Sumário: 6.1 Fatos, atos e negócios jurídicos. Conceitos iniciais – 6.2 Do ato jurídico em sentido estrito ou ato jurídico stricto sensu – 6.3 Do negócio jurídico: 6.3.1 Principais classificações dos negócios jurídicos; 6.3.2 Os elementos constitutivos do negócio jurídico – 6.4 Resumo esquemático – 6.5 Questões correlatas.
Um dos pontos primordiais para entender as relações jurídicas é conhecer profundamente os conceitos basilares de Direito Privado, quais sejam as concepções de fato, ato e negócio jurídico. Esses conceitos, aliás, não interessam somente ao Direito Civil, mas também à Teoria Geral do Direito. Para a compreensão do âmbito jurídico, tais construções são ferramentas básicas que devem sempre ser usadas pelos estudiosos do direito, principalmente por aqueles que se preparam para as provas de graduação, de pós-graduação e para os concursos públicos.
Inicialmente, é interessante conhecer o conceito de fato, que significa qualquer ocorrência que interessa ou não ao direito, ao âmbito jurídico. Dentro desse mundo dos fatos, surgem os fatos não jurídicos, que não nos interessam como objeto de estudo, e os fatos jurídicos; qualquer ocorrência com repercussão para o direito, ou seja, fatos com repercussões jurídicas. Como bem elucida Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, o mundo jurídico nada mais é do que o mundo dos fatos jurídicos:
“Tudo que aqui pudéssemos dizer não seria mais do que resumo do que se expôs na Introdução. O mundo jurídico confina com o mundo dos fatos (materiais, ou enérgicos, econômicos, políticos, de costumes, morais, artísticos, religiosos, científicos), donde as múltiplas interferências de um no outro. O mundo jurídico não é mais do que o mundo dos fatos jurídicos, isto é, daqueles suportes fácticos que logram entrar no mundo jurídico. A soma, tecido ou aglomerado de suportes fáticos que passaram à dimensão jurídica, ao jurídico,é o mundo jurídico. Nem todos os fatos jurídicos são idênticos. Donde o problema inicial de os distinguir e de os classificar.
O fato jurídico provém do mundo fático, porém nem tudo que o compunha entra, sempre, no mundo jurídico. À entrada no mundo do direito, selecionam-se os fatos que entram. É o mesmo dizer-se que à soma dos elementos do que, no mundo fático, teríamos como fato, ou como complexo de fatos, nem sempre corresponde suporte fático de regra jurídica: no dizer o que é que cabe no suporte fático da regra jurídica, ou, melhor, no que recebe a sua impressão, a sua incidência, a regra jurídica discrimina o que há de entrar e, pois, por omissão, o que não pode entrar” (Tratado..., 1974, t. II, p. 183).
Também amparando os conceitos na doutrina, consignem-se as palavras de Sílvio de Salvo Venosa para quem “são fatos jurídicos todos os acontecimentos que, de forma direta ou indireta, ocasionam efeito jurídico. Nesse contexto, admitimos a existência de fatos jurídicos em geral, em sentido amplo, que compreendem tanto os fatos naturais, sem interferência do homem, como os fatos humanos, relacionados com a vontade humana” (Direito civil. Parte geral..., 2003, p. 365).
Assim, os fatos jurídicos podem ser subdivididos em fatos naturais e humanos. O Código Civil de 2002 dedica o Livro III da Parte Geral aos fatos jurídicos, tratando, a partir do art. 104, especificamente, do negócio jurídico. De qualquer forma, conforme será exposto, os negócios jurídicos são fatos jurídicos, o que acaba justificando esse tratamento. Vejamos tais conceitos no quadro a seguir:
Fatos naturais |
Ordinários |
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Extraordinários |
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Fatos humanos |
Lícitos (ato jurídico lato sensu) |
Ato jurídico stricto sensu; Negócio jurídico; Ato-fato jurídico. |
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Ilícitos |
O fato jurídico natural é aquele que independe da atuação humana, podendo ser conceituado também como fato jurídico stricto sensu. Mesmo não havendo o elemento volitivo, o fato natural produz efeitos jurídicos com o objetivo de criação, alteração ou mesmo extinção de direitos e deveres (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado..., 1974, tomo II, p. 187).
O fato jurídico stricto sensu pode ser classificado da seguinte:
a) Fato jurídico natural ordinário – é o evento natural previsível e comum de ocorrer, como é o caso da morte, do nascimento, do decurso de prazo, da prescrição e da decadência. O que se percebe, portanto, é que o fato jurídico natural ordinário sofre forte influência do elemento tempo.
b) Fato jurídico natural extraordinário – é o evento decorrente da natureza, como o caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou a força maior (evento previsível, mas inevitável ou irresistível). Como exemplo de caso fortuito pode ser citada uma invasão de alienígenas na cidade de São Paulo. Como exemplo de força maior, uma enchente acometendo uma cidade do interior de Minas Gerais, onde a enchente não é comum, pois nunca ocorreu.
Não existe unanimidade doutrinária ou jurisprudencial quanto à conceituação de caso fortuito e força maior, sendo certo que seguimos, nas diferenças apontadas, os ensinamentos de Orlando Gomes (Obrigações..., 2003, p. 176) e de Sérgio Cavalieri Filho (Programa..., 2003, p. 84). Essa diferenciação pode ser retirada do art. 393, parágrafo único, do CC, pelo qual: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Como se vê, o dispositivo leva em conta a inevitabilidade e a irresistibilidade do evento, não considerando se ele decorre da natureza ou de fato humano.
Entretanto, alguns autores contemporâneos, como Arnoldo Wald, têm entendimento pelo qual tais conceitos seriam, pelo Direito Civil brasileiro, sinônimos (Curso..., 2000, p. 141). Entre os clássicos, Pontes de Miranda afirma, em vários trechos do tomo 53 do seu Tratado de Direito Privado, que a melhor forma de encarar tais conceitos é vê-los globalmente, ou seja, como equivalentes (Tratado de direito privado..., 1974, t. LIII). Também no âmbito jurisprudencial, alguns julgados tratam o caso fortuito e a força maior como expressões sinônimas. A título de ilustração:
“Recurso especial. Administrativo. Responsabilidade civil do estado. Acidente em buraco (voçoroca) causado por erosão pluvial. Morte de menor. Indenização. Caso fortuito e força maior. Inexistência. Segundo o acórdão recorrido, a existência da voçoroca e sua potencialidade lesiva era de ‘conhecimento comum’, o que afasta a possibilidade de eximir-se o Município sob a alegativa de caso fortuito e força maior, já que essas excludentes do dever de indenizar pressupõem o elemento ‘imprevisibilidade’. Nas situações em que o dano somente foi possível em decorrência da omissão do Poder Público (o serviço não funcionou, funcionou mal ou tardiamente), deve ser aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva. Se o Estado não agiu, não pode ser ele o autor do dano. Se não foi o autor, cabe responsabilizá-lo apenas na hipótese de estar obrigado a impedir o evento lesivo, sob pena de convertê-lo em ‘segurador universal’. Embora a municipalidade tenha adotado medida de sinalização da área afetada pela erosão pluvial, deixou de proceder ao seu completo isolamento, bem como de prover com urgência as obras necessárias à segurança do local, fato que caracteriza negligência, ensejadora da responsabilidade subjetiva” (STJ, REsp 135.542/MS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, j. 19.10.2004, DJ 29.08.2005 p. 233).
Ao lado do fato natural, ou fato jurídico stricto sensu, há o fato jurídico humano. Parte da doutrina denomina o fato humano como fato jurígeno, pela presença da vontade humana (elemento volitivo), incluindo os atos lícitos e os ilícitos (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil..., 2003, v. I, p. 366). O fato humano ou jurígeno pode ser assim classificado:
a) Ato jurídico em sentido amplo ou ato jurídico lato sensu – também denominado ato voluntário e que também possui importante subclassificação, conforme será ainda analisado.
b) Ato ilícito – é a conduta voluntária ou involuntária que está em desacordo com o ordenamento jurídico. O ilícito pode ser penal, administrativo ou civil, havendo independência entre essas três esferas, o que pode ser percebido pela leitura da primeira parte do art. 935 do CC/2002 (“a responsabilidade civil independe da criminal”). Essa independência, no entanto, não é absoluta, mas relativa, pois uma conduta pode influir nas três órbitas, como ocorre em um acidente de trânsito ou no dano ambiental. O conceito de ato ilícito civil consta do art. 186 do atual Código, in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Esse dispositivo tem estudo aprofundado no próximo volume desta coleção, que trata da responsabilidade civil, o que parece ser o melhor caminho metodológico (TARTUCE, Flávio. Direito civil..., 2014, v. 2).
Este autor está filiado ao entendimento pelo qual o ato ilícito não é ato jurídico, pois este deve ser necessariamente lícito.
Seguindo essa corrente e citando doutrina para amparar seu entendimento (Orosimbo Nonato, Vicente Ráo, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona), ensina Zeno Veloso que:
“A nosso ver, embora gerando efeitos jurídicos, o ato ilícito não deve se chamado de ato jurídico, que, por definição, é lícito. Porém, pelos efeitos jurídicos que enseja, o ato ilícito, sem dúvida, é um fato jurídico (em sentido lato). O ato ilícito, ou contrário ao direito, é jurídico, à medida em que provoca um efeito jurídico, fazendo nascer uma responsabilidade civil, base de uma obrigação de ressarcir, de indenizar, a cargo do autor, e de um crédito atribuído à vítima, ao lesado, podendo também dele resultar outra espécie de responsabilidade, a criminal. Mas gera confusão chamar o ato ilícito ‘ato jurídico’, só por causa dos efeitos jurídicos que proporciona. Virtude e crime têm efeitos jurídicos e nem por isto recebem a mesma denominação. E, se nos permitem o exemplo, não se pode, só porque ambas têm asas, e voam, chamar pelo mesmo nome a borboleta e a andorinha” (Invalidade..., 2005, p. 15).
Conclui-se, por tais palavras, que o ato ilícito é fato jurígeno, pela presença da vontade humana, mas não constitui ato jurídico em sentido amplo.
Entretanto, frise-se que alguns autores, caso de Sílvio Venosa, têm entendimento contrário (Direito civil..., 2003, v. I, p. 366), opinando que o ato ilícito também é ato jurídico. No mesmo sentido, José Carlos Moreira Alves, relator do anteprojeto da Parte Geral do Código Civil (A parte geral do Projeto de Código Civil..., 2003) e Pontes de Miranda (Tratado de direito privado..., t. II, 1974, p. 447).
Como ficou claro, este autor fica com o primeiro posicionamento, de que o ato ilícito não constitui ato jurídico, pois o que é antijurídico não é jurídico. Todavia, a questão é controvertida, como se pode depreender dos juristas citados.
O Código Civil de 2002 compara a verdadeiro ato ilícito a conduta da pessoa que excede um direito que possui, contrariando manifestamente o fim social ou econômico de um instituto, a boa-fé ou os bons costumes. Consagra, assim, o atual Código Civil a tese do abuso de direito como ato ilícito, conforme previsto no seu art. 187. O abuso de direito é também estudado no próximo volume desta coleção, por interessar diretamente à responsabilidade civil.
De toda sorte, esclareça-se, de imediato, que o abuso de direito não diz respeito somente ao tema da responsabilidade civil. Nesse sentido, o Enunciado n. 539, da VI Jornada de Direito Civil, de 2013, que preceitua: “O abuso de direito é uma categoria jurídica autônoma em relação à responsabilidade civil. Por isso, o exercício abusivo de posições jurídicas desafia controle independentemente de dano”. Nos termos da justificativa da ementa da doutrina, “a indesejável vinculação do abuso de direito a responsabilidade civil, consequência de uma opção legislativa equívoca, que o define no capítulo relativo ao ato ilícito (art. 187) e o refere especificamente na obrigação de indenizar (art. 927 do CC), lamentavelmente tem subtraído bastante as potencialidades dessa categoria jurídica e comprometido a sua principal função (de controle), modificando-lhe indevidamente a estrutura”.
E mais, segundo as justificativas do enunciado, proposto pelo Professor Fábio Azevedo, do Rio de Janeiro: “Não resta dúvida sobre a possibilidade de a responsabilidade civil surgir por danos decorrentes do exercício abusivo de uma posição jurídica. Por outro lado, não é menos possível o exercício abusivo dispensar qualquer espécie de dano, embora, ainda assim, mereça ser duramente coibido com respostas jurisdicionais eficazes. Pode haver abuso sem dano e, portanto, sem responsabilidade civil. Será rara, inclusive, a aplicação do abuso como fundamento para o dever de indenizar, sendo mais útil admiti-lo como base para frear o exercício. E isso torna a aplicação da categoria bastante cerimoniosa pela jurisprudência, mesmo após uma década de vigência do Código. O abuso de direito também deve ser utilizado para o controle preventivo e repressivo. No primeiro caso, em demandas inibitórias, buscando a abstenção de condutas antes mesmo de elas ocorrerem irregularmente, não para reparar, mas para prevenir a ocorrência do dano. No segundo caso, para fazer cessar (exercício inadmissível) um ato ou para impor um agir (não exercício inadmissível). Pouco importa se haverá ou não cumulação com a pretensão de reparação civil”.
De fato, pode existir abuso de direito sem dano, cabendo medidas inibitórias em casos tais. Todavia, metodologicamente, fica mais viável e fácil o estudo da categoria do campo próprio da responsabilidade civil, exigindo-se o dano para o consequente dever de reparar. Tendo sido esta a opção do legislador, também o é a do presente autor. Por fim, cabe ressaltar que o estudo de tão intrincada categoria no primeiro livro de uma coleção de Direito Civil pode confundir e até atormentar o iniciante no estudo do Direito Privado, razão pela qual ela está tratada no Vol. 2 da Coleção.
Superados tais conceitos, parte-se, agora, à análise do ato jurídico lato sensu, que pode ser assim subclassificado:
– Ato jurídico em sentido estrito (ou ato jurídico stricto sensu) – configura-se quando houver objetivo de mera realização da vontade do titular de um determinado direito, não havendo a criação de instituto jurídico próprio para regular direitos e deveres, muito menos composição de vontade entre as partes envolvidas. No ato jurídico stricto sensu os efeitos da manifestação de vontade estão predeterminados pela lei. Podem ser citados como exemplos de atos jurídicos stricto sensu a ocupação de um imóvel, o pagamento de uma obrigação e o reconhecimento de um filho.
– Negócio jurídico – é o fato jurídico, com elemento volitivo qualificado, cujo conteúdo seja lícito, visando a regular direitos e deveres específicos de acordo com os interesses das partes envolvidas. Diante de uma composição de vontade de partes, que dita a existência de efeitos, há a criação de um instituto jurídico próprio, visando a regular direitos e deveres. A expressão tem origem na construção da negação do ócio ou do descanso (neg + otium), ou seja, na ideia de movimento. Como faz Antônio Junqueira de Azevedo, pode-se afirmar que o negócio jurídico constitui o principal exercício da autonomia privada, da liberdade negocial. Para o doutrinador, “in concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que todo o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide” (Negócio jurídico..., 2002, p. 16). Ou ainda, como quer Álvaro Villaça Azevedo, no negócio jurídico “as partes interessadas, ao manifestarem sua vontade, vinculam-se, estabelecem, por si mesmas, normas regulamentadoras de seus próprios interesses” (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria..., 2012, p. 169). O negócio jurídico é o ponto central principal da Parte Geral do Código Civil, sendo o seu conceito vital para conhecer o contrato e o casamento, seus exemplos típicos.
Além dos conceitos apontados, alguns doutrinadores defendem ainda a existência do denominado ato-fato jurídico, um fato jurídico qualificado por uma atuação humana, por uma vontade não relevante juridicamente. Sobre essa categoria, merecem destaque as palavras de Sílvio de Salvo Venosa:
“Nesse caso, é irrelevante para o direito se a pessoa teve ou não a intenção de praticá-lo. O que se leva em conta é o efeito resultante do ato que pode ter repercussão jurídica, inclusive ocasionando prejuízos a terceiros. Como dissemos, toda a seara da teoria dos atos e negócios jurídicos é doutrinária, com muitas opiniões a respeito. Nesse sentido, costuma-se chamar à exemplificação os atos praticados por uma criança, na compra e venda de pequenos efeitos. Não se nega, porém, que há um sentido de negócio jurídico do infante que compra confeitos em um botequim. Ademais, em que pese à excelência dos doutrinadores que sufragam essa doutrina, ‘em alguns momentos, torna-se bastante difícil diferenciar o ato-fato jurídico do ato jurídico em sentido estrito categoria abaixo analisada. Isso porque, nesta última a despeito de atuar a vontade humana, os efeitos produzidos pelo ato encontram-se previamente determinados pela lei, não havendo espaço para a autonomia da vontade’ (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2002: 306)” (Direito civil. Parte geral..., 2003, p. 367).
Ao tratar dos atos-fatos jurídicos, Pontes de Miranda desenvolve o conceito de atos-reais, nos seguintes termos:
“Os atos reais, ditos, assim por serem mais dos fatos, das coisas, que dos homens – ou atos naturais, se separamos natureza e psique, ou atos meramente externos, se assim os distinguirmos, por abstraírem eles do que se passa no interior do agente – são os atos humanos a cujo suporte fático se dá entrada, como fato jurídico, no mundo jurídico, sem se atender, portanto, à vontade dos agentes: são atos-fatos jurídicos. Nem é preciso que haja querido a juridicização dêles, nem, a fortiori, a irradiação de efeitos. Nos atos reais, a vontade não é elemento do suporte fático (= o suporte fático seria suficiente, ainda sem ela). Exemplos de atos reais. São os principais atos reais: a) a tomada de posse ou aquisição da posse, b) a transmissão da posse pela tradição; c) o abandono da posse; d) o descobrimento do tesouro; e) a especificação; f) a composição de obra científica, artística ou literária; g) a ocupação” (Tratado de direito privado..., 1974, t. II, p. 373).
Relativamente a essa categoria jurídica, é de se concordar integralmente com as palavras de Sílvio Venosa. Na verdade, o que se denomina ato-fato jurídico pode se enquadrar no conceito de fato jurídico, no de ato jurídico stricto sensu, ou mesmo no de negócio jurídico. Desse modo, cabe análise caso a caso pelo estudioso do direito. O conceito é mutante, metamorfo, ou nômade, podendo se enquadrar em outras categorias jurídicas.
Ilustrando, o exemplo da criança que compra um confeito em uma padaria seria de um negócio jurídico, até porque a boa-fé das partes deve ser preservada. O antes estudado Enunciado n. 138 do CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil, aponta que a vontade dos menores absolutamente incapazes pode ser juridicamente relevante se eles demonstrarem discernimento bastante para tanto.
Outro exemplo apontado como sendo de ato-fato jurídico é o achado de um tesouro que não está sendo procurado, o que geraria uma posse como ato-fato jurídico. Nesse caso, há, na opinião deste autor, um ato jurídico, pois decorre da vontade humana. Vale lembrar que o achado do tesouro continua tratado pelo Código Civil, entre os seus arts. 1.264 a 1.266. Pelo primeiro dispositivo, o tesouro é conceituado como “O depósito antigo de coisas preciosas, oculto, e de cujo dono não haja memória”.
Superada essa análise conceitual inicial, passa-se, pela ordem, ao estudo específico do ato jurídico stricto sensu e do negócio jurídico.
Conforme foi analisado, no ato jurídico em sentido estrito há uma manifestação de vontade do agente, mas as suas consequências são as previstas em lei e não na vontade das partes, ausente qualquer composição volitiva entre os seus envolvidos. Ademais, não há criação de um instituto jurídico próprio, visando a regulamentar interesse das partes.
Como bem ensina Marcos Bernardes de Mello, destacado intérprete da obra de Pontes de Miranda, o ato jurídico stricto sensu é um “fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fático a manifestação ou declaração unilateral de vontade cujos efeitos jurídicos são prefixados pelas normas jurídicas e invariáveis, não cabendo às pessoas qualquer poder de escolha da categoria jurídica ou de estruturação do conteúdo das relações respectivas” (Teoria do fato..., 1995, p. 137).
Um bom exemplo de ato jurídico stricto sensu, visando a diferenciá-lo do negócio jurídico, é o reconhecimento de um filho. Imagine-se que uma pessoa teve um filho fora do casamento e, como pai, queira reconhecê-lo. Com o reconhecimento surgem efeitos legais, como o direito do filho usar o nome do pai, o dever do último de prestar alimentos, direitos sucessórios, dever de apoio moral, entre outros. Sendo reconhecido um filho, os efeitos decorrentes do ato não dependem da vontade da pessoa que fez o reconhecimento, mas da lei, da norma jurídica. Como é notório, não pode o pai limitar esses direitos decorrentes de lei. Sendo assim, prevê o art. 1.613 do CC/2002 que o reconhecimento de filho não pode ter eficácia sujeita a condição ou a termo. A título de exemplo, não pode o suposto pai dizer que reconhecerá um filho se não tiver que pagar alimentos.
O pagamento direto de uma obrigação também constitui um típico ato jurídico em sentido estrito. A obrigação já existia anteriormente, cabendo ao devedor pagá-la a fim de eximir-se do vínculo dela decorrente e das consequências advindas do inadimplemento, como a responsabilidade patrimonial consagrada no art. 391 do CC. Com o pagamento, ausente qualquer composição de vontades, o devedor livra-se desse vínculo.
Por fim, a ocupação de um imóvel do mesmo modo é um ato jurídico stricto sensu. O imóvel já existe, havendo no ato de ocupação efeitos de origem puramente legal. Preenche-se um espaço vazio, simbologia que demonstra muito bem o ato jurídico em sentido estrito. Assim, para este autor, ao contrário do que aduz Pontes de Miranda, a ocupação, como tomada da posse, não constitui um ato-fato jurídico (ato real), mas um ato jurídico em sentido estrito.
O ato jurídico stricto sensu constitui um fato jurídico, bem como um fato jurígeno, pela presença do elemento volitivo. Constitui também um ato jurídico lato sensu. Pode-se afirmar que o ato jurídico stricto sensu está previsto no art. 185 do CC/2002, segundo o qual: “Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”. Desse modo, as regras que serão expostas quanto ao negócio jurídico, a partir de agora, devem ser aplicadas também aos atos jurídicos em questão. Ilustrando, pode-se sustentar a anulabilidade do pagamento direto pela presença de um vício do consentimento.
O negócio jurídico é uma espécie do gênero ato jurídico em sentido amplo (lato sensu), constituindo ainda um fato jurídico, particularmente um fato jurígeno, pela presença da vontade.
Esse instituto pode ser conceituado como sendo toda a ação humana, de autonomia privada, com a qual os particulares regulam por si os próprios interesses, havendo uma composição de vontades, cujo conteúdo deve ser lícito. Constitui um ato destinado à produção de efeitos jurídicos desejados pelos envolvidos e tutelados pela norma jurídica.
Ainda no contexto de definição, cabe também expor a ideia de Larenz, construída a partir do Código Civil Alemão (BGB). Para o jurista, o negócio jurídico é um ato – ou uma pluralidade de atos entre si relacionados entre uma ou várias pessoas –, cujo fim é produzir um efeito jurídico no âmbito do Direito Privado, isto é, uma modificação nas relações jurídicas entre os particulares (LARENZ, Karl. Derecho civil..., 1978, p. 422).
O negócio jurídico típico é o contrato, concebido como um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, à modificação ou à extinção de direitos e deveres, com conteúdo patrimonial – conceito clássico ou moderno retirado do art. 1.321 do Código Civil Italiano de 1942. É imperioso repetir que todo contrato constitui negócio jurídico, sem exceção; o que justifica a importância da teoria geral do negócio jurídico para a seara contratual.
Dessa forma, o negócio jurídico é o principal instrumento que as pessoas têm para realizar seus interesses, sendo relevante salientar a importância da Parte Geral do Código Civil para a própria concepção do contrato.
Quando se estudam os elementos do negócio jurídico igualmente se estudam os elementos do contrato. Os vícios do negócio jurídico também são vícios contratuais. Os casos de nulidade ou anulabilidade do negócio geram o contrato nulo e anulável, respectivamente.
Além do contrato, o casamento, do mesmo modo, constitui um negócio jurídico, especial ou sui generis, diga-se de passagem. Por isso, é costume afirmar que o negócio jurídico está no ponto central do Direito Civil Contemporâneo.
Na doutrina renovada, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho demonstram que a teoria geral do negócio jurídico está passando por profunda transformação, interrogando “como estudar a clássica teoria do negócio jurídico, desenvolvida brilhantemente pelos juristas do passado, sem a necessária advertência de que muitas dessas fontes doutrinárias emergiram em época de economia rudimentar e conservadora, em que as partes da avença eram consideradas absolutamente iguais, e a vontade manifestada era rigidamente mutável?” (Novo..., 2003, p. 315).
Ora, conforme é abordado nos demais volumes desta coleção, ocorreu uma verdadeira revolução no modo de se visualizar as obrigações, os contratos, o casamento e, sobretudo, os negócios jurídicos, uma vez que profundas foram as alterações sociais e econômicas pelas quais passou o mundo civilizado.
Relativamente aos negócios patrimoniais, aquele contrato estanque, concebido à luz do pacta sunt servanda, da regra de que o mesmo sempre faz lei entre as partes, simplesmente não existe mais. Os princípios sociais contratuais, caso da função social e da boa-fé objetiva, trouxeram uma nova forma de visualização dos contratos.
O cerne principal do negócio, a manifestação da vontade, sofreu um verdadeiro impacto, apontando alguns autores que é praticamente impossível hoje a sua manifestação inequívoca e plena. Na prática, predominam os pactos de adesão, ocorrendo a denominada estandardização contratual. Porque hoje se tornaram raras as manifestações de vontade plenas e inequívocas nos contratos em geral, chegaram alguns autores a apontar a morte ou a crise dos contratos. Mas na verdade, o contrato não tende a desaparecer, estando em seu apogeu. Essa expressão crise não significa derrota, mas mudança de estrutura (TARTUCE, Flávio. Função social..., 2007). É justamente isso que vem ocorrendo com os contratos e negócios jurídicos em geral. Pela mitigação da vontade, como elemento primaz e fundamental do contrato, é que a autonomia da vontade foi substituída pela autonomia privada. Para aprofundamentos, recomenda-se a leitura do Capítulo 2 do Volume 3 da presente coleção (TARTUCE, Flávio. Direito civil..., 2014, v. 3).
É basilar perceber que o Código Civil de 2002, nesse ponto distante da simplicidade, não buscou conceituar tanto o ato jurídico stricto sensu quanto o negócio jurídico, demonstrando somente quais são os seus elementos estruturais (art. 104 do CC). Assinala-se que o Código Civil de 1916 conceituava o ato jurídico em seu art. 81, da seguinte forma: “Todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico”. Esse conceito, apesar de não mais constar da atual codificação, ainda pode ser utilizado para fins categóricos, didáticos e metodológicos.
Na atual codificação também não constam as principais classificações dos negócios jurídicos, matéria doutrinária que se passa a estudar.
A classificação do negócio jurídico tem como objetivo enquadrar um determinado instituto jurídico, bem como demonstrar a natureza jurídica do mesmo. Busca-se, assim, o que se denomina como categorização jurídica. Pelo que consta no art. 185 da atual codificação, as classificações a seguir servem tanto para os negócios quanto para os atos jurídicos stricto sensu.
Vejamos os principais enquadramentos de tais institutos:
I) Quanto às manifestações de vontade dos envolvidos:
• Negócios jurídicos unilaterais – são aqueles atos e negócios em que a declaração de vontade emana de apenas uma pessoa, com um único objetivo. São exemplos de negócios jurídicos unilaterais o testamento, a renúncia a um crédito e a promessa de recompensa.
Os negócios unilaterais podem ainda ser classificados em receptícios – aqueles em que a declaração deve ser levada a conhecimento do seu destinatário para que possa produzir efeitos – e em não receptícios – em que o conhecimento pelo destinatário é irrelevante. A promessa de recompensa está dentro dos primeiros e o testamento, dos últimos.
• Negócios jurídicos bilaterais – são aqueles em que há duas manifestações de vontade coincidentes sobre o objeto ou bem jurídico tutelado. O negócio jurídico bilateral por excelência é o contrato. Repita-se, portanto, que os contratos são sempre negócios jurídicos, pelo menos bilaterais.
• Negócios jurídicos plurilaterais – são os negócios jurídicos que envolvem mais de duas partes, com interesses coincidentes no plano jurídico. Exemplos de negócio jurídico plurilateral são o contrato de consórcio e o contrato de sociedade entre várias pessoas.
II) Quanto às vantagens patrimoniais para os envolvidos:
• Negócios jurídicos gratuitos – são os atos de liberalidade, que outorgam vantagens sem impor ao beneficiado a obrigação de uma contraprestação. Não envolvem, portanto, sacrifício patrimonial de todas as partes, situações em que uma parte só tem vantagens, não assumindo deveres. Exemplo é o contrato de doação pura.
• Negócios jurídicos onerosos – são os atos que envolvem sacrifícios e vantagens patrimoniais para todas as partes no negócio, como é o caso dos contratos de locação e de compra e venda. No primeiro caso a remuneração é o aluguel, no segundo, o preço.
Aqui, a doutrina aponta mais duas outras modalidades de negócios (GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo..., 2003, p. 323), que devem ser consideradas:
• Negócios jurídicos neutros – são aqueles em que não há uma atribuição patrimonial determinada, não podendo ser enquadrados como gratuitos ou onerosos, caso da instituição de um bem de família voluntário ou convencional (arts. 1.711 a 1.722 do CC).
• Negócios jurídicos bifrontes – são aqueles que tanto podem ser gratuitos como onerosos, o que depende da autonomia privada, da intenção das partes. Podem ser citados os contratos de depósito e de mandato, que podem assumir as duas formas, pela presença ou não da remuneração.
III) Quanto aos efeitos, no aspecto temporal:
• Negócios jurídicos inter vivos – são aqueles destinados a produzir efeitos desde logo, isto é, durante a vida dos negociantes ou interessados, como ocorre, por exemplo, nos contratos, caso da compra e venda; e no casamento.
• Negócios jurídicos mortis causa – aqueles cujos efeitos só ocorrem após a morte de determinada pessoa, como, para ilustrar, se dá no testamento e no legado.
A separação entre os negócios jurídicos inter vivos e mortis causa é clara no art. 426 do atual CC, pelo qual não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. Trata-se da antiga vedação dos pactos sucessórios ou pacta corvina, que constava do Código anterior (art. 1.089 do CC/1916).
IV) Quanto à necessidade ou não de solenidades e formalidades:
• Negócios jurídicos formais ou solenes – são aqueles que obedecem a uma forma ou solenidade prevista em lei para a sua validade e aperfeiçoamento, caso do casamento e do testamento. Como se verá adiante, tecnicamente, há diferenças entre as categorias forma e solenidade.
• Negócios jurídicos informais ou não solenes – são aqueles que admitem forma livre, constituindo regra geral, pelo que prevê o art. 107 do CC, em sintonia com o princípio da operabilidade ou simplicidade. São, por regra, negócios jurídicos informais a locação e a compra e venda de bens móveis.
V) Quanto à independência ou autonomia:
• Negócios jurídicos principais ou independentes – são os negócios que têm vida própria e não dependem de qualquer outro negócio jurídico para terem existência e validade. Exemplo a ser citado é o contrato de locação.
• Negócios jurídicos acessórios ou dependentes – são aqueles cuja existência está subordinada a outro negócio jurídico, denominado principal. Exemplo típico de negócio acessório é o contrato de fiança, geralmente relacionado com um contrato de locação.
VI) Quanto às condições pessoais especiais dos negociantes:
• Negócios jurídicos impessoais – são aqueles que não dependem de qualquer condição especial dos envolvidos, podendo a prestação ser cumprida tanto pelo obrigado quanto por um terceiro. Exemplo é o contrato de compra e venda.
• Negócios jurídicos personalíssimos ou intuitu personae – são aqueles dependentes de uma condição especial de um dos negociantes, havendo uma obrigação infungível, como ocorre no contrato de fiança. Como outro exemplo cite-se a contratação de um pintor famoso, com talento único, para fazer o retrato de uma família.
VII) Quanto à sua causa determinante:
• Negócios jurídicos causais ou materiais – são aqueles em que o motivo consta expressamente do seu conteúdo como ocorre, por exemplo, em um termo de separação ou de divórcio. A maioria dos negócios jurídicos assume essa forma.
• Negócios jurídicos abstratos ou formais – são aqueles cuja razão não se encontra inserida no conteúdo, decorrendo dele naturalmente. Exemplos que podem ser citados são um termo de transmissão da propriedade e a simples emissão de um título de crédito.
VIII) Quanto ao momento de aperfeiçoamento:
• Negócios jurídicos consensuais – são aqueles que geram efeitos a partir do momento em que há o acordo de vontades entre as partes, como ocorre na compra e venda pura (art. 482 do CC).
• Negócios jurídicos reais – são aqueles que geram efeitos a partir da entrega do objeto, do bem jurídico tutelado. Alguns contratos, como o comodato, o mútuo, o contrato estimatório e o depósito, assumem essa forma.
IX) Quanto à extensão dos efeitos:
• Negócios jurídicos constitutivos – são os negócios que geram efeitos ex nunc, a partir da sua conclusão, pois constituem positiva ou negativamente determinados direitos, como ocorre com a compra e venda.
• Negócios jurídicos declarativos – são os negócios que geram efeitos ex tunc, a partir do momento do fato que constitui o seu objeto, caso da partilha de bens no inventário.
O estudo dos elementos essenciais, naturais e acidentais do negócio jurídico é um dos pontos mais importantes e controvertidos da Parte Geral do Código Civil. Como demonstrado, esses também serão os elementos do contrato, trazendo o conteúdo de determinadas cláusulas contratuais.
É fundamental estudar a concepção desses elementos a partir da teoria criada pelo grande jurista Pontes de Miranda, que concebeu uma estrutura única para explicar tais elementos (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado..., 1974, tomos 3, 4 e 5). Trata-se do que se denomina Escada Ponteana ou “Escada Pontiana”. É importante ressaltar que os nossos estudos quanto ao tema surgiram a partir dos ensinamentos transmitidos pela Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, titular da Faculdade de Direito da USP, por meio do seu grupo de pesquisas.
A partir dessa genial construção, o negócio jurídico tem três planos, a seguir demonstrados:
No plano da existência estão os pressupostos para um negócio jurídico, ou seja, os seus elementos mínimos, enquadrados por alguns autores dentro dos elementos essenciais do negócio jurídico. Constituem, portanto, o suporte fático do negócio jurídico (pressupostos de existência).
Nesse plano surgem apenas substantivos, sem qualquer qualificação, ou seja, substantivos sem adjetivos. Esses substantivos são: partes (ou agentes), vontade, objeto e forma. Não havendo algum desses elementos, o negócio jurídico é inexistente, defendem aqueles autores que seguem à risca a teoria de Pontes de Miranda.
No segundo plano, o da validade, as palavras acima indicadas ganham qualificações, ou seja, os substantivos recebem adjetivos, a saber: partes ou agentes capazes; vontade livre, sem vícios; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita e não defesa em lei.
Esses elementos de validade constam expressamente do art. 104 do CC, cuja redação segue: “A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei”.
Na realidade, não consta do dispositivo menção quanto à vontade livre, mas é certo que tal elemento está inserido seja dentro da capacidade do agente, seja na licitude do objeto do negócio. O negócio jurídico que não se enquadra nesses elementos de validade é, por regra, nulo de pleno direito, ou seja, haverá nulidade absoluta ou nulidade. Eventualmente, o negócio pode ser também anulável (nulidade relativa ou anulabilidade), como no caso daquele celebrado por relativamente incapaz ou acometido por vício do consentimento. As hipóteses gerais de nulidade do negócio jurídico estão previstas nos arts. 166 e 167 do CC/2002. Os casos gerais de anulabilidade constam do art. 171 da atual codificação.
Por fim, no plano da eficácia estão os elementos relacionados com a suspensão e resolução de direitos e deveres, caso da condição, do termo, do encargo ou modo, das regras de inadimplemento negocial (juros, multa e perdas e danos), do registro imobiliário, da rescisão contratual, do regime de bens do casamento, entre outros.
Nesse último plano, ou último degrau da escada, estão os efeitos gerados pelo negócio em relação às partes e em relação a terceiros, ou seja, as suas consequências jurídicas e práticas.
Sobre os três planos, ensina Pontes de Miranda que “existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz. As próprias normas jurídicas podem ser, valer e não ter eficácia (H. Kelsen, Hauptprobleme, 14). O que se não pode dar é valer e ser eficaz, ou valer, ou ser eficaz, sem ser; porque não há validade, ou eficácia do que não é” (Tratado de direito privado..., 1974, tomo 3, p. 15).
Dessa forma, a Escada Ponteana pode ser concebida conforme o gráfico a seguir:
Pelo esquema gráfico, percebe-se que, em regra, para que se verifiquem os elementos da validade, é preciso que o negócio seja existente. Para que o negócio seja eficaz, deve ser existente e válido. Tal dedução lógica justifica a simbologia da escada que sobe.
Entretanto, nem sempre isso ocorre. Ora, é possível que o negócio seja existente, inválido e eficaz, caso de um negócio jurídico anulável que esteja gerando efeitos. Ilustrando, pode ser citado o casamento anulável celebrado de boa-fé.
Também é possível que o negócio seja existente, válido e ineficaz, como é o caso de um contrato celebrado sob condição suspensiva e que não esteja ainda gerando efeitos jurídicos e práticos.
Superados esses pontos, anote-se que, para este autor, o atual Código Civil não concebeu de forma expressa e distinta o plano da existência. Como se pode perceber o art. 104 trata, diretamente, do plano da validade (“A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado e determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei”) (destacamos). O que se pode afirmar é que o plano da existência está embutido no plano da validade.
Além disso, não há no atual Código um dispositivo que explique tão bem a Escada Ponteana quanto o art. 2.035, caput, norma de direito intertemporal, cujo teor segue:
“Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução”.
A redação desse último dispositivo traz duas constatações.
A primeira é que o comando também não adota expressamente o plano da existência, eis que o artigo já começa tratando da validade dos negócios e demais atos jurídicos.
A segunda constatação, regra quanto à aplicação das normas no tempo, é de que, quanto à validade dos negócios jurídicos, deve ser aplicada a norma do momento da sua constituição ou celebração. Prevê o comando legal que se o negócio for celebrado na vigência do Código Civil de 1916, quanto à sua validade, devem ser aplicadas as regras que constavam na codificação anterior. Isso, esclareça-se, no que concerne à capacidade das partes, quanto à legitimação, relativamente à vontade livre, quanto à licitude do objeto, no tocante à forma prescrita em lei.
Já quanto ao plano da eficácia, devem ser aplicadas as normas incidentes no momento da produção de seus efeitos (“mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam”).
Assim, relativamente à condição, ao termo, aos juros, às multas (e outras penalidades), às perdas e danos, à rescisão contratual e ao regime de bens de casamento, deve ser aplicada a norma atual, no caso, o Código Civil de 2002. Pode parecer estranho, mas foi esse o intuito do legislador. No decorrer desta coleção surgirão vários exemplos de aplicação da Escada Ponteana e do art. 2.035 do atual CC, sem que haja qualquer inconstitucionalidade, conforme será defendido.
Superada essa visão preliminar, parte-se ao estudo detalhado dos elementos estruturais do negócio jurídico.
Esses elementos são aqueles que estão no plano da existência e da validade do negócio, trazendo a sua inobservância sérias consequências para o ato celebrado, aplicando-se a teoria das nulidades. São elementos essenciais: a capacidade do agente; o objeto lícito, possível, determinado ou determinável; a vontade ou consentimento livre e a forma prescrita ou não defesa em lei, institutos que serão abordados de forma pontual.
a) A capacidade do agente
Como todo negócio jurídico traz como conteúdo uma declaração de vontade (o elemento volitivo que caracteriza o ato jurígeno), a capacidade das partes é indispensável para a sua validade.
No que concerne à pessoa física ou natural, aqui figura a grande importância dos arts. 3.º e 4.º do CC/2002, que apresentam as relações das pessoas absoluta ou relativamente incapazes, respectivamente.
Enquanto os absolutamente incapazes devem ser representados por seus pais, tutores e curadores; os relativamente incapazes devem ser assistidos pelas pessoas a quem a lei determinar. Todavia, pode o relativamente incapaz celebrar determinados atos e negócios, como fazer testamento, aceitar mandato ad negotia e ser testemunha.
O negócio praticado pelo absolutamente incapaz sem a devida representação é nulo, por regra (art. 166, I, do CC). O realizado por relativamente incapaz sem a correspondente assistência é anulável (art. 171, I, do CC).
No tocante à incapacidade relativa de uma parte, prevê o art. 105 do CC que esta não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, também não aproveitando aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso, foi indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum a todos. Desse modo, não poderão os credores ou os devedores solidários ser privilegiados por suas alegações. Isso porque, como se sabe, a alegação de incapacidade constitui uma exceção pessoal, uma defesa que somente pode ser alegada por determinada pessoa.
Para fixar a matéria, lembre-se o rol dos incapazes que constam nos arts. 3.º e 4.º do Código Civil em vigor, conforme o quadro a seguir:
Absolutamente incapazes – art. 3.° do CC |
Relativamente incapazes – art. 4.° do CC |
– Menores de 16 anos – menores impúberes; – Enfermos e deficientes mentais sem discernimento para prática dos atos da vida civil; – Pessoas que por uma causa transitória ou definitiva não puderem exprimir sua vontade. |
– Menores com idade entre 16 e 18 anos – menores púberes; – Ébrios habituais, toxicômanos e pessoas com discernimento mental reduzido; – Excepcionais sem desenvolvimento completo; – Pródigos. |
No que toca às pessoas jurídicas, estas devem ser representadas ativa e passivamente, na esfera judicial ou não, por seus órgãos, constituídos conforme as formalidades previstas em lei, já outrora estudadas.
Além dessa capacidade geral, aqui estudada, para determinados negócios, exige-se a capacidade especial para certos atos, denominada legitimação. Como exemplo, repise-se o caso de uma pessoa maior e casada que é plenamente capaz, podendo dispor sobre seus bens imóveis sem representação. Mas ela não poderá vender um imóvel sem a outorga de seu cônjuge ou o suprimento judicial deste, salvo se casado for sob o regime de separação absoluta de bens. Essa regra consta dos arts. 1.647 e 1.648 do CC/2002. A pena para o ato assim celebrado é a sua anulabilidade conforme o art. 1.649 da mesma norma codificada, desde que proposta ação pelo outro cônjuge ou pelo seu herdeiro no prazo decadencial de dois anos, contados da dissolução da sociedade conjugal.
b) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável
Somente será considerado válido o negócio jurídico que tenha como conteúdo um objeto lícito, nos limites impostos pela lei, não sendo contrário aos bons costumes, à ordem pública, à boa-fé e à função social ou econômica de um instituto. Como se sabe, ilícito o objeto, nulo será o negócio jurídico (art. 166, II, do CC). Eventualmente pode estar caracterizado no negócio jurídico o abuso de direito, justamente pelo desrespeito aos conceitos que constam do art. 187 da atual codificação, o que por si só, constitui justificativa para a declaração de nulidade, combinando-se os dois dispositivos legais transcritos.
Nessa linha de pensamento, Roberto Senise Lisboa entende que a noção de ilicitude do objeto compreende a moralidade do conteúdo do negócio jurídico. Defende que o negócio jurídico imoral não pode produzir efeitos, mas aponta a grande dificuldade em se reconhecer essa imoralidade, eis que a noção de imoral é variável. Assim, a questão da moralidade do negócio jurídico deve ser apreciada a partir do preenchimento dos conceitos legais indeterminados previstos no art. 187 do CC, “valendo-se o julgador das formas de integração das lacunas da lei para aplicar a justiça distributiva, atingindo, desse modo, os fins sociais para os quais a norma jurídica foi promulgada” (Manual..., 2004, v. I, p. 478).
Além disso, o objeto deve ser possível no plano fático. Se o negócio implicar em prestações impossíveis, também deverá ser declarado nulo. Tal impossibilidade pode ser física ou jurídica. A impossibilidade física está presente quando o objeto não pode ser apropriado por alguém ou quando a prestação não puder ser cumprida por alguma razão. Por outra via, a impossibilidade jurídica está presente quando a lei vedar o seu conteúdo.
Segundo o art. 106 do Código Civil, a impossibilidade inicial do objeto não gera a nulidade do negócio se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado. Em suma, somente a impossibilidade absoluta é que tem o condão de nulificar o negócio. Se o negócio ainda puder ser cumprido ou executado, não há que se falar em invalidade.
Conforme a doutrina de Álvaro Villaça Azevedo, “se o objeto, no início negocial, é impossível, embora lícito, ele não pode ser prestado naquele momento; contudo, essa prestação pode tornar-se viável, de futuro, caso não seja absoluta essa impossibilidade, pois, nesse caso, jamais poderá o objeto ser prestado, pois não há a mais remota possibilidade de ele vir a existir” (Código..., 2003, v. II, p. 53). A título de exemplo, cite-se a hipótese de um negócio envolvendo uma companhia que ainda será constituída por uma das partes envolvidas. Ou, ainda, como quer o próprio Villaça Azevedo, a ilustração da venda de um automóvel que não pode ser fabricado em um primeiro momento, diante de uma greve dos metalúrgicos; surgindo a possibilidade posterior do objeto negocial pela cessação do movimento de paralisação (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria..., 2012, p. 177).
O que se percebe é que esse último comando legal traz em seu conteúdo o princípio da conservação negocial ou contratual, segundo o qual se deve sempre buscar a manutenção da vontade dos envolvidos, a preservação da autonomia privada. A construção mantém relação direta com o princípio da função social do contrato, segundo o Enunciado n. 22 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, cuja redação merece destaque: “a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.
O objeto do negócio deve ser determinado ou, pelo menos, determinável. O Código Civil de 2002 reconhece falha da codificação anterior, afastando o rigor da certeza quanto ao objeto. Pertinente apontar que, na obrigação de dar coisa incerta, o objeto é ainda pendente de determinação (arts. 243 e 244 do CC), que se dá pela escolha, também denominada concentração. Mesmo assim, não há que se falar em invalidade do negócio por indeterminação do objeto, sendo este um exemplo de incidência da regra constante do art. 106 do CC.
Nas típicas situações de negócios jurídicos de alienação de coisa, caso dos contratos de compra e venda e de doação, o objeto deve ser ainda consumível do ponto de vista jurídico (segunda parte do art. 86 do CC – consuntibilidade jurídica). Em outras palavras, o objeto deve ser alienável, ao passo que a venda ou a doação de bem inalienável é nula, por ilicitude do objeto ou fraude à lei (art. 166, II e VI, do CC).
A encerrar o estudo desse elemento, saliente-se que é melhor utilizar a expressão bem inalienável do que a clássica coisa fora do comércio, de outrora – res extra commercium do Direito Romano. Como é notório, há tempos superou-se a fase dos atos do comércio do Direito Comercial. Muito ao contrário, vivemos a fase do Direito Empresarial.
c) Vontade ou consentimento livre
A manifestação de vontade exerce papel importante no negócio jurídico, sendo seu elemento basilar e orientador. Vale dizer que a vontade é que diferencia o negócio, enquadrado dentro dos fatos humanos, fatos jurígenos e atos jurídicos, dos fatos naturais ou stricto sensu.
O consentimento pode ser expresso – escrito ou verbal, de forma pública e explícita – ou tácito – quando resulta de um comportamento implícito do negociante, que importe em concordância ou anuência.
Nesse sentido, enuncia o art. 111 do CC/2002 que o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. Desse modo, por regra, quem cala não consente, eis que, para que seja válida a vontade tácita, devem estar preenchidos os requisitos apontados. De toda a sorte, conforme estudado nos outros volumes da coleção, há exceções a essa regra. Várias são as aplicações jurisprudenciais da premissa constante do art. 111 do Código Civil, merecendo destaque a seguinte:
“Agravo de instrumento. Execução de sentença. Honorários advocatícios fixados em embargos à execução. Elaboração de acordo na execucional. Não abrangência dos termos e condições do pacto aos embargos, por constituírem estes últimos ação autônoma. Inexistência de previsão expressa no ajuste acerca da inclusão da verba honorária decorrente da sucumbência nos embargos do executado. Impossibilidade de presunção de que referida obrigação estaria açambarcada na transação. Inaplicabilidade do art. 111 do Código Civil. Causídico que assina o pacto na qualidade de patrono do acordante e não em nome próprio. Aquiescência do advogado acerca da pactuação envolvendo os honorários sucumbenciais referentes a outro processo inocorrente. Autonomia do estipêndio que torna legítima a pretensão do exequente. Inteligência dos arts. 23 e 24, § 4.º, ambos do estatuto da advocacia. Decisão guerreada mantida. Agravo desprovido” (TJSC, Agravo de instrumento 2008.001031-1, Araranguá, 4.ª Câmara de Direito Comercial, Rel. Des. José Carlos Carstens Kohler, DJSC 1.º.08.2008, p. 193).
Também no que concerne à vontade, os arts. 112, 113 e 114 trazem três regras fundamentais quanto à interpretação dos contratos e negócios jurídicos em geral, que merecem ser comentadas.
Pelo primeiro comando legal – art. 112 do CC –, nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção das partes do que ao sentido literal da linguagem. Desse modo, o aplicador do direito deve sempre buscar o que as partes queriam de fato, quando celebraram o negócio, até desprezando, em certos casos, o teor do instrumento negocial. Esse art. 112 do CC relativiza a força obrigatória das convenções, o pacta sunt servanda. Traz ainda, em seu conteúdo, a teoria subjetiva de interpretação dos contratos e negócios jurídicos, em que há a busca da real intenção das partes no negócio celebrado. No que concerne à importância dessa valorização subjetiva, para ilustrar, é interessante transcrever a seguinte ementa do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo:
“Locação. Espaço destinado à publicidade. Reparação de danos. Parede lateral de edifício. Publicidade pintada. Substituição por painel luminoso. Interpretação do contrato. Inadmissibilidade. Na hermenêutica tradicional existem dois tipos de interpretação dos contratos: a subjetiva e a objetiva. Por primeiro deve o intérprete procurar esclarecer a vontade real (subjetiva) dos contratantes, ou seja, a intenção comum das partes. Restando dúvidas, ou, para ajudar na investigação, deve-se proceder ao exame concomitante da vontade objetivada no conteúdo do vínculo contratual (objetiva). O importante na busca da intenção comum das partes é o exame e valoração dos respectivos comportamentos durante a denominada fase de execução do contrato, período delimitado entre sua formação e extinção” (Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Ap. c/ Rev. 807.399-00/0, 11.ª Câm., Rel. Juiz Egidio Giacoia, j. 17.11.2003. Referências: GOMES, Orlando. Contratos, 2002, p. 200-201 e 204; ROPPO, Enzo. O contrato, 1988, p. 171).
Ainda no que toca ao art. 112 do CC, interessante expor o exemplo construído por Karl Larenz, que demonstra muito bem as dificuldades em se buscar o sentido real do que foi pactuado. Expõe o jurista a situação de alguém que comunica a um hotel a necessidade de reserva de dois quartos com três camas. O objetivo do declarante é reservar um quarto com duas camas e outro quarto com uma cama tão somente. Porém, o atendente do hotel acaba por reservar dois quartos com três camas cada um. Como o hotel está lotado, ao chegar, o hóspede é cobrado da última forma (Derecho Civil..., 1978, p. 453). Quem deve ter razão? A situação pode ser perfeitamente aplicada aos estudantes do Direito, para que as mais diversas soluções sejam expostas. Fica, então, o caso em aberto, para as devidas aplicações pelos docentes.
Vale dizer que o presente autor passou por situação semelhante no seu cotidiano. Certo dia, em uma barraca de pastel da famosa feira livre da Vila Mariana, em São Paulo, fiz o seguinte pedido: “três queijos, para viagem”. A atendente, inexperiente, entregou um pastel de três queijos, quando o certo seria vender três pastéis de queijo. A própria gerente da barraca corrigiu o equívoco, uma vez que o pedido de três pastéis de queijo é mais comum, inclusive pelas vendas habituais realizadas a este autor.
Nesse contexto, o art. 113 do CC/2002 determina que os negócios jurídicos, e logicamente os contratos, devem ser interpretados de acordo com a boa-fé objetiva e os usos do lugar de sua celebração. Conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, ao qual se filia, deve-se incluir no sentido da norma as práticas habitualmente adotadas entre as partes (Enunciado n. 409). Diante do enunciado doutrinário, pode-se falar em usos do tráfego, que, segundo Larenz, constituem uma prática habitual nos negócios, um costume corriqueiro na constância das relações entre as partes (Derecho Civil..., 1978, p. 464). Nesse contexto, são fatos que devem ser considerados, segundo o jurista: a) os acordos preliminares; b) o caráter habitual das relações mantidas entre as partes; c) as manifestações anteriores do declarante e do destinatário; d) o lugar, o tempo e as circunstâncias anexas aos fatos (Derecho Civil..., 1978, p. 461).
Ainda quanto ao art. 113 do CC/2002, esse comando traz, ao mesmo tempo, os princípios da eticidade e da socialidade. O primeiro está no reconhecimento da interpretação mais favorável àquele que tenha uma conduta ética de colaboração e de lealdade (boa-fé objetiva). O segundo, pela interpretação do negócio de acordo com o meio social, dentro da ideia da ontognoseologia jurídica de Reale, reconhecendo a função social dos negócios e contratos. Valoriza-se, portanto, conforme a ementa transcrita, a teoria objetiva da interpretação dos contratos e negócios jurídicos.
Alguns autores, contudo, entendem que o dispositivo em comento traz a boa-fé subjetiva, aquela relacionada com a intenção das partes (NERY, Nelson e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código Civil..., 2005, p. 231). Discorda-se desse posicionamento, pois a boa-fé-intenção está inserida no comando legal antes comentado (art. 112 do CC). O art. 113 do CC traz, na verdade, a função de interpretação da boa-fé objetiva, conforme foi demonstrado.
Assinala-se que os negócios jurídicos em geral, principalmente os contratos, devem ser interpretados da maneira mais favorável àquele que esteja de boa-fé. Em alguns casos, a lei acaba presumindo de forma relativa essa boa-fé objetiva, guiando a interpretação do magistrado. Podem ser citados os casos de interpretação mais favorável ao aderente (art. 423 do CC) e ao consumidor (art. 47 do CDC).
Em suma, percebe-se que tinha total razão o saudoso Miguel Reale quando afirmava que o art. 113 do CC seria um artigo-chave do Código de 2002 (Um artigo-chave..., 2006, p. 240). Em conclusão, o dispositivo traz a função interpretativa tanto da boa-fé objetiva quanto da função social. Na jurisprudência brasileira, numerosos são os julgados de aplicação da boa-fé objetiva e da função social em uma relação de simbiose, de ajuda mútua, para a mitigação da força obrigatória da convenção. Nesse sentido, duas ementas podem ser transcritas a exemplificar:
“Apelação. Ação revisional de contrato. Relação de consumo. Inexistência. Revisão contratual. Possibilidade. Causa de pedir. Existência. Mesmo nas relações contratuais não amparadas pelo direito do consumidor, pode o judiciário rever as normas estabelecidas na avença, como forma de prestigiar a função social do contrato e a boa-fé objetiva em detrimento da autonomia da vontade. Da leitura da peça vestibular, extrai-se que o fato é a celebração do contrato de financiamento n. 885798.0 e o fundamento jurídico revela-se no direito à legalidade das cláusulas concernentes aos juros, de mora e remuneratórios, anatocismo e comissão de permanência” (TJMG, Apelação cível 1.0024.08.255985-7/0011, Belo Horizonte, 15.ª Câmara Cível, Rel. Des. Tibúrcio Marques, j. 12.02.2009, DJEMG 18.03.2009).
“Contrato de saúde. Paciente de 68 anos de idade, acometida de câncer. Indicação de temozolamina, um quimioterápico de via oral. Inadmissibilidade de se negar cobertura sob fundamento de ser tratamento domiciliar, por depor contra a função social do contrato e a boa-fé objetiva, por existir cobertura para câncer e quimioterapia. Tutela antecipada mantida. Não provimento” (TJSP, Agravo de Instrumento 605.520.4/9, Acórdão 3383957, São Paulo, 4.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 13.11.2008, DJESP 23.01.2009).
Anote-se que podem ser encontrados milhares de julgados seguindo a linha apontada acima, o que demonstra que as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da função social realmente pegaram em nosso País, nesses nove anos de Código Civil de 2002.
Ato contínuo de análise, prevê o art. 114 da atual codificação que os negócios jurídicos benéficos interpretam-se estritamente. Desse modo, em contratos gratuitos como são a doação e o comodato, à vontade das partes nunca pode se dar um efeito ampliativo, sempre restritivo. Especializando o seu teor, prevê o art. 819 do CC/2002 que a fiança não admite interpretação extensiva. Como é notório, a fiança é um típico contrato de garantia gratuita, em regra.
Pois bem, sendo o consentimento inexistente, o negócio jurídico existirá apenas na aparência, mas não para o mundo jurídico, sendo passível de declaração de inexistência ou de nulidade absoluta. Entre os que entendem pela nulidade, estão aqueles não são adeptos da teoria da inexistência do negócio jurídico, pelo simples fato de o Código Civil somente tratar da nulidade absoluta e da relativa.
No próximo capítulo, a vontade, como elemento do negócio jurídico, voltará a ser estudada, pela abordagem dos vícios ou defeitos do negócio jurídico, que, por acometerem o consentimento, podem gerar sua anulabilidade. Trataremos também da simulação e, particularmente, da reserva mental (art. 110 do CC).
d) Forma prescrita ou não defesa em lei
Inicialmente, para fins didáticos, forçoso lembrar que a expressão “não defesa” significa “não proibida”. Muitas vezes, percebe-se certa dificuldade em sua compreensão e alcance.
Clóvis Beviláqua conceituava a forma como “o conjuncto de solemnidades, que se devem observar, para que a declaração da vontade tenha efficacia juridica. É o revestimento juridico, a exteriorizar a declaração de vontade. Esta é a substancia do acto, que a fórma revela” (Código Civil..., 1977, t. I, p. 386).
Como regra, a validade da declaração de vontade não depende de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Desse modo, os negócios jurídicos, em regra, são informais, conforme prevê o art. 107 do CC, que consagra o princípio da liberdade das formas.
Entretanto, em casos especiais, visando a conferir maior certeza e segurança nas relações jurídicas, a lei disciplina a necessidade de formalidades, relacionadas com a manifestação da vontade. Nessas situações, o negócio não admitirá forma livre, sendo conceituado como negócio formal.
É fundamental aqui diferenciar formalidade de solenidade, conforme faz uma parte da doutrina. Solenidade significa a necessidade de ato público (escritura pública), enquanto formalidade constitui qualquer exigência de qualquer forma apontada pela lei, como, por exemplo, a de forma escrita. Assim, pode-se dizer que a forma é gênero; a solenidade é espécie.
Concorda-se com essa diferenciação, que é importante quando se estuda, por exemplo, a classificação dos contratos. Com tom didático, vale aqui transcrever as palavras de Sílvio de Salvo Venosa: “O contrato solene entre nós é aquele que exige escritura pública. Outros contratos exigem forma escrita, o que os torna formais, mas não solenes. No contrato solene, a ausência de forma torna-o nulo. Nem sempre ocorrerá a nulidade, e a relação jurídica gerará efeitos entre as partes, quando se trata de preterição de formalidade, em contrato não solene” (Direito civil..., 2003, p. 415).
Em termos práticos, a diferenciação é pouco relevante. Isso porque, havendo desrespeito à forma ou sendo preterida alguma solenidade prevista para o negócio, esse será nulo (art. 166, IV e V, do CC).
Ressalte-se o que estatui o art. 109 do CC/2002, segundo o qual “No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”. Portanto, podem as partes, por ato de vontade e visando à segurança, prever que o negócio deva atender a solenidades. A imposição do negócio solene pode ser, portanto, convencional entre as partes. A escritura pública é lavrada no Tabelionato de Notas de qualquer localidade do país, estando no plano da validade dos negócios jurídicos (segundo degrau da Escada Ponteana).
As formalidades ou solenidades previstas em lei ainda têm por finalidade garantir a autenticidade do negócio, para, eventualmente, facilitar sua prova, bem como garantir que a autonomia privada seja preservada objetivando sempre a certeza e a segurança jurídica.
Cumpre ainda comentar o importante art. 108 do Código Civil. Enuncia esse dispositivo que a escritura pública somente será exigida para negócios jurídicos que visam a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, com valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Em relação ao seu conteúdo, na IV Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 289 do CJF/STJ, prevendo que “O valor de 30 salários mínimos constante do art. 108 do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração Pública com finalidade tributária”. Assim sendo, valoriza-se a autonomia privada, o que foi pactuado pelas partes. De qualquer forma, o enunciado pode abrir brecha para preços simulados, que não são reais. Em havendo simulação, o negócio pode ser declarado nulo, nos termos do art. 167 do Código Civil.
O art. 108 do CC tem relação direta com o princípio da função social dos contratos. Isso porque presumiu o legislador que uma pessoa que compra um imóvel com valor de até trinta salários mínimos não tem condições econômico-financeiras de pagar as despesas de escritura, estando dispensada de tal encargo. Não há função social maior do que esta, diante da proteção das classes desfavorecidas, aflorando o Direito Civil dos Pobres, conforme a notória construção de Antonio Menger (El derecho..., 1898).
Pela relação com a função social dos contratos, por envolver matéria de ordem pública (art. 2.035, parágrafo único, do CC), não há no dispositivo legal qualquer inconstitucionalidade, por suposta lesão ao art. 7.º, IV, do Texto Maior (“Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”) (grifo nosso).
Para rebater qualquer alegação de inconstitucionalidade, lembramos que a função social dos contratos está amparada na cláusula pétrea da função social da propriedade, constante do art. 5.º, XXII e XXIII, do Texto Maior (TARTUCE, Flávio. Função social..., 2007). A jurisprudência vem aplicando o teor do art. 108 do CC, merecendo destaque julgado do Tribunal Mineiro:
“Inventário. Pedido de adjudicação de bem arrolado. Instrumento particular. Art. 108 CC. Valor inferior ao estipulado em lei. Recurso provido. O art. 108 do Código Civil ressalta que, não dispondo a Lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que transferem direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país. Considerando-se que para os fins legais os direitos hereditários são bens imóveis, exigi-se a escritura pública para a cessão destes direitos. Porém, tendo o bem que se pretende adjudicar valor que não alcança o montante equivalente a trinta salários mínimos, poderá esta ser realizada através de instrumento particular” (TJMG, Agravo de Instrumento 1.0035.07.101724-4/0011, Araguari, 1.ª Câmara Cível, Rel. Des. Geraldo Augusto de Almeida, j. 30.09.2008, DJEMG 03.11.2008).
Sob o ponto de vista prático, por certo é que o art. 134, II, do CC/1916, correspondente ao art. 108 da nova codificação, há muito tempo não vinha sendo aplicado, pela previsão em cruzeiros, aplicável à época e que sofreu várias versões no tempo, diante das inúmeras trocas de moedas pelas quais passou o País desde 1916. Com isso, acabou-se impondo aos destituídos o dever de pagar as despesas de escritura pública, retirando da norma anterior o seu objetivo social.
Ainda a respeito do art. 108 do CC, não estão dispensadas as despesas de registro. O contrato deve também ser celebrado por escrito, mesmo em tais ocasiões, também para o registro competente.
Por cautela, nunca é demais lembrar que não se pode confundir a escritura pública com o registro. A primeira representa o próprio contrato de compra e venda, que pode ser celebrado em qualquer Tabelionato de Notas do País, não importando o local do imóvel. Por outra via, o registro gera a aquisição da propriedade imóvel, devendo ocorrer, necessariamente, no Cartório de Registro de Imóveis do local em que o bem estiver situado. Além disso, a escritura pública, sendo forma, está no plano da validade do negócio jurídico; o registro imobiliário está no plano de sua eficácia. Os degraus da Escada Ponteana são distintos.
Os elementos naturais do negócio jurídico são aqueles que identificam determinado negócio jurídico celebrado. Têm a sua origem nos efeitos comuns do negócio, sem que exista a menção expressa da sua existência, nascendo como consequência comum da norma jurídica.
Para facilitar, exemplifica-se que um dos elementos identificadores da compra e venda é o preço, nome que é dado a essa espécie de remuneração. Na locação de imóveis, a remuneração recebe outro nome: aluguel, e assim sucessivamente.
Eventualmente, um elemento natural pode ser essencial, conforme os exemplos mencionados. Tanto o preço quanto o aluguel são elementos essenciais e naturais da compra e venda e da locação, respectivamente, estando inseridos no objeto negocial (plano da validade). Sendo o elemento natural também essencial, e havendo vício ou problema quanto a esse, poderá o negócio jurídico ser declarado nulo ou anulável.
O elemento natural também pode estar relacionado com a forma do negócio jurídico. Assim são os proclamas do casamento, os editais que são publicados com vistas à sua celebração, nos termos do art. 1.527 do CC.
Os elementos acidentais do negócio jurídico são aqueles “que se lhe acrescentam com o objetivo de modificar uma ou algumas de suas consequências naturais” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro..., p. 435).
Os elementos acidentais do negócio jurídico não estão no plano da sua existência ou validade, mas no plano de sua eficácia, sendo a sua presença até dispensável. Entretanto, em alguns casos, que serão estudados, sua presença pode gerar a nulidade do negócio, situando-se no plano da validade.
São elementos acidentais do negócio jurídico a condição, o termo e o encargo ou modo, tratados nominal e especificamente entre os arts. 121 a 137 do CC. Passa-se agora a estudá-los.
a) Condição
A condição é o elemento acidental do negócio jurídico, que, derivando exclusivamente da vontade das partes, faz o mesmo depender de um evento futuro e incerto (art. 121 do CC). Vicente Ráo conceitua a condição como sendo “a modalidade voluntária dos atos jurídicos que lhes subordina o começo ou o fim dos respectivos efeitos à verificação, ou não verificação, de um evento futuro e incerto” (Ato jurídico..., 1994, p. 244). Para a devida diferenciação, na hipótese em que o efeito do negócio estiver subordinado a evento futuro e certo, o elemento será o termo e não a condição.
De acordo com a primeira parte do art. 122 do CC devem ser consideradas lícitas todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes. Mais uma vez percebe-se no dispositivo conceitos legais indeterminados, que devem ser preenchidos pelo magistrado caso a caso, dentro do sistema de cláusulas gerais adotado pela atual codificação. As condições que contiverem esse conteúdo e que subordinam o negócio geram a sua nulidade (art. 123, II, do CC).
A segunda parte desse mesmo dispositivo – art. 122 do CC – prevê que são proibidas todas as condições que privarem de todo o efeito o negócio jurídico ou que sujeitem o mesmo à vontade de somente uma das partes. As primeiras são denominadas condições perplexas pela doutrina, enquanto as últimas são as condições puramente potestativas. Nos dois casos, o negócio também pode ser tido como nulo.
Quanto aos seus efeitos, lembre-se que as condições física e juridicamente impossíveis invalidam o negócio jurídico celebrado, quando tiverem efeitos suspensivos, sendo caso de nulidade absoluta (art. 123, I, do CC). Ainda invalidam o negócio jurídico por nulidade as condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita, bem como aquelas incompreensíveis e contraditórias (art. 123, II e III, do CC).
Segundo o art. 124 devem ser consideradas inexistentes (não escritas) as condições impossíveis, quando resolutivas, bem como as de não fazer coisa impossível. César Fiúza recomenda cautela na interpretação desse artigo, se confrontado com o seu correspondente no Código anterior (art. 116 do CC/1916). Vejamos o tratamento atual das condições impossíveis no quadro a seguir:
Condições física ou juridicamente impossíveis |
|
Quando resolutivas |
São consideradas não escritas (inexistentes), mas o negócio continua válido |
Quando suspensivas |
Invalidam tanto a condição como o contrato, assim como as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita, e as condições incompreensíveis ou contraditórias |
Ensina o jurista mineiro que o Código Civil anterior tratava as condições fisicamente impossíveis como não escritas, enquanto as condições juridicamente impossíveis resultavam na invalidade do ato. César Fiuza critica essa previsão anterior e exemplifica:
“Se um testamento exigisse como condição ficar um herdeiro uma hora embaixo d’água, sem respirar, estaríamos diante de condição fisicamente impossível e, portanto, não escrita, sendo válida a cláusula testamentária. Mas se a disposição testamentária impusesse como condição ter o herdeiro que assassinar alguém, estaríamos diante de condição ilícita, não sendo, pois, válida a cláusula. O herdeiro, neste caso, nada receberia. Ora, aquele que não praticasse ato naturalmente impossível, ou seja, aquele que nada demais fazia, a não ser seguir a própria natureza, herdaria normalmente, Não seria justo que aquele que, desobedecendo o comando testamentário, deixasse de cometer ato ilícito ou imoral, nada recebesse. Ademais, a se invalidar a cláusula testamentária, estar-se-ia referendando a vontade ilícita do testador” (Código Civil anotado..., 2004, p. 64).
Como se pode perceber, o doutrinador citado entende que a correta interpretação do art. 116 do Código Civil de 1916 já indicava que deveriam ser consideradas não escritas tanto as condições impossíveis quanto as ilícitas, tratamento este que é expresso na codificação atual.
Por fim, ensina Cesar Fiúza que “é óbvio que a nulidade atinge apenas a cláusula que impõe a condição e não todo o negócio jurídico, a não ser que a invalidade da cláusula inviabilize o negócio como um todo” (Código Civil anotado..., 2004, p. 65). É de se concordar com esse entendimento, adaptado à conservação negocial e à função social dos contratos e pactos em geral.
Sem prejuízo de tudo o que foi visto até o presente momento, a condição admite diversas classificações, que se passa a visualizar.
I) Classificação quanto à sua licitude:
• Condições lícitas – são aquelas que estão de acordo com o ordenamento jurídico, nos termos do art. 122 do CC, por não contrariarem a lei, a ordem pública ou os bons costumes. Não geram qualquer consequência de invalidade do negócio jurídico. Exemplo: venda dependente de uma aprovação do comprador (venda a contento ou ad gustum).
• Condições ilícitas – são aquelas que contrariam a lei, a ordem pública ou os bons costumes; gerando a nulidade do negócio jurídico a ela relacionado. Exemplo: venda dependente de um crime a ser praticado pelo comprador.
II) Quanto à possibilidade:
• Condições possíveis – são aquelas que podem ser cumpridas, física e juridicamente, não influindo na validade do negócio. Exemplo: venda subordinada a uma viagem do comprador à Europa.
• Condições impossíveis – são aquelas que não podem ser cumpridas, por uma razão natural ou jurídica, influindo na validade do ato e gerando a sua nulidade absoluta, nos termos do que prevê a lei. Exemplo: venda subordinada a uma viagem do comprador ao planeta Marte.
III) Quanto à origem da condição:
• Condições causais ou casuais – são aquelas que têm origem em eventos naturais, em fatos jurídicos stricto sensu. Exemplo: alguém se compromete a vender um bem a outrem caso chova.
• Condições potestativas – são aquelas que dependem do elemento volitivo, da vontade humana, sendo pertinente a seguinte subclassificação:
– Condições simplesmente ou meramente potestativas – dependem das vontades intercaladas de duas pessoas, sendo totalmente lícitas. Exemplo: alguém institui uma liberalidade a favor de outrem, dependente de um desempenho artístico (v.g. cantar em um espetáculo).
– Condições puramente potestativas – dependem de uma vontade unilateral, sujeitando-se ao puro arbítrio de uma das partes (art. 122 do CC, parte final). São ilícitas, segundo esse mesmo dispositivo. Exemplo: dou-lhe um veículo, se eu quiser.
Maria Helena Diniz aponta ainda a condição promíscua, como sendo aquela “que se caracteriza no momento inicial como potestativa, vindo a perder tal característica por fato superveniente, alheio à vontade do agente, que venha a dificultar sua realização. Por exemplo, ‘dar-lhe-ei um carro se você, campeão de futebol, jogar no próximo torneio’. Essa condição potestativa passará a ser promíscua se o jogador vier a se machucar” (Dicionário jurídico..., 2005, tomo I, p. 902).
• Condições mistas – são aquelas que dependem, ao mesmo tempo, de um ato volitivo, somado a um evento natural. Exemplo: dou-lhe um veículo se você cantar amanhã, desde que esteja chovendo durante o espetáculo.
IV) Quanto aos efeitos da condição:
• Condições suspensivas – são aquelas que, enquanto não se verificarem, impedem que o negócio jurídico gere efeitos (art. 125 do CC). Exemplo ocorre na venda a contento, principalmente de vinhos, cujo aperfeiçoamento somente ocorre com a aprovação ad gustum do comprador. Enquanto essa aprovação não ocorre, a venda está suspensa.
Desse modo, enquanto não se verifica a condição, o negócio é ainda pendente. Ocorrendo a condição, tem-se o implemento. Se a condição não é realizada, há a frustração (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro..., 2002, v. 1, p. 439).
De acordo com o art. 126 do CC, se alguém dispuser de alguma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquelas novas disposições, estas últimas não terão valor, caso ocorra o implemento do evento futuro e incerto, sendo a condição incompatível com essas novas disposições. Tal regra impede que uma nova condição se sobreponha a uma anterior, caso sejam elas incompatíveis entre si.
Como demonstrado, as condições suspensivas física ou juridicamente impossíveis geram a nulidade absoluta do negócio jurídico (art. 123, I, do CC).
• Condições resolutivas – são aquelas que, enquanto não se verificarem, não trazem qualquer consequência para o negócio jurídico, vigorando o mesmo, cabendo inclusive o exercício de direitos dele decorrentes (art. 127 do CC). Ilustrando, no campo dos Direitos Reais, quando o título de aquisição da propriedade estiver subordinado a uma condição resolutiva, estaremos diante de uma propriedade resolúvel (art. 1.359 do CC). Isso ocorre no pacto de retrovenda, na venda com reserva de domínio e na alienação fiduciária em garantia.
Por outro lado, sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, os direitos que a ela se opõem, segundo art. 128 do atual Código Civil. Segundo o mesmo dispositivo, se a condição resolutiva for aposta em um negócio de execução periódica ou continuada, a sua realização não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente, respeitada a boa-fé. Isso salvo previsão em contrário no instrumento negocial.
A regra em análise é complicada e merece esclarecimentos, com a utilização de exemplo prático.
Imagine-se o exemplo de uma venda de vinhos, celebrada a contento ou ad gustum. A não aprovação, a negação do vinho representa uma condição resolutiva. Logicamente, se o comprador já adquiriu outras garrafas de vinho (negócio de execução periódica ou trato sucessivo), a não aprovação de uma última garrafa não irá influenciar nas vendas anteriores. Desse modo, não pode o comprador alegar que não irá pagar as outras bebidas, muito menos o jantar, o que inclusive denota a sua má-fé. Como se percebe, trata-se de mais uma regra que tende à preservação da autonomia privada, à conservação do negócio jurídico e do contrato, reconhecida a sua importante função social (Enunciado n. 22 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil).
A condição resolutiva pode ser expressa –, se constar do instrumento do negócio – ou tácita – se decorrer de uma presunção ou mesmo da natureza do pacto celebrado. A condição presente na venda ad gustum de vinhos é, na maioria das vezes, tácita, uma vez que sequer é celebrado contrato escrito.
Ainda a respeito das duas formas de condição, suspensiva e resolutiva, merecem comentários dois dispositivos com aplicação comum, os arts. 129 e 130 do CC/2002.
Inicialmente, pelo art. 129, reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento. Esse dispositivo, a nosso ver, consagra a aplicação do princípio da boa-fé objetiva às condições em geral, tanto às suspensivas quanto às resolutivas.
De acordo com o art. 130, ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo. Mais uma vez, está consagrada a boa-fé objetiva, somada à teoria da aparência e à tão aclamada conservação contratual.
Por fim, cabe esclarecer que fica fácil a identificação da condição no negócio jurídico pelas conjunções utilizadas para caracterizá-la. Na maioria das vezes aparecem as condições se (v.g., dou-lhe um carro se você cantar no show amanhã) e enquanto (v.g., dou-lhe uma renda enquanto você estudar). A expressão se é utilizada para a condição suspensiva; a expressão enquanto para a condição resolutiva.
b) Termo
O termo é o elemento acidental do negócio jurídico que faz com que a eficácia desse negócio fique subordinada à ocorrência de evento futuro e certo. Melhor conceituando, o termo é “o evento futuro e certo cuja verificação se subordina o começo ou o fim dos efeitos dos atos jurídicos” (RÁO, Vicente. Ato jurídico..., 1994, p. 301).
Buscando uma primeira classificação, há o termo inicial (dies a quo), quando se tem o início dos efeitos negociais; e o termo final (dies ad quem), com eficácia resolutiva e que põe fim às consequências derivadas do negócio jurídico.
Muito comum o aplicador do direito confundir a expressão termo com a expressão prazo. O prazo é justamente o lapso temporal que se tem entre o termo inicial e o termo final. Cabe visualização das diferenças pelo esquema a seguir:
Termo Inicial (dies a quo) |
-------------- Prazo -------------- |
Termo Final (dies ad quem) |
Pertinente comentar que, conforme o art. 131 do Código Civil em vigor, o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito, o que diferencia o instituto em relação à condição suspensiva. Desse modo, a pessoa já tem o direito, não podendo somente exercê-lo. Havendo direito adquirido, não se pode esquecer da proteção constante do art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 e do art. 6.º da Lei de Introdução.
Vejamos o quadro a seguir:
Condição suspensiva |
– suspende o exercício e a aquisição do direito; – subordina a eficácia do negócio a evento futuro e incerto |
Ambos pemnitem a prática de atos de conservação do direito |
Termo inicial (ou suspensivo) |
– suspende o exercício, mas não a aquisição do direito; – subordina a eficácia do negócio a evento futuro e certo |
O art. 132 do CC/2002 traz as regras específicas a respeito da contagem dos prazos, a saber:
- Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. |
- Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil. |
- Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia. |
- Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de Início, ou no imediato, se faltar exata correspondência. |
- Os prazos fixados por hora contar-se-áo de minuto a minuto. |
Especificamente para os testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esse, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes. Essa é a regra constante do art. 133 do CC, que está relacionada com a interpretação dos negócios jurídicos, mais especificamente quanto à interpretação do prazo a favor de um ou de determinado negociante, no caso a favor do herdeiro e do devedor (em regra).
Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exequíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo (art. 134 do CC). De acordo com esse comando legal, o negócio é, por regra, instantâneo, somente assumindo a forma continuada se houver previsão no instrumento negocial ou em lei. Por outro lado, dependendo da natureza do negócio haverá obrigação não instantânea, inclusive se o ato tiver que ser cumprido em outra localidade.
Conforme o art. 135 do CC, ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva, respectivamente. Desse modo, quanto às regras, o termo inicial é similar à condição suspensiva; o termo final à condição resolutiva.
No que concerne às suas origens, tanto o termo inicial quanto o final podem ser assim classificados:
• Termo legal – é o fixado pela norma jurídica. Exemplificando, o termo inicial para atuação de um inventariante (mandato judicial) ocorre quando esse assume compromisso.
• Termo convencional – é o fixado pelas partes, como o termo inicial e final de um contrato de locação.
O termo pode ser ainda certo ou incerto (ou determinado e indeterminado), conforme conceitos a seguir transcritos:
• Termo certo ou determinado – sabe-se que o evento ocorrerá e quando ocorrerá. Exemplo é o fim de um contrato de locação celebrado por tempo determinado.
• Termo incerto e indeterminado – sabe-se que o evento ocorrerá, mas não se sabe quando. Exemplo é a morte de uma determinada pessoa.
Por fim, fica fácil também a identificação do termo, pois é comum a utilização da expressão quando (v.g., dou-lhe um carro quando seu pai falecer).
c) Encargo ou modo
O encargo ou modo é o elemento acidental do negócio jurídico que traz um ônus relacionado com uma liberalidade. Geralmente, tem-se o encargo na doação, testamento ou legado. Para Vicente Ráo, “modo ou encargo é uma determinação que, imposta pelo autor do ato de liberalidade, a esta adere, restringindo-a” (Ato jurídico..., 1994, p. 361).
O negócio gratuito ou benévolo vem assim acompanhado de um ônus, um fardo, um encargo; havendo o caso típico de presente de grego. Exemplo que pode ser dado ocorre quando a pessoa doa um terreno a outrem para que o donatário construa em parte dele um asilo. O encargo é usualmente identificado pelas conjunções para que e com o fim de.
Quanto à doação modal ou com encargo, há regras específicas previstas na Parte Especial do Código Civil. A doação modal está prevista no art. 540 do CC, sendo certo que somente haverá liberalidade na parte que exceder o encargo imposto. Não sendo executado o encargo, caberá revogação da doação, forma de resilição unilateral que gera a extinção contratual (arts. 555 a 564). O tema é aprofundado no Volume 3 da presente coleção.
De acordo com o art. 136 do vigente Código Civil, o encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva. Desse modo, no exemplo apontado, o donatário já recebe o terreno. Caso não seja feita a construção em prazo fixado pelo doador, caberá revogação do contrato.
Em regra, o encargo diferencia-se da condição suspensiva justamente porque não suspende a aquisição nem o exercício do direito, o que ocorre no negócio jurídico se a última estiver presente.
Seguindo no estudo do tema, preceitua o art. 137 do CC que deve ser considerado não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico. Trata-se de uma inovação, não havendo correspondente no Código Civil de 1916.
O comando em questão traz, em sua primeira parte, o princípio da conservação negocial ou contratual, relacionado com a função social dos contratos. Desse modo, despreza-se a ilicitude ou a impossibilidade parcial, aproveitando-se o resto do negócio. A segunda parte traz previsão pela qual o encargo passa para o plano da validade do negócio, caso seja fixado no instrumento como motivo determinante da liberalidade, gerando eventual nulidade absoluta do mesmo.
Exemplificando, a doação de um prédio no centro da cidade de Passos, Minas Gerais, feita com o encargo de que ali se construa uma pista de pouso de OVNIs, deve ser considerada como pura e simples; enquanto a doação desse mesmo prédio com o encargo de que o donatário provoque a morte de algumas pessoas é nula.
Resumo com fórmulas:
FATO JURÍDICO = FATO + DIREITO
ATO JURÍDICO = FATO JURÍDICO + VONTADE + LICITUDE
NEGÓCIO JURÍDICO = ATO JURÍDICO + INTERESSE DAS PARTES (criando-se algo novo)
Elementos acidentais do negócio jurídico – quadro comparativo
Condição |
Termo |
Encargo ou Modo |
Negócio dependente de evento futuro + incerto |
Negócio dependente de evento futuro + certo |
Liberalidade + ônus |
Identificado pelas conjunções “se” ou “enquanto” |
Identificado pela conjunção “quando” |
Identificado pelas conjunções “para que’ e ‘torn o fim de” |
Suspende (condição suspensiva) ou resolve (Condição resolutiva) os efeitos do negócio jurídico |
Suspende (termo inicial) ou resolve (termo final) os efeitos do negócio jurídico |
Não suspende nem resolve a eficácia do negócio. Não cumprido o encargo, cabe revogação da liberalidade |
1. (183º Magistratura SP – VUNESP) Assinale a alternativa correta.
(A) São vedadas as condições que sujeitam o efeito do negócio jurídico ao arbítrio de uma das partes, somente nas relações de consumo.
(B) As condições contraditórias são consideradas inexistentes, mantendo-se íntegro o negócio jurídico que lhe é subordinado.
(C) O titular de direito eventual pode praticar os atos destinados a conservá-lo, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva.
(D) O implemento de condição resolutiva sempre extingue, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe.
(E) O termo inicial suspende a aquisição do direito.
2. (Ministério Público/PR – 2011) Acerca dos negócios jurídicos, assinale a alternativa correta:
(A) subordinar a eficácia de um negócio jurídico a uma condição suspensiva significa afirmar que, enquanto esta não se realizar, não se terá adquirido o direito subjetivo a que visa o negócio.
(B) o termo sempre suspende a aquisição do direito subjetivo, de modo que, enquanto o evento futuro e certo ali previsto não se realizar, não se aperfeiçoa o direito a que visa o negócio.
(C) a regra que impõe a interpretação dos negócios jurídicos à luz da boa-fé significa que se deve perscrutar a vontade real do declarante, uma vez que a norma está a tratar da boa-fé subjetiva.
(D) a reserva mental é uma modalidade de simulação e, como tal, é hipótese de anulabilidade dos negócios jurídicos.
(E) somente os negócios jurídicos comutativos podem ser anulados por coação, não sendo viável pretender, sob esse fundamento, obter a anulação de negócios jurídicos benéficos.
3. (MP/MA – 2004) Assinale a alternativa incorreta.
(A) Considera-se termo a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
(B) Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível.
(C) Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.
(D) Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
(E) É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado no caso de coação, do dia em que ela cessar e no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico.
4. (TJBA – 2004) Quanto a fatos jurídicos, julgue os itens subsequentes.
4.1 – Os negócios jurídicos movimentam a economia mundial e têm recebido especial tratamento legislativo. Para que sejam válidos, o agente tem de ser capaz, o objeto deve ser lícito e a forma há de ser sempre especialmente prevista.
4.2 – Os negócios jurídicos podem ser firmados sob condição expressa em cláusula que, pactuada entre as partes, subordine o efeito do negócio a evento futuro e incerto.
4.3 – Aos credores sem garantia cabe ação de anulação do ato de remissão de dívida efetuado por devedor sem suporte patrimonial para saldar o débito.
4.4 – A simulação nulifica o negócio jurídico. Deve a nulidade ser alegada pela parte prejudicada ou pelo Ministério Público, não cabendo apreciação de ofício pelo juiz.
4.5 – A ação voluntária que exclusivamente causar dano moral a outrem configura ato ilícito e gera, para o agente, a obrigação de reparar o dano.
5. (MP/GO – 2005) Analise os enunciados a seguir e, em seguida, assinale a alternativa correta:
I – A vontade livre é um dos elementos de validade do negócio jurídico e o art. 104 do Código Civil faz menção expressa a esse requisito.
II – No plano da eficácia do negócio jurídico estão os elementos relacionados com a suspensão ou resolução dos direitos e deveres.
III – A eficácia dos negócios jurídicos se refere à produção de efeitos, que podem existir ou não, sem prejuízo de sua validade.
IV – O Código Civil atual, diferentemente do anterior, adota de forma expressa e distinta a teoria da “escada pontiana” formulada por Pontes de Miranda, que tem por finalidade explicar os elementos essenciais, naturais e acidentais do negócio jurídico.
V – A qualidade de ser sujeito de direito é um requisito de validade do negócio jurídico.
VI – A vis compulsiva é um vício do consentimento que consiste em retirar toda capacidade de manifestação de vontade do agente, acarretando a nulidade absoluta do negócio.
(A) As alternativas II, III e IV estão corretas.
(B) As alternativas II e V estão corretas.
(C) Somente as alternativas I, V e VI estão corretas.
(D) As alternativas II e III estão corretas.
6. (Defensoria Pública/SE – 2005).
6.1 Os defeitos dos negócios jurídicos que possibilitam sua anulação são o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores.
6.2 Condição é cláusula de um negócio jurídico que deriva exclusivamente da vontade das partes, que subordina a eficácia ou a resolução do negócio jurídico a acontecimento futuro e incerto. As condições puramente potestativas são admitidas desde que expressas no contrato.
7. (Procurador da PRODESP – 2004) O art. 104 do Código Civil determina que a validade do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Desse modo, é correto afirmar que negócio jurídico celebrado pelo absolutamente incapaz é:
(A) Nulo e somente poderá ser alegado pelo Ministério Público ou pelo juiz.
(B) Anulável e somente poderá ser alegado pelo Ministério Público ou pelo juiz.
(C) Nulo e poderá ser alegado por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
(D) Anulável e somente o juiz poderá alegar, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e os encontrar provados.
(E) Anulável e poderá ser alegado por qualquer interessado.
8. (TRT – 14.ª Região) Examine as proposições abaixo e responda:
I. No ato jurídico em sentido estrito, a emissão da vontade do agente e sua respectiva conformidade com a lei elevam a plano superior, para o fim de produção do efeito reconhecido pela ordem jurídica, o elemento volitivo.
II. O depoimento de um cego não pode ser admitido como prova de celebração de um ato jurídico.
III. O silêncio pode ser fato gerador de um negócio jurídico.
IV. O testamento é um negócio jurídico unilateral não receptício.
(A) Há apenas uma proposição verdadeira.
(B) Há apenas duas proposições verdadeiras.
(C) Há apenas três proposições verdadeiras.
(D) Todas as proposições são verdadeiras.
(E) Todas as proposições são falsas.
9. (FAEPOL – Delegado de Polícia RJ/2000) Flávia, divorciada, dezessete anos de idade, celebra um contrato de locação de um imóvel de sua propriedade, sem a assistência de seus pais. Pode-se afirmar que o contrato é:
(A) Nulo em virtude da incapacidade de Flávia, já que com o divórcio a emancipação perdeu seus efeitos;
(B) Anulável em virtude da incapacidade de Flávia, já que com o divórcio a emancipação perdeu seus efeitos;
(C) Nulo, pois Flávia não atingiu a maioridade;
(D) Válido, pois Flávia está emancipada;
(E) Válido, pois em qualquer locação de imóvel basta a idade de dezesseis anos do locador para sua validade.
10. (CESPE – CEAJUR/2001) Julgue os itens abaixo, relativos às modalidades dos negócios jurídicos.
10.1 A doação de uma casa para Maria, desde que ela se case, é exemplo de condição suspensiva.
10.2 A doação de uma casa para João no dia 20/11/2001 é exemplo de termo inicial.
10.3 A doação de uma casa para Pedro, desde que ele cuide do ranário lá existente, é exemplo de condição resolutiva.
10.4 A doação de uma casa para Leiva, se Rafael ganhar na loteria, é exemplo de termo final.
10.5 O fato de Flávia se casar com Lúcio apenas se este possuir um patrimônio de R$ 1.000.000,00, caracteriza uma condição resolutiva.
11. (VI Exame de Ordem Unificado – FGV) A condição, o termo e o encargo são considerados elementos acidentais, facultativos ou acessórios do negócio jurídico, e têm o condão de modificar as consequências naturais deles esperadas. A esse respeito, é correto afirmar que
(A) se considera condição a cláusula que, derivando da vontade das partes ou de terceiros, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
(B) se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, não vigorará o negócio jurídico, não se podendo exercer desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.
(C) o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito e, salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, incluindo o dia do começo e excluindo o do vencimento.
(D) se considera não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.
12. (MP/SP 85.º):
“É a cláusula que subordina o efeito do negócio jurídico, oneroso ou gratuito, a evento futuro ou incerto”.
“É a cláusula que subordina os efeitos do ato negocial a um acontecimento futuro e certo”.
“É a cláusula acessória aderente a atos de liberalidade inter vivos ou causa mortis que impõe um ônus ou uma obrigação ao contemplado pelos referidos atos”.
Estas cláusulas são, respectivamente, de:
(A) encargo, condição e termo.
(B) termo, encargo e condição.
(C) termo, condição e encargo.
(D) condição, encargo e termo.
(E) condição, termo e encargo.
13. (Juiz de Direito – TJSP 180.º) No que se refere ao negócio jurídico:
I. Sua validade requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei;
II. A incapacidade relativa de uma das partes pode ser invocada pela outra em seu próprio benefício, na defesa de seu direito;
III. A invocação da incapacidade relativa de uma das partes não aproveita aos interessados capazes, salvo se, neste caso, por divisível o objeto do direito ou da obrigação comum;
IV. A manifestação da vontade é imprescindível ao negócio jurídico.
Aponte as assertivas incorretas.
(A) I e II, somente.
(B) III e IV, somente.
(C) I, II e III, somente.
(D) II e III, somente.
14. (Juiz de Direito – TJMG 2007.II) O abuso de direito acha-se incluído na categoria dos atos ilícitos pelo Código Civil de 2002. A ilicitude diz respeito à infringência de norma legal, à violação de um dever de conduta.
Assim, é CORRETO que, para a caracterização do abuso de direito, o Código Civil considera que:
(A) é imprescritível a noção de culpa em sentido estrito.
(B) deve estar presente o dolo.
(C) é dispensável a análise da boa-fé objetiva.
(D) basta o critério objetivo-finalístico.
15. (Promotor de Justiça – MP/GO 2004) Examine as assertivas abaixo:
I – Nos negócios jurídicos, o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
II – É anulável o negócio jurídico que contenha vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
III – É nulo o negócio jurídico quanto tiver por objetivo fraudar lei imperativa.
IV – É de quatro anos o prazo prescricional para pleitear-se a anulação do negócio jurídico.
(A) I e II são corretas;
(B) I e III são corretas;
(C) II e IV são corretas;
(D) III e IV são corretas.
16. (MAGISTRATURA/RS – 2009) Com base nas disposições gerais sobre negócio jurídico, assinale a assertiva correta.
(A) A incapacidade relativa de uma das partes pode ser invocada pela outra em benefício próprio.
(B) O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
(C) A escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos visando a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a cinquenta vezes o maior salário mínimo vigente no país.
(D) A validade da declaração de vontade independe de forma especial e de exigência expressa da lei.
(E) Na declaração de vontade, se atenderá mais ao sentido literal da linguagem do que à intenção nela consubstanciada.
17. (XIX Concurso – Juiz do Trabalho Substituto TRT 14ª R. – 2013) Leia as proposições a seguir e marque a alternativa correta:
I. Fato jurídico é todo acontecimento, previsto em norma jurídica, em razão do qual nascem, se modificam, subsistem e se extinguem relações jurídicas, sendo classificados em fatos naturais, aqueles que independem da vontade humana (nascimento, morte, maioridade, tempestade, naufrágio etc.), e fatos humanos, aqueles que dependem de Vontade humana (perdão, ocupação, confissão, adoção, contratos, ato ilícito).
II. O decurso do tempo, que dá azo à prescrição e à decadência, é reputado um fato jurídico natural.
III. Na hipótese de testamento firmado por menor de 16 anos, a pretensão relativa à exceção de nulidade prescreverá cinco anos após o signatário completar a maioridade ou for emancipado.
(A) Apenas as proposições I e II são verdadeiras.
(B) Apenas as proposições I e III são verdadeiras.
(C) Apenas as proposições II e III são verdadeiras.
(D) Todas as proposições são verdadeiras.
(E) Todas as proposições são falsas.
01 – C |
02 – A |
03 – A |
4.1 – ERRADO |
4.2 – CERTO |
4.3 – CERTO |
4.4 – ERRADO |
4.5 – CERTO |
05 – D |
6.1 – CERTO |
6.2 – ERRADO |
07 – C |
08 – B |
09 – D |
10.1 – CERTO |
10.2 – CERTO |
10.3 – ERRADO |
10.4 – ERRADO |
10.5 – ERRADO |
11 – D |
12 – E |
13 – D |
14 – D |
15 – B |
16 – B |