Sumário: 12.1 Do contrato de empréstimo. Introdução – 12.2 Do comodato ou empréstimo de uso – 12.3 Do mútuo ou empréstimo de consumo – 12.4 Do contrato de depósito: 12.4.1 Conceito e natureza jurídica; 12.4.2 Regras quanto ao depósito voluntário ou convencional; 12.4.3 O depósito necessário; 12.4.4 A prisão do depositário infiel na visão civil-constitucional – 12.5 Resumo esquemático – 12.6 Questões correlatas – Gabarito.
O contrato de empréstimo pode ser conceituado como sendo o negócio jurídico pelo qual uma pessoa entrega uma coisa a outra, de forma gratuita, obrigando-se esta a devolver a coisa emprestada ou outra de mesma espécie e quantidade. Como se vê, o contrato de empréstimo é um exemplo claro de contrato unilateral e gratuito, abrangendo duas espécies:
a) Comodato – empréstimo de bem infungível e inconsumível, em que a coisa emprestada deverá ser restituída findo o contrato (empréstimo de uso).
b) Mútuo – empréstimo de bem fungível e consumível, em que a coisa é consumida e desaparece, devendo ser devolvida outra de mesma espécie e quantidade (empréstimo de consumo).
Resumindo, a entrega da coisa, dependendo de sua natureza, bem como dos direitos envolvidos, pode dar ensejo aos seguintes contratos:
Entrega da coisa |
|
para uso: |
Comodato |
para consumo: |
Mútuo |
para guarda: |
Depósito |
para administração: |
Mandato |
Os dois contratos de empréstimo, além de serem unilaterais e gratuitos (benéficos), em regra, são também negócios comutativos, informais e reais. A última característica decorre do fato de que esses contratos têm aperfeiçoamento com a entrega da coisa emprestada (tradição ou traditio). Isso desloca a tradição do plano da eficácia – terceiro degrau da Escada Ponteana – para o plano da validade – segundo degrau.
O comodato e o mútuo estão tipificados na Parte Especial do Código Civil. O comodato está previsto entre os arts. 579 a 585; o mútuo nos arts. 586 a 592 do CC/2002. Passa-se à análise dessas importantes regras.
Conforme foi exposto, o comodato é um contrato unilateral, benéfico e gratuito em que alguém entrega a outra pessoa uma coisa infungível, para ser utilizada por um determinado tempo e devolvida findo o contrato. Por razões óbvias, o contrato pode ter como objeto bens móveis ou imóveis, pois ambos podem ser infungíveis (insubstituíveis).
A parte que empresta a coisa é denominada comodante, enquanto a que recebe a coisa é o comodatário. O contrato é intuitu personae, baseado na fidúcia, na confiança do comodante em relação ao comodatário. Não exige sequer forma escrita, sendo contrato não solene e informal.
Em regra, o comodato terá como objeto bens não fungíveis e não consumíveis. Entretanto, a doutrina aponta a possibilidade de o contrato ter como objeto bens fungíveis utilizados para enfeite ou ornamentação, sendo denominado comodato ad pompam vel ostentationem. Ilustrando, esse contrato está presente quando “se empresta uma cesta de frutas ou garrafas de uísque para ornamentação ou exibição numa exposição, hipótese em que a convenção das partes tem o condão de transformar a coisa fungível por sua natureza em infungível, pois só dessa maneira será possível, findo o comodato, a restituição da mesma coisa que foi emprestada. Nessa última hipótese ter-se-á o ‘comodatum pompae vel ostentationis causa’” (Diniz, Maria Helena. Curso..., 2005, p. 326. No mesmo sentido: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil..., 2007, p. 313). Destaque-se que a categoria interessa mais à doutrina do que à prática.
Percebe-se que o comodato é gratuito, eis que não há qualquer contraprestação do comodatário. Entretanto, no empréstimo de uma unidade em condomínio edilício, pode ser convencionado que o comodatário pagará as despesas de condomínio. Isso, contudo, não desfigura ou desnatura o contrato, pois a onerosidade do comodatário é inferior à contraprestação, havendo um comodato modal ou com encargo (DINIZ, Maria Helena. Curso..., 2005, p. 326; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil..., 2007, p. 311).
O art. 579 do CC é claro ao prever que o comodato perfaz-se com a tradição do objeto, com a sua entrega, o que denota a sua natureza real. Quanto à possibilidade de celebração de promessa de comodato, é de se responder positivamente como Marco Aurélio Bezerra de Melo, enquadrando a hipótese dentro dos contratos preliminares (arts. 462 a 466 do CC). Entende esse doutrinador que não havendo a entrega da coisa, estará presente somente a promessa de empréstimo, figura negocial atípica (Novo Código Civil..., 2004, p. 256).
Limitando a sua celebração, o art. 580 do CC reza que os tutores, curadores em geral ou administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda. A exemplo do que ocorre com o art. 497 do CC, aplicável à compra e venda, trata-se de uma limitação à liberdade de contratar. Para que essa venda seja realizada é preciso haver autorização do próprio dono ou autorização judicial, ouvido o Ministério Público se o negócio envolver interesses de incapaz.
O contrato de comodato é apontado como um negócio temporário, fixado com prazo determinado ou indeterminado.
Se o contrato não tiver prazo convencional (prazo indeterminado), será presumido para o uso concedido. Nessa hipótese, não pode o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada. A última regra também vale para o contrato celebrado com prazo determinado. Em outras palavras, antes de findo o prazo ou do uso concedido, não poderá o comodante reaver a coisa, em regra (art. 581 do CC). O desrespeito a esse dever gera o pagamento das perdas e danos que o caso concreto determinar. Aplicando muito bem a inteligência do art. 581 do CC, transcreve-se, do Tribunal de Minas Gerais:
“Agravo de Instrumento. Reintegração de posse. Comodato verbal. Prazo indeterminado. Concessão de prazo para desocupação. Inteligência do art. 581 do CC/2002. Para a concessão da liminar de reintegração de posse, faz-se necessário que o autor comprove, com a inicial ou em audiência de justificação prévia, a sua posse anterior, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse. Atendidos tais requisitos, o juiz deverá deferir a expedição do mandado liminar de reintegração de posse. Contudo, em se tratando de contrato de comodato verbal por prazo indeterminado, em observância ao disposto no art. 581 do CC/2002, inexistindo prova da necessidade urgente e imprevista, não há se falar em suspensão do uso do imóvel sem que se conceda prazo necessário para desocupação, pois a notificação do comodatário de que já não interessa à comodante o empréstimo do imóvel é insuficiente para que o juiz determine a imediata reintegração de posse” (TJMG, Agravo 1.0362.07.085581-6/0011, João Monlevade, 17.a Câmara Cível, Rel. Des. Irmar Ferreira Campos, j. 10.04.2008, DJEMG 23.04.2008).
Ainda do art. 581 do Código Civil podem ser retiradas algumas conclusões práticas. De início, quanto ao comodato com prazo determinado, findo esse, será devida a devolução da coisa, sob pena de ingresso da ação de reintegração de posse e sem prejuízo de outras consequências previstas em lei. Em casos tais, encerrado o prazo, haverá mora automática do devedor (mora ex re), nos termos do art. 397, caput, do CC. Aplica-se a máxima dies interpellat pro homine (o dia do vencimento interpela a pessoa).
Não havendo prazo fixado, a coisa será utilizada conforme a sua natureza. Finda a utilização, o comodante deverá notificar o comodatário para devolvê-la, constituindo-o em mora, nos termos do art. 397, parágrafo único, do CC (mora ex persona). Não sendo atendido o comodante, caberá ação de reintegração de posse, sem prejuízo de outras penalidades. A jurisprudência do STJ tem divergido se a mera notificação, por si só, é motivo para a reintegração da posse. Entendendo que sim, cumpre transcrever:
“Civil. Ação de reintegração de posse. Comodato verbal. Pedido de desocupação. Notificação. Suficiência. CC anterior, art. 1.250. Dissídio jurisprudencial comprovado. Procedência. I. Dado em comodato o imóvel, mediante contrato verbal, onde, evidentemente, não há prazo assinalado, bastante à desocupação a notificação ao comodatário da pretensão do comodante, não se lhe exigindo prova de necessidade imprevista e urgente do bem. II. Pedido de perdas e danos indeferido. III. Precedentes do STJ. IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. Ação de reintegração de posse julgada procedente em parte” (STJ, REsp 605.137/PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 18.05.2004, DJ 23.08.2004, p. 251).
Mas, em sentido contrário, há julgado até mais recente, assim ementado: “1. Civil. Comodato por prazo indeterminado. Retomada do imóvel. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido, salvo necessidade imprevista e urgente do comodante (CC, art. 1.250). 2. Processo civil. Reintegração de posse. Medida liminar. A só notificação do comodatário de que já não interessa ao comodante o empréstimo do imóvel é insuficiente para que o juiz determine a imediata reintegração de posse; ainda que deferida a medida liminar, deve ser assegurado o prazo necessário ao uso concedido sem perder de vista o interesse do comodante, para não desestimular a benemerência. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido” (STJ, REsp 571.453/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, 3.a Turma, julgado em 06.04.2006, DJ 29.05.2006, p. 230).
Na opinião deste autor, em regra, a notificação é suficiente para a reintegração de posse, mas em algumas situações deve ser analisado o caso concreto. A título de exemplo, pode ser aplicado o art. 473, parágrafo único, do CC, sendo postergado o contrato nos casos em que o comodatário tiver realizado investimentos consideráveis no negócio. Entram em cena a conservação contratual e a função social do contrato.
Pois bem, a parte final do art. 582 do CC consagra outras penalidades nos casos em que o bem não é devolvido, pois “o comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante”. É notório que as consequências da mora do devedor estão previstas no art. 399 do CC, respondendo o comodatário no caso em questão por caso fortuito e força maior, a não ser que prove a ausência de culpa ou que a perda do objeto do contrato ocorreria mesmo se não estivesse em atraso.
Quanto ao aluguel fixado pelo comodante, geralmente quando da notificação, este tem caráter de penalidade, não sendo o caso de se falar em conversão do comodato em locação. Referente à fixação desse aluguel-pena, prevê o Enunciado n. 180 CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil que “A regra do parágrafo único do art. 575 do novo CC, que autoriza a limitação pelo juiz do aluguel arbitrado pelo locador, aplica-se também ao aluguel arbitrado pelo comodante, autorizado pelo art. 585, 2.a parte, do novo CC”.
Pelo teor do enunciado, será facultado ao juiz reduzir o aluguel arbitrado pelo comodante se ele for excessivo, a exemplo do que ocorre com a locação regida pelo Código Civil. Concordamos em parte com o teor desse enunciado, que afasta a onerosidade excessiva. De qualquer forma, melhor seria se a norma fosse completada pelo art. 413 do Código, que traz a redução da penalidade como um dever do magistrado, por aplicação do princípio da função social dos contratos (eficácia interna do princípio).
Julgado do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 2012, estabeleceu a relação entre os arts. 582 e 575 do CC, deduzindo que “A natureza desse aluguel é de uma autêntica pena privada, e não de indenização pela ocupação indevida do imóvel emprestado. O objetivo central do aluguel não é transmudar o comodato em contrato de locação, mas sim coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada, que indevidamente não foi devolvida no prazo legal. O arbitramento do aluguel-pena não pode ser feito de forma abusiva, devendo respeito aos princípios da boa-fé objetiva (art. 422/CC), da vedação ao enriquecimento sem causa e do repúdio ao abuso de direito (art. 187/CC). Havendo arbitramento em valor exagerado, poderá ser objeto de controle judicial, com eventual aplicação analógica da regra do parágrafo único do art. 575 do CC, que, no aluguel-pena fixado pelo locador, confere ao juiz a faculdade de redução quando o valor arbitrado se mostre manifestamente excessivo ou abusivo. Para não se caracterizar como abusivo, o montante do aluguel-pena não pode ser superior ao dobro da média do mercado, considerando que não deve servir de meio para o enriquecimento injustificado do comodante” (STJ, REsp 1.175.848/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 18.09.2012, publicado no seu Informativo n. 504).
A primeira parte do art. 582 do CC traz a regra pela qual o comodatário deve conservar a coisa emprestada como se sua fosse. O comodatário não pode, ainda, usá-la em desacordo do que prevê o contrato ou à própria natureza da coisa, sob pena de responder, de forma integral, pelas perdas e danos que o caso concreto indicar. O dispositivo impõe as seguintes obrigações ao comodatário:
a) obrigação de fazer – guardar e conservar a coisa;
b) obrigação de não fazer – não desviar o uso da coisa do convencionado ou da natureza da coisa.
O desrespeito a esses deveres, além de gerar a imputação das perdas e danos, poderá motivar a rescisão contratual por inexecução voluntária. A obrigação do comodatário é cumulativa ou conjuntiva, pois o desrespeito a qualquer um desses deveres é motivo suficiente para a resolução contratual. Demonstrando a aplicação do art. 582 do CC a respeito das perdas e danos, da jurisprudência gaúcha:
“Apelação cível. Direito privado não especificado. Ação ordinária de cobrança. Contrato de comodato. Freezer. Perda da coisa sob a guarda do comodatário. Dever de ressarcir reconhecido. Exegese do art. 582 do Código Civil. Nos termos do art. 582 do Código Civil, o comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, pena de responder por perdas e danos. Responsabilidade reconhecida no caso, diante do fato de o comodatário ter fechado seu estabelecimento comercial sem proceder à devolução do freezer dado em comodato, tornando-o suscetível de ser objeto de furto. Recurso de apelação ao qual se nega provimento” (TJRS, Apelação cível n. 70033049800, Capão da Canoa, Décima Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Pedro Celso Dal Pra, julgado em 26.11.2009, DJERS 02.12.2009, p. 83).
O art. 583 do CC também traz uma consequência importante para o comodatário. Se, caindo em risco a coisa emprestada, o comodatário deixar de salvá-la para salvar coisa própria, responderá pelo dano ocorrido, ainda que em decorrência de caso fortuito (evento totalmente imprevisível) e força maior (evento previsível, mas inevitável). Vejamos um exemplo para ilustrar o caso.
Pablo empresta um cavalo puro sangue para Rodolfo, que o coloca em um estábulo junto com outro cavalo de sua propriedade, um pangaré. Um raio atinge o estábulo que começa a pegar fogo, colocando os animais em risco. Como tem um apreço muito grande pelo pangaré, Rodolfo resolve salvá-lo, deixando o puro-sangue arder nas chamas. A consequência do caso em questão é a responsabilidade integral do comodatário (Rodolfo) em relação ao comodante (Pablo).
Como se pode perceber, a norma acaba penalizando a conduta egoísta do comodatário, sendo caso de responsabilização por eventos imprevisíveis e inevitáveis. Constitui, portanto, exceção à regra de que a parte não responde por tais ocorrências.
Ressaltando o caráter gratuito do contrato, o comodatário não poderá, em hipótese alguma, recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e o gozo da coisa emprestada (art. 584 do CC). Em relação a esse dispositivo, anota Maria Helena Diniz que “o comodatário pagará as despesas ordinárias (p. ex., taxa de luz, água e lixo, IPTU, abastecimento de veículo, lubrificação de máquinas, conserto de fechadura, troca, de vidro trincado) feitas com o uso e gozo do bem dado em comodato, não podendo recobrá-las do comodante (RT, 481:177) mas poderá cobrar os dispêndios não relacionados com a fruição daquele bem (p. ex., multa por edificação irregular da casa emprestada) e as despesas extraordinárias e necessárias feitas em caso de urgência, podendo reter a coisa emprestada até receber o pagamento dessas despesas, por ser possuidor de boa-fé (RF, 158:299, 28:340, 112:285 e 95:378; RT, 192:738 e 198:130; AJ, 108:607; RJTJSP, 130:207)” (Código..., 2005, p. 509).
Todavia, justamente por ser possuidor de boa-fé, conforme aponta a renomada doutrinadora, é que o comodatário, em regra, terá direito à indenização e direito de retenção pelas benfeitorias necessárias e úteis, conforme prevê o art. 1.219 do CC. Além disso, poderá levantar as benfeitorias voluptuárias, se isso não danificar o bem. Contudo, podem as partes, em contrato paritário, prever o contrário, sendo perfeitamente válida a cláusula nesse sentido em tais contratos plenamente discutidos.
De toda a sorte, a questão não é pacífica, pois há julgados que apontam que o comodatário não tem direito a ser indenizador por tais benfeitorias pela norma do art. 584 do CC. Nesse sentido, do Tribunal Fluminense e do Tribunal Paulista, respectivamente:
“Reintegração de posse. Comodato verbal. Imóvel utilizado para exercício de atividade empresarial. Benfeitorias realizadas em proveito do comodatário, cuja finalidade era adequar o imóvel a atividade exercida. Inexistência do dever de indenizar. Desnecessidade de prova pericial. Inteligência do artigo 584 do Código Civil. Manutenção da sentença. Desprovimento do apelo” (TJRJ, Apelação 2009.001.16394, 1.a Câmara Cível, Rel.a Des.a Vera Maria Soares Van Hombeeck, j. 14.04.2009, DORJ 27.04.2009, p. 116).
“Contrato. Comodante. Imóvel. Pretensão a indenização por benfeitorias. Inadmissibilidade, mesmo em face da revelia dos réus, que apresentaram contestação e reconvenção intempestivas. Inteligência do disposto no art. 584 do Código Civil” (TJSP, Apelação Cível 7276634-2, Acórdão 3590228, São Paulo, 14.a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Tarcisio Beraldo, j. 25.03.2009, DJESP 02.06.2009).
A questão não é pacífica na própria jurisprudência, havendo julgados que reconhecem a possibilidade de indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis no comodato (TJSP, Agravo de Instrumento 7301347-5, Acórdão 3628632, Mogi-Mirim, Vigésima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cunha Garcia, julgado em 09.03.2009, DJESP 09.06.2009; TJMG, Apelação Cível 1.0514.07.024211-0/0011, Pitangui, 16.a Câmara Cível, Rel. Des. Nicolau Masselli, j. 22.04.2009, DJEMG 05.06.2009). Ficamos com os últimos julgados, mais condizentes com a proteção do possuidor de boa-fé. Em suma, o art. 1.219 do Código Civil deve prevalecer em relação ao art. 584 da mesma codificação.
Em complemento, tem-se admitido a renúncia prévia, pelo comodatário, das benfeitorias. Assim, do Superior Tribunal de Justiça o julgado assim ementado, que reconhece o direito às benfeitorias, pela prevalência do art. 1.219: “Recurso especial. Ação de manutenção de posse. Direito de retenção por acessão e benfeitorias. Contrato de comodato modal. Cláusulas contratuais. Validade. 1. A teor do artigo 1.219 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis e, por semelhança, das acessões, sob pena de enriquecimento ilícito, salvo se houver estipulação em contrário. 2. No caso em apreço, há previsão contratual de que a comodatária abre mão do direito de ressarcimento ou retenção pela acessão e benfeitorias, não tendo as instâncias de cognição plena vislumbrado nenhum vício na vontade apto a afastar as cláusulas contratuais insertas na avença. 3. A atribuição de encargo ao comodatário, consistente na construção de casa de alvenaria, a fim de evitar a ‘favelização’ do local, não desnatura o contrato de comodato modal. 4. Recurso Especial não provido” (STJ, REsp 1.316.895/SP, 3.a Turma, Rel. Desig. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, DJE 28.06.2013, p. 856).
De toda sorte, se a renúncia às benfeitorias for imposta ao comodatário por meio de contrato de adesão, deve ser reputada nula a cláusula de renúncia, o que é incidência do art. 424 do CC/2002 e da função social do contrato em sua eficácia interna. Em suma, a conclusão é a mesma existente no caso da locação.
Em havendo pluralidade de comodatários, haverá responsabilidade solidária entre os mesmos (art. 585 do CC). A hipótese é de solidariedade passiva de origem legal, no que se refere ao conteúdo do contrato. Anote-se que se a coisa se perder por culpa de um dos devedores, todos responderão pelo seu valor, mas pelas perdas e danos somente responde o comodatário culpado (art. 279 do CC).
Para encerrar o estudo do comodato, com interessante diálogo com a legislação trabalhista, vale comentar proposta de enunciado exposta na IV Jornada de Direito Civil e que, por falta de tempo e excesso de trabalho, não foi sequer analisada.
A proposta do enunciado doutrinário foi apresentada por José Geraldo da Fonseca, Juiz Federal do Trabalho da 7.a Turma do TRT do Rio de Janeiro, sendo o seu teor: “O comodato, como direito real, é um contrato de empréstimo gratuito e temporário de coisas não fungíveis e inconsumíveis, móveis, imóveis ou semoventes. O comodato de imóvel utilizado como habitação extingue-se com a morte do comodatário porque se trata de empréstimo pessoal. O comodato de imóvel será sempre incompatível com o contrato de trabalho quando, pela natureza da prestação dos serviços, o uso do imóvel for essencial à própria formação do contrato de trabalho ou da relação de emprego. Inteligência dos arts. 579 do Código Civil e 458 da CLT”.
A proposta tem conteúdo interessante, sendo as suas justificativas:
“No direito do trabalho – quando o comodato for compatível com o contrato de trabalho –, resolve-se o comodato com a extinção do contrato. Em tese, o comodato não é incompatível com o contrato de emprego, salvo naqueles tipos de contrato em que o uso do imóvel é essencial à própria formação do contrato de trabalho. É o caso, por exemplo, do caseiro. O art. 458 da CLT dá à habitação que o patrão habitualmente fornece ao empregado, por contrato ou pelo costume, natureza jurídica de salário-utilidade, salvo se a utilidade é indispensável ao exercício do próprio trabalho. Se a residência do empregado é salário em sentido lato, e salário é a contraprestação do trabalho subordinado, há um contrato de emprego a justificar o uso oneroso do imóvel, e não um de comodato, que pressupõe gratuidade do empréstimo. A posse direta e precária da propriedade somente é legítima se e enquanto existir o contrato de trabalho. Cessando o contrato de trabalho, cessa a posse precária do bem, que passa, contra a vontade do proprietário, a posse clandestina e ilegítima (esbulho possessório). O retomante deve valer-se de ação de reintegração de posse. A utilidade do enunciado está em pôr fim ao dissenso quanto ao dies a quo da extinção do comodato de imóvel emprestado para habitação do comodatário, na jurisdição comum e na trabalhista, e, em especial, em inibir a celebração de contratos de comodato com o propósito de mascarar a relação de emprego”.
Sem dúvidas, o enunciado tem importante aplicação prática e, se levado à votação, seríamos favoráveis ao seu conteúdo. Frise-se que a proposição traz como conteúdo outro interessante exemplo de diálogo entre a legislação civil e trabalhista.
Para finalizar, é imperioso ainda dizer que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que se o contrato de comodato de um imóvel mantiver relação direta com um contrato de trabalho, será competente para analisar eventual conflito contratual a Justiça do Trabalho. Por todos: “Competência. Comodato. Relação trabalhista. Compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar a controvérsia sobre a reintegração do empregador na posse de imóvel dado em comodato ao empregado para sua moradia durante o contrato de trabalho. Isso se deve às alterações promovidas pela EC n. 45/2004 no art. 114, VI, da CF/1988” (STJ, CC 57.524-PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 27.09.2006).
O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis (art. 586 do CC), sendo partes do contrato o mutuante (aquele que cede a coisa) e o mutuário (aquele que a recebe). Em regra, trata-se de contrato unilateral e gratuito, exceção feita para o mútuo oneroso. Além disso, o contrato é comutativo, real, temporário e informal. O exemplo típico envolve o empréstimo de dinheiro, uma vez que o mútuo somente terá como objeto bens móveis, pois somente esses podem ser fungíveis (art. 85 do CC).
Como a coisa é transferida a outrem e consumida, sendo devolvida outra de mesmo gênero, qualidade e quantidade, o contrato é translativo da propriedade, o que o aproxima da compra e venda somente neste ponto. Por transferir o domínio da coisa emprestada, por conta do mutuário correm todos os riscos da coisa desde a tradição (art. 587 do CC).
Com aplicação direta ao empréstimo de dinheiro, estatui o art. 590 do CC que o mutuante pode exigir do mutuário garantia real ou fidejussória, da restituição da coisa emprestada, se antes do vencimento do contrato o último sofrer notória mudança em sua situação econômica. Não sendo atendido o mutuante, ocorrerá o vencimento antecipado da dívida, segundo apontam a doutrina e a jurisprudência (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil..., 2007, p. 333). O art. 590 mantém relação com o art. 477 do CC, com redação muito parecida, e que trata da exceptio non rite adimpleti contractus, para os contratos bilaterais.
O mútuo feito a menor de 18 anos, tema clássico do Direito Civil, continua tratado pela atual codificação. Em regra, o mútuo feito a menor sem a autorização do seu representante ou daquele sob cuja guarda estiver, não poderá ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores (art. 588 do CC). Trata-se, portanto, de caso de ineficácia do negócio, pois a obrigação é natural ou incompleta: a dívida existe, mas não há a correspondente responsabilidade (“Schuld sem Haftung”).
Ensina Tereza Ancona Lopez, citando Silvio Rodrigues e Washington de Barros Monteiro, que a regra contida no art. 588 do CC “tem sua origem no senatus consultus macedoniano, que negava ao credor ação destinada a obter o pagamento de um dinheiro emprestado a um filius familiae”. Relata a professora da USP que a incapacidade do filho para receber empréstimo surgiu em Roma quando certo menor, filho do Senador Macedo, assassinou o próprio pai, a fim de obter recursos para pagar credores. Desde então, essa proibição passou a ser a regra, constando ainda em codificações modernas (Comentários..., 2003, p. 154).
No Código Civil brasileiro de 2002, a exemplo do que já ocorria com o seu antecessor, a regra comporta exceções. Enuncia o art. 589 do CC/2002 que não se aplica a regra do artigo anterior nos seguintes casos:
I – Se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente.
II – Se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair empréstimo para os seus alimentos habituais.
III – Se o menor tiver ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhe poderá ultrapassar as forças.
IV – Se o empréstimo reverteu em benefício do menor.
V – Se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.
Os incisos III, IV e V da norma merecem comentário, sendo os dois últimos novidades da codificação atual. O inciso III visa a proteger a dignidade do menor (art. 1.°, III, da CF/1988), preservando um piso mínimo de direitos (Estatuto jurídico do patrimônio mínimo).
Já o inciso IV pretende afastar o enriquecimento sem causa, nos termos do que ordena o art. 884 do CC. Aplicando tal preceito, prático acórdão do Tribunal Paulista, assim resumido: “Anulatória de negócio jurídico c.c. reparação de danos morais. Cerceamento de defesa. Ino-corrência. Dilação probatória desnecessária. Menor relativamente incapaz que contratou empréstimo automático em terminal eletrônico. Contrato de abertura de conta-corrente assinado por seu genitor, com cláusula validando o empréstimo contratado nessa modalidade. Validade do negócio jurídico. Mútuo que beneficiou o Apelante (artigos 588 e 589, inc. IV, do Código Civil). Negativação em razão da inadimplência da obrigação. Exercício regular de direito. Inocorrência de danos morais. Litigância de má-fé. Alteração da verdade dos fatos e busca de objetivo ilegal (enriquecimento sem causa). Hipóteses do art. 17 do CPC caracterizadas. Prejudicada a questão da justiça gratuita. Sentença mantida na íntegra. Recurso não provido” (TJSP, Apelação 9141927-20.2008.8.26.0000, Acórdão 5983089, Presidente Prudente, 12.a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Tasso Duarte de Melo, j. 13.06.2012, DJESP 02.07.2012).
Por fim, o inciso V mantém relação direta com a boa-fé objetiva, protegendo a parte que age de acordo com os ditames da ética e a tutela da confiança. Aliás, o inciso V do art. 589 é complementado pelo art. 180 do mesmo CC em vigor, prescrevendo o último comando que “o menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior”.
O mútuo oneroso, comum no empréstimo de dinheiro, também denominado mútuo feneratício, está tratado pelo art. 591 do CC/2002:
“Art. 591. Destinando-se o mútuo para fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.”
Pela leitura do dispositivo percebe-se que o mútuo oneroso de dinheiro envolve a cobrança de juros, que constituem remuneração devida pela utilização de capital alheio (frutos civis ou rendimentos). Quanto a esse dispositivo, dispõe o Enunciado n. 34 CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, que “No novo Código Civil, quaisquer contratos de mútuos destinados a fins econômicos presumem-se onerosos (art. 591), ficando a taxa de juros compensatórios limitada ao disposto no art. 406, com capitalização anual”. Já comentamos a questão de juros de forma exaustiva no volume anterior desta coleção, para onde se remete aquele que pretenda os devidos aprofundamentos.
Mesmo assim, é de se lembrar que, para a jurisprudência, as entidades bancárias não estão sujeitas à Lei de Usura (Decreto-lei 22.626/1933), norma que ainda veda a cobrança de juros abusivos, além do dobro da taxa legal. Esse entendimento consta da Súmula 596 do STF, confirmada pelo STJ e por Tribunais Inferiores, inclusive nos casos de mútuo oneroso. A tese foi confirmada por julgado publicado no Informativo n. 343 do STJ, de 16 de fevereiro de 2008, que afastou a incidência do art. 591 do CC/2002 aos contratos bancários:
“Juros. Capitalização. CC/2002. A MP 1.963-17/2000, republicada sob o n. 2.170-36/2001 (de garantida vigência em razão do art. 2.° da EC 32/2001), é direcionada às operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, daí sua especificidade, a fazê-la prevalecer sob o novo Código Civil. Dessarte, depois de 31.03.2000, data em que entrou em vigor o art. 5.° da referida MP, as instituições financeiras, se expressamente pactuado, fazem jus à capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual em contratos não regulados por lei específica, direito que não foi afastado pelo art. 591 do CC/2002, dispositivo aplicável aos contratos civis em geral. No caso, cuidou-se de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária, firmado após a vigência do novo Código Civil. Precedentes citados: REsp 602.068-RS, DJ 21.03.2005; REsp 680.237-RS, DJ 15.03.2006; AgRg no REsp 714.510-RS, DJ 22.08.2005, e REsp 821.357-RS, DJ 23.08.2007” (REsp 890.460-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 18.12.2007).
Mais recentemente, o mesmo STJ editou duas súmulas a respeito do tema. A primeira, de número 382, prevê que “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”. Assim sendo, as entidades bancárias estão permitidas a cobrar as famosas taxas de mercado, além do limite estabelecido no art. 591 do CC. Por outro lado, de acordo com a Súmula 379, “Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1%ao mês”. O entendimento da última súmula tem sido aplicado a empréstimo de dinheiro feito por empresas de factoring.
Mesmo não concordando com a tese, é de se concluir que, para essa mesma jurisprudência, o art. 591 do CC não será aplicado aos contratos bancários, valendo as regras de mercado. Esse é o entendimento que, infelizmente, deve ser considerado como majoritário.
Aliás, é curioso verificar uma interessante contradição, uma vez que o mútuo bancário feito a correntista de um banco, pessoa natural ou física, é caracterizado como contrato de consumo, aplicando-lhe o Código de Defesa do Consumidor (Súmula 297 do STJ e entendimento do STF na ADIN 2.591/DF, julgada em 7 de junho de 2006). Porém, mesmo com a aplicação da lei protetiva do consumidor, o CDC, a instituição bancária não estará sujeita à Lei de Usura ou a outras limitações, podendo cobrar as abusivas taxas de mercado.
No entanto, para os demais contratos o dispositivo merecerá aplicação, estando os juros limitados a 1% (um por cento) ao mês, ou 12% (doze por cento) ao ano, conforme determina o Enunciado n. 20 CJF/STJ, aprovado em relação ao art. 406 do CC quando da I Jornada de Direito Civil. Vale lembrar que há um outro entendimento, segundo o qual a taxa SELIC é a que complementa o art. 406 do CC/2002. A divergência divide a doutrina e a jurisprudência, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça, conforme exposto no Volume 2 desta coleção.
Encerrando o estudo do mútuo, o art. 592 do CC trata dos prazos do contrato caso não haja previsão no instrumento, nos seguintes termos:
a) Nos casos de mútuo de produtos agrícolas, tanto para consumo quanto para a semeadura, presume-se o prazo até a próxima colheita.
b) Nos casos de empréstimo de dinheiro, o prazo será de trinta dias, contados da sua celebração.
c) Para os demais casos envolvendo coisa fungível, presume-se o prazo como sendo o que declarar o mutuante de qualquer forma. Esse prazo será fixado por aquele que emprestou a coisa por meio de interpelação judicial feita pelo mutuário, o que não obsta que o magistrado venha a aumentá-lo se as circunstâncias fáticas trouxerem evidências de que o prazo estabelecido pelo mutuante é insuficiente (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2005).
O contrato de depósito está tratado entre os arts. 627 a 652 do atual Código Civil Brasileiro. Conforme o primeiro dispositivo, pelo contrato de depósito o depositário recebe um objeto móvel e corpóreo, para guardar, até que o depositante o reclame. De acordo com a manifestação da vontade, o depósito pode ser classificado em voluntário ou necessário (ou obrigatório), subdividindo-se este último em legal e miserável. O esquema a seguir demonstra o tratamento dado pela lei ao contrato em questão:
Depósito |
|
Voluntário (resulta da vontade das partes) |
|
Necessário (ou obrigatório) |
Legal (resulta da lei) |
Miserável (calamidade pública) |
Em relação ao objeto, o depósito também pode ser classificado em regular, quando se tratar de coisa infungível; e irregular, quando se tratar de coisa fungível:
Depósito |
|
Regular |
Coisa infungível |
Irregular |
Coisa fungível |
O depósito é um contrato, em regra, unilateral e gratuito (art. 628 do CC). Entretanto, é possível o depósito bilateral e oneroso, diante de convenção das partes, atividade ou profissão do depositário. Há depósito oneroso naqueles contratos de guarda em cofres prestados por instituições bancárias, negócios esses que podem ser configurados como contratos de consumo, aplicando-lhes o CDC (ver: TJSP, Apelação 7132284-2, Acórdão 2615160, São Paulo, 21.a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Richard Paulo Pae Kim, j. 15.05.2008, DJESP 02.06.2008).
Sendo o depósito oneroso ou sinalagmático, não constando da lei ou de convenção o valor da remuneração do depositário, será essa determinada pelos costumes do lugar e, na falta destes, por arbitramento (art. 628, parágrafo único, do CC).
O contrato em questão é comutativo e também personalíssimo (intuitu personae), fundado na confiança do depositante em relação ao depositário. Em tom didático, pode-se afirmar que o depositante deposita confiança no depositário. Trata-se de um contrato temporário, que pode ser fixado por prazo determinado ou indeterminado. Constitui contrato real, pois, a exemplo do comodato e do mútuo, tem aperfeiçoamento com a entrega da coisa a ser depositada (tradição). Mais uma vez, a tradição é deslocada do plano da eficácia para o plano da validade do negócio jurídico.
Restam dúvidas se o contrato é formal ou informal pelo que consta do art. 646 do CC, que prevê “o depósito voluntário provar-se-á por escrito”. Ora, o contrato de depósito é informal e não solene. Isso porque o dispositivo fala em prova do contrato (ad probationem), o que está no plano da eficácia do negócio jurídico, e não no da sua validade. Em outras palavras, a forma escrita com fins de prova está no terceiro degrau (plano da eficácia) e não no segundo degrau (plano da validade) da Escada Ponteana.
Apesar da similaridade, o contrato não se confunde com o comodato. No depósito o depositário apenas guarda a coisa, tendo uma obrigação de custódia, sem poder usá-la. No comodato, como se demonstrou, a coisa é utilizada pelo comodatário. Apesar de serem institutos diferentes, ambos os negócios têm características próximas (contratos unilaterais e gratuitos, em regra, reais, temporários, informais ou não solenes). Não obstante isso, assim como ocorre com o comodato, o depósito tem como objeto coisas não fungíveis, em regra. Porém, quando o depósito tiver como objeto bens fungíveis, será denominado depósito irregular, aplicando-se as regras previstas para o mútuo (art. 645 do CC).
Superada essa introdução, serão abordadas as regras específicas previstas para o contrato.
O contrato de depósito é um contrato de guarda, sendo o depositário obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma ter com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante (art. 629 do CC). Justamente por essa natureza do contrato é que a jurisprudência tem entendido que a cláusula de não indenizar não tem validade no contrato de depósito, particularmente no caso de depósito de joias e pedras preciosas em cofre de bancos, diante da citada aplicação do CDC:
“Direito civil. Penhor. Danos morais e materiais. Roubo/furto de joias empenhadas. Contrato de seguro. Direito do consumidor. Limitação da responsabilidade do fornecedor. Cláusula abusiva. Ausência de indício de fraude por parte da depositante. I – O contrato de penhor traz embutido o de depósito do bem e, por conseguinte, a obrigação acessória do credor pignoratício de devolver esse bem após o pagamento do mútuo. II – Nos termos do artigo 51, I, da Lei n° 8.078/1990, são abusivas e, portanto, nulas, as cláusulas que de alguma forma exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios no fornecimento do produto ou do serviço, mesmo que o consumidor as tenha pactuado livre e conscientemente. III – Inexistente o menor indício de alegação de fraude ou abusividade de valores por parte da depositante, reconhece-se o dever de ressarcimento integral pelos prejuízos morais e materiais experimentados pela falha na prestação do serviço. IV – Na hipótese dos autos, em que o credor pignoratício é um banco e o bem ficou depositado em cofre desse mesmo banco, não é possível admitir o furto ou o roubo como causas excludentes do dever de indenizar. Há de se levar em conta a natureza específica da empresa explorada pela instituição financeira, de modo a considerar esse tipo de evento, como um fortuito interno, inerente à própria atividade, incapaz de afastar, portanto, a responsabilidade do depositário. Recurso Especial provido” (STJ, REsp 1.133.111/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 06.10.2009, DJE 05.11.2009).
“Responsabilidade civil. Danos morais e materiais. Roubo em agência bancária. Subtração de bens dos autores depositados em cofre situado na agência. Contrato de prestação de serviços que tem natureza de depósito e não de locação. Conduta negligente do banco configurada. Responsabilidade objetiva do banco nos termos do art. 14 do CDC. Cláusula excludente de responsabilidade considerada nula em contratos de consumo. Dever de indenizar configurado. Danos materiais e morais que devem ser reparados, porém, com a diminuição do valor a título de danos morais. Valor que não pode ensejar o enriquecimento sem causa dos autores. Recursos parcialmente providos. Sentença parcialmente reformada. Responsabilidade civil. Danos morais e materiais. Valor de atualização de mercado dos danos materiais. Contagem que se dá a partir da declaração de imposto de renda trazida aos autos. Modificação impossibilitada pela ausência de elementos probatórios tempestivamente ofertados. Documentos juntados com o recurso de apelação que não podem ser considerados, por ofensa aos arts. 396 e 397, do CPC. Recursos parcialmente providos. Sentença parcialmente reformada. Sucumbência. Reciprocidade. Procedência. Repartição da sucumbência proporcionalmente de acordo com a parcela vencida por cada uma das partes na demanda. Recursos parcialmente providos. Sentença parcialmente reformada” (TJSP, Apelação 7218784-7, Acórdão 3437153, Piracicaba, Vigésima Primeira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ademir de Carvalho Benedito, j. 03.12.2008, DJESP 05.02.2009).
“Responsabilidade civil. Ato ilícito. Subtração de joias e dinheiro existentes em cofre bancário alugado pelo cliente. Avença que caracteriza contrato de depósito e não de locação. Existência, ademais, de prestação de serviços, sujeita ao Codecon. Cláusula de não indenizar inaplicável. Responsabilidade objetiva do banco-réu pelos serviços que causaram prejuízo ao cliente. Danos alegados e configurados por fotos e depoimentos de testemunhas que comprovam a existência das joias e de parte do dinheiro. Valores das joias a serem apurados em liquidação por arbitramento. Pagamento de 50.000 dólares americanos (que estavam n o cofre) com conversão para a moeda corrente nacional na data do ajuizamento. Ausência de verossimilhança da alegação em relação às quantias restantes que estariam no cofre: 3.000 dólares americanos e 85.000 marcos alemães. Indenizatória parcialmente procedente. Recurso parcialmente provido” (1.° TACSP, Processo 1224607-6, Apelação, Origem: São Paulo, Julgador: 5.a Câm., j. 10.12.2003, Rel. Álvaro Torres Júnior, revisor Manoel Mattos, Decisão: deram provimento em parte, v.u.).
Quanto ao conteúdo do que estava dentro do cofre, como há, na grande maioria das vezes, uma relação de consumo, a jurisprudência tem entendido que esse ônus cabe à instituição depositária, o que é aplicação da inversão do ônus da prova constante do art. 6.°, VIII, da Lei 8.078/1990:
“Processo civil e consumidor. Recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e morais. Violação de cofre durante furto ocorrido em agência bancária. Inversão do ônus da prova. Possibilidade. Aplicação do direito à espécie. Procedência do pedido de indenização pelos danos materiais apontados na inicial. Pedido de indenização formulado por consumidor-locatário de cofre alugado em instituição financeira, que perdeu seus bens nele depositados por ocasião de furto ocorrido no interior de instituição bancária. – Foi reconhecida nas instâncias ordinárias que a consumidora habitualmente guardava bens valiosos (joias) no cofre alugado pela locadora-instituição bancária, portanto, verossímeis as afirmações. – Hipótese de aplicação do art. 6°, VIII, do CDC, invertendo-se o ônus da prova em favor do consumidor, no que concerne ao valor dos bens depositados no cofre locado. – Reconhecido o dever de inversão do ônus probatório em favor da consumidora hipossuficiente e com alegações verossímeis que exsurgem do contexto das provas que produziu, aplica-se o disposto no art. 257 do RISTJ e a Súmula n° 456 do STF, ressaltando-se que a instituição financeira-recorrida nunca impugnou o valor pleiteado a título de danos materiais. Recurso Especial provido” (STJ, REsp 974.994/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, j. 05.06.2008, DJE 03.11.2008).
“Prova. Cerceamento de defesa. Instrução probatória. Pleito objetivando provar conteúdo do cofre roubado à instituição financeira e que fora alugado pelo autor. Descabimento. Art. 6.°, inciso VIII, e 51, incisos I, IV, do Código de Defesa do Consumidor e não o art. 333, inciso I, do CPC. Embargos infringentes rejeitados” (1.° TACSP, Processo: 1150219-7/02, Recurso: Embargos Infringentes, Origem: São Paulo, Julgador: 5.a Câm., j. 03.09.2003, Rel. Álvaro Torres Júnior, Revisor: Manoel Mattos. Apelação 1.150.219-7 no mesmo sentido).
Como se extrai dos julgados, as instituições financeiras, corriqueiramente, pretendem afastar sua responsabilidade denominando o contrato como sendo de locação e não de depósito, o que não pode prosperar.
Se o depósito se entregou fechado, colado, selado, ou lacrado, nesse mesmo estado se manterá, devendo ser mantido o seu sigilo (art. 630 do CC). Relembre-se a proteção do sigilo como um direito da personalidade e fundamental, sendo a vida privada da pessoa natural inviolável (art. 21 do CC e art. 5.°, X, da CF/1988). Sendo descumprido esse dever por parte do depositário, o depositante poderá ingressar com ação de rescisão do contrato por resolução (inexecução voluntária), sem prejuízo das perdas e danos (arts. 389, 391, 402, 403 e 404 do CC), inclusive por danos morais (art. 5.°, V e X, da CF/1988).
Prescreve o art. 631 do CC que, salvo disposição em contrário, a restituição da coisa deve dar-se no lugar em que tiver de ser guardada. As despesas de restituição correm por conta do depositante. Como se pode perceber, a norma não é cogente, mas dispositiva, podendo as partes dispor em contrário em relação ao local de entrega, o que é comum na prática.
Se a coisa houver sido depositada no interesse de terceiro, e o depositário tiver sido cientificado deste fato pelo depositante, não poderá o depositário exonerar-se restituindo a coisa ao depositante, sem consentimento do terceiro (art. 632 do CC). O dispositivo constitui mais uma exceção ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais, aproximando-se da estipulação em favor de terceiro (arts. 436 a 438 do CC). Desse modo, se o terceiro não foi cientificado, terá direito a ser indenizado.
Ainda que o contrato fixe prazo para a restituição, o depositário entregará a coisa depositada assim que a mesma seja exigida pelo depositante (art. 633 do CC), exceção feita aos seguintes casos:
a) Se tiver o direito de retenção a que se refere o art. 644 do CC em vigor, em relação a despesas e prejuízos do depósito.
b) Se o objeto for judicialmente embargado.
c) Se sobre ele pender execução, notificada ao depositário.
d) Se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi dolosamente obtida. Havendo essa suspeita, desde que exposto o seu fundamento, o depositário requererá que se recolha a coisa ao Depósito Público, mediante pedido judicial (art. 634 do CC).
Salvo os casos listados, o depositário não poderá furtar-se à restituição do depósito, alegando não pertencer a coisa ao depositante ou sustentando haver a possibilidade de compensação, diante da existência de dívidas recíprocas, exceto se o depósito tiver origem em outro contrato de depósito estabelecido entre as partes (art. 638 do CC).
O art. 635 do CC faculta ao depositário converter o depósito convencional em judicial na hipótese em que, por motivo plausível, não puder guardar a coisa e o depositante não quiser recebê-la. Para esse caso de conversão, podem ser aplicadas as regras previstas tanto no Código Civil (arts. 334 a 345) quanto no Código de Processo Civil (arts. 890 a 900) para o pagamento em consignação ou consignação em pagamento.
O depositário que, por caso fortuito (evento imprevisível) ou força maior (evento previsível, mas inevitável), houver perdido a coisa depositada e recebido outra em seu lugar, é obrigado a entregar a segunda ao depositante. Além disso, o depositário deverá ceder ao depositante as ações que no caso tiver contra o terceiro responsável pela restituição da primeira (art. 636 do CC/2002). Em outras palavras, deverá ser restituída a coisa sub-rogada, que substituiu a primeira, caso de sub-rogação real e legal. Isso, sem prejuízo da indenização que couber diante da referida substituição.
Como antes apontado, o contrato de depósito é personalíssimo, sendo extinto com a morte do depositário. Com a extinção do contrato por cessação, resta aos herdeiros do depositário a obrigação de devolver a coisa. No entanto, quanto ao herdeiro do depositário que de boa-fé vendeu a coisa depositada, este será obrigado a assistir o depositante na reivindicação, e a restituir ao comprador o preço recebido (art. 637 do CC).
Quando o dispositivo fala em assistir, está se referindo à assistência processual, prevista entre os arts. 50 a 55 do CPC. É de se concordar, de forma integral, com Marco Aurélio Bezerra de Melo quando este autor menciona que a boa-fé referenciada nesse comando legal não é a boa-fé objetiva, relacionada com a conduta de lealdade, mas a boa-fé subjetiva, ou boa-fé crença, fundada na intenção da parte (Novo Código Civil..., 2004, p. 357).
O Código Civil de 2002 reconhece ainda a possibilidade de depósito voluntário conjunto, constando dois ou mais depositantes (art. 639). Sendo divisível a coisa, no ato da sua devolução, o depositário entregará a cada um dos depositantes a respectiva parte, salvo se houver entre eles solidariedade estabelecida por força de contrato (solidariedade ativa convencional). A presunção relativa é de divisão igualitária dos quinhões, aplicando-se a máxima concursu partes fiunt (art. 257 do CC).
Frise-se que o contrato de depósito, ao contrário do contrato de comodato, não traz a possibilidade de uso da coisa. Trata-se de mero contrato de guarda, conforme mencionado anteriormente. Justamente por isso, é motivo para a rescisão do contrato (resolução com perdas e danos) o fato de o depositário servir-se da coisa depositada ou alienar a coisa a outrem sem a expressa autorização do depositante (art. 640 do CC). Com essa conduta, o depositário quebra com a finalidade social do contrato, o que motiva a sua rescisão. A ilustrar a aplicação desse comando, podem ser colacionados os seguintes julgados:
“Bem móvel. Ação de depósito. Procedência. Alegação de que alguns dos objetos depositados estavam deteriorados. Assertiva que não autoriza o depositário dispor dos bens. Vedação de fazer uso dos móveis sem anuência do depositante. Incidência do art. 640 do Código Civil. Perdas e danos. Verba devida. Móveis em mau estado de conservação e sujeitos ao desgaste natural pelo decurso do tempo. Redução. Recurso provido em parte. Nos termos do art. 640 do Código Civil, não pode o depositário servir-se dos bens depositados sem anuência do depositante, sob pena de responder por perdas e danos. Bem por isso, a indenização é devida e deve abranger aquilo que o credor efetivamente perdeu na hipótese (art. 402 do Código Civil), fazendo os autores jus ao recebimento do valor correspondente aos móveis que foram dados em depósito, por ocasião da locação celebrada entre as partes e retirados do imóvel locado pelos réus. O montante fixado a título de perdas e danos mostra-se exagerado e deve ser reduzido para R$ 1.000,00 (hum mil reais), havendo demonstração satisfatória de que parte dos bens dados em depósito e retirados do imóvel estava em mau estado de conservação e sujeitos ao desgaste natural pelo decurso do tempo” (TJSP, Apelação 0013158-58.2010.8.26.0007, Acórdão 6366578, São Paulo, 32.a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Kioitsi Chicuta, j. 29.11.2012, DJESP 06.12.2012).
“Apelação cível. Responsabilidade civil. Depósito judicial. Utilização do veículo pelo depositário. Destituição do encargo. Alegação de negligência por parte do depositário. Pedido de ressarcimento de danos materiais. Ônus de sucumbência. 1. Caso em que o veículo foi entregue ao requerido, na condição de depositário judicial. Ocorrida a destituição do encargo e a devolução do bem ao autor, este alegou uma série de avarias, objeto do pedido indenizatório. 2. Sendo incontroverso nos autos que o requerido utilizou-se do veículo depositado consigo, sem qualquer prévia autorização judicial, deve arcar com os danos decorrentes da fadiga material decorrente do uso, ainda que diligente. Aplicação do artigo 640, do Código Civil. 3. Danos materiais parcialmente afastados. Ausência de provas quanto à alegada necessidade de reparos mecânicos no automóvel. Confirmada a indenização em relação aos danos materiais decorrentes da substituição de pneus. Reduzida a indenização devida para conserto de para-choque, consoante o menor orçamento constante dos autos. 4. Sucumbência redimensionada, na forma do art. 20, do Código de Processo Civil. Apelo provido parcialmente. Unânime” (TJRS, Apelação Cível 514527-07.2011.8.21.7000, Erechim, 9.a Câmara Cível, Rel.a Des.a Iris Helena Medeiros Nogueira, j. 14.12.2011, DJERS 16.12.2011).
Mas como exceção, havendo a autorização para uso da coisa, se o depositário, devidamente autorizado, confiar a coisa em depósito a terceiro, será responsável se tiver agido com culpa na escolha deste (art. 640, parágrafo único, do CC). Sem prejuízo dessa regra, entendemos que o depositário responde objetivamente, independentemente de culpa, perante o depositante, desde que comprovada a culpa do seu preposto, aplicando-se os arts. 932, III, e 933 do CC. A aplicação é por analogia, pois esses dispositivos tratam da responsabilidade extracontratual, sendo o caso, ao contrário, de responsabilidade contratual.
Se, por algum motivo, o depositário se tornar absoluta ou relativamente incapaz (incapacidade superveniente), a pessoa que lhe assumir a administração dos bens diligenciará imediatamente para restituir a coisa depositada (art. 641 do CC). Em outras palavras, a hipótese legal é de rescisão do contrato por inexecução involuntária (resolução sem perdas e danos). Não querendo ou não podendo o depositante recebê-la, recolherá a coisa ao Depósito Público ou promoverá nomeação de outro depositário. Mais uma vez, o pedido de depósito é judicial, aplicando-se as regras da consignação em pagamento.
Por uma razão lógica, em regra, o depositário não responde por caso fortuito ou força maior (art. 642 c/c art. 393, ambos do CC). Mas, para que lhe valham essas excludentes de responsabilidade, terá de prová-las. O contrato, todavia, poderá trazer a cláusula de assunção convencional, pela qual a parte responderá por tais ocorrências. Entretanto, deve-se entender que a referida cláusula deverá ser reputada nula, por ser abusiva, em relação aos contratos de consumo ou de adesão, aplicação respectiva dos arts. 51 do CDC e 424 do CC. Isso porque, em ambos os casos, a parte vulnerável (consumidor ou aderente) está renunciando a um direito que lhe é inerente não podendo, portanto, responder por tais ocorrências. Além disso, é presumida a boa-fé objetiva do consumidor e do aderente, diante de sua situação de vulnerabilidade.
Por fim, quanto aos efeitos do depósito voluntário, mesmo sendo o contrato gratuito, em regra, o depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do depósito provierem. Não ocorrendo esse pagamento, o depositário poderá reter o depósito (direito de retenção) até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido valor das despesas ou de eventuais prejuízos, desde que devidamente comprovados (arts. 643 e 644 do CC).
Prevê o parágrafo único do art. 644 que se essas dívidas, despesas ou prejuízos não forem provados suficientemente, ou forem ilíquidos, o depositário poderá exigir caução idônea do depositante ou, na falta desta, a remoção da coisa para o Depósito Público, até que se liquidem. Essa caução pode ser real ou fidejussória (fiança).
Segundo os ensinamentos de Maria Helena Diniz, “o depósito necessário é aquele que independe da vontade das partes, por resultar de fatos imprevistos e irremovíveis, que levam o depositante a efetuá-lo, entregado a guarda de um objeto a pessoa que desconhece, a fim de subtraí-lo de uma ruína imediata” (Código..., 2005, p. 542). A matéria está tratada entre os arts. 647 e 652 do CC em vigor. Para a renomada doutrinadora, três são as espécies de depósito necessário (DINIZ, Maria Helena. Curso..., 2005, p. 351):
a) Depósito legal – é aquele realizado no desempenho de obrigação decorrente de lei, como ocorre no caso previsto no art. 641 do CC (depósito legal em caso de incapacidade superveniente, negando-se o depositante a receber a coisa).
b) Depósito miserável (depositum miserabile) – é aquele efetuado por ocasião de calamidades, como nos casos de inundação, incêndio, naufrágio ou saque. Em casos tais, o depositário é obrigado a se socorrer da primeira pessoa que aceitar o depósito salvador.
c) Depósito do hospedeiro – refere-se à bagagem dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde eles estiverem (art. 649 do CC). Os hospedeiros responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos, já que o contrato é de guarda (art. 649, parágrafo único, do CC). Cessa essa responsabilidade dos hospedeiros, se estes provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evitados (art. 650 do CC). Esse contrato é também regido pelos arts. 932, IV, 933 e 942 do CC, respondendo objetivamente o hospedeiro por ato culpado do seu hóspede, frente a terceiros. A responsabilidade de ambos é, ainda, solidária. Entendemos que à relação entre hóspede e hospedeiro pode ser ainda aplicado o CDC, presentes os elementos descritos nos arts. 2.° e 3.° da Lei 8.078/1990, diálogo das fontes.
No que se refere ao depósito legal, reger-se-á pela disposição da respectiva lei. No silêncio ou sendo deficiente a norma, deverão ser aplicadas de forma residual as regras previstas para o depósito voluntário (art. 648 do CC). Aliás, no exemplo mencionado, de incidência do art. 641 do CC, isso já ocorre. O mesmo vale para o depósito miserável, aplicando-se, eventualmente, as regras já analisadas quanto ao depósito voluntário.
Em regra, o depósito necessário não se presume gratuito. No caso de depósito do hospedeiro, contrato oneroso, a remuneração pelo depósito está incluída no preço da hospedagem. Essas regras constam do art. 651 do Código Civil de 2002.
O art. 5.°, LXVII, da CF/1988 possibilita a prisão civil por dívidas em dois casos, inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentar e depositário infiel.
Questão que sempre levantou enorme polêmica refere-se à possibilidade de prisão do depositário infiel diante do descumprimento de um contrato. Neste volume da coleção será analisado somente o art. 652 do atual Código Civil, norma prevista para os casos de depósito regidos pelo Código Civil (depósito voluntário ou necessário). O tema da prisão civil na alienação fiduciária em garantia de bem móvel está aprofundado no Volume 4 da coleção. Pois bem, vejamos o que prevê o dispositivo que agora nos interessa:
“Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.”
Pelo que consta da norma, o depositário que, injustificadamente, não restituir a coisa depositada ao final do contrato, ou quando solicitada, e desde que não esteja amparado pelas causas de exclusão da obrigação de restituir (arts. 633 e 634 do CC), passará a ser considerado depositário infiel e poderá ter decretada sua prisão, pelo prazo de até um ano, sem prejuízo de eventual indenização cabível. A prisão estaria justificada na quebra da confiança, da fiducia que o depositante tem em relação ao depositário. A norma tinha o escopo justamente de regulamentar o art. 5.°, LXVII, da Constituição Federal de 1988.
Pois bem, desde a primeira edição da presente obra, este autor está filiado à corrente pela qual não é admissível a prisão civil do depositário, mesmo diante do que consta no art. 652 do CC/2002. Essa conclusão sempre esteve baseada no que consagra o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos aprovado na Convenção sobre Direitos Humanos de São José de Costa Rica, que a proíbe expressamente. Estabelece o art. 11 desse Tratado Internacional, do qual o nosso País é signatário, que “ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”. Como se nota, a norma tem aplicação direta ao contrato de depósito.
Na doutrina, sempre existiram manifestações contrárias a tal prisão civil, visando prestigiar o Pacto de San José da Costa Rica. Antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002, o doutrinador Valério de Oliveira Mazzuoli sustentava a inconstitucionalidade do art. 652 do CC. São suas palavras:
“Sem embargo, entretanto, como vimos, a norma do art. 652 do novo Código Civil, será, desde a sua entrada em vigor (em janeiro de 2003), absolutamente inconstitucional, violadora que será do preceito do art. 5.°, LXVII, da Carta da República, modificada em sua segunda parte (‘rectius’: inaplicável a sua Segunda partes) pelo Pacto de San José da Costa Rica, de modo que o Decreto-lei 911/1969, mesmo com o ingresso desse novo diploma civil em vigor, continuará equiparando o devedor do contrato de alienação fiduciária a algo que continua a não existir, perpetuando-se como uma norma eternamente vazia no que toca à imposição a esse devedor da medida coativa da prisão. Somente esta saída é que resta na resolução desse futuro problema que, brevemente, virá à tona. O problema, aqui, como se vê, deixa de ser mero conflito de leis no tempo, para dar lugar a verdadeiro conflito entre leis internas e a Constituição” (Prisão..., 2002, p. 180).
A discussão ganhou ainda mais relevo diante da Emenda Constitucional 45/2004, que acrescentou um § 3.° ao art. 5.° do Texto Maior, prevendo que “Os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos, aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição”. Várias dúvidas surgiram, nos anos iniciais de sua vigência, a respeito do respectivo dispositivo e da prisão civil por dívidas contratuais.
A primeira questão seria saber se a norma iria atingir os tratados anteriores à EC 45/2004. Sempre entendemos que sim, pois seria ilógico sustentar o contrário, uma vez que os tratados mais importantes sobre o tema já foram editados e ratificados pelos Países Democráticos, caso do nosso. Outro argumento interessante colaciona o juiz federal e professor da Universidade Mackenzie, José Carlos Francisco, Doutor em Direito Constitucional pela USP:
“Enfim, a interpretação sistemática da Emenda Constitucional 45 surge como último argumento que nos ocorre, a este tempo, para defender que os tratados internacionais sobre direitos humanos, validamente editados antes de 8 de dezembro de 2004 (sob o aspecto formal e material), devem ser recepcionados como regras constitucionais equivalentes a emendas. Isso porque em situação similar, dispondo sobre as súmulas vinculantes, o art. 8.° da mencionada Emenda teve o cuidado de prever expressamente que ‘as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços dos seus integrantes e publicação na imprensa oficial’, regra que não foi estendida (até o presente momento) para os tratados internacionais anteriores à Emenda Constitucional 45, reafirmando o cabimento da possibilidade da recepção desses diplomas sobre direitos humanos como regras constitucionais” (Bloco..., 2005, p. 104).
Outra dúvida seria saber se esses tratados internacionais anteriores necessitam de aprovação pelo Congresso Nacional, conforme ordena a EC 45/2004. Pelo que consta do seu texto, fazendo-se uma interpretação literal, a resposta seria positiva. No entanto, em sentido contrário, Flávia Piovesan igualmente sempre sustentou que os tratados internacionais de direitos humanos, a partir da sua ratificação, já têm força constitucional quanto ao aspecto material: “Contudo, para que os tratados de direitos humanos obtenham assento formal na Constituição, requer-se a observância do quorum qualificado” (Reforma..., 2005, p. 48). Sintetizando as palavras da professora da PUC/SP, “todos os tratados internacionais de direitos humanos são materialmente constitucionais, por força do § 2.° do art. 5.° da CF/1988 (‘Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’)”. Por tais deduções, reafirme-se, sempre concluímos que, realmente, o art. 652 do CC estaria eivado de inconstitucionalidade, pois a prisão civil não é admitida por um tratado internacional de Direitos Humanos do qual o Brasil é signatário, e que tem força constitucional.
Argumento contrário a esse poderia sustentar que a prisão civil por dívidas prevista no art. 5.°, LXVII, da CF/1988 constitui cláusula pétrea. Pois bem, realmente é um ótimo argumento, sendo evidente a presença de uma antinomia entre dois preceitos constitucionais, uma vez que os tratados internacionais de direitos humanos, caso do Pacto de San José, também têm força constitucional desde a EC 45/2004.
No caso em questão pode ser invocado o critério cronológico, para apontar que prevalece o teor do Pacto de San José (que também “entra” no referido art. 5.° da CF/1988). Vale lembrar que essa “entrada” definitiva como cláusula pétrea, no aspecto material, ocorreu recentemente, com a entrada em vigor da EC 45/2004.
Outro caminho é fazer uma ponderação entre os direitos fundamentais em conflito, quais sejam, o direito do credor de pedir a prisão do devedor, com base no art. 5.°, LXVII, da CF/1988 versus o direito do devedor de não ser preso, diante do Pacto de San José, art. 5.°, § 3.°, da CF/1988. A ponderação será feita de forma contrária à prisão, entrando em cena o princípio dos princípios, aquele que visa a proteger a dignidade da pessoa humana (art. 1.°, III, da CF/1988). Também trilhando esse caminho a prisão deve ser afastada.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, seguindo esse raciocínio, entendeu, em 2006, que não caberia a prisão do depositário infiel, no depósito convencional e voluntário, pelas mesmas razões apontadas:
“Agravo de instrumento. Ação de execução. Penhora de imóvel. Depositário. Alienação de área. Descabida a vinculação do depósito do valor obtido, com a venda de parte do bem penhorado, com a possibilidade de prisão civil do depositário, ainda que infiel, uma vez que esta não mais vigora no ordenamento jurídico nacional, limitando-se a mesma apenas aos casos de inadimplência da obrigação alimentícia. EC n. 45 – Pacto de San José da Costa Rica. Deram provimento ao agravo de instrumento. unânime” (TJRS, Agravo de Instrumento 70014986525, 17.a Câm. Cível, Rel. Alexandre Mussoi Moreira, j. 28.09.2006).
Do corpo do julgado pode-se extrair o seguinte trecho que confirma toda a tese esposada: “De acordo com o citado § 3.°, do art. 5.°, da CF/88, a Convenção continua em vigor, com força de emenda constitucional. A regra emanada pelo dispositivo é clara no sentido de que os tratados internacionais concernentes a direitos humanos nos quais o Brasil seja parte devem ser assimilados pela ordem jurídica do país como normas de hierarquia constitucional, não se podendo olvidar que o § 1.° do art. 5.°, peremptoriamente, que ‘(...) as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’. Assim, com a redação dada pela EC 45/2004 ao § 3.° do art. 5.°, o Pacto de São José da Costa Rica foi resgatado pela nova disposição constitucional” (destacamos). O que se percebe é que foi adotado no acórdão o entendimento pelo qual as normas que protegem a pessoa humana, previstas na Constituição Federal de 1988, têm aplicação imediata entre os particulares (eficácia horizontal dos direitos fundamentais).
Mas, realmente, a decisão que revolucionou a matéria foi prolatada pelo pleno do Supremo Tribunal Federal em julgamento encerrado em 3 de dezembro de 2008. De forma definitiva, os ministros do STF entenderam ser inconstitucional a prisão do depositário no caso de alienação fiduciária em garantia de bens móveis, regida pelo Decreto-lei 911/1969 (STF, RE 466.343/SP). Mais do que isso, a conclusão foi estendida para qualquer hipótese de depósito.
No voto que acabou prevalecendo, o Ministro Gilmar Mendes concluiu que “a prisão civil do depositário infiel não mais se compatibiliza com os valores supremos assegurados pelo Estado Constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos”. Assim, por esse caminho, o Pacto de San José da Costa Rica teria força supralegal, em uma posição hierárquica entre a Constituição Federal e as leis ordinárias, a afastar a possibilidade de prisão civil por descumprimento contratual. A ementa do julgado foi assim publicada:
“Prisão civil. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5.°, inc. LXVII e §§ 1.°, 2.° e 3.°, da CF, à luz do art. 7.°, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE n. 349.703 e dos HCs n. 87.585 e n. 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito” (STF, RE 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 03.12.2008, Tribunal Pleno).
Anote-se que o Supremo Tribunal Federal acabou por concluir que a prisão civil não é possível em qualquer hipótese de depósito, seja ele convencional, legal ou judicial. Deve ser feita a ressalva de que este autor está filiado ao entendimento dos Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, que no julgamento entenderam que o Pacto de San José tem força constitucional, e não supralegal, como acabou por prevalecer. Os julgados se sucederam no STF, com tal conclusão, o que acabou por atingir outros Tribunais (nesse sentido, do STF, ver Informativo n. 531, que traz outro importante precedente – HC 87.585/TO).
Destaque-se que a questão se consolidou de tal forma que os Tribunais Superiores editaram súmulas afastando a possibilidade da prisão do depositário. De início, cite-se a Súmula 419 do STJ, de março de 2010, segundo a qual “Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel”. Além dela, merece relevo a Súmula Vinculante 25, do Supremo Tribunal Federal, que enuncia: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito” (aprovada em 16.12.2009).
Empréstimo. Conceito: O contrato de empréstimo pode ser conceituado como sendo o negócio jurídico pelo qual uma pessoa entrega uma coisa a outra, de forma gratuita, obrigando-se esta a devolver a coisa emprestada ou outra da mesma espécie e quantidade.
Natureza jurídica: Contrato unilateral, gratuito, real (tem aperfeiçoamento com a entrega da coisa), comutativo e informal.
Classificação do empréstimo:
PRINCIPAIS REGRAS QUANTO AO COMODATO E AO MÚTUO
COMODATO |
MÚTUO |
– Partes: comodante (que transfere a coisa) e comodatário (que recebe a coisa). Exemplo: empréstimo de um veículo. – Os tutores, curadores em geral ou administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda. – Na vigência do contrato, o comodante não pode reaver a coisa. Findo o contrato ou notificado o comodatário, deve o último devolvê-la. Se assim não faz, passa a responder pela conservação da coisa, devendo arcar com um aluguel-pena a ser fixado pelo comodante. Cabe, ainda, ação de reintegração de posse. – Caindo em risco a coisa emprestada, se o comodatário deixar de salvá-la para salvar coisa própria, responderá por caso fortuito e força maior (art. 583 do CC). – O art. 585 do CC prevê responsabilidade solidária passiva entre comodatários. |
– Partes: mutuante (transfere) e mutuário (recebe a coisa, devendo devolver outra) Exemplo: empréstimo de dinheiro. – O mútuo feito a menor de 18 anos, tema clássico do Direito Civil, continua tratado pela nova codificação. Em regra, o mútuo feito a menor sem a autorização de seu representante ou daquele sob cuja guarda estiver não poderá ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores (art. 588 do CC). Origem no senatus consultus macedoniano. – Por transferir o domínio da coisa emprestada, por conta do mutuário correm todos os riscos da coisa desde a tradição (art. 587 do CC). – No caso de mútuo feneratício de dinheiro (mútuo oneroso), com a cobrança de juros, o art. 591 do CC limita os mesmos à taxa prevista no art. 406 do CC (1% ao mês). A norma não se aplica se o empréstimo for bancário. |
Depósito. Conceito: Pelo contrato de depósito o depositário recebe um objeto móvel e corpóreo, para guardar, até que o depositante o reclame. Ao contrário do comodato, o depositário não pode usar a coisa, mas apenas guardá-la, em regra.
Natureza jurídica: Trata-se de um contrato, em regra, unilateral e gratuito. Entretanto, é possível o depósito bilateral e oneroso, diante de convenção das partes, atividade ou profissão do depositário. O contrato em questão é comutativo e também personalíssimo (intuitu personae), fundado na confiança do depositante em relação ao depositário. É um contrato real, temporário e informal.
Modalidades de depósito:
1.°) DEPÓSITO VOLUNTÁRIO: resulta da autonomia privada, do acordo de vontade das partes.
2.°) DEPÓSITO NECESSÁRIO OU OBRIGATÓRIO:
a) Depósito legal – é aquele realizado no desempenho de obrigação decorrente de lei, como ocorre no caso de depósito legal em caso de incapacidade superveniente, negando-se o depositante a receber a coisa.
b) Depósito miserável – é aquele efetuado por ocasião de calamidades, como nos casos de inundação, incêndio, naufrágio ou saque. Em casos tais, o depositário é obrigado a se socorrer da primeira pessoa que aceitar o depósito salvador.
c) Depósito do hospedeiro – refere-se à bagagem dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde eles estiverem (art. 649 do CC).
Prisão do depositário: Questão que sempre levanta enorme polêmica refere-se à possibilidade de prisão do depositário infiel diante do descumprimento de um contrato. Quanto ao depósito em si, prevê o art. 652 do CC que: “Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”. O STF acabou por concluir pela inconstitucionalidade da previsão, diante da força supralegal do Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional do qual o Brasil é signatário e que proíbe a prisão civil por descumprimento contratual (STF, RE 466.343/SP e HC 87.585/TO). Tal conclusão gerou a edição da Súmula Vinculante 25 pelo STF, que enuncia: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito” (aprovada em 16.12.2009).
1. (Juiz do Trabalho – TRT 8a Região – 2011) Acerca dos contratos no Código Civil de 2002, assinale a alternativa INCORRETA:
(A) Sendo a empreitada unicamente de lavor, se a coisa perecer antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a retribuição, se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que, em tempo, reclamara contra a sua quantidade ou qualidade.
(B) A prestação de serviço não poderá ser contratada por mais de quatro anos, ainda que o contrato tenha por causa o pagamento de dívida do contratado, ou que se destine à execução de certa e determinada obra, resolvendo-se ainda que não concluída esta.
(C) O depósito é contrato, em regra, oneroso, ficando o depositário obrigado a ter, na guarda e conservação da coisa depositada, o cuidado e a diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.
(D) O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores.
(E) É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação.
2. (VII Exame de Ordem Unificado – FGV) O policial militar Marco Antônio é proprietário de uma casa de praia, localizada no balneário de Guarapari/ES. Por ocasião de seu exercício profissional na cidade de Vitória/ES, a casa de praia foi emprestada ao seu primo Fabiano, que lá reside com sua família há mais de três anos. Ocorre que, por interesse da administração pública, Marco Antônio foi removido de ofício para a cidade de Guarapari/ES. Diante de tal situação, Marco Antônio decidiu notificar extrajudicialmente o primo para que este desocupe a referida casa no prazo improrrogável de 30 dias.
Considerando a situação hipotética, assinale a alternativa correta.
(A) O contrato firmado verbalmente entre Marco Antônio e Fabiano é o comodato e a fixação do prazo mínimo de 30 dias para desocupação do imóvel encontra-se expressa em lei.
(B) Conforme entendimento pacífico do STJ, a notificação extrajudicial para desocupação de imóvel dado em comodato verbal por prazo indeterminado é imprescindível para a reintegração da posse.
(C) A espécie de empréstimo firmado entre Marco Antônio e Fabiano é o mútuo, pois recai sobre bem imóvel inconsumível. Nesta modalidade de contrato, a notificação extrajudicial para a restituição do bem, por si só, coloca o mutuário em mora e obriga-o a pagar aluguel da coisa até sua efetiva devolução.
(D) Tratando-se de contrato firmado verbalmente e por prazo indeterminado, Marco Antônio pode colocar fim ao contrato a qualquer momento, sem ter que apresentar motivo, em decorrência da aplicação das regras da chamada denúncia vazia.
3. (18.° PGR/MPF – Procurador da República – 2002) Assinale a alternativa correta:
(A) assim como ocorre com a cláusula penal, a multa penitencial é instituída em beneficio do credor;
(B) enquanto a acessão altera a substância da coisa, a benfeitoria gera conservação, melhoramento ou aformoseamento da coisa;
(C) segundo o princípio da continuidade, a norma jurídica terá vigência pelo tempo de duração previamente fixado pelo legislador;
(D) os contratos de depósito e seguro são consensuais.
4. (ESAF – Procurador – Banco Central do Brasil – 2002) O depósito, que recair sobre bem fungível ou consumível, é o:
(A) regular;
(B) miserável;
(C) ordinário;
(D) legal;
(E) irregular.
5. (Juiz de Direito – TJDF – 2004) Analise as proposições e indique a alternativa correta.
Proposições:
I – Cumpre ao comodatário, diante de uma situação de risco decorrente de fato jurídico natural extraordinário, sobrepor a salvação do objeto emprestado ao seu desejo de salvar, primeiro, os seus próprios bens.
II – Presumem-se devidos os juros e sua capitalização anual, se o mútuo é destinado a fins econômicos.
III – Considera-se nula a cláusula que permite ao agente financeiro cobrar juros a taxa flutuante.
Alternativas:
(A) Todas as proposições são verdadeiras.
(B) Todas as proposições são falsas.
(C) Apenas uma das proposições é verdadeira.
(D) Apenas uma das proposições é falsa.
6. (Exame de Ordem – 124.° SP) Negando-se o comodatário, constituído em mora, a devolver o bem ao comodante,
(A) fica obrigado a restituir a coisa com juros legais, juros compensatórios e penalidades moratórias e, em se tratando de comodato de dinheiro, a restituir em dobro o valor emprestado.
(B) passa a dever ao comodante valor correspondente a aluguel pelo uso do bem, até a sua efetiva devolução.
(C) comete esbulho, sujeitando-se à propositura de ação de reintegração de posse, sem pagamento de aluguel, pois é gratuito o comodato.
(D) não responde pelo perecimento do bem em caso de força maior ou por caso fortuito, a não ser que não tenha tomado as cautelas de praxe para a guarda da coisa e que não tenha registrado o contrato de comodato no Cartório competente.
7. (Exame de Ordem – 121.° SP) O depósito de bagagem dos hóspedes nas hospedarias onde estiverem é modalidade de depósito
(A) irregular.
(B) convencional.
(C) necessário.
(D) voluntário.
8. (Exame de Ordem – DF I – 2005) Assinale a alternativa incorreta. Ainda em tema de contratos:
(A) o empréstimo de coisas fungíveis ou empréstimo de consumo, transfere a propriedade da coisa emprestada ao mutuário;
(B) o contrato de depósito voluntário não exige forma expressa, provando-se por escrito, por testemunhas, ou por qualquer outro meio moralmente legítimo;
(C) sendo certo que o depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos de mesmo gênero, qualidade e quantidade, regula-se pelas regras acerca do mútuo, então é correto afirmar que quem faz depósito de dinheiro, em sua conta-corrente, numa instituição financeira, deixa de ser proprietário do dinheiro que depositou e assume a condição de mero credor dessa instituição;
(D) o comodato é o empréstimo gratuito de coisa infungível que se perfaz com a tradição do objeto.
9. (Exame de Ordem – MT II – 2005) Assinale a alternativa integralmente correta sobre o comodato:
(A) o comodato é o empréstimo gratuito de coisas fungíveis e perfaz-se com a tradição do objeto;
(B) os tutores, curadores e em geral todos os administradores de bens alheios não podem dar em comodato os bens confiados à sua guarda;
(C) se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o de seis meses;
(D) se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força maior.
10. (Exame de Ordem – Nordeste I – 2005) No contrato
(A) de depósito, o depósito necessário não se presume gratuito.
(B) de empreitada, a obrigação do empreiteiro de fornecer os materiais se presume.
(C) de mandato, o mandato deve ser escrito.
(D) mútuo, o empréstimo será de coisas não fungíveis.
11. (Procurador do Estado – SP – 2005) Analisando-se as características do contrato de comodato, pode-se afirmar a possibilidade de empréstimo de bem fungível nessa modalidade?
(A) Não, pois é da essência do contrato de comodato a fungibilidade do bem, do contrário será contrato de mútuo.
(B) Sim, pois não é da natureza do contrato de comodato a infungibilidade do bem móvel, em razão da indicação real que o contrato se perfaz com sua tradição.
(C) Não, pois o Código Civil determina expressamente que o bem seja infungível, por ser impossível converter a infungibilidade em fungibilidade.
(D) Não, pois não é da natureza do comodato a infungibilidade do bem, por não haver bens móveis infungíveis.
(E) Sim, pois as partes podem convencionar a infungibilidade de um bem naturalmente fungível.
12. (Juiz de Direito/PR – UFPR/2013) Com relação ao contrato de empréstimo, podemos dizer que pode ser gratuito ou oneroso, do qual são espécies o mútuo e o comodato. Neste, certo é que “O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos” (Código Civil, art. 582).
A partir daí, tendo em vista as normas civis que disciplinam o comodato, é correto afirmar:
(A) O comodato é contrato que se caracteriza como o empréstimo de coisas fungíveis ou infungíveis, desde que gratuito, ou seja, o comodatário recebe e pode usar a coisa independente de pagamento de aluguel, arrendamento ou verba equivalente.
(B) Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito ou força maior.
(C) O comodatário poderá recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada.
(D) Não constando do contrato o prazo do comodato, presume-se estabelecido por prazo indeterminado, qualquer que seja a natureza do uso concedido, podendo o comodante pedir a restituição da coisa a qualquer tempo, desde que mediante comunicação prévia e inequívoca, assinalando prazo de 30 dias.
1 – C |
2 – D |
3 – D |
4 – E |
5 – A |
6 – B |
7 – C |
8 – B |
9 – D |
10 – A |
11 – E |
12 – B |