto, j. 08.02.2000, Ap. c/ rev. 570.778-00/1, 7.ª Câm., Rel. Juiz Américo Angélico, j. 11.04.2000, AI 734.980-00/0, 6.ª Câm., Rel. Juiz Souza Moreira, j. 12.06.2002, Ap. s/ rev. 638.292-00/1, 12.ª Câm., Rel. Juiz Romeu Ricupero, j. 13.06.2002, Ap. s/ rev. 656.566-00/0, 10.ª Câm., Rel. Juíza Rosa Maria de Andrade Nery, j. 12.03.2003, Ap. c/ rev. 814.296-00/2, 12.ª Câm., Rel. Juiz Jayme Queiroz Lopes, j. 20.11.2003, quanto à Lei 6.649/1979: Ap. 183.524-00/7, JTA (RT) 101/352).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Tribunal Gaúcho entendeu que deve prevalecer a caução, que foi a primeira garantia prestada:
“Apelação cível. Locação. Dupla garantia. A configuração de duas modalidades de garantia para o mesmo contrato determina a nulidade da que por último foi prestada, no caso, da fiança, permanecendo hígida a caução, cujo valor deve ser abatido do débito. Aluguéis e encargos. A prova do pagamento se faz com a apresentação do respectivo recibo, ônus do qual não se desincumbiu a locatária. Deram parcial provimento à unanimidade e, por maioria, reconhecerem como inválida a caução, mantida a fiança, vencido nesta parte o relator” (TJRS, Processo 70010288397, j. 02.03.2005, 16.ª Câm. Cível, Rel. Juiz Ergio Roque Menine, Origem: Comarca de Gravataí).
Este autor filia-se aos últimos julgados, mais justos e tendentes a proteger o locatário e o fiador, na grande maioria das vezes partes mais fracas da relação contratual, ou seja, vulneráveis contratuais. O julgado do Tribunal do Rio Grande do Sul parece perfeito, justamente diante dessa tendência de proteção dos mais frágeis contratualmente.
Como se pode notar, a Lei 8.245/1991 é complexa, trazendo também regras processuais importantes, que merecem ser estudadas. Anote-se que as principais alterações introduzidas pela Lei 12.112, de 2009, referem-se a aspectos instrumentais. Dessa forma, serão analisadas as ações locatícias, pontualmente. Os diálogos, a partir de agora, serão processuais.
Trata-se da principal ação a ser promovida pelo locador para a retomada do imóvel, podendo ser fundamentada em denúncia vazia (sem motivos) ou cheia (com motivos), nas hipóteses aqui estudadas. A ação de despejo segue, em regra, o rito ordinário.
Entretanto, é interessante anotar que a ação de despejo por falta de pagamento tem regras próprias, que devem ser observadas (art. 62 da LL). A Lei 12.112/2009 introduziu novas peculiaridades para tal ação. Vejamos:
– O pedido de rescisão poderá estar cumulado com a cobrança de aluguéis e acessórios da locação. Como novidade, nesta hipótese, deverá ser citado o locatário para responder ao pedido de rescisão e o locatário e os fiadores para responderem ao pedido de cobrança. Nos dois casos, deve ser apresentado com a petição inicial o cálculo discriminado do débito.
– Com inovação referente à previsão do fiador, este e o locatário poderão evitar a rescisão do contrato efetuando, no prazo de quinze dias, contado da citação, o pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo e mediante depósito judicial, incluídos: os aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação; as multas e penalidades contratuais, quando exigíveis; os juros de mora; as custas e os honorários do advogado do locador, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se do contrato não constar disposição diversa.
– Efetuada a purga da mora, se o locador alegar que a oferta não é integral, justificando a diferença, o locatário poderá completar o depósito no prazo de dez dias, contado da intimação, que poderá ser dirigida ao locatário ou diretamente ao patrono deste, por carta ou publicação no órgão oficial, a requerimento do locador. Como inovação introduzida pela Lei 12.112/2009 é possível intimar o advogado do locatário para a complementação do valor para a purgação da mora.
– Não sendo integralmente complementado o depósito, o pedido de rescisão prosseguirá pela diferença, podendo o locador levantar a quantia depositada. A inovação aqui foi somente a adição do termo “integralmente”, para dar melhor sentido ao texto.
– Os aluguéis que forem vencendo até a sentença deverão ser depositados à disposição do juízo, nos respectivos vencimentos, podendo o locador levantá-los desde que incontroversos.
– Havendo cumulação dos pedidos de rescisão da locação e cobrança de aluguéis, a execução desta pode ter início antes da desocupação do imóvel, caso ambos tenham sido acolhidos.
Diante dessas regras, expostas por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, é de se concordar com os juristas quando afirmam que a ação de despejo por falta de pagamento segue rito especial e não ordinário (Código Civil..., 2005, p. 1.381).
Alguns pontos devem ser comentados a respeito do art. 62 da Lei de Locação, todos eles destacados pelos doutrinadores citados, cuja obra serviu como referência para o estudo da Lei 8.245/1991 e a elaboração deste livro.
De início, preceitua a Súmula 173 do STF que “Em caso de obstáculo judicial, admite-se a purga da mora, pelo locatário, além do prazo legal”, o que relativiza o tratamento legal diante de dificuldades encontradas na prática da atuação jurisdicional.
Sob outro prisma, o Enunciado n. 21 do extinto 2.º TACSP prevê que o não pagamento de aluguel provisório também enseja o despejo por falta de pagamento. Como se verá, o aluguel provisório é aquele fixado na ação revisional de aluguéis.
Quanto à cumulação de pedidos, outro enunciado do extinto 2.º TACSP, o de número 13, ordena que somente contra o locatário é admissível a cumulação do pedido de rescisão da locação com o de cobrança de aluguéis e acessórios. Em outras palavras, não é possível a cumulação em face do fiador. É fundamental dizer que o referido enunciado foi aprovado por maioria e que, por essa razão, encontra resistências doutrinárias e jurisprudenciais. Os próprios Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery são contrários ao seu teor, entendendo pela possibilidade de constar no polo passivo o fiador, em litisconsórcio facultativo com o locatário (Código Civil..., 2005, p. 1.384). Esse último entendimento é confirmado pelo STJ (REsp 432.093/MG, 6.ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 16.09.2002, p. 243). Como é notório, essa Corte Superior editou a Súmula n. 268, prescrevendo que “O fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado”. Desse modo, já era imperioso que o fiador constasse no polo passivo da demanda. Em definitivo, as inovações introduzidas pela Lei 12.112/2009 tornam clara tal possibilidade de inclusão do fiador no polo passivo. Destaque-se a nova previsão do art. 62, inc. I, da Lei de Locação, que possibilita a ação de rescisão do contrato cumulada com cobrança em face do fiador.
Em relação à contestação ofertada pelo locatário na ação de despejo, ela somente surtirá efeito desconstitutivo do direito do locador se acompanhada do depósito da importância tida como incontroversa (Enunciado n. 28 do extinto 2.º TACSP). No tocante à emenda da mora, que constitui exercício de direito por parte do locatário, não descaracteriza o exato cumprimento do contrato de locação comercial (Enunciado n. 14 do extinto 2.º TACSP). Mais ainda, ao deferir a purga da mora na ação de despejo, o magistrado deverá arbitrar os honorários advocatícios de acordo com o que constar do contrato, salvo se esse valor constituir abuso de direito (Enunciado n. 17 do extinto 2.º TACSP). Na purgação da mora, o débito deverá ser corrigido monetariamente (Enunciado n. 18 do extinto 2.º TACSP).
Outra inovação relevante refere-se ao parágrafo único do art. 62 da LL. Previa esse comando legal que a emenda da mora não seria cabível se o locatário já tivesse utilizado essa faculdade por duas vezes nos doze meses imediatamente anteriores à propositura da ação. A última norma surgiu do entendimento pelo qual as emendas sucessivas da mora constituiriam abuso de direito. Relembre-se que o abuso de direito é vedado pela codificação civil, que o equipara ao ilícito (art. 187 do CC).
Ora, com a Lei 12.112/2009 o prazo que era de doze foi aumentado para vinte e quatro meses, ou seja, houve uma ampliação para a caracterização do abuso de direito, até porque era rara a situação de sucessivas emendas da mora em prazos tão curtos. Assim, veio em boa hora tal inovação, desprestigiando os atos abusivos de emulação.
Ademais, não há mais previsão ao número de duas vezes para a purgação da mora, o que também merece aplausos. Vejamos então a redação completa do atual art. 62, parágrafo único, da Lei 8.245/1991: “Não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação”.
Com a Lei de Locação, surgiu a possibilidade de se pleitear a concessão de medida liminar para que se proceda à desocupação do imóvel. Disciplinada pelo art. 59 da referida norma – que também sofreu alterações pela Lei 12.112/2009 – essa liminar para desocupação em quinze dias independe da audiência da parte contrária, desde que seja prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, e é cabível nas ações que tiverem por fundamento exclusivo:
– O descumprimento do mútuo acordo no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contados da assinatura do instrumento.
– A rescisão do contrato de trabalho, com prova escrita ou sendo ela demonstrada em audiência prévia.
– O término do prazo da locação para temporada.
– A morte do locatário, sem deixar sucessor nas hipóteses da lei.
– A permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, entre locador e locatário (sublocador).
– A necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo Poder Público, nos termos do art. 9.º, inc. IV, da LL, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las. A inovação, justa, foi introduzida pela Lei 12.112, de dezembro de 2009.
– O término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40 da LL, sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato. Mais uma vez a previsão, correta do ponto de vista prático, foi introduzida pela Lei 12.112/2009. Assim, não havendo reforço da garantia locatícia, justifica-se a concessão de liminar.
– O término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até trinta dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada. Trata-se de outra feliz novidade, que prestigia a conduta de boa-fé do locador, que demonstra que quer mesmo a retomada do imóvel.
– A falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.
No último dispositivo – art. 59, § 1.º, inc. IX, da LL – está uma das mais comentadas inovações da nova lei, a possibilitar o despejo liminar quando não há garantias locatícias. O tempo e a prática já demonstram que a inovação veio em boa hora. Isso porque, de início, dispensa a existência de garantias que muitas vezes são ineficientes, caso da fiança, principalmente celebrada por fiadores profissionais. Aliás, esse contrato de garantia pessoal tende a desaparecer do mercado, diante das regras de proteção do fiador e da emergência de uma visão personalizada do Direito Privado.
Além disso, a nova norma possibilita a retomada imediata do imóvel, o que mais interessa ao locador, que, via de regra, conta com as rendas derivadas dos aluguéis. Podem ser encontrados inúmeros julgados aplicando muito bem a inovação. Entre tantos, podem ser colacionadas três ementas de destaque:
“Agravo de instrumento. Ação de despejo por falta de pagamento. Decretação liminar do desalijo, com base no art. § 1.º, inc. IX, da Lei nº 8.245/91, Dispositivo introduzido pela lei nº 12.112/09. Irresignação improcedente. Situação dos autos se encaixando no arquétipo do novo dispositivo instrumental, com aplicação imediata aos processos pendentes ou não instaurados. Mecanismo consubstanciando espécie do gênero tutela de urgência e que, embora devendo ser empregado com extremo cuidado, não infringe garantias fundamentais, até porque reclama caução destinada a, minimamente, garantir a oportuna composição dos eventuais danos ao locatário, além de assegurar a este último plenas condições de emenda da mora. Agravo a que se nega provimento” (TJSP, Agravo de instrumento n. 990.10.436489-2, Acórdão n. 4764282, São Paulo, Vigésima Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ricardo Pessoa de Mello Belli, julgado em 19.10.2010, DJESP 05.11.2010).
“Agravo de instrumento. Ação de despejo. Falta de pagamento. Aplicação da lei nº 11.112/09. Medida liminar inaudita altera pars para desocupação do imóvel. Presenças dos requisitos legais. Deferimento. I. Se o pedido liminar de desocupação do imóvel foi feito pelo requerido, sob a vigência da Lei nº 11.112/09, deve sua análise ser feita nos termos da novel Lei, tendo em vista a aplicação imediata das Leis processuais aos atos futuro. II. Presentes, nos autos, todos os requisitos necessários a concessão de medida liminar para desocupação do imóvel sub judice em 15 dias, impõe-se seu deferimento, nos termos do art. 59, §1.º, IX, da Lei nº 8.245/91, com redação dada pela Lei nº 12.112/09” (TJMG, Agravo de instrumento n. 0328185-89.2010.8.13.0000, Belo Horizonte, Décima Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Luciano Pinto, julgado em 26.08.2010, DJEMG 23.09.2010).
“Agravo interno. Locação. Ação de despejo por falta de pagamento. Liminar deferida. Determinação de desocupação do imóvel em 15 dias, sob pena de despejo compulsório, condicionada à prestação de caução, assegurado o direito à purga da mora. Contrato de locação desprovido das garantias previstas no art. 37, da Lei nº 8.245/91. Locatário inadimplente há cerca de um ano e oito meses. Possibilidade de concessão da liminar para desocupação do imóvel em 15 dias, desde que prestada caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nos termos do art. 59, § 1.º, inc. IX, da Lei de Locações, com a redação dada pela Lei nº 12.112, de 09/12/09. Ato judicial agravado que consoou com a Lei e o entendimento desta Corte. Outrossim, viabilizada, pelo ato judicial recorrido, a purga da mora ao demandado, nos termos do art. 62, inc. II, do CPC, poderá ele, dentro do prazo legal, externar o pedido de quitação do débito mediante a entrega do terreno que refere possuir no Município de Torres ou de parcelamento da dívida. Agravo interno desprovido” (TJRS, Agravo n. 70037333168, Gravataí, Décima Sexta Câmara Cível, Rel. Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, julgado em 29.07.2010; DJERS 05.08.2010).
Ato contínuo, anote-se que a jurisprudência tem entendido que cabe a concessão de liminar quando desaparecem as garantias primitivas prestadas no contrato, como na hipótese em que o débito ultrapassa os três meses de aluguel dados em caução:
“Despejo. Liminar. Falta de pagamento e de garantia locatícia. Art. 59, § 1º, IX, da Lei nº 8.245/1991, alteração da Lei nº 12.112/09. Possibilidade. Valor da caução superada pelo valor do débito. Extinção da garantia do art. 37. Com a ampliação das hipóteses de despejo liminar do § 1º do art. 59 da Lei de Locação pela Lei nº 12.112/2009, é direito do locador de imóvel obter a desocupação, antes do contraditório e audiência, se inexistente ou extinta garantia locatícia prevista no art. 37 da Lei de Locação. É considerada extinta a caução cujo montante já está superado pelo valor do débito. A garantia que deixa de ser efetiva deve ser considerada extinta para os termos do inciso IX do § 1º do art. 59. Liminar concedida. Agravo provido” (TJSP, Agravo de Instrumento 0503900-85.2010.8.26.0000, Acórdão 4864724, São Paulo, Trigésima Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Malerbi, j. 13.12.2010, DJESP 18.01.2011).
“Agravo de instrumento. Ação de despejo por falta de pagamento c.c. cobrança de aluguéis. O contrato de locação não conta com garantia, nos moldes como determinado pelo instrumento firmado entre as partes. O depósito efetivado foi menor do que o devido. Despejo liminar. Possibilidade. Decisão reformada. Recurso provido” (TJSP, Agravo de Instrumento 990.10.343672-5, Acórdão 4811533, São Paulo, Vigésima Sétima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Hugo Crepaldi, j. 16.11.2010, DJESP 17.12.2010).
No que concerne à prestação da caução para a concessão da liminar, é forçoso concluir pela possibilidade de se oferecer o próprio imóvel locado em garantia. Nesse sentido, da melhor jurisprudência:
“Locação de imóveis. Ação de despejo. Tutela antecipada. 1. As alterações trazidas pela Lei n.º 12.112, de 9 de dezembro de 2009, fizeram incidir novas hipóteses de concessão da liminar de despejo, ampliando o rol previsto no § 1.º do artigo 59 da Lei n.º 8.245/1991. 2. Revelando-se a ocupante do imóvel terceira estranha ao trato locatício, sem atuar como sucessora da empresa locatária, e nem detendo, ao menos, poderes de administração ou gerência da inquilina, a liminar de evacuação é de rigor. 3. A caução determinada pelo § 1.º do artigo 59 da Lei de Locação pode ser efetuada na modalidade de caução real, a recair sobre o Imóvel objeto da locação, mediante termo respectivo. 4. Cassaram a tutela antecipada recursal parcial concedida e negaram provimento ao recurso, com observação” (TJSP, Agravo de Instrumento 990.09.295735-0, Acórdão 4355305, São Paulo, Vigésima Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Vanderci Álvares, j. 04.03.2010, DJESP 25.03.2010. No mesmo sentido: TJSP, Agravo de Instrumento 990.10.328195-0, Acórdão 4649472, São Paulo, Trigésima Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Clóvis Castelo, j. 16.08.2010, DJESP 14.09.2010).
Porém, a questão não é pacífica, pois existem julgados – aos quais não se filia, pelo excesso de formalismo – que exigem a caução em dinheiro para que a liminar seja concedida:
“Agravo de instrumento. Locação de imóveis. Despejo por falta de pagamento c.c. cobrança. 1. A relação locatícia fundada em contrato verbal por si só torna temerária a concessão da liminar de despejo a que alude o artigo 59, § 1.º, inciso IX da Lei n.º 8.245/1991, havendo necessidade da instauração do contraditório para possibilitar o reexame da questão. 2. Embora seja possível a concessão de liminar nas ações de despejo por falta de pagamento dos alugueres e encargos locatícios onde não houver sido estabelecida nenhuma garantia, deve o locador prestar caução no equivalente a três meses de aluguel e, em dinheiro, a fim de garantir eventual ressarcimento de danos ao locatário, não sendo possível a oferta do próprio imóvel locado como garantia. Decisão mantida. Recurso improvido” (TJSP, Agravo de Instrumento 990.10.303574-7, Acórdão 4610955, Vargem Grande do Sul, Vigésima Sexta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Felipe Ferreira, j. 28.07.2010, DJESP 09.08.2010).
Superada a análise da norma referente à liminar com as correspondentes adições legais emergentes, o Enunciado n. 31 do extinto 2.º TACSP confirma o anterior entendimento jurisprudencial majoritário, pelo qual seria incabível, nas ações de despejo, a tutela antecipada tratada no art. 273 do CPC. Todavia, houve uma mudança no panorama jurisprudencial, pois o STJ tem aceitado a tutela antecipada em casos de despejo que não estejam elencados no art. 59 da LL:
“Processual civil. Locação. Ação de despejo por falta de pagamento de aluguéis e outros encargos. Tutela antecipada. Concessão. Possibilidade. Pressupostos autorizativos. Existência. Reexame de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Súmula 7/STJ. Recurso especial conhecido e improvido. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em consonância com abalizada doutrina, tem se posicionado no sentido de que, presentes os pressupostos legais do art. 273 do CPC, é possível a concessão de tutela antecipada mesmo nas ações de despejo cuja causa de pedir não esteja elencada no art. 59, § 1.º, da Lei 8.245/1991. 2. Tendo a Corte de origem, além de adotar a tese contrária, segundo a qual seria incabível a concessão de tutela antecipada nas ações de despejo, concluído, também, pela ausência dos requisitos autorizativos previstos no art. 273 do CPC, infirmar tal entendimento demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, o que atrai o óbice da Súmula 7/STJ. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e improvido” (STJ, REsp 702.205/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5.ª Turma, j. 12.09.2006, DJ 09.10.2006, p. 346).
Filia-se a tal mudança de entendimento. Preenchidos os requisitos do art. 273 do CPC, a tutela antecipada deve ser deferida. Cite-se o caso em que o locatário está simplesmente destruindo o imóvel locado, ou utilizando-o para fins ilícitos. Aliás, essa previsão deveria ter sido incluída pela Lei 12.112/2009 para a concessão de liminar, o que não ocorreu.
Pois bem, não sendo o caso de concessão da liminar ou de tutela antecipada, deverá ser dado prosseguimento à instrução do feito para posterior decretação do despejo. A instrução implica o conhecimento da contestação e dos argumentos do réu. Todavia, a lei defere ao réu a possibilidade de concordar com o pedido do autor e assim gozar de alguns benefícios. Vejamos essas regras.
O art. 61 da Lei de Locação estipula que se o locatário, no prazo de contestação, manifestar sua concordância com a desocupação do imóvel, o juiz acolherá o pedido fixando prazo de seis meses para a desocupação, contados da citação. Nessa hipótese, os honorários advocatícios serão fixados em vinte por cento (20%) sobre o valor dado à causa, ficando o réu isento desse pagamento caso a desocupação ocorra dentro do prazo estabelecido. A regra somente deverá ser aplicada aos casos de concordância, pois se o réu contestar ou mesmo for revel, deverá ocorrer o decreto do despejo pelo juiz da causa.
O Enunciado n. 8 do extinto 2.º TACSP determina que o reconhecimento da procedência na ação de despejo somente acarreta a concessão de prazo de seis meses para a desocupação, contado da citação, se a pretensão se apoiar em qualquer das hipóteses referidas no art. 61 da LL, a saber: a) prorrogação da locação residencial fixada por escrito por prazo igual ou superior a trinta meses; b) uso e demolição na locação residencial verbal ou por escrito e com prazo superior a trinta meses.
O decreto do despejo deverá obedecer ao disposto no art. 63 da LL – outra norma que sofreu alterações pela lei de 2009 –, sendo que julgada procedente a ação de despejo o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de trinta dias para a desocupação voluntária. A inovação se refere à menção atual de expedição de mandado de despejo e não mais de um “prazo de trinta dias para desocupação voluntária”, o que é melhor do ponto de vista técnico processual.
Porém, há exceções, uma vez que o prazo para a desocupação é reduzido para quinze dias nas seguintes situações:
– Se entre a citação e a sentença de primeira instância tiver decorrido mais de quatro meses, o que é comum pela morosidade do Poder Judiciário brasileiro.
– Nas hipóteses do art. 9.º (mútuo acordo, infração legal ou contratual, falta de pagamento de aluguéis e encargos e realização de reparos urgentes determinados pelo Poder Público), ou do § 2.º do art. 46 (despejo de imóvel residencial, em contrato com prazo igual ou superior a trinta meses). Aqui houve outra alteração pela norma do final de 2009, eis que o dispositivo somente fazia menção aos incs. II e III do art. 9.º. Atualmente, todas as hipóteses do comando legal estão abrangidas, o que merece elogios.
Outras regras de cunho social também constam do art. 63 da Lei 8.245/1991. Para os casos de estabelecimento de ensino autorizado e fiscalizado pelo Poder Público, nos termos da lei, deverá ser respeitado o prazo mínimo de seis meses e o máximo de um ano para o despejo e o Juízo deverá decretar tal despejo de modo que a desocupação coincida com o período de férias escolares. Da mesma forma, nos casos de hospitais, repartições públicas, unidades sanitárias oficiais, asilos e estabelecimentos de saúde, se o despejo for decretado com fundamento no inciso IV do art. 9.º (reparações urgentes) ou no inciso II do art. 53 (reforma para aumento de área), o prazo para desocupação será de um ano. Isso, exceto nos casos em que entre a citação e a sentença de primeira instância houver decorrido mais de um ano, hipótese em que o prazo será de seis meses.
A sentença que decretar o despejo fixará o valor da caução para o caso de ser executada provisoriamente (art. 63, § 4.º, da LL). Essa execução dependerá da prestação de caução, sendo esta indispensável (Enunciado n. 23 do extinto 2.º TACSP).
A respeito da caução para a execução provisória do despejo, houve alteração no art. 64 da Lei de Locação, o que merece destaque em quadro comparativo:
Art. 64 da Lei de Locação – redação original |
Art. 64 da Lei de Locação – após a Lei 12.112/2009 |
“Salvo nas hipóteses das ações fundadas nos incisos I, II, IV do art. 9.º, a execução provisória do despejo dependerá de caução não inferior a doze meses e nem superior a dezoito meses do aluguel, atualizado até a data do depósito da caução”. |
“Salvo nas hipóteses das ações fundadas no art. 9.º, a execução provisória do despejo dependerá de caução não inferior a 6 (seis) meses nem superior a 12 (doze) meses do aluguel, atualizado até a data da prestação da caução”. |
Como primeira inovação, nota-se que o valor da caução para o despejo provisório foi reduzido. Antes, o parâmetro era entre 12 e 18 aluguéis; enquanto atualmente é entre 6 e 12 aluguéis. A alteração veio em boa hora, eis que a norma anterior era duramente criticada, uma vez que a caução era considerada exagerada por especialistas na área, principalmente advogados de locadores. Além disso, foi incluída a previsão do inc. III do art. 9.º – falta de pagamento de aluguéis e encargos –, como hipótese de dispensa da caução, mais uma norma a proteger o locador, em prol da função social da propriedade (art. 5.º, incs. XX e XXII, da CF/1988). As duas normas merecem elogios, sendo certo que este autor criticava os excessos quanto à caução em aulas e palestras.
Superados esses pontos de atualização, consigne-se que essa caução poderá ser real ou fidejussória e será prestada nos próprios autos da execução provisória (art. 64, § 1.º, da LL). Obviamente, a caução, para ser eficaz, deve ser idônea e, na prática, geralmente o próprio imóvel locado é oferecido como garantia para a execução provisória do despejo.
Ocorrendo a reforma da sentença ou da decisão que concedeu liminarmente o despejo, o valor da caução reverterá a favor do réu, no caso o locatário, como indenização mínima das perdas e danos, podendo este reclamar, em ação própria, a diferença pelo que a exceder (art. 64, § 2.º, da LL).
Findo o prazo assinado para a desocupação, que será contado a partir da data da notificação, será efetuado o despejo, se necessário com o emprego de força, inclusive arrombamento (art. 65 da LL). Os móveis e utensílios serão entregues a um depositário se o locatário não quiser retirá-los do imóvel (§ 1.º do art. 65 da LL). O despejo não poderá ser executado até o trigésimo dia seguinte ao do falecimento do cônjuge, ascendente, descendente ou irmão de qualquer das pessoas que habitem o imóvel (§ 2.º do art. 65 da LL). A última regra visa a respeitar o luto da família, tendo importante cunho social.
A encerrar a análise da ação de despejo, prevê o art. 66 da Lei de Locações que na hipótese em que o imóvel for abandonado depois de ajuizada a ação, o locador poderá imitir-se na posse do mesmo. Conforme o Enunciado n. 27 do extinto 2.º TACSP, essa imissão deverá ser precedida de laudo de constatação do imóvel, com a demonstração do abandono em auto circunstanciado.
Inicialmente, é interessante perceber que, apesar de similar, a ação de consignação de aluguéis e acessórios da locação não se confunde com a ação de consignação em pagamento, tratada a partir do art. 890 do CPC. Isso porque as regras do art. 58 da Lei 8.245/1991, que serão vistas oportunamente, não se aplicam à consignação em pagamento tratada no Estatuto Processual.
Em relação à primeira ação, a Lei de Locações traz regras especiais que devem ser necessariamente observadas. O autor da demanda, no caso o locatário, deverá especificar na petição inicial a falta de pagamento dos aluguéis e acessórios da locação com indicação dos respectivos valores. Deverá, ainda, no prazo de vinte e quatro horas, contado da determinação de citação do réu (locador), efetuar o depósito judicial da importância indicada na petição inicial, sob pena de ser extinto o processo sem resolução do mérito (conforme nova dicção do art. 267 do CPC, alterado pela Lei 11.232/2005). O locatário deverá ainda depositar os valores correspondentes às obrigações que se vencerem durante a tramitação do feito até ser prolatada a sentença.
Os motivos que podem fundamentar a ação de consignação de aluguéis e chaves podem ser retirados do art. 335 do CC, a saber: a) se o credor-locador não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; b) se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; c) se o locador for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; d) se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; e) se pender litígio sobre o objeto do pagamento. Ainda são possíveis outras hipóteses não previstas em lei, como nos casos de divergências pessoais entre o locatário e o representante do locador.
Não havendo contestação por parte do réu, ou se o locador receber os valores depositados, o juiz deverá acolher o pedido do autor locatário, declarando quitadas as obrigações e condenando o réu ao pagamento das custas e honorários de vinte por cento sobre o valor dos depósitos.
Mas, por outro lado, poderá o réu-locador contestar e, nesse caso, a contestação apenas poderá versar sobre as seguintes matérias de fato:
– Não ter havido recusa ou mora em receber a quantia devida.
– Ter sido justa a causa da recusa.
– Não ter sido efetuado o depósito no prazo ou no lugar do pagamento.
– Não ter sido efetuado o depósito integral. Nessa situação, o réu-locador deverá apontar o valor da diferença, para que o autor-locatário possa, nos termos do inciso VII do art. 67 da LL, complementar o depósito inicial.
Limitado quanto à matéria de fato em sua contestação, o réu poderá ainda, conforme determina o inciso VI do art. 67 da LL, fazer uso da reconvenção para pedir o despejo e a cobrança da quantia objeto da ação consignatória ou da diferença do depósito inicial. Nesse sentido, transcreve-se o seguinte julgado:
“Recurso. Agravo de instrumento. Decisão de impugnação ao valor da causa. Consignação em pagamento. Reconvenção. Pedido de despejo cumulado com cobrança. Controvérsia sobre o aluguel vigente. Questão de mérito. Descabimento. Havendo controvérsia a respeito de qual seria aluguel vigente, aquele que cada qual dos litigantes estiver defendendo poderá ser considerado na atribuição de valor à ação de consignação de aluguel e à reconvenção com pedido de despejo” (2.º Tribunal de Alçada Civil, AI 731.507-00/9, 12.ª Câm., Rel. Juiz Palma Bisson, j. 11.04.2002).
Como se pode perceber, a reconvenção acaba funcionando quase que como uma ação de despejo por falta de pagamento incidental, uma vez que possibilita não só o despejo como também que a ação continue pela cobrança dos valores devidos, após o decreto judicial.
Valioso ressaltar, ainda, que o réu-locador poderá levantar a qualquer momento as importâncias depositadas sobre as quais não penda controvérsia (art. 67, parágrafo único, da LL). No que concerne ao valor da causa da ação consignatória, esta será correspondente a uma anuidade do aluguel (Súmula 449 do STF). O prazo para resposta do réu é de quinze dias (Enunciado n. 5 do extinto 2.º TACSP). A complementação do depósito pelo autor, na ação consignatória, independe de reconvenção do réu (Enunciado n. 3 do extinto 2.º TACSP). O depósito extrajudicial, previsto no art. 890 do CPC e no art. 334 do CC, também pode ser utilizado nos casos de consignação de aluguéis e acessórios (Enunciado n. 41 do extinto 2.º TACSP).
Por fim, segundo o Enunciado n. 42 do mesmo Tribunal, não se aplica à consignação de aluguéis e encargos a previsão do § 2.º do art. 899 do CPC, pelo o qual: “A sentença que concluir pela insuficiência de depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos”.
Por razões óbvias, essa ação era muito comum nos períodos de inflação pelos quais passou o País. Entretanto, nos últimos tempos a ação perdeu a sua relevância prática pela estabilidade da nossa economia. Atualmente, a sua aplicação ficou restrita às hipóteses de variações do aluguel conforme as regras de mercado. A ação revisional também sofreu contundentes alterações pela Lei 12.112, de 9 de dezembro de 2009.
Como foi dito, dispõe o art. 19 da Lei de Locação que, “não havendo acordo, o locador ou o locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado”. A referida ação pode ser proposta tanto pelo locador quanto pelo locatário e tem como objetivo adequar o valor do contrato à realidade social (ação de natureza dúplice).
Para o exercício do direito de promover a dita ação, deve-se verificar se a locação já tem três anos de duração. Sendo assim, a ação revisional de aluguel segue o rito sumário, conforme enuncia agora expressamente o art. 68 da Lei 8.245/1991. Antes da Lei 12.112/2009 havia previsão quanto ao rito sumaríssimo. Todavia, a norma era anterior à Lei 9.099/1995, que passou a tratar do rito sumaríssimo para os Juizados Especiais Cíveis. Por isso, doutrina e jurisprudência já afirmavam que a ação revisional seguiria o rito sumário, o que foi confirmado pela norma do final de 2009.
Pois bem, para a ação revisional de aluguel, devem ser observadas as seguintes regras, nos termos dos incisos e parágrafos do art. 68 da Lei de Locação:
– A petição inicial deverá indicar o valor do aluguel cuja fixação é pretendida.
– O juiz, ao designar audiência de instrução e julgamento e se houver pedido com base nos elementos fornecidos tanto pelo locador quanto pelo locatário, ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos seguintes moldes: a) em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido; b) em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente. Duas foram as inovações introduzidas pela nova lei. Primeiro, há menção também ao locatário como fornecedor de elementos para a fixação do aluguel provisório, eis que a ação de igual modo pode por ele ser proposta. Segundo, há norma expressa relativa a parâmetro de fixação do aluguel provisório na ação proposta pelo locatário (não poderá ser inferior a 80% do aluguel vigente). Fazendo-se a devida confrontação, a lei anterior somente referia-se ao aluguel provisório em ação proposta pelo locador. Em suma, como a ação pode ser proposta por ambos, as alterações vieram em boa hora.
– O réu poderá pedir a revisão do aluguel provisório cujo valor será mantido até a data em que for realizada a audiência.
– Como inovação da Lei 12.112/2009, na nova audiência de conciliação, apresentada a contestação – que deverá conter contraproposta, se houver discordância quanto ao valor pretendido –, o juiz tentará a conciliação. Não sendo a conciliação possível, na própria audiência, o juiz determinará a realização de perícia, se necessária, designando, desde logo, audiência de instrução e julgamento.
– Como outra novidade da legislação de 2009, o art. 68, inc. V, passou a prever que o pedido de revisão do aluguel provisório interrompe o prazo para interposição de recurso contra a decisão que fixá-lo (questão prejudicial). A inovação segue, em parte, a linha de raciocínio do que constava do Enunciado n. 7 do extinto 2.º TACSP, a saber “Fixado o aluguel provisório na ação revisional, o interesse recursal do réu somente surgirá se não for atendido o seu pedido de revisão naquela fixação”.
Em relação ao aluguel fixado na sentença, o valor deste retroage à data da citação (efeitos ex tunc), e as diferenças devidas durante a ação de revisão, descontados os alugueres provisórios satisfeitos, serão pagas com correção monetária e se tornarão exigíveis a partir do trânsito em julgado da decisão que fixar o novo aluguel (art. 69 da LL). Se requerida a revisão pelo locador ou pelo sublocador, a sentença poderá estabelecer uma periodicidade de reajustamento do aluguel diversa daquela prevista no contrato revisando, bem como adotar outro indexador para o reajustamento do aluguel (§ 1.º do art. 69 da LL). A execução das diferenças será feita nos autos da ação de revisão (§ 2.º).
Também na ação de revisão do aluguel o juiz poderá homologar acordo de desocupação, que será executado mediante expedição de mandado de despejo (art. 70 da LL).
Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é possibilitada ao locatário a renovação de locação não residencial, uma vez presentes os seguintes requisitos essenciais da formação do ponto comercial ou empresarial, conforme o art. 51 da Lei de Locação:
“Art. 51. O locatário terá direito à renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
I – o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
II – o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
III – o locatário esteja explorando seu comércio no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.”
Destaque-se que apenas será cabível a ação renovatória de locação se houver uma locação comercial (ou empresarial, conforme a teoria da empresa adotada pelo Código Civil de 2002), contratada por escrito, com a soma de prazos igual ou superior a cinco anos, sob a condição de que o locatário esteja explorando o mesmo ramo, ininterruptamente, por três anos. Em complemento, prevê a Súmula 482 do STF: “O locatário que não for sucessor ou cessionário do que o precedeu na locação, não pode somar os prazos concedidos a este, para pedir a renovação do contrato, nos termos do Decreto n. 24.150”.
A manifestação do locatário, enquanto interessado na prestação dessa tutela, deve ocorrer dentro de um determinado espaço de tempo, sob pena de decair seu direito. Assim, nos termos da legislação vigente, deve o locatário ajuizar a ação renovatória dentro do prazo de 1 (um) ano a 6 (seis) meses anteriores ao vencimento do contrato. Nesse sentido, vejamos a previsão do § 5.º do art. 51 da Lei de Locação: “Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor”. Repise-se que o prazo é notadamente decadencial, o que pode ser percebido pela utilização da expressão “decai”. Ademais, a ação renovatória é, essencialmente, uma ação constitutiva positiva.
Com efeito, além dos requisitos comprobatórios da formação do ponto comercial ou empresarial, o locatário-autor deverá observar os prazos previstos para o exercício do seu direito. Dessa forma, não poderá ajuizar ação alguma antes de um ano do término do contrato, porque o direito ainda não surgiu. A ação assim proposta deverá ser extinta sem resolução de mérito, por falta de interesse de agir, pois houve desrespeito à adequação (art. 267, VI, do CPC).
Do mesmo modo, não caberá mais a discussão da renovatória se a ação for proposta após os seis meses anteriores ao vencimento do contrato que se pretende renovar. Em casos tais, a ação será julgada extinta com resolução de mérito, pelo reconhecimento da decadência (art. 269, IV, do CPC).
Preenchidas essas condições de processamento da ação, passa-se à análise dos pressupostos processuais atinentes ao rito específico da ação renovatória, que deverá, além de satisfazer aos requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil, ter a inicial instruída, nos termos do art. 71 da Lei de Locação, a saber:
a) Com a prova do preenchimento dos requisitos dos incisos I, II e III do art. 51 da Lei de Locação, ou seja, o contrato escrito e cópia do contrato social.
b) Com a prova do exato cumprimento do contrato em curso, juntando-se os documentos pertinentes, exceto os decorrentes de prova negativa.
c) Com a prova da quitação dos impostos e taxas que incidiram sobre o imóvel e cujo pagamento lhe incumbia, nos termos da lei ou do contrato.
d) Com a indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação, que deverá constar da inicial.
e) Com a indicação do fiador, quando houver no contrato a renovar e quando não for o mesmo. O dispositivo foi alterado pela Lei 12.112/2009, constando agora as expressões “quando houver no contrato” e “não for o mesmo”. Ademais, diante da boa-fé, passou-se a exigir dados completos do fiador, a saber: indicação do nome ou denominação completa, número de sua inscrição no Ministério da Fazenda, endereço, e, tratando-se de pessoa natural, a nacionalidade, o estado civil, a profissão e o número da carteira de identidade; comprovando-se, desde logo, mesmo que não haja alteração do fiador, a sua atual idoneidade financeira.
f) Com a prova de que o fiador aceitou os encargos da fiança, autorizado por seu cônjuge, o que se tem através de carta de fiança.
g) Com a prova, quando for o caso, de ser o cessionário ou sucessor, em virtude de título oponível a terceiro.
A respeito do fiador da nova locação, previa o Enunciado n. 15 do extinto 2.º TACSP que seria dispensada a prova da sua idoneidade, que seria presumida, salvo se fundamentadamente contestada. Porém, diante da nova redação da parte final do art. 71, inc. V, da Lei de Locação – dada pela Lei 12.112/2009 –, a idoneidade do fiador, mesmo que seja o mesmo, deve ser comprovada, estando prejudicado o entendimento constante do enunciado jurisprudencial. A idoneidade, por óbvio, envolve questões patrimoniais e não morais ou de outra natureza.
Segundo o § 1.º do art. 51 da Lei de Locação, a ação renovatória poderá ser exercida pelos cessionários ou sucessores da locação. Em casos de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário.
Além disso, quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade (art. 51, § 2.º, da LL). Dissolvida a sociedade comercial pela morte de um dos sócios, o sócio sobrevivente se sub-rogará no direito a renovação, desde que continue a exercer a atividade empresarial no mesmo ramo (§ 3.º). O direito a renovação do contrato estende-se às locações celebradas por indústrias e sociedades civis com fins lucrativos, regularmente constituídas, desde que ocorrentes os pressupostos previstos no art. 51, caput, da LL (§ 4.º).
Questão importante é saber qual o prazo da nova locação derivada da ação renovatória, não havendo unanimidade, mesmo na jurisprudência. De acordo com a Súmula 178 do STF a nova locação não poderá exceder cinco anos. Entretanto, por ser muito antiga, a referida súmula tem perdido aplicação prática. Muito ao contrário, o Enunciado n. 6 do extinto 2.º TACSP determina que “na renovação judicial do contrato de locação, o prazo mínimo do novo contrato é de cinco anos”. Ainda quanto ao novo contrato, a Súmula 376 do STF determina que o seu início conta-se a partir da transcrição da decisão da ação renovatória no Registro de Títulos e Documentos, mas “começa, porém, da terminação do contrato anterior, se esta tiver ocorrido antes do registro”.
Outro Enunciado do extinto 2.º TACSP, o de número 22, dispõe que uma vez proposta a ação renovatória no prazo legal, a demora na efetivação da citação não acarreta a decadência do direito. O enunciado, portanto, afasta qualquer entendimento pelo qual o prazo decadencial corre no curso da ação renovatória, o que parece ser justo.
O art. 52 da Lei de Locação traz as matérias que o locador pode alegar em defesa, ou seja, as hipóteses em que ele, réu da ação, não está obrigado a renovar o contrato, a saber:
– Se, por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade. Nesses casos, a contestação deverá trazer prova da determinação do Poder Público ou um relatório pormenorizado das obras que devem ser realizadas e da estimativa de valorização que sofrerá o imóvel, assinado por engenheiro devidamente habilitado (art. 72, § 3.º, da LL).
– Se o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio, o locador, ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. Nesse caso, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences. Nas locações de espaço em shopping centers o locador não poderá recusar a renovação do contrato com base nesse fundamento, ou seja, para uso próprio ou para transferência de fundo de comércio.
Utilizando-se o locador de qualquer um desses argumentos para afastar a renovação do contrato, o locatário terá direito a uma indenização para o ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com a mudança, a perda do lugar e a desvalorização do fundo de comércio. O dever de indenizar também existirá se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, cujo contrato não foi celebrado (em outras palavras, apesar da melhor proposta, o locador não celebrou contrato com o terceiro); ou, ainda, se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar (art. 52, § 3.º, da LL). Aplica-se o princípio da reparação integral dos danos, sendo também reparáveis os danos morais, caso presentes, notadamente no caso de uma pessoa jurídica, que pode sofrê-los, conforme a Súmula 227 do STJ.
Complementando, o art. 72 da Lei de Locação enuncia que a contestação do locador, além dessas defesas de direito, ficará adstrita, quanto à matéria de fato, ao seguinte:
– Não preencher o autor os requisitos estabelecidos nesta lei.
– Não atender, a proposta do locatário, o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar.
– Ter proposta de terceiro para a locação, em condições melhores.
– Não estar obrigado a renovar a locação, nos termos dos incisos I e II do art. 52.
No caso de não estar o valor locatício de acordo com a realidade do mercado, o locador deverá apresentar, em contraproposta, as condições de locação que repute compatíveis com o valor locativo real e atual do imóvel.
Em havendo melhor proposta de terceiro, o locador deverá juntar prova documental da proposta, subscrita pelo terceiro e por duas testemunhas, com a clara indicação do ramo a ser explorado, que não poderá ser o mesmo do locatário. Nessa hipótese, o locatário poderá, em réplica, aceitar tais condições para obter a renovação pretendida. Também nesse caso, a sentença fixará desde logo a indenização devida ao locatário em consequência da não prorrogação da locação, cujo montante será solidariamente devido pelo locador e o proponente (art. 75 da LL).
Na contestação, o locador – ou o sublocador – poderá pedir, ainda, a fixação de aluguel provisório, para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a ser renovado, não excedente a oitenta por cento do pedido, desde que apresentados elementos hábeis para aferição do justo valor do aluguel. Quanto a esse aluguel provisório, este deve ser contemporâneo ao início do contrato renovando, facultado ao locador, nessa ocasião, oferecer elementos hábeis à aferição do justo valor (Enunciado n. 29 do extinto 2.º TACSP).
Se requerido pelo locador ou pelo sublocador, a sentença da ação renovatória poderá estabelecer uma periodicidade de reajustamento do aluguel diversa daquela prevista no contrato renovando, bem como adotar outro indexador para o reajustamento do aluguel.
Renovada a locação, as diferenças dos aluguéis vencidos serão executadas nos próprios autos da ação e pagas de uma só vez (art. 73 da LL).
Como novidade da Lei 12.112/2009, o art. 74 da Lei de Locação passou a preconizar que não sendo renovada a locação, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá prazo de trinta dias para a desocupação voluntária, se houver pedido na contestação. A alteração foi substancial, eis que o prazo antes previsto pela lei para a desocupação era de até seis meses após o trânsito em julgado da sentença, se houvesse pedido na contestação. A redução veio em boa hora, pelos interesses que tem o locador em relação ao uso do imóvel. Aplicando a modificação legislativa, deduziu o Superior Tribunal de Justiça que “o termo inicial do prazo de trinta dias para o cumprimento voluntário de sentença que determine a desocupação de imóvel alugado é a data da intimação pessoal do locatário realizada por meio de mandado de despejo. A Lei n. 12.112/2009, que modificou o art. 74 da Lei n. 8.245/1991, encurtou o prazo para a desocupação voluntária do imóvel e retirou do ordenamento jurídico a disposição dilatória de aguardo do trânsito em julgado constante da antiga redação do referido artigo, a fim de evitar o uso do processo como obstáculo ao alcance da efetividade da jurisdição” (STJ, REsp 1.307.530/SP, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Sidnei Beneti, j. 11.12.2012).
Por fim, resta uma questão importante a ser abordada sobre o polo passivo no caso de sublocação. Nessa hipótese, deverão ser citados o sublocador e o locador, como litisconsortes, salvo se, em virtude de locação originária ou renovada, o sublocador dispuser de prazo que o autorize a renovar a sublocação.
No caso de sublocação do imóvel onde está localizado posto de combustíveis, o antigo 2.º TACSP vinha entendendo que o posto revendedor não teria legitimidade para propor ação renovatória contra o proprietário. Isso, embora dotem os estabelecimentos revendedores dos implementos necessários à comercialização dos seus produtos, ou os orientem e fiscalizem, ainda que lhes propiciando financiamento e cuidando de investimentos com publicidade. Entretanto, esse entendimento não vem sendo mais aplicado pelo Tribunal Paulista.
Vale dizer que o mesmo 2.º TACSP também entendia pela possibilidade da ação renovatória ser proposta pela distribuidora de combustíveis:
“Locação comercial. Renovatória. Legitimidade. Distribuidora de produtos derivados de petróleo e revendedor (posto). Sublocação total. Reconhecimento. Inobstante a divergência jurisprudencial acerca da matéria, é descabida a alegada ilegitimidade ativa da distribuidora de produtos derivados de petróleo para a ação renovatória, cuja finalidade evidente é a proteção ao fundo de comércio” (2.º TACSP, AI 773.918-00/0, 1.ª Câm., Rel. Juiz Linneu de Carvalho, j. 28.01.2003).
Entretanto, mais recentemente, o STJ entendeu justamente o contrário, pela ilegitimidade da distribuidora de combustível:
“Agravo regimental em recurso especial. Processual civil. Locação comercial. Ação renovatória. Distribuidora de petróleo. Ilegitimidade ativa. 1. A distribuidora de derivados de petróleo que subloca totalmente posto de serviço ao seu revendedor, mesmo que impossibilitada de comercializar diretamente seus produtos, não tem legitimidade para propositura da ação de renovação do contrato (AgRgAg 325.399/GO, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 11.12.2000) 2. Agravo regimental improvido” (STJ, AGRESP 593.999/SP (200301781720), 624.353, j. 19.05.2005, 6.ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 01.07.2005, p. 662, Veja: STJ, REsp 178.439/MG, REsp 34.909/RJ, AGRG no AG 325.399/GO).
A questão, como se vê, é no mínimo polêmica.
Com relação às ações baseadas na Lei de Locação aqui estudadas, há regras gerais estabelecidas pelo art. 58 do discutido diploma legal, a saber:
a) Os processos tramitam durante as férias forenses e não se suspendem pela superveniência delas. Ressalte-se que esse dispositivo perdeu eficácia em virtude da EC 45/2004 que promoveu a Reforma do Judiciário para extinguir, dentre outras modificações, as férias forenses (art. 93, XII da CF/1988: “A atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente”).
b) Será competente para conhecer e julgar tais ações o foro do lugar da situação do imóvel, salvo se outro houver sido eleito no contrato (cláusula de foro de eleição). No tocante ao contrato de adesão sempre se discutiu a validade desta cláusula, principalmente após o advento do art. 424 do CC. A jurisprudência, citada por Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery, vinha entendendo que a cláusula de eleição não teria validade, sendo considerada cláusula abusiva se oferecesse obstáculos ao locatário, geralmente parte mais fraca da relação contratual – 2.º TACSP, Ag. 679.759-00/1, rel. Juiz Irineu Pedrotti, j. 21.02.2001 (Código Civil..., p. 1.361). Mais recentemente, com a reforma do Código de Processo Civil, a Lei 11.280/2006 introduziu o art. 112, parágrafo único, no CPC, que passou a determinar a nulidade absoluta da cláusula de eleição de foro no contrato de adesão, podendo o juiz conhecê-la de ofício, declinando da competência. Como já foi dito, trata-se de exemplo cabal da eficácia interna da função social dos contratos, conforme o Enunciado n. 360 CJF/STJ.
c) O valor da causa corresponderá a doze meses de aluguel, ou, na hipótese do II do art. 47 da LL (despejo em decorrência de extinção de contrato de trabalho), a três salários vigentes por ocasião do ajuizamento.
d) Desde que autorizada no contrato, a citação, intimação ou notificação far-se-á mediante correspondência com aviso de recebimento, ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, também mediante telex ou fac-símile, ou, ainda, sendo necessário, pelas demais formas previstas no Código de Processo Civil. Diante da alteração do art. 221 do CPC, tal disposição, que só atendia às ações dessa lei, passou a ser de aplicação geral. Quanto a essa regra, dois enunciados do extinto 2.º TACSP devem ser transcritos: “Realizada a citação mediante telex ou fac-símile, o prazo de resposta tem início da data da juntada aos autos do comprovante de expedição do chamamento” (Enunciado n. 2) e “A autorização para as citações, intimações e notificações por telex ou fac-símile deve conter o número ou designação da estação destinatária, nos autos devendo ser juntado o original do ato expedido ou a cópia indelével, comprobatória da expedição” (Enunciado n. 20).
e) Os recursos interpostos contra as sentenças terão efeito somente devolutivo.
Essas regras aplicam-se a todas as ações aqui visualizadas (ação de despejo, consignatória, renovatória e revisional de aluguéis e acessórios). Além dessas, devem ser observadas as regras específicas que foram objeto de estudo. Conforme exposto anteriormente, as normas em comento não se aplicam à ação de preferência.
A fiança, também denominada caução fidejussória, é o contrato pelo qual alguém, o fiador, garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não cumpra (arts. 818 a 838 do CC). O contrato é celebrado entre o fiador e o credor, assumindo o primeiro uma responsabilidade sem existir um débito propriamente dito (“Haftung sem Schuld” ou, ainda, “obligatio sem debitum”).
No Direito Privado brasileiro existem duas formas de garantia: a) garantia real, em que uma determinada coisa garante a dívida, como ocorre no penhor, na hipoteca, na anticrese e na alienação fiduciária em garantia; e b) garantia pessoal ou fidejussória, em que uma pessoa garante a dívida, como ocorre na fiança e no aval.
Visualizada essa importante distinção, não há que se confundir os conceitos expostos. A fiança não é um direito real de garantia, ao mesmo tempo em que o penhor, a hipoteca, a anticrese e a alienação fiduciária não são contratos, no sentido jurídico e restrito do termo. Na verdade, os últimos institutos, os direitos reais, podem e são instrumentalizados por meio de contratos, no sentido de negócios jurídicos.
Percebe-se que a fiança é espécie do gênero contratos de caução ou de garantia. A garantia por meio de fiança pode ser dada a qualquer tipo de obrigação civil, seja ela de dar coisa certa ou incerta, de fazer ou de não fazer ou de quantia certa contra devedor solvente.
Apesar de serem formas de garantia pessoal, a fiança não se confunde com o aval. Primeiro porque a fiança é um contrato acessório, enquanto o aval traz como conteúdo uma relação jurídica autônoma. Segundo, porque a fiança é um contrato, enquanto o aval traduz uma obrigação cambial. Terceiro, porque na fiança, em regra, há benefício de ordem a favor do fiador, enquanto no aval há solidariedade entre o avalista e o devedor principal.
Voltando ao tratamento específico da fiança, notadamente no seu campo estrutural, esse contrato traz duas relações jurídicas: uma interna, entre fiador e credor; e outra externa, entre fiador e devedor. A primeira relação é considerada como essencial ao contrato. Tanto isso é verdade, que o art. 820 do atual Código Civil Brasileiro dispõe que a fiança pode ser estipulada ainda que sem o consentimento do devedor, ou até mesmo contra a sua vontade.
A fiança é um contato complexo, especial, sui generis. Isso, diante da sua natureza jurídica especial, o que faz com que a fiança tenha características próprias, não encontradas em qualquer outro negócio. Vejamos essas características.
De início, trata-se de um contrato unilateral, pois gera obrigação apenas para o fiador que se obriga em relação ao credor com quem mantém o contrato. Porém, o último nenhum dever assume em relação ao fiador.
Em regra, trata-se de um contrato gratuito, pois o fiador não recebe qualquer remuneração. É um contrato benévolo, em que o fiador pretende ajudar o devedor, garantindo ao credor o pagamento da dívida, e por isso somente admite interpretação restritiva, nunca declarativa ou extensiva (arts. 114 e 819 do CC).
Entretanto, em alguns casos, a fiança é onerosa, recebendo o fiador uma remuneração em decorrência da prestação de garantia à dívida. Isso ocorre em fianças prestadas por instituições bancárias, que são remuneradas pelo devedor para garantirem dívidas frente a determinados credores. O valor da remuneração, na maioria das vezes, constitui uma porcentagem sobre o valor garantido. Para essas fianças prestadas por instituições bancárias, pode ser aplicado o CDC, se o interessando for destinatário final desse serviço de garantia (Súmula 297 do STJ). Em verdade, o que se percebe nas fianças bancárias é uma situação atípica. Tanto isso é verdade que o negócio é celebrado entre o fiador e devedor.
O contrato de fiança exige a forma escrita, conforme enuncia o art. 819 do CC. Assim, o contrato é formal. Todavia, o contrato é não solene, pois não se exige escritura pública.
Analisando o art. 819 do CC, percebe-se que a fiança deverá ser instrumentalizada pela forma pública ou particular. De outra forma, não se admite a fiança verbal, ainda que provada com testemunhas, pois a fiança não se presume. Essa instrumentalização pode ser realizada no próprio corpo do contrato principal, ou em separado, de acordo com a autonomia privada das partes.
Pelo mesmo dispositivo, a fiança não admite interpretação extensiva, regra que tem importantes consequências práticas. Isso porque a fiança será interpretada restritivamente, uma vez que se trata de um contrato benéfico que não traz qualquer vantagem ao fiador, que responde por aquilo que expressamente constou do instrumento do negócio. Surgindo alguma dúvida, deve-se interpretar a questão favoravelmente ao fiador, parte vulnerável em regra, presumindo-se a sua boa-fé objetiva, sendo patente essa vulnerabilidade.
Alguns exemplos são interessantes. Primeiro, se a fiança for concedida para garantir um contrato de locação, o seu alcance não se estenderá em relação aos danos causados no prédio em decorrência de um evento imprevisível. Segundo, se concedida a fiança para garantir o contrato de locação no tocante ao aluguel, esta não se estenderá em relação ao pagamento de tributos que incidem sobre o bem, como, por exemplo, o IPTU.
Também diante do que consta do art. 819 do CC, a fiança não se estende além do período de tempo convencionado. Assim, entendia-se que para que a fiança fosse prorrogada, seria preciso a concordância expressa do fiador. Nesse sentido, a respeito da locação, foi editada a Súmula 214 do STJ com a seguinte redação: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.
Todavia, na fiança da locação urbana, o tratamento mudou, diante da redação dada ao art. 39 da Lei de Locação pela Lei 12.112/2009, a saber: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força de lei”.
Dessa forma, pelo entendimento sumulado anterior, eventualmente, se houvesse fiança garantindo uma dívida decorrente de locação urbana por prazo determinado, prorrogado este contrato em virtude do silêncio das partes após o seu término, passando a ser por prazo indeterminado sem a participação do fiador, a garantia pessoal prestada deveria ser considerada extinta. Assim vinham entendendo os nossos Tribunais, sobretudo o STJ, dando justa aplicação ao art. 819 do CC:
“Agravo regimental em agravo de instrumento. Locação. Fiança. Prorrogação do contrato sem a anuência dos fiadores. Responsabilidade. Ausência. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que o contrato acessório de fiança deve ser interpretado de forma restritiva, vale dizer, a responsabilidade do fiador fica delimitada a encargos do pacto locatício originariamente estabelecido, de modo que a prorrogação do contrato por tempo indeterminado, compulsória ou voluntária, sem a anuência dos fiadores, não os vincula, pouco importando a existência de cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva devolução do bem locado. 2. ‘O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu’ (Súmula do STJ, Enunciado n. 214). 3. Agravo regimental improvido” (STJ, AGA 510.498/SP (200300584423), 632730, j. 07.06.2005, 6.ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 29.08.2005, p. 447, Veja: STJ, AGRG no REsp 617.281/RS, AGRG no AG 593.951/RJ, REsp 421.098/DF, AGRG no AG 481.030/RJ (RSTJ 179/436), REsp 331.593/SP (LEXSTJ 150/234), REsp 255.392/GO (JBCC 186/129, LEXSTJ 140/219), REsp 195.884/ES).
“Fiança. Locação. Prazo determinado. Contrato prorrogado. Subsistência da garantia. Inadmissibilidade. A fiança prestada em contrato de locação esgota sua força no último dia do prazo determinado especificado no contrato, salvo se o fiador expressamente assumiu aquela garantia para a hipótese de prorrogação da avença por prazo indeterminado ou até a entrega das chaves pelo afiançado” (2.º TACSP, Ap. c/ rev. 546.261-00/0, 4.ª Câm., Rel. Juiz Amaral Vieira, j. 15.06.1999. Referências: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso..., 1976, p. 356; WALD, Arnoldo. Curso..., p. 396).
Sem prejuízo de tudo isso, conforme anotavam Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado, o STJ vinha concluindo, também muito justamente, pela invalidade e ineficácia da cláusula de prorrogação automática da fiança em contratos de locação:
“Entendimento adotado pela 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ainda sob a égide do antigo Código, aloja a mesma diretriz, dispondo que ‘a impossibilidade de conferir interpretação extensiva à fiança locativa, consoante pacífico entendimento desta Egrégia Corte, torna, na hipótese, irrelevante, para o efeito de se aferir o lapso temporal da obrigação afiançada, cláusula contratual que preveja que a obrigação do fiador até a entrega das chaves, bem como aquela que pretenda afastar a disposição prevista no art. 1.500 do CC” (ERESP 302.209-MG, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 18.11.2002). Como se observa, na esteira da jurisprudência, a cláusula legal inquilinária deve, agora, ser harmonizada com o novo Código” (ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Código..., 2005, p. 361).
Vale lembrar que o art. 1.500 do CC/1916, correspondente ao art. 835 do CC/2002, trazia a possibilidade de exoneração da fiança, mas tão somente por ato amigável com o credor ou por sentença judicial. A grande inovação da nova codificação privada reside na possibilidade de o fiador exonerar-se por meio de uma simples notificação dirigida ao credor (resilição unilateral).
Antes da inovação da Lei 12.112/2009, já havia uma mudança de entendimento na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pois julgados a partir do final de 2006 passaram a entender pela prorrogação da fiança, principalmente nos casos em que houvesse uma cláusula de prorrogação automática. O primeiro precedente teve como relator o Min. Paulo Medina, podendo ser destacadas as seguintes ementas:
“Embargos de divergência. Locação. Fiança. Prorrogação. Cláusula de garantia até a efetiva entrega das chaves. Continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC/1916 ou 835 do CC/2002, a depender da época que firmaram a avença. Embargos de divergência a que se dá provimento” (STJ, EREsp 566.633/CE, Rel. Min. Paulo Medina, 3.ª Seção, j. 22.11.2006, DJ 12.03.2008, p. 1).
“Agravo regimental. Locação. Fiança. Exoneração. Prorrogação contratual. Distinção. Súmula 214/STJ. Inaplicabilidade. 1. O entendimento predominante neste Superior Tribunal de Justiça era de que o contrato de fiança, por ser interpretado restritivamente, não vincula o fiador à prorrogação do pacto locativo sem sua expressa anuência, ainda que houvesse cláusula prevendo sua responsabilidade até a entrega das chaves. 2. A Terceira Seção desta Corte, no julgamento dos Embargos de Divergência 566.633/CE, em 22.11.2006, acórdão pendente de publicação, assentou, contudo, compreensão segundo a qual não se confundem as hipóteses de aditamento contratual e prorrogação legal e tácita do contrato locativo, concluindo que ‘continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC/1916 ou 835 do CC/2002, a depender da época em que firmaram o acordo’. 3. Na linha da recente jurisprudência da Terceira Seção, não sendo hipótese de aditamento, mas de prorrogação contratual, tem-se como inaplicável o enunciado de n. 214 de nossa Súmula, sendo de rigor a manutenção do julgado. 4. Agravo regimental provido” (STJ, AgRg no AgRg nos EDcl no AgRg no Ag 562.477/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Rel. p/ Acórdão Min. Paulo Gallotti, 6.ª Turma, j. 09.10.2007, DJ 25.02.2008, p. 369).
Em edições anteriores desta obra, não se concordava com a mudança de entendimento, pois se sustentava a prevalência do art. 819 do CC, pelo qual a fiança não admite interpretação extensiva, norma de ordem pública que protege o fiador. Ademais, alegava-se que a aceitação da cláusula de prorrogação automática não se coadunava com a ideia de justiça contratual relacionada com a eficácia interna do princípio da função social do contrato. Afirmava-se que a referida cláusula seria antissocial, devendo ser considerada nula por abusividade (arts. 166, II, 187 e 421 do CC). Na doutrina contemporânea, José Fernando Simão também não via com bons olhos essa mudança de perspectiva, uma vez que trazia um aumento desmedido de responsabilidade para o fiador, criando uma obrigação excessiva e exacerbada com relação ao contrato (SIMÃO, José Fernando. Legislação..., 2007, p. 93).
Pois bem, com a emergência da Lei 12.112/2009 ficou expressamente estabelecido pela norma que, prorrogada a locação, prorroga-se automaticamente a garantia, caso da fiança.
Todavia, chegou-se a um meio-termo, pois, com a prorrogação, passa a ser admitida a exoneração unilateral por parte do fiador, mediante simples notificação dirigida ao credor (locador). Após a notificação a responsabilidade do fiador persiste por mais cento e vinte dias (art. 40, inc. X, da Lei de Locação, também introduzido pela Lei 12.112/2009). A norma prevalece em relação ao art. 835 do CC/2002, por ser mais especial. Relembre-se que o último dispositivo de igual modo dispõe de um direito a exoneração para o fiador, na fiança sem prazo determinado. A diferença é que nesta norma geral há previsão de sua responsabilidade por sessenta dias após a notificação do credor. Em suma, a divergência anterior parece ter sido solucionada pela lei, de modo razoável, na opinião deste autor. Ilustrando, já há julgados aplicando a inovação, merecendo colação o seguinte, do Tribunal do Distrito Federal, que reconhece a possibilidade de pedido judicial de exoneração do fiador locatício:
“Direito Processual Civil. Apelação. Contrato de locação prorrogado por prazo indeterminado. Inexistência de débitos. Pedido de exoneração da fiança. Possibilidade. 1. Se o fiador pode se exonerar da responsabilidade mediante simples notificação ao locador, pela qual fica obrigado por todos os efeitos da fiança durante os 120 (cento e vinte dias) após a notificação, nos termos do inciso X do artigo 40 da Lei nº 8.245/91, com redação dada pela Lei nº 12.112/2009, com muito mais razão para que seja destituído por meio de pedido judicial. 2. Com efeito, cláusula contratual que determine a responsabilidade de fiador até a resolução do contrato, não impede o pedido de exoneração de fiança, desde que observados seus efeitos nos termos dos artigos 835 do Código Civil e 40, X, da Lei nº 8.245/91. 3. Conquanto a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça tenha firmado entendimento pela prorrogação da responsabilidade do fiador nos casos dos contratos locatícios, que possuem cláusula expressa de responsabilidade do garante até a entrega das chaves, importante observar a ressalva quanto à exoneração da fiança na forma legal. 4. Recurso conhecido e provido” (TJDF, Recurso n. 2009.05.1.006438-5, Acórdão n. 458.947, Quinta Turma Cível, Rel. Des. João Egmont, DJDFTE 05.11.2010, p. 190).
Mais recentemente julgou o Superior Tribunal de Justiça que “em contrato de locação ajustado por prazo determinado antes da vigência da Lei n. 12.112/2009, o fiador somente responde pelos débitos locatícios contraídos no período da prorrogação por prazo indeterminado se houver prévia anuência dele no contrato. A Lei n. 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) prevê em seus arts. 46 e 50 que, findo o prazo ajustado, a locação será prorrogada por prazo indeterminado se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador. Conforme a Súm. n. 214/STJ, ‘o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu’. Todavia, diferente é a situação para os contratos de fiança firmados na vigência da Lei n. 12.112/2009, que não pode retroagir para atingir pactos anteriores. Referida lei conferiu nova redação ao art. 39 da Lei n. 8.245/1991, passando a estabelecer que ‘salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei’. Dessa forma, para os novos contratos, a prorrogação da locação por prazo indeterminado implica também prorrogação automática da fiança (ope legis), salvo pactuação em sentido contrário, resguardando-se, evidentemente, durante essa prorrogação, a faculdade do fiador de exonerar-se da obrigação mediante notificação resilitória” (STJ, REsp 1.326.557/PA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13.11.2012).
Superada a análise dessa intrincada questão e da lei emergente, ainda quanto à natureza jurídica da fiança, trata-se de um contrato acessório, sendo certo que não existe a fiança sem um contrato principal, onde se encontra a obrigação que está sendo garantida. Desse modo, tudo o que ocorrer no contrato principal repercutirá na fiança. Sendo nulo o contrato principal, nula será a fiança (art. 824 do CC). Sendo anulável o contrato principal, anulável será a fiança (art. 184 do CC). Sendo novada a dívida principal sem a participação do fiador, extinta estará a fiança, exonerando-se este (art. 366 do CC). Cabe anotar que, como consequência desse art. 366 da codificação privada, na VI Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado n. 547, segundo o qual, na hipótese de alteração da obrigação principal sem o consentimento do fiador, a exoneração deste é automática. Sendo assim, não é necessária a exoneração unilateral por notificação do fiador, nos termos do que consta do art. 835 do Código Civil, comando aprofundado a seguir.
Tudo isso decorre da regra pela qual o acessório segue o principal (accessorium sequitur principale) – princípio da gravitação jurídica. No entanto, a recíproca não é verdadeira, de tal forma que o que ocorre na fiança não atinge o contrato principal. Além dessas regras importantes, é pertinente lembrar que a fiança abrange todos os acessórios da dívida principal, caso dos juros, da cláusula penal ou de outras despesas.
A fiança, contrato típico, pode assumir a forma paritária ou de adesão, sendo a última forma a mais comum no mercado imobiliário. Para ilustrar melhor essa situação, deve-se lembrar daqueles modelos de contratos de locação comercializados em papelarias e casas do ramo, constando neles a estipulação de fiança (contrato-tipo ou formulário). Esse é o exemplo típico de fiança de adesão.
Sendo o contrato de adesão, serão aplicadas as normas protetivas dos arts. 423 e 424 do CC. De qualquer modo, em regra, não é possível caracterizá-lo como contrato de consumo diante de sua nítida natureza civil. Eventualmente, somente a garantia prestada por instituição bancária enquadra-se no art. 3.º da Lei 8.078/1990. De qualquer modo, a questão é controvertida.
Não só dívidas atuais ou presentes como também as dívidas futuras podem ser objeto de fiança (art. 821 do CC). No caso de a fiança garantir uma obrigação futura, o fiador não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a dívida do devedor principal. Trata-se de uma fiança condicional, eficaz somente se a dívida vier a existir. A título de exemplo, cite-se a fiança relacionada ao contrato de desconto de duplicatas ainda não emitidas (TJSP, Apelação 0017784-72.2009.8.26.0196, Acórdão 6584594, Franca, 11.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rômolo Russo, j. 14.03.2013, DJESP 26.03.2013).
A fiança pode ser total ou parcial, inclusive de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas do que as do contrato principal. No entanto, a fiança nunca poderá ser superior ao valor do débito principal, pois o acessório não pode ser maior do que o principal. Sendo mais onerosa do que a obrigação principal, a fiança deverá ser reduzida ao limite da dívida que foi afiançada (art. 823 do CC). O legislador não optou pela caracterização de nulidade absoluta, mas sim de revisão do contrato, privilegiando o princípio da conservação dos negócios jurídicos (Enunciado n. 22 CJF/STJ e art. 184 do CC).
Em regra, a fiança será total, ilimitada ou indefinida, garantindo a dívida com todos os seus acessórios, incluindo juros, multa, cláusula penal, despesas judiciais desde a citação do fiador, entre outros (art. 822 do CC). Aplicando tal preceito, concluiu o Superior Tribunal de Justiça pela inclusão das despesas judiciais, aduzindo que, “segundo dispõe o art. 822 do CC, não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador. Isso para que a lei não se afaste da fundamental equidade, impondo ao fiador uma responsabilidade excessivamente onerosa, sem antes verificar se ele deseja satisfazer a obrigação que afiançou. Precedentes citados: REsp 473.830/DF, DJ 15/5/2006, e REsp 153.659/SP, DJ 16/2/1998” (STJ, REsp 1.264.820/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13.11.2012, publicado no seu Informativo n.509). Ressalte-se que o mesmo acórdão inclui os juros decorrentes do inadimplemento pelo locatário ao fiador, desde o vencimento das respectivas parcelas do contrato de locação. De toda sorte, como restou claro, é possível que a fiança seja parcial por força do contrato (autonomia privada), sendo denominada fiança limitada.
As obrigações eivadas de nulidade absoluta não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas da incapacidade pessoal do devedor, hipótese em que pode ser reputada válida e eficaz (art. 824 do CC). Essa exceção não atinge o mútuo feito a menor sem autorização do representante, conforme o art. 588 do CC, sendo certo que o valor não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores (art. 824, parágrafo único, do CC).
Diante do princípio da boa-fé que também rege a fiança, o fiador deve ser pessoa idônea. Se assim não o for, o credor poderá rejeitá-lo (art. 825 do CC). Na prática, essa idoneidade é provada pela ausência de protestos, de inscrição em cadastro de inadimplentes, pela existência de bens móveis ou imóveis, pela inexistência de demandas em geral. Na essência, portanto, a idoneidade é patrimonial. Todavia, não se afasta totalmente a possibilidade de se discutir outras espécies de idoneidade. Imagine-se a hipótese em que o locador é um magistrado e o fiador indicado pelo locatário, um conhecido criminoso local. Obviamente, o credor pode negar tal indicação.
Pelo mesmo dispositivo, o credor também poderá rejeitar o fiador se este não for domiciliado no Município onde a fiança será prestada ou, ainda, se não possuir bens suficientes para cumprir a obrigação. Isso porque o legislador presumiu a ocorrência de dificuldades quanto à satisfação obrigacional da dívida afiançada nessas situações. Para evitar a existência de obstáculos para essa satisfação é que existe a norma. Todavia, a regra pode ser afastada por acordo entre as partes, eis que é de ordem privada. Aliás, ilustrando, pode até ser mais interessante ao credor que o imóvel do fiador esteja em outro local, onde ele, credor, tem a sua residência. Ademais, o fiador pode ter vários imóveis em lugares distintos, sendo notória a sua idoneidade patrimonial.
A mesma tese de facilitação do crédito serve para justificar o art. 826 do CC pelo qual, tornando-se insolvente ou incapaz o fiador, o credor poderá exigir a sua substituição. Essa não substituição do fiador pode gerar o vencimento antecipado de dívidas, conforme o art. 333, III, do CC em vigor.
O fiador não é devedor solidário, mas subsidiário. Isso porque tem a seu favor o chamado benefício de ordem ou de excussão, pelo qual será primeiro demandado o devedor principal. Dispõe o art. 827 do CC que “O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor”. O fiador que alega o benefício de ordem deve nomear bens livres e desembargados do devedor principal que bastem para a satisfação da dívida, localizados no mesmo município onde corre a cobrança da dívida (parágrafo único do art. 827).
Entretanto, o art. 828 do Código Civil em vigor prevê hipóteses em que o fiador não poderá alegar o benefício de ordem, a saber:
I) se ele o renunciou expressamente;
II) se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;
III) se o devedor for insolvente, ou falido.
Como se pode aduzir, as hipóteses dos incisos I e II são casos em que o fiador abre mão, por força de previsão no contrato, do direito de alegar um benefício que a lei lhe faculta. Justamente porque o fiador está renunciando a um direito que lhe é inerente é que defendemos, na IV Jornada de Direito Civil, que essa renúncia não valerá se o contrato de fiança for de adesão, por força da aplicação direta do festejado art. 424 do CC. Assim, repise-se foi aprovado o Enunciado n. 364 CJF/STJ, segundo o qual “no contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão”. Também foram proponentes do enunciado doutrinário os professores Marcos Jorge Catalan e Rodrigo Toscano de Brito.
A questão ainda não é pacífica em nossos Tribunais. Em sentido contrário, cabe demonstrar:
“Execução. Fiança. Benefício de ordem. Renúncia. Alegação do contrato ser de adesão para invalidá-la. Irrelevância. Inadmissibilidade. Ainda que de adesão o ajuste da fiança, esta sua natureza não ostenta força para invalidar a renúncia dos fiadores ao benefício de ordem, aliás nem questionada, por uma simples razão: mesmo quem adere manifesta vontade, contrata e se obriga” (2.º TACSP, Ap. c/ rev. 615.371-00/0, 12.ª Câm., Rel. Juiz Palma Bisson, j. 07.02.2002).
Como se pode perceber, o julgado é anterior ao Código Civil de 2002. Seguindo outra solução, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adotou a nova orientação esposada, fazendo uso das regras do Código de Defesa do Consumidor:
“Embargos à execução. Contrato de abertura de crédito fixo. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos negócios jurídicos firmados entre as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços, consoante a regra contida no art. 3.º, § 2.º, do referido diploma legal. Controle das cláusulas abusivas em contratos de adesão. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às cláusulas contratuais abusivas de fixação e cobrança de encargos financeiros nos negócios jurídicos bancários. Da nulidade da cláusula de renúncia ao benefício de ordem. Evidenciada a abusividade da cláusula, pois não redigida com destaque, dificultando imediata e rápida compreensão, nos termos do art. 54, § 4.º, da Lei n. 8.078/90. Juros remuneratórios. Manutenção da sentença que acolheu a decisão proferida em outros embargos, por se tratar do mesmo contrato. Descabida a rediscussão da matéria, nos termos do instituto da coisa julgada. Compensação da verba honorária. Impossibilidade ante a concessão de AJG ao autor. Apelação do banco desprovida. Parcialmente provida a apelação do embargante” (TJRS, Apelação Cível 70010717791, 11.ª Câmara Cível, Rel. Túlio de Oliveira Martins, j. 22.02.2006).
Mais recentemente, citando e seguindo o caminho trilhado pelo Enunciado n. 364 da IV Jornada de Direito Civil, cabe colacionar três ementas, que demonstram uma mudança no entendimento jurisprudencial:
“Nulidade. Cláusula contratual. Dano moral. Cerceamento de defesa. Ausência de fundamentação. Preliminares afastadas. Renúncia ao beneficiário de ordem. Abusividade. Contrato de adesão. Cláusula limitativa de direito. Inobservância do art. 54, CDC. Inscrição indevida do nome. Recurso parcialmente provido. Se a decisão expõe suficientemente os motivos que convenceram o julgador a proferi-la, inexiste nulidade por falta de fundamentação. Pode o magistrado proceder ao julgamento antecipado da lide, se a matéria for unicamente de direito, podendo dispensar a produção das provas que achar desnecessária à solução do feito, conforme lhe é facultado pela Lei processual civil, sem que isso configure supressão do direito de defesa das partes. Inteligência do art. 330, I, do CPC. Nos termos do Enunciado n. 364, aprovado na 4.ª Jornada de Direito Civil da CJF: no contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão. A mesma interpretação se dá com o artigo 424 do Código Civil, que dispõe expressamente ‘nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada ao aderente a direito resultante na natureza do negócio’. O art. 54, § 4.º, do CDC, estabelece que em se tratando de cláusula limitativa de direito do consumidor, deve ser redigida com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. A jurisprudência pacífica do c. STJ soa no sentido de que para adimplemento da obrigação consubstanciada no art. 43, § 2.º, do CDC, basta que os cadastros de inadimplência comprovem a postagem da correspondência no endereço fornecido pelo credor notificando o consumidor quanto à inscrição de seu nome no respectivo cadastro, sendo desnecessário aviso de recebimento. A inscrição indevida do nome do autor no cadastro de inadimplente é ato ilícito e comporta dano moral, presumível e independente de prova. O valor arbitrado na indenização deve estar em consonância com os critérios recomendados pela doutrina e jurisprudência, ainda que estes sejam subjetivos, não podendo extrapolar a razoabilidade, devendo manter equilíbrio entre os fatos ocorridos, inibindo a repetição do abuso e confortando a vítima” (TJMT, Apelação 1455/2013, Marcelândia, 5.ª Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, DJMT 16.08.2013, p. 36).
“Cláusula abusiva relativa à fiança. Artigo 424 do Código Civil. Pretensão de reforma da sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais. Pretensão dos apelantes de que seja reconhecida a nulidade da cláusula que previa a renúncia dos fiadores aos benefícios previstos no ordenamento civil, de que o réu seja impedido de efetuar a cobrança dos valores junto aos fiadores enquanto não esgotadas as tentativas de satisfação do crédito perante a devedora principal, de que seja determinada a sustação dos protestos irregulares e que o réu seja condenado a indenizar os autores pelo dano moral decorrente da inscrição indevida de seus nomes no cadastro de inadimplentes, com o pagamento de R$ 94.176,90. Cabimento parcial. Hipótese em que é abusiva a renúncia ao benefício de ordem da fiança em contrato de adesão (CC, art. 424). Necessidade de que sejam esgotadas as tentativas de obtenção do crédito perante a devedora principal. Sustação dos protestos irregulares que deve ser determinada e condenação do banco em indenizar os fiadores pela inscrição indevida de seus nomes nos cadastros de inadimplentes. Valor pretendido a título de indenização por dano moral que se revela excessivo. Indenização fixada em R$ 10.000,00. Recurso parcialmente provido” (TJSP, Apelação 0018121-16.2010.8.26.0038, Acórdão 6576192, Araras, 13.ª Câmara de Direito Privado, Rel.ª Des.ª Ana de Lourdes, j. 13.03.2013, DJESP 22.03.2013).
“Fiança. Cláusula de renúncia ao benefício de ordem. Nulidade. Impossibilidade de renúncia antecipada em contrato de adesão. Enunciado n.º 364 da IV Jornada de Direito Civil. Responsabilidade subsidiária. Recurso provido. 3.º Apelo. Momento da incidência dos encargos moratórios. Obrigação líquida. Vencimento. Art. 397, CC. Recurso provido. (...). A despeito de haver previsão no referido contrato de cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem do fiador, restou pacificado no Enunciado n.º 364 da IV Jornada de Direito Civil, relativamente aos artigos 828 e 424 do Código Civil, que ‘No contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão’. Destarte, remanesce apenas a obrigação subsidiária do fiador em face do inadimplemento contratual, conforme previsto no artigo 821 do Código Civil. Recurso conhecido e provido. 3.º Apelo. Considerando-se que a obrigação contratualmente prevista é líquida, nos exatos termos do artigo 397 do Código Civil, eis que possui data certa de vencimento (mora ex re) considera-se o devedor em mora desde a data do vencimento da obrigação, momento a partir do qual passa a incidir os encargos decorrentes de seu inadimplemento. Recurso conhecido e provido” (TJES, Apelação Cível 0007978-74.2011.8.08.0024, 2.ª Câmara Cível, Rel. Des. Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon, j. 11.12.2012, DJES 18.12.2012).
Concluindo, como se pode perceber da leitura dos arts. 827 e 828 do CC, não há solidariedade legal entre o fiador e o devedor principal. No máximo, poderá existir solidariedade convencional por força de contrato paritário. Em suma, entre o fiador e o devedor principal a regra é de responsabilidade subsidiária, não solidária.
Porém, o art. 829 do CC traz como regra a solidariedade entre fiadores, expressando que: “A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão”. A parte final desse dispositivo traz uma exceção à regra, podendo as partes convencionar a divisão da dívida entre os fiadores. Vale aqui transcrever as anotações de Maria Helena Diniz, para esclarecer o conteúdo do comando legal em questão:
“O benefício de divisão só existirá se houver estipulação. E, uma vez convencionado o benefício da divisão, cada fiador só responderá pro rata pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento. P. ex.: se a dívida for de 90 mil reais, sendo dois os fiadores que estipularam o benefício de divisão, o credor só poderá reclamar 45 mil de cada um, havendo inadimplemento do devedor” (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2005, p. 652).
O comentário da Professora da PUC/SP explica ainda o parágrafo único do art. 829 do CC, eis que uma vez estipulado o benefício de divisão, cada fiador responderá unicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento (divisão pro rata).
O art. 830 do CC complementa o teor do dispositivo anterior ao enunciar que cada fiador poderá fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua responsabilidade, caso em que não será por mais obrigado. A regra, portanto, é a da divisão igualitária (concursu partes fiunt), o que não obsta que o contrato traga divisões da responsabilidade de forma diferenciada, em decorrência da autonomia privada das partes. No exemplo de Maria Helena Diniz é possível, assim, que a responsabilidade de um fiador seja por 60 mil (2/3 da dívida), enquanto a do outro por 30 mil (1/3 da dívida), dos 90 mil que totalizam a dívida.
Nas hipóteses aqui discutidas, o fiador que pagar integralmente a dívida ficará sub-rogado nos direitos do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota (art. 831 do CC). Eventual parte de fiador insolvente deverá ser distribuída entre os outros. Como os fiadores são devedores de mesma classe, aquele que paga somente poderá cobrar dos demais as quotas respectivas. Essa regra também pode ser retirada do art. 283 do CC, a respeito da solidariedade, segundo o qual: “O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos codevedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os devedores”.
No entanto, se o fiador solidário pagar integralmente a dívida de um devedor principal, poderá cobrar desse, interessado na dívida, o valor integral, pelo que consta do art. 285 do CC, pelo qual “Se a dívida interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar”. O caso também é de sub-rogação legal, de um terceiro interessado que paga a dívida pela qual poderia ser responsabilizado (art. 346, III, do CC), mas de forma integral.
O devedor responderá também perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar e pelos que sofrer em razão da fiança (art. 832 do CC). Por essa regra percebe-se que o fiador poderá, por força do contrato, responsabilizar-se por outros valores que não sejam a dívida e os seus acessórios, como aqueles correspondentes às perdas e danos, inclusive em decorrência de caso fortuito e força maior (cláusula de assunção convencional – art. 393 do CC). Como foi defendido no volume anterior desta coleção, é discutível a validade dessa última cláusula em contrato de adesão, aplicando-se o tão mencionado art. 424 da codificação privada em vigor. Aliás, também é discutível a responsabilização do fiador por essas perdas e danos, quando a cláusula de responsabilidade constar em contrato de adesão. Isso porque, em regra, o fiador não responde por tais prejuízos, uma vez que a fiança não admite interpretação extensiva (art. 819 do CC).
No caso de pagamento, o fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora (art. 833 do CC). Como é notório, os juros legais de mora constantes do art. 406 do CC são de 1% ao mês ou 12% ao ano, segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante (Enunciado n. 20 CJF e entendimento do STJ).
O art. 834 do CC traz um direito a favor do fiador. Quando o credor, sem justa causa, deixar de dar andamento à execução iniciada contra o devedor, poderá o fiador fazê-lo. Anote-se que, pelo art. 567, II, do CPC também poderá promover a execução ou nela prosseguir o sub-rogado, nos casos de sub-rogação legal ou convencional. E, como se sabe, a hipótese do fiador que paga a dívida é justamente a de sub-rogação legal. Ambas as normas visam a afastar do fiador maiores prejuízos, pois nesses casos ele está de boa-fé.
O comando legal a seguir é um dos mais debatidos da codificação de 2002. Assim, merece destaque especial para os devidos comentários:
“Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.”
Trata-se de uma norma especial, aplicável para a fiança sem prazo determinado ou, em outras palavras, para a fiança celebrada com prazo indeterminado. Para esses casos, o fiador poderá exonerar-se a qualquer tempo, mediante notificação, judicial ou extrajudicial, dirigida ao credor com quem mantém o contrato. A garantia se estende até sessenta dias após a notificação, estando o fiador totalmente exonerado depois desse prazo. Não há dúvidas de que se trata de uma forma de resilição unilateral, uma vez que a lei expressamente assegura esse direito potestativo ao fiador, independentemente de qualquer descumprimento do contato (art. 473, caput, do CC).
Pois bem, questões interessantes podem ser retiradas do dispositivo.
A primeira refere-se à possibilidade de renúncia ao que nele consta, por expressa previsão no contrato de fiança. Filiamo-nos ao entendimento segundo o qual se trata de norma de ordem pública, o que faz que qualquer forma de renúncia convencional seja nula, para qualquer contrato. Nesse sentido, ensina o Desembargador do TJSP, Cláudio Antônio dos Santos Levada, quanto à irrenunciabilidade do que consta no aludido art. 835 do CC:
“A cláusula contratual de renúncia realmente é ineficaz em face do caráter nitidamente cogente do art. 835 do CC e da natureza benéfica do contrato acessório de fiança. Como muito bem já se decidiu, em v. acórdão relatado pelo ilustre Juiz Irineu Pedrotti, as circunstâncias pessoais que motivaram a prestação da garantia podem ter mudado com o tempo, fazendo com que o elo de confiança original tenha desaparecido, a justificar a exoneração do garante” (Fiança..., 2004, p. 60).
Vale dizer que alguns julgados do extinto 2.º TACSP confirmam a tese, conforme artigo escrito por outro Desembargador do TJSP, Luiz Antonio Rodrigues da Silva (Garantias..., 2004, p. 159). Também entendeu dessa forma o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, sempre pioneiro nas questões que envolvem o Direito Civil:
“Contrato de locação. Prorrogação por prazo indeterminado. Fiança. Pedido de exoneração. Possibilidade. É possível a exoneração da fiança nos termos do art. 1.500 do CC de 1916, regra recepcionada pelo Código Civil em vigor, nos contratos de locação em que haja prorrogação por prazo indeterminado. Cláusula contratual que prevê a renúncia ao direito de exoneração do fiador revela-se abusiva e iníqua. Fiança é ato de liberalidade e a título gratuito que não comporta interpretação extensiva. Apelação improvida” (TJRS, Apelação Cível 70009398009, 15.ª Câm. Cível, Rel. Victor Luiz Barcellos Lima, j. 20.10.2004).
De data mais recente, aresto do Tribunal Paulista, assim ementado: “a norma do art. 835 do CC/2002 assegura ao fiador o direito de se exonerar da fiança, sendo esta norma de ordem pública, não se admitindo transação a seu respeito. Assim, a renúncia a tal direito é nula, não produzindo qualquer efeito jurídico. Contudo, a exoneração não é ato automático e não é abusiva a cláusula contratual que estipula a responsabilidade do fiador até a entrega das chaves, porquanto a própria Lei regente da matéria reconhece que a fiança pode ser prestada sem limitação no tempo. Para que dela possa se exonerar, necessário se faz que o fiador notifique o credor deste fato, ficando, todavia, responsável por todas as obrigações assumidas com a fiança concedida, durante 60 (sessenta) dias após tal notificação. Considerando que, no caso dos autos, os fiadores enviaram a notificação à imobiliária que intermediou a locação, aliado ao fato de não constar o endereço do locador no contrato locatício, de rigor o reconhecimento da desoneração da garantia prestada” (TJSP, Apelação 0013026-96.2009.8.26.0019, Acórdão 6910434, Americana, 31.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Paulo Ayrosa, j. 06.08.2013, DJESP 13.08.2013).
A outra questão controversa existente refere-se à aplicação do art. 835 do CC à fiança prestada na locação de imóvel urbano. Em edições anteriores desta obra, entendíamos pela sua incidência nos casos de fiança locatícia sem prazo determinado. Se a fiança fosse com prazo determinado, prevaleceria até o término da locação, pela previsão anterior do art. 39 da Lei de Locação. Com a Lei 12.112/2009, repise-se, manteve-se a regra da prevalência da garantia até o término do contrato de locação. Todavia, há agora a prorrogação automática da fiança. Porém, prorrogada a fiança, o fiador poderá exonerar-se unilateralmente, mediante notificação ao locador, persistindo a sua responsabilidade por cento e vinte dias após a notificação (art. 40, inc. X, da Lei de Locação). Pela existência da última norma, de cunho especial para a fiança locatícia, não mais se justifica a aplicação do art. 835 do CC/2002 em casos tais.
Como ficou claro quando da análise da Lei de Locação, exonerando-se o fiador no caso de locação de imóvel urbano, o locador poderá exigir a substituição da fiança por uma nova forma de garantia, sob pena de desfazimento da locação (art. 40, parágrafo único, da LL). Para as demais obrigações eventualmente garantidas por fiança, não havendo substituição da garantia, poderá ocorrer o vencimento antecipado da dívida (art. 333, III, do CC).
Superada a análise do art. 835 do CC, é importante verificar alguns conceitos expostos pelo Professor Flávio Augusto Monteiro de Barros a respeito da fiança (Manual..., 2005, p. 378-380).
O primeiro deles é a figura do abonador, que seria o fiador do fiador, hipótese em que se tem a subfiança. Para o citado professor: “Trata-se de um subcontrato ou contrato derivado. O abonador tem uma responsabilidade subsidiária, pois só pode ser acionada na hipótese de insolvência do devedor e do fiador”. A figura estava tratada no art. 1.482 do Código Civil de 1916, nos seguintes termos: “Se o fiador tiver quem lhe abone a solvência, ao abonador se aplicará o disposto neste Capítulo sobre fiança”. Como não houve nenhum dispositivo correspondente no atual Código Civil, à primeira vista pode parecer que o instituto foi banido. Entretanto, é forçoso concluir que não há ilicitude na sua previsão, podendo o contrato celebrado nessas circunstâncias ser enquadrado no art. 425 do CC, como contrato atípico.
Com relação à retrofiança, segundo Flávio Monteiro de Barros, “o fiador exige do devedor outro fiador, contra o qual poderá exercer o direito de regresso”. Também não há vedação de sua previsão, também como contrato atípico, aplicando-se o atual Código Civil e as regras quanto à fiança.
Flávio Monteiro de Barros também apresenta ainda interessante classificação da fiança:
a) Fiança legal: é aquela que decorre de lei, estando prevista nos arts. 495 e 260, II, do CC. O primeiro dispositivo trata da caução exigida pelo vendedor na compra e venda diante da possibilidade de o comprador cair em insolvência antes da tradição. O segundo comando legal trata da caução de ratificação exigida pelo devedor na obrigação indivisível. Com todo respeito, em nossa opinião, o último caso é de caução real, não de caução pessoal ou fiança.
b) Fiança judicial: é aquela ordenada pelo juiz, no curso do processo, como ocorre na execução provisória (art. 475-O, III, do CPC). O art. 588, I, do CPC, que trazia regra semelhante, foi revogado pela Lei 11.232/2005.
c) Fiança mercantil: é aquela que deriva de causa comercial ou mercantil. Com a entrada em vigor do atual Código Civil e a unificação do Direito Privado, a fiança mercantil está sujeita às regras da fiança civil, não havendo mais qualquer distinção entre os dois contratos. Como é notório, o Código Civil de 2002 consagrou a unificação do Direito Privado no tocante aos contratos.
A encerrar o estudo dos efeitos da fiança, é de se lembrar que o art. 1.647, III, do CC em vigor exige a outorga conjugal (marital – do marido; uxória – da mulher) para que a fiança seja prestada. Segundo o art. 1.649 do mesmo diploma legal, não havendo outorga conjugal, a fiança é anulável, desde que proposta a correspondente ação anulatória pelo cônjuge do fiador, no prazo decadencial de dois anos, contados da dissolução da sociedade conjugal. A ação também cabe aos herdeiros do fiador, em igual prazo (art. 1.650 do CC). Há possibilidade, contudo, da outorga ser suprida por juiz (art. 1.648 do CC).
Em novembro de 2006, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 332, com a seguinte redação: “A anulação de fiança prestada sem outorga uxória implica a ineficácia total da garantia”. A ementa já recebia críticas na segunda edição da presente obra.
Primeiro, porque faz referência à ineficácia total da garantia, e não à invalidade. Tecnicamente, o certo seria falar em invalidade e não em ineficácia. Entretanto, acreditamos que, didaticamente, é melhor a expressão que consta na súmula. Isso porque, se a fiança foi prestada sem a outorga, na vigência do CC/1916, será nula (arts. 235, 242 e 252). Se for prestada a fiança sem a outorga, na vigência do CC/2002, será anulável (arts. 1.647 e 1.649). Essa conclusão é aplicação direta do art. 2.035, caput, do CC, antes estudado, e que traz como conteúdo a Escada Ponteana. Para afastar dúvidas a respeito da invalidade absoluta ou relativa da fiança, justifica-se o termo ineficácia, eis que o ato inválido, em regra, não gera efeitos.
Entretanto, era lamentável o fato de a súmula utilizar a expressão outorga uxória e não outorga conjugal, uma vez que a mulher é plenamente capaz desde o Estatuto da Mulher Casada. Aqui, houve um machismo na redação original da súmula, com os resquícios do entendimento de que a mulher seria incapaz para celebrar contratos. Por óbvio que a súmula também se aplicaria aos casos em que falta a outorga marital. Por isso, ouvindo as queixas doutrinárias, o próprio STJ retificou o teor da súmula em 5 de março de 2008, substituindo a expressão outorga uxória por autorização de um dos cônjuges. É a sua redação atual: “A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia” (Súmula 332 do STJ).
Sem prejuízo da exoneração por ato unilateral (art. 835 do CC), autora estudada, também gera a extinção da fiança a morte do fiador, conforme o art. 836 do CC. Vale transcrevê-lo para que não haja interpretações equivocadas:
“Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança”.
Pode parecer que o dispositivo indica que a condição de fiador transmite-se aos herdeiros. Nada disso. O contrato de fiança é personalíssimo, intuitu personae, sendo extinto pela morte do fiador. Utilizando-se a feliz expressão de Orlando Gomes, há, na espécie, uma cessação contratual. Entretanto, as obrigações vencidas enquanto era vivo o fiador transmitem-se aos herdeiros, até os limites da herança.
Aponte-se que o fiador assume uma responsabilidade sem ter obrigação (“Haftung sem Schuld”). Por isso, em regra, não há obrigação do fiador, mas apenas responsabilidade. Quando a lei faz menção à obrigação do fiador que passa aos herdeiros, por óbvio está se referindo àquelas vencidas enquanto ele era vivo e até os limites da herança.
Segundo a doutrina, também constitui caso de extinção da fiança a morte do afiançado (devedor principal), nos mesmos termos do que consta do dispositivo (NERY JR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil..., 2005, p. 513). Por razões óbvias, a morte do credor não gera a extinção do contrato em questão.
Além da extinção da fiança em decorrência da morte do fiador e da resilição unilateral anteriormente estudada, os arts. 837 a 839 do CC trazem outras causas de extinção.
Pelo primeiro dispositivo, o fiador poderá opor ao credor as defesas ou exceções que lhe forem pessoais e que geram a extinção do contrato (v.g., nulidade, anulabilidade, incapacidade). Poderá alegar também as defesas extintivas da obrigação que competem ao devedor principal (v.g., pagamento direto ou indireto, prescrição). No último caso, não caberá a alegação de incapacidade pessoal, salvo em caso de mútuo feito a pessoa menor.
A segunda norma (art. 838 do CC) estabelece que o fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado nos seguintes casos:
I – Se, sem o seu consentimento, o credor conceder moratória ao devedor. O Superior Tribunal de Justiça entende que a regra também se aplica no caso de transação entre as partes, o que parece óbvio: “Conquanto a transação e a moratória sejam institutos jurídicos diversos, ambas têm o efeito comum de exoneração do fiador que não anuiu com o acordo firmado entre credor e devedor (art. 838, I, do CC)” (STJ, REsp 1.013.436-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11.09.2012, publicado no seu Informativo n. 504).
II – Se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências. A título de exemplo, pode ser citado o caso em que o credor renuncia a eventual preferência sobre coisa que detinha, em decorrência de direito real de garantia, hipótese em que não interessará a sub-rogação ao fiador. Cite-se, ainda, a devolução de objeto empenhado pelo credor ao devedor, o que gera a extinção do penhor. Com a extinção dessa garantia real, a fiança também não terá mais eficácia.
III – Se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que conteúdo da dívida obrigada, ainda que depois venha a perdê-lo em decorrência de evicção. A hipótese, como se pode perceber, é de dação em pagamento, ou seja, de substituição do objeto da dívida, o que gera a extinção da fiança mesmo ocorrendo a evicção, a perda da coisa dada (art. 356 do CC).
Por fim, o art. 839 do CC prevê que se for invocado o benefício de ordem e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que invocou este benefício. Para tanto, deverá o fiador comprovar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada. A norma tende a punir a inoperância do credor pelo retardo na execução, a negligência do mesmo em receber a sua dívida.
Além do que consta nesses dispositivos, a extinção da fiança pode ocorrer também por ato amigável entre o fiador e o credor (distrato) ou por decisão judicial em ação de exoneração de fiança, que segue o rito ordinário. Nessa ação caberá ao fiador alegar todas as causas aqui elencadas, seja em relação à fiança, seja em relação à dívida garantida.
Mesmo tendo discutido a questão nos volumes anteriores dessa coleção, pretendemos aqui mais uma vez trazê-la a lume, diante da polêmica que ela desperta.
Como se sabe, uma das exceções à impenhorabilidade do Bem de Família Legal refere-se ao imóvel de residência do fiador de locação da locação imobiliária, conforme previsão do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990 (c/c art. 82 da Lei 8.245/1991). Conforme está exposto no Volume 1 da presente coleção, quanto a essa exceção, sempre divergiram tanto a doutrina quanto a jurisprudência em relação à sua suposta inconstitucionalidade.
Sempre prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça a tese da penhorabilidade do imóvel do fiador da locação imobiliária, cabendo transcrever, entre as ementas anteriores:
“Locação e processual civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Ausência de contrariedade ao art. 535, inciso II, do CPC. Fiador. Penhora. Bem de família. Possibilidade. Agravo desprovido. 1. Não subsiste a alegada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, visto que todas as questões relevantes para a apreciação e o julgamento do recurso foram analisadas de maneira clara e coerente pelo Tribunal a quo, inexistindo qualquer nulidade a ser sanada. 2. Consoante a nova redação do art. 3.º da Lei n.º 8.009/90, é válida a penhora do bem destinado à moradia da família do fiador, em razão da obrigação decorrente de pacto locatício, aplicando-se, também, aos contratos firmados antes da sua vigência. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg no Ag 638.339/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5.ª Turma, j. 15.02.2005, DJ 14.03.2005, p. 413).
“Locação. Fiança. Penhora. Bem de família. Sendo proposta a ação na vigência da Lei 8.245/1991, válida é a penhora que obedece seus termos, excluindo o fiador em contrato locatício da impenhorabilidade do bem de família. Recurso provido” (STJ, REsp 299663/RJ, j. 15.03.2001, 5.ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 02.04.2001, p. 334).
Contudo, uma posição minoritária entende ser essa previsão inconstitucional, por violar a isonomia (art. 5.º, caput, da CF/1988) e a proteção da dignidade humana (art. 1.º, III, da CF/1988).
Primeiro, porque o devedor principal (locatário) não pode ter o seu bem de família penhorado, enquanto o fiador (em regra, devedor subsidiário, nos termos do art. 827 do CC) pode suportar a constrição. A lesão à isonomia e à proporcionalidade reside no fato de a fiança ser um contrato acessório, que não pode trazer mais obrigações do que o contrato principal (locação). Em reforço, há desrespeito à proteção constitucional da moradia (art. 6.º da CF/1988), uma das exteriorizações do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana.
Como é notório, este autor está filiado à tese da inconstitucionalidade da previsão, seguindo corrente substancial da civilística contemporânea, à qual também se filiam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Novo curso..., 2003, p. 289), Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Direito civil..., 2006, p. 357) e José Fernando Simão (Legislação civil..., 2007, p. 93-102); entre outros doutrinadores contemporâneos.
Aliás, na jurisprudência paulista, a inconstitucionalidade da previsão sempre foi sustentada pela renomada professora e atual Desembargadora Rosa Maria de Andrade Nery, por esses mesmos argumentos (2.º TACSP, Ap. c/ rev. 593.812-0/1).
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, com acuidade, sustentam que “À luz do Direito Civil Constitucional – pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil –, parece-nos forçoso concluir que este dispositivo de lei viola o princípio da isonomia insculpido no art. 5.º da CF, uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica: o contrato de locação” (Novo curso..., 2003, p. 289). Sem dúvidas, concorda-se que, à luz do Direito Civil Constitucional e da personalização do Direito Privado, não há como aceitar tal previsão.
Esse entendimento foi reconhecido pelo então Ministro Carlos Velloso, em decisão monocrática pronunciada em sede de recurso extraordinário em curso perante o Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:
“Em trabalho doutrinário que escrevi ‘Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil’, texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.03.2003, registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6.º, CF, é um direito fundamental de 2.ª geração – direito social que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000.
O bem de família – a moradia do homem e sua família – justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/1990, art. 1.º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.
Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3.º, feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo inciso VII do art. 3.º, acrescentado pela Lei 8.245/1991, não foi recebido pela EC 26, de 2000” (STF, RE 352940/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 25.04.2005, pendente de publicação).
O que se percebia é que a tese por este autor defendida já na primeira edição do volume 1 desta coleção ganhou força. Isso porque vinha crescendo na jurisprudência uma análise do Direito Privado à luz do Texto Maior e de três princípios básicos: a proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III), a solidariedade social (art. 3.º, I) e a isonomia (art. 5.º, caput). Esses são justamente os princípios basilares daquilo que se denomina Direito Civil Constitucional.
Essa é a interpretação que se espera de nossos Tribunais, visando a consubstanciar um Direito Civil renovado, mais justo e solidário. O contrato não pode fugir dessa concepção, sendo certo que a interpretação de inconstitucionalidade do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990 mantém relação direta com o princípio da função social dos contratos.
Por esse princípio, os contratos devem ser interpretados de acordo com o contexto da sociedade, o que constitui um regramento de ordem pública e com fundamento constitucional, podendo ser retirado dos arts. 421 e 2.035, parágrafo único, do Código Civil e da tríade dignidade-solidariedade-igualdade. Em reforço, a função social dos contratos encontra fundamento na função social da propriedade, que deve ser concebida em sentido amplo (arts. 5.º, XXII e XXIII, e 170, III, todos da CF/1988).
Assim sendo e reforçando, cite-se o Enunciado n. 23, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovido pelo Conselho da Justiça Federal, segundo o qual: “a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”. O direito constitucional à moradia acaba limitando a autonomia privada, portanto.
Ademais, não cabe mais o argumento pelo qual as normas programáticas constitucionais merecem regulamentação pelas normas infraconstitucionais, o que seria o caso do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990. Como se sabe, cresce na doutrina constitucionalista a corrente pela qual tais normas têm aplicação imediata. Para o aprofundamento do tema, sugere-se a leitura das obras de Daniel Sarmento (Direitos..., 2004) e Ingo Wolfgang Sarlet (A eficácia..., 2004). Esses autores defendem a eficácia horizontal dos direitos fundamentais consagrados no Texto Maior, ou seja, o seu reconhecimento entre particulares (horizontalização dos direitos fundamentais). O fundamento para essa aplicação imediata está no art. 5.º, § 1.º, da CF/1988: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Por tudo isso, este autor filia-se integralmente à decisão monocrática do Ministro Carlos Velloso aqui transcrita, concluindo pela inconstitucionalidade do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990.
Entretanto, infelizmente, o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a questão no dia 8 de fevereiro de 2006. Por maioria de votos o STF entendeu ser constitucional a previsão do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990. De acordo com o relator da decisão, Ministro Cezar Peluso, a lei do bem de família é clara ao prever a possibilidade de penhora do imóvel de residência de fiador de locação de imóvel urbano, sendo esta regra inafastável, por ser inerente à proteção do mercado, nos termos do art. 170 da CF/1998. Entendeu, ainda, que a pessoa tem plena liberdade de querer ou não assumir a condição de fiadora, e quando assina o contrato sabe que pode perder o bem de família. Assim sendo, deve subsumir a norma infraconstitucional se assim o faz, não havendo qualquer lesão à isonomia constitucional. Votaram com ele os Ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, sendo interessante transcrever a ementa do julgado:
“Fiador. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6.º da CF. Constitucionalidade do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990, com a redação da Lei 8.245/1991. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3.º, VII, da Lei 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6.º da Constituição da República” (STF, RE 407.688/SP, Recurso Extraordinário, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 08.02.2006).
A votação não foi unânime, pois entenderam pela inconstitucionalidade os Ministros Eros Grau, Ayres Britto e Celso de Mello. Em seu voto, o então Ministro Eros Grau ressaltou a grande preocupação dos civilistas em defender os preceitos constitucionais, apontando que a previsão do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990 viola a isonomia constitucional. Isso, vale repetir, porque a fiança é contrato acessório, que não pode trazer mais obrigações que o contrato principal.
Resumindo, o debate jurídico parece ter sido encerrado com a decisão do STF.
Ledo engano. Não entendemos dessa forma, o que pode ser percebido pela divergência gerada no próprio STF. A questão não está pacificada, também, diante da existência de projetos legislativos de revogação do inc. VII do art. 3.º da Lei 8.009/1990, norma essa que é totalmente incompatível com a Constituição Federal. Cite-se, de início, o Projeto de Lei 408/2008, em trâmite no Senado Federal, proposto pelo Senador Papaléo Paes. Na Câmara dos Deputados, com o mesmo intuito, estão em trâmite três projeções para a mesma revogação: PL 1622/1996, PL 2368/1996 e PL 1458/2003.
Ademais, não obstante a decisão do STF, alguns Tribunais Estaduais, caso do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, têm entendido pela inconstitucionalidade da previsão, pela flagrante lesão à isonomia e à proteção da moradia. Cumpre transcrever uma dessas corajosas decisões:
“Agravo de instrumento. Embargos à execução julgados improcedentes. Apelação. Efeito suspensivo. Penhora. Imóvel do fiador. Bem de família. Direito à moradia. Violação aos princípios da dignidade humana e igualdade. Irrenunciabilidade. A partir da Emenda Constitucional 26/2000, a moradia foi elevada à condição de direito fundamental, razão pela qual a regra da impenhorabilidade do bem de família foi estendida ao imóvel do fiador, caso este seja destinado à sua moradia e à de sua família. No processo de execução, o princípio da dignidade humana deve ser considerado, razão pela qual o devedor, principalmente o subsidiário, não pode ser levado à condição de penúria e desabrigo para que o crédito seja satisfeito. Em respeito ao princípio da igualdade, deve ser assegurado tanto ao devedor fiador quanto ao devedor principal do contrato de locação o direito à impenhorabilidade do bem de família. Por tratar-se de norma de ordem pública, com status de direito social, a impenhorabilidade não poderá ser afastada por renúncia do devedor, em detrimento da família” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Número do processo: 1.0480.05.076516-7/002(1), Relator: D. Viçoso Rodrigues, Relator do Acórdão: Fabio Maia Viani, Data do Julgamento: 19.02.2008, Data da Publicação: 13.03.2008).
Merecem destaque os argumentos do então Des. Elpídio Donizetti, terceiro juiz no julgamento acima transcrito:
“Por razões ético-sociais e até mesmo humanitárias, houve por bem o legislador brasileiro prever algumas hipóteses em que, embora disponíveis, certos bens pertencentes ao patrimônio do devedor não são passíveis de penhora.
Assim, a Lei 8.009/1990, ao dispor sobre bem de família, vedou a penhora não apenas do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, mas também definiu como impenhoráveis os móveis que guarneçam a residência. Desse modo, desde que não constituam adornos suntuosos, são impenhoráveis os bens necessários à regular utilização da moradia.
Todavia, o mesmo diploma normativo, Lei 8.009/1990, retira, no seu art. 3.º, a garantia de impenhorabilidade dos citados bens em algumas situações específicas. É o caso dos objetos que garantem obrigação decorrente de fiança prestada em contrato de locação, conforme inciso acrescentado ao art. 3.º pela Lei 8.245/1991, senão vejamos: (...). Com base em tal dispositivo legal, o entendimento que tem prevalecido nos tribunais é de que, em se tratando de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, deve-se afastar a impenhorabilidade dos bens de família prevista pelo art. 1.º da Lei 8.009/1990.
Conforme decidiu recentemente o STF, no RE 407.688/SP, da relatoria do Ministro Cézar Peluso, o bem de família pertencente ao fiador em contrato de locação é passível de ser penhorado, ao fundamento de que não existe violação ao direito social à moradia, previsto no art. 6.º da CF, porquanto este não se confunde com o direito à propriedade imobiliária. Ademais, a possibilidade de penhora do bem de família do fiador estimula e facilita o acesso à habitação arrendada, porquanto afasta a necessidade de garantias mais onerosas. Conquanto o próprio STF tenha decidido, conforme já ressaltado, pela aplicação do art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990, penso que a solução deva se dar em sentido oposto.
Em primeiro lugar, verifica-se que a Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro de 2000, incluiu a moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6.º da CF/1988, o qual constitui norma de ordem pública. Ora, ao proceder de tal maneira, o constituinte nada mais fez do que reconhecer o óbvio: a moradia como direito fundamental da pessoa humana para uma vida digna em sociedade.
Com espeque na alteração realizada pela Emenda Constitucional 26 e no próprio escopo da Lei 8.009/1990, resta claro que as exceções previstas no art. 3.º dessa lei não podem ser tidas como irrefutáveis, sob pena de dar cabo, em alguns casos, à função social que exerce o bem de família, o que não pode ser admitido. Na esteira de tal entendimento, já se pronunciou o STJ:
‘Recurso especial. Processual civil e constitucional. Locação. Fiador. Bem de família. Impenhorabilidade. Art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990. Não recepção. Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990 não foi recepcionado pelo art. 6.º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional 26/2000). Recurso desprovido’ (STJ, 5.ª Turma, REsp 699.837/RS, Relator: Ministro Félix Fischer, data do julgamento: 02.08.2005).
Ademais, a prevalecer o entendimento segundo o qual o direito à moradia não se confunde com o direito à propriedade imobiliária, o que se verá é o insensato desalojamento de inúmeras famílias ao singelo argumento de que subsiste o direito à moradia arrendada, como se a ordem econômica excludente sob a qual vivemos não trouxesse agruras bastantes à classe média. Em outras palavras, com efeito, facilita-se a moradia do locatário e subtrai a do fiador.
Não se olvida que a penhorabilidade do bem de família do fiador, além de afrontar o direito à moradia, fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Isso devido ao fato de que não há razão para estabelecer tratamento desigual entre o locatário e o seu fiador, sobretudo porque a obrigação do fiador é acessória à do locatário, e, assim, não há justificativa para prever a impenhorabilidade do bem de família em relação a este e vedá-la em relação àquele.
Por derradeiro, insubsistente é o argumento de que a possibilidade de penhora do bem de família do fiador estimula e facilita o acesso à habitação arrendada. É que, diante de tal possibilidade, poucos se aventurarão a prestar fiança, o que dificultará sobremaneira o cumprimento de tal requisito por parte do locatário, que terá a penosa tarefa de conseguir um fiador.
Destarte, entende-se que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3.º, VII, da Lei 8.009/1990 não deve ser aplicada ao caso sob julgamento”.
Assim também vemos a proteção da moradia que consta do art. 6.º da CF/1988. Em reforço, foram encontradas outras decisões de outros Tribunais concluindo do mesmo modo, ou seja, pela inconstitucionalidade do art. 3.º, inc. VII, da Lei 8.009/1990. Nessa linha, há acórdãos do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS, Acórdão 2008.025448-7/0000-00, Campo Grande, Quinta Turma Cível; Rel. Des. Vladimir Abreu da Silva, DJEMS 08.06.2009, p. 36), do Tribunal de Sergipe (TJSE, Agravo de instrumento 2008203947, Acórdão 3245/2009, Primeira Câmara Cível, Rel. Des. Cláudio Dinart Déda Chagas, DJSE 11.05.2009, p. 11), do Tribunal de Santa Catarina (TJSC, Embargos de Declaração 2006.027903-6, Blumenau, Segunda Câmara de Direito Civil, Rel.ª Des.ª Salete Silva Sommariva, DJSC 19.03.2008, p. 139) e do Tribunal do Paraná (TJPR, Agravo de instrumento 352151-1, Acórdão 4269, Curitiba, Décima Sexta Câmara Cível, Relª Desª Maria Mercis Gomes Aniceto, julgado em 16.11.2006, DJPR 01.12.2006).
Com esse intrigante debate, encerram-se o estudo da fiança e o presente capítulo.
Locação de Coisas. Conceito: Contrato pelo qual o locador se obriga a ceder ao locatário, por tempo determinado ou não, o uso e o gozo de coisa não fungível, mediante certa remuneração (aluguel).
Natureza Jurídica: O contrato é bilateral, oneroso, consensual, comutativo e informal (em regra).
Tratamento Legislativo: A locação de coisas é tratada pelo Código Civil, pela Lei de Locação (Lei 8.245/1991) e pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964). Também pode ser aplicado à locação de coisas móveis o Código de Defesa do Consumidor (exemplo: locação de veículos).
As normas previstas para a locação de coisas no Código Civil (arts. 565 a 578) aplicam-se aos bens móveis e a alguns imóveis, como aqueles que são excluídos de aplicação pelo art. 1.º da própria Lei 8.245/1991 (exemplos: vagas de garagem, espaços publicitários e hotéis e similares). O art. 2.036 do CC em vigor apenas afasta a aplicação das regras previstas no Código Civil para a locação de imóveis urbanos.
Para a caracterização do que seja imóvel urbano, leva-se em conta a DESTINAÇÃO DA COISA, não a sua localização. O Código de Defesa do Consumidor não se aplica às relações locatícias tratadas pela Lei de Locação, segundo o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência.
Esquematizando:
Principais Regras quanto à Extinção do Contrato de Locação Previstas na Lei 8.245/1991
1.ª Regra: Locação residencial com contrato fixado por escrito por 30 meses ou mais – o contrato se rescinde no término do prazo, com prorrogação por tempo indeterminado, caso silentes as partes por mais de 30 dias. Ocorrida a prorrogação, caberá denúncia imotivada (denúncia vazia), a qualquer tempo, com 30 dias para a desocupação, em regra.
2.ª Regra: Locação residencial com contrato fixado verbalmente ou por escrito, por menos de 30 meses – as duas formas de locação (verbal ou por escrito com prazo inferior a trinta meses) merecem o mesmo tratamento no art. 47 da Lei de Locação. Quanto ao contrato celebrado por escrito, findo o prazo ajustado sem a celebração de novo contrato, a locação prorrogar-se-á automaticamente. Em todos esses casos, a retomada do imóvel só será possível por meio da denúncia cheia, nas seguintes hipóteses: A) Previsões do art. 9.º da Lei de Locação (mútuo acordo, infração contratual ou legal, falta de pagamento e obras aprovadas pelo Poder Público). B) Em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel estiver relacionada com o seu emprego. C) Havendo pedido para uso próprio, do cônjuge, companheiro ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio. D) Se o imóvel for pedido para demolição licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída em, no mínimo, vinte por cento (20%), ou se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinquenta por cento (50%). E) Se a vigência sem interrupção do contrato superar cinco anos.
3.ª Regra: Locação para temporada – é aquela celebrada para fins de residência temporária do locatário, para a prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel e outros fatos que decorram de determinado tempo, cujo prazo não pode ser superior a 90 dias, esteja ou não mobiliado o imóvel (art. 48 da LL). Findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de 30 dias, a locação estará prorrogada por tempo indeterminado, não sendo mais cabível exigir o pagamento antecipado dos aluguéis. Ocorrendo essa prorrogação, a locação somente poderá ser denunciada após 30 meses do seu início ou havendo motivos para denúncia cheia (art. 50 da LL).
4.ª Regra: Locação não residencial – Como regra, para a locação de imóvel não residencial (inclusive para fim comercial, ou melhor, empresarial), sendo celebrado o contrato por qualquer prazo (ou seja, por prazo determinado), estará o mesmo extinto findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso, cabendo denúncia vazia (art. 56 da LL). Em casos tais, é dispensável a notificação prévia nos 30 dias seguintes ao termo final do contrato. Findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de 30 dias sem oposição do locador, incidirá a presunção de prorrogação da locação nas mesmas condições anteriormente ajustadas, mas sem prazo determinado (art. 56, parágrafo único, da LL). Nessa situação, a regra continua sendo de cabimento de denúncia vazia, mas a lei exige que o locatário seja notificado para a desocupação em 30 dias (art. 57 da LL).
**Atenção: Existem outras formas de locação não residencial que merecem tratamento especial pela lei, caso das locações para asilos, escolas e hospitais.
Ações Tratadas pela Lei 8.245/1991:
a) Ação de Despejo (arts. 59 a 66 da LL) – É a principal ação a ser promovida pelo locador para retomada do imóvel, podendo ser fundamentada em denúncia vazia (sem motivos) ou cheia (com motivos). A ação de despejo segue, em regra, o rito ordinário.
b) Ação de Consignação de Aluguéis e Acessórios da Locação (art. 67 da LL) – Ação que visa ao depósito judicial pelo locatário dos aluguéis e acessórios da locação, constando o locador ou o seu representante como réu. A ação segue rito especial próprio, não aquele tratado pelo CPC para a consignação em pagamento (arts. 890 e ss.).
c) Ação Revisional de Aluguel (arts. 68 a 70 da LL) – Prevê o art. 19 da Lei de Locação que “não havendo acordo, o locador ou o locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado”. A referida ação pode ser proposta tanto pelo locador quanto pelo locatário e tem como objetivo adequar o valor do contrato à realidade social. O rito é sumário.
d) Ação Renovatória (arts. 51 a 53 e 71 a 75 da LL): Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é possibilitada ao locatário a renovação de locação não residencial, uma vez presentes os seguintes requisitos essenciais da formação do ponto comercial ou empresarial, conforme o art. 51 da Lei de Locação. O rito da ação é especial.
Fiança. Conceito: A fiança, também denominada caução fidejussória, é o contrato pelo qual alguém, o fiador, garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra (arts. 818 a 838 do CC). O fiador assume pessoalmente uma dívida de terceiro frente ao credor.
Natureza Jurídica: Contrato unilateral, gratuito, consensual, comutativo, exigindo forma escrita. Trata-se de um contrato acessório sui generis.
Regras Importantes:
– Como regra geral, o fiador não é devedor solidário, mas subsidiário, pois tem a seu favor o chamado benefício de ordem ou de excussão. Isso significa dizer que primeiro deve ser demandado o devedor principal. Entretanto, como é comum na prática, o fiador pode renunciar a esse benefício de ordem ou assumir a condição de devedor solidário.
– Por outra via, haverá solidariedade ENTRE FIADORES, salvo se for estipulado o benefício de divisão entre eles, o que afasta esta regra.
– A fiança não admite interpretação extensiva. A Súmula 214 do STJ prevê que o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.
– O art. 835 do CC traz uma forma de exoneração unilateral a favor do fiador, por simples notificação do credor, se a fiança for fixada sem prazo determinado. A Lei 12.112/2009 introduziu sistema semelhante na Lei 8.245/1991 (art. 40, X).
1. (183º Magistratura SP – VUNESP) Assinale a alternativa correta.
(A) A estipulação da fiança depende do consentimento do devedor.
(B) A fiança deve ser de valor igual ou superior ao da obrigação principal.
(C) O fiador não poderá exonerar-se da fiança se a prestou sem limitação de tempo.
(D) A obrigação do fiador extingue-se com sua morte e a responsabilidade da fiança não se transmite aos herdeiros.
(E) O fiador ficará desobrigado se, sem o seu consentimento, o credor conceder moratória ao devedor.
2. (Procurador do Estado/SP – FCC/2012) No contrato de fiança,
(A) é nula cláusula de renúncia ao benefício de ordem.
(B) o fiador tem legitimidade para dar andamento à execução iniciada e abandonada, sem justa causa, pelo credor.
(C) havendo pluralidade de fiadores, cada qual responde pela parte que proporcionalmente lhe couber no pagamento, exceto se expressamente pactuada a solidariedade.
(D) a responsabilidade dos herdeiros do fiador se limita ao tempo decorrido até a abertura de inventário ou arrolamento, e não pode ultrapassar as forças da herança.
(E) o fiador pode se exonerar desde que notifique o credor, ficando responsável por todos os efeitos da fiança durante noventa dias a contar da comunicação.
3. (Defensor Público – Minas Gerais – 2004) Sobre o contrato de fiança, é INCORRETO afirmar:
(A) a fiança, juntamente como aval, constitui modalidade de caução fidejussória.
(B) o contrato de fiança enquadra-se na classificação de obrigações conexa.
(C) o contrato de fiança pode ser classificado como típico, formal, unilateral, acessório e aleatório.
(D) a fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal.
(E) os tutores e curadores não podem afiançar em nome de seus pupilos e curatelados.
4. (Exame de Ordem – 127.º SP) É correto afirmar que
(A) as dívidas de jogo ou de aposta obrigam a pagamento, quando cobradas pelo credor.
(B) o fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado se o credor conceder moratória ao devedor, sem o consentimento do mesmo fiador.
(C) não é admissível, na transação, a pena convencional (ou multa).
(D) aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a reembolsar/restituir tão somente o que auferiu indevidamente.
5. (Exame de Ordem – 124.º SP) Antônio recebeu de Benedito um apartamento em locação, para fins residenciais, sendo celebrado contrato escrito com prazo determinado de 36 meses. No contrato, que não foi averbado na matrícula do imóvel, foi estipulado direito de preferência do inquilino na compra do imóvel, a ser exercido no prazo de 30 dias. Passado um ano de vigência da locação, o apartamento é vendido a um terceiro, sem ser consultado o locatário. Nesse caso,
(A) a venda não pode ser desfeita, embora tenha sido estipulado direito de preferência do locatário.
(B) a venda pode ser desfeita, por ter sido desrespeitado o direito de preferência do locatário, que pode reclamar do vendedor as perdas e danos e, ainda, requerer, no prazo de 6 meses, contado da data do registro da venda no Cartório Imobiliário, que lhe seja conferida a titularidade do imóvel locado, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência.
(C) a venda pode ser desfeita, por ter sido desrespeitado o direito de preferência do locatário, que pode reclamar do vendedor as perdas e danos e, ainda, requerer, no prazo de 6 meses, contado da data do registro da venda no Cartório Imobiliário, que lhe seja conferida a titularidade do imóvel locado, depositando somente o preço que constou da venda.
(D) a venda pode ser desfeita, por ter sido desrespeitado o direito de preferência do locatário, que pode reclamar do vendedor as perdas e danos ou requerer, no prazo de 6 meses, contado da data do registro da venda no Cartório Imobiliário, que lhe seja conferida a titularidade do imóvel locado, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência.
6. (Exame de Ordem – 125.º SP) É característica do contrato de locação de espaço em shopping centers a
(A) inexistência do direito à renovação compulsória do contrato de locação.
(B) impossibilidade de o locador recusar a renovação com base no argumento de retomada do imóvel para uso próprio.
(C) inexistência de prazo decadencial para que o locatário ingresse com ação renovatória.
(D) impossibilidade de o contrato prorrogar-se automaticamente por prazo indeterminado, no caso de permanência do locatário no imóvel após o advento do termo contratual.
7. (Exame de Ordem – 124.º SP) A sociedade ABC Ltda. é locatária de um imóvel, onde explora e sempre explorou a atividade de comércio varejista de calçados. Após decorridos 4 anos do contrato de locação, vendeu seu estabelecimento à sociedade Calçados Brasil S.A., que continuou operando-o normalmente. No prazo assinalado pela Lei 8.245/1991, a Calçados Brasil S.A. moveu ação renovatória, visando à renovação compulsória do contrato de locação em vigor. Supondo-se que os demais requisitos legais para a renovação compulsória estejam presentes, a ação movida pela Calçados Brasil S.A. será
(A) extinta sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva, pois a autora não é locatária.
(B) julgada improcedente, pois a autora não criou o ponto comercial.
(C) julgada procedente, pois a autora sucede a antiga locatária nos contratos relativos à exploração do estabelecimento.
(D) julgada procedente, pois a antiga locatária já teria direito à renovação, antes mesmo de ceder o estabelecimento.
8. (Exame de Ordem – GO I – 2005) Sobre a fiança, é correto afirmar:
(A) cuida-se de contrato que se pode celebrar verbalmente;
(B) as pessoas casadas podem prestá-la livremente, sem a autorização do outro cônjuge, qualquer que seja o regime de bens do casamento;
(C) o fiador pode exonerar-se da obrigação assumida sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, mediante notificação ao credor;
(D) a responsabilidade do fiador é sempre solidária.
9. (Exame de Ordem – Nordeste II – 2005) Na locação empresarial,
(A) o prazo da locação é desnecessário para a aquisição do direito de inerência ao ponto.
(B) o locador não pode pedir o imóvel, mesmo que tenha proposta de terceiro em melhores condições.
(C) a ação renovatória deve ser distribuída nos 6 meses posteriores ao final do contrato.
(D) o desenvolvimento da mesma atividade mercantil é considerado requisito essencial para a propositura da ação renovatória.
10. (Exame de Ordem – MT III – 2004) Assinale a alternativa FALSA sobre contrato de fiança:
(A) a fiança não admite apenas a forma escrita, não podendo ser interpretada extensivamente;
(B) pode ser convencionada contra a vontade do devedor e sem o seu consentimento;
(C) o devedor responde perante o fiador pelos danos que este sofrer em razão da fiança;
(D) o fiador pode exonerar-se da fiança que tiver assinado por prazo indeterminado, respondendo por ela ainda pelos 60 dias seguintes após a notificação do credor.
11. (Exame de Ordem – MT III – 2004) Na locação empresarial, o locatário terá direito à renovação do contrato, por igual prazo, desde que preencha alguns requisitos legais. NÃO pode ser considerado requisito para a renovação compulsória do contrato:
(A) o contrato a renovar ter sido celebrado com prazo determinado;
(B) o contrato a renovar ter sido celebrado por escrito;
(C) o contrato a renovar ter sido celebrado com prazo mínimo de 10 (dez) anos;
(D) o contrato a renovar ter sido celebrado com prazo mínimo de 5 (cinco) anos.
12. (Defensor Público da União – 2007) Julgue o item a seguir:
De acordo com a jurisprudência do STF, considerando o direito a moradia previsto no art. 6.º da CF, o fiador, nos contratos de locação, não poderá ter penhorado o único bem imóvel em que reside, declarado bem de família, para satisfazer o crédito do locador no caso de inadimplemento do locatário.
13. (Defensor Público da União – 2007) Julgue o item seguinte, acerca dos contratos regidos pelo Código Civil:
Se determinado bem locado for alienado na vigência de contrato de locação, o adquirente não será obrigado a respeitar o contrato celebrado com o alienante, porque os efeitos de um contrato não podem atingir quem dele não participou, ainda que nesse contrato conste cláusula, devidamente registrada, de vigência no caso de alienação.
14. (Procurador do Estado – CE – 2008) Julgue o item abaixo, acerca da locação comercial.
O empresário, tendo celebrado contrato de locação há mais de cinco anos e estando no mesmo ramo de atividade há mais de três anos, tem direito à renovação do contrato, mesmo que a avença tenha sido celebrada verbalmente.
15. (Procurador de Assistência Judiciária – DF – 2007) Acerca dos contratos, julgue o item a seguir, segundo a ótica do ordenamento jurídico brasileiro.
O ordenamento jurídico pátrio possui como regra a impenhorabilidade do bem de família. Essa impenhorabilidade é oponível em qualquer ação de execução movida por descumprimento de obrigação assumida pelo devedor, ainda que decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
16. (Defensoria Pública/SP – FCC/2012) Acerca da locação de imóveis urbanos, julgue os itens que se seguem.
16.1. Se o indivíduo A adquirir do indivíduo B imóvel no qual, por força de contrato de locação, resida o indivíduo C, presumir-se-á a concordância de A com a locação, caso este não a denuncie no prazo de noventa dias.
16.2. De acordo com a jurisprudência do STJ, caso uma pessoa se obrigue como principal pagador dos aluguéis de imóvel até a entrega das chaves, a prorrogação do contrato por prazo indeterminado acarretará a exoneração da fiança.
17. (Juiz do Trabalho – 1.ª Região – FCC/2011) Celebrado contrato de locação entre empregado e empregador, nas posições, respectivamente, de locatário e locador, mediante instrumento escrito, e pelo prazo de vinte e quatro meses, findo esse prazo, o imóvel poderá ser retomado
(A) provando-se a rescisão do contrato de trabalho e somente depois do trânsito em julgado de sentença proferida pela Justiça do Trabalho reconhecendo a quitação de todas as verbas devidas ao empregado.
(B) em decorrência de extinção do contrato de trabalho, independentemente de a ocupação do imóvel estar relacionada com o emprego do locatário, podendo ser concedida liminar para desocupação em quinze dias, desde que provada a rescisão do contrato de trabalho por escrito.
(C) somente depois de cumpridos cinco anos da celebração do contrato, porque a denúncia vazia nas locações residenciais só é admissível, findo o prazo contratual, se esse tiver sido igual ou superior a trinta meses.
(D) em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel estiver relacionada com o emprego do locatário, podendo ser concedida liminar para desocupação em quinze dias, havendo prova da rescisão do contrato de trabalho, ou sendo ela demonstrada em audiência prévia.
(E) mediante notificação premonitória, com prazo de trinta dias para desocupação, não sendo, porém, admissível decisão liminar de despejo.
18. (Procurador/BACEN – CESPE/2013) Assinale a opção correta a respeito da fiança.
(A) O benefício de ordem é direito garantido legalmente ao fiador, considerando-se não escrita cláusula de renúncia.
(B) Não extingue a fiança o fato de o credor aceitar, em pagamento da dívida, dação em pagamento feita pelo devedor, se este vier a perder o objeto pela evicção.
(C) Independentemente do regime de bens do casamento, será anulável e ineficaz a fiança prestada pelo cônjuge sem o consentimento do outro.
(D) Ainda que a consequência da fiança seja onerosa, dada a garantia da dívida à custa do patrimônio do fiador, a solidariedade entre os fiadores se presume.
(E) A obrigação de pagar a dívida do devedor não se transmite aos herdeiros, que não são obrigados a afiançar dívidas alheias.
19. (Juiz de Direito/DF – 2012) A respeito da fiança, analise as proposições abaixo e assinale a alternativa correta.
I – Quando alguém houver de oferecer fiador, eventual recusa do credor prescinde de motivação ou fundamentação.
II – A subsidiariedade pode ser afastada por convenção.
III – É necessária a aquiescência do devedor com a fiança estipulada.
IV – A dação em pagamento, realizada pelo devedor e aceita pelo credor, desobriga o fiador, ainda que a coisa venha a se perder por evicção.
(A) Apenas as proposições I e II estão corretas.
(B) Apenas as proposições III e IV estão corretas.
(C) Apenas as proposições II e IV estão corretas.
(D) Apenas a proposição III está correta.
20. (X Exame de Ordem Unificado – FGV/2013) Amélia e Alberto são casados pelo regime de comunhão parcial de bens. Alfredo, amigo de Alberto, pede que ele seja seu fiador na compra de um imóvel.
Diante da situação apresentada, assinale a afirmativa correta.
(A) A garantia acessória poderá ser prestada exclusivamente por Alberto.
(B) A outorga de Amélia se fará indispensável, independente do regime de bens.
(C) A fiança, se prestada por Alberto sem o consentimento de Amélia, será anulável.
(D) A anulação do aval somente poderá ser pleiteada por Amélia durante o período em que estiver casada.
1 – E |
2 – B |
3 – B |
4 – B |
5 – A |
6 – B |
7 – C |
8 – C |
9 – D |
10 – A |
11 – D |
12 – Errado |
13 – Errado |
14 – Errado |
15 – Errado |
16 – 16.1 – Certo; |
17 – D |
18 – D |
19 – C |