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LEI DE INTRODUÇÃO

Sumário: 1.1 Aspectos gerais de Direito Privado: 1.1.1 Introdução; 1.1.2 As fontes do direito. A lei. As formas de integração da norma jurídica e as ferramentas do sistema jurídico; 1.1.3 A lei como fonte principal do direito brasileiro. O problema das lacunas da lei; 1.1.4 As antinomias ou lacunas de conflito1.2 Da proteção do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito adquirido (arts. 6.°, da Lei de Introdução, e 5.°, XXXVI, da CF/1988). Relativização da proteção1.3 As normas específicas de Direito Internacional Público e Privado constantes na Lei de Introdução. Breves comentários1.4 Resumo esquemático1.5 Questões correlatas.

1.1 ASPECTOS GERAIS DE DIREITO PRIVADO

1.1.1 Introdução

O Decreto-lei 4.657/1942, que instituiu a Lei de Introdução, é um conjunto de normas sobre normas, ou uma norma de sobredireito (lex legum), eis que disciplina as próprias normas jurídicas, prevendo a maneira de sua aplicação no tempo e no espaço, bem como a sua compreensão e o entendimento do seu sentido lógico, determinando também quais são as fontes do direito, em complemento ao que consta na Constituição Federal.

A lei em questão não é só importante para o Direito Civil, atingindo outros ramos do Direito Privado ou mesmo do Direito Público. Por isso, e por bem, a recente Lei 12.376, de 30 de dezembro de 2010, alterou o seu nome de Lei de Introdução ao Código Civil para Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Isso porque, atualmente, a norma mais se aplica aos outros ramos do Direito do que ao próprio Direito Civil. Por questões didáticas e pelo momento de transição, na presente obra e nos demais volumes desta coleção, a norma será denominada tão simplesmente de Lei de Introdução.

Com o presente esboço pretende-se demonstrar seu âmbito de aplicação na esfera privada.

Frise-se que a Lei de Introdução se dirige a todos os ramos jurídicos, salvo naquilo que for regulado de forma diferente pela legislação específica. Ao contrário das outras normas, que têm como objeto o comportamento humano, a Lei de Introdução tem como objeto a própria norma. Por tal razão é que se aponta tratar-se de uma norma de sobredireito.

1.1.2 As fontes do direito. A lei. As formas de integração da norma jurídica e as ferramentas do sistema jurídico

A expressão fontes do direito é utilizada de forma figurada para designar o ponto de partida para o surgimento do direito e do seu estudo, a ciência jurídica. Serve também para demonstrar quais são as manifestações jurídicas, ou seja, as formas de expressão do direito, como prefere Rubens Limongi França (Instituições..., 1996, p. 10). Assim, procurar as fontes do direito significa buscar o ponto de onde elas surgiram, no aspecto social, para ganhar relevância jurídica. Não há unanimidade na classificação das fontes do direito, sendo certo que, em uma visão civilista clássica, pode ser adotada a seguinte classificação:

1.1.2.1 Fontes formais, diretas ou imediatas

São constituídas pela lei, pela analogia, pelos costumes e pelos princípios gerais de direito, conceitos que são retirados do art. 4.° da Lei de Introdução. São fontes independentes que derivam da própria lei, bastando por si para a existência ou manifestação do direito. A lei constitui fonte formal, direta ou imediata primária, enquanto a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito constituem fontes formais, diretas ou imediatas secundárias.

Logicamente, a lei é a principal fonte (fonte formal primária) do direito brasileiro, porque o nosso sistema é baseado no sistema romano-germânico da Civil Law, sendo as demais fontes diretas acessórias (fontes formais secundárias). Por certo que, com a Emenda Constitucional 45/2004, que introduziu a súmula vinculante, surgem dúvidas se o nosso País continua filiado ao sistema citado, ou se adotamos um sistema misto, próximo ao da Common Law, baseado nos costumes e nas decisões do Poder Judiciário.

A respeito dos primeiros impactos da súmula vinculante em nosso País, André Ramos Tavares aponta uma radical oposição e aparente incompatibilidade entre o modelo brasileiro e o da Common Law, pois “enquanto o modelo codificado (caso brasileiro) atende ao pensamento abstrato e dedutivo, que estabelece premissas (normativas) e obtém conclusões por processos lógicos, tendendo a estabelecer normas gerais organizadoras, o modelo jurisprudencial (caso norte-americano, em parte utilizado como fonte de inspiração para criação de institutos no Direito brasileiro desde a I República) obedece, ao contrário, a um raciocínio mais concreto, preocupado apenas em resolver o caso particular (pragmatismo exacerbado). Este modelo do common law está fortemente centrado na primazia da decisão judicial (judge made law).É, pois, um sistema nitidamente judicialista. Já o direito codificado, como se sabe, está baseado, essencialmente, na lei” (Nova lei..., 2007, p. 20).

Indagações pairam no ar quanto ao reconhecimento da súmula vinculante como fonte primária de nosso ordenamento jurídico. A Emenda Constitucional 45 introduziu o art. 103-A ao Texto Maior, com a seguinte redação: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.

A inovação está sendo debatida pela comunidade jurídica nacional e pela doutrina especializada. Destaque-se que entrou em vigor a Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006, regulamentando a aplicação da súmula vinculante, sendo certo que o Supremo Tribunal Federal já aprovou algumas. O que se percebe é que foi dada a partida para a discussão do alcance prático do instituto em questão.

Há quem entenda que a súmula vinculante deve ser tida como fonte formal primária do Direito Brasileiro. Parece ser essa a conclusão a que chega José Marcelo Menezes Vigliar, ao afirmar que “a regra da vinculação é extremamente clara e tem uma força que, convenhamos, supera em alguns aspectos a força da lei, pois a lei pode ser interpretada e levada aos tribunais. A decisão, nos limites do previsto na Constituição Federal, não. Terá eficácia erga omnes e efeito vinculante aos demais juízes e Administração” (A reforma..., Reforma do Judiciário..., 2005, p. 288). Todavia, pensando melhor sobre o tema, concluímos que a súmula vinculante tem uma posição intermediária, entre as leis e as demais fontes do direito. Nessa linha, destaca Walber Moura Agra que as súmulas vinculantes não são leis, não tendo a mesma força dessas (AGRA, Walber de Moura. Curso..., 2008, p. 500).

Em complemento a essa interessante conclusão, comentando a nova lei que regulamenta a súmula vinculante, André Ramos Tavares aponta a existência de críticas em relação ao instituto e indaga qual é a função do Poder Judiciário. Ensina esse doutrinador que “A respeito da liberdade (de convicção) da magistratura em face da súmula vinculante, é necessário ponderar que: (i) ao magistrado sempre restará avaliar se aplica ou não uma dada súmula a um determinado caso concreto (operação de verificação), o que é amplamente reconhecido nos precedentes do Direito norte-americano; (ii) também a própria súmula é passível de interpretação, porque vertida em linguagem escrita, tal como as leis em geral” (Nova lei..., 2007, p. 108). No segundo ponto reside uma das supostas fraquezas do instituto em comento.

Relativamente às fontes formais secundárias, como mencionado, essas também constam da lei, particularmente do art. 4.° da Lei de Introdução, a saber: analogia, costumes e princípios gerais do direito.

Na primeira edição desta obra foi defendido que a ordem constante do art. 4.° da Lei de Introdução é perfeitamente lógica e deve ser seguida. Entretanto, a nossa opinião mudou na segunda edição do trabalho. Isso, diante da eficácia imediata e horizontal dos direitos fundamentais, da aplicação direta das normas protetivas da pessoa humana e dos princípios correlatos nas relações privadas, os quais estão de acordo com a tendência de constitucionalização do Direito Civil. Ora, como é possível aplicar a analogia antes de um princípio constitucional que resguarda um direito fundamental? Oportunamente serão demonstradas as razões dessa mudança de entendimento.

1.1.2.2 Fontes não formais, indiretas ou mediatas

Constituídas, basicamente, pela doutrina e jurisprudência, que não geram por si só regra jurídica, mas acabam contribuindo para a sua elaboração. Esses institutos não constam da lei como fontes do direito de forma expressa. Alguns autores, entretanto, pretendem colocar a doutrina e a jurisprudência dentro do conceito de costumes.

De acordo com a melhor construção de Maria Helena Diniz, o costume é constituído por dois elementos básicos: o uso e a convicção jurídica daqueles que o praticam (Lei de introdução..., 2001, p. 119). Sendo assim, doutrina e jurisprudência podem ser consideradas partes integrantes do elemento costume, constituindo também fontes formais, diretas ou imediatas secundárias do direito, desde que reconhecida a sua utilização pela comunidade jurídica em geral.

Ensina Ricardo Luís Lorenzetti que o costume “tem um desempenho fundamental no Direito Contemporâneo, como teve no Direito antigo. Seu papel amplia e integra-se ao Direito, não somente como conflito, mas como atuação social, já que permite predizer o que os outros farão” (Fundamentos..., 1998, p. 272). Havendo tal reconhecimento como parte do costume, como ocorre com as súmulas dos Tribunais Superiores (STF, STJ e TST), devem tanto a doutrina quanto a jurisprudência ser consideradas como fontes formais do direito. No caso dessas decisões judiciais, utiliza-se a expressão costume judiciário.

Ademais, pela sistemática do Código Civil de 2002, deve-se considerar que a equidade, a justiça do caso concreto, conforme Aristóteles, também é fonte não formal, indireta ou mediata do Direito Privado, assim como o são, em regra, doutrina e jurisprudência. Isso porque adota o atual Código Civil um sistema de cláusulas gerais, pelo qual por diversas vezes é o aplicador do Direito convocado a preencher janelas abertas deixadas pelo legislador, de acordo com a equidade, o bom senso. Esse sistema de cláusulas gerais mantém relação com o princípio da operabilidade, um dos regramentos básicos da codificação em vigor.

Superada essa observação, passa-se ao estudo das tradicionais fontes do direito, de forma detalhada e com maiores aprofundamentos.

1.1.3 A lei como fonte principal do direito brasileiro. O problema das lacunas da lei

A lei pode ser definida de vários modos. Preferimos conceituá-la da seguinte forma: a lei é a norma imposta pelo Estado, devendo ser obedecida, assumindo forma imperativa. Como aponta a melhor doutrina, “A norma jurídica é um imperativo autorizante” (DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma..., 2003). Para tanto, Maria Helena Diniz utiliza a conceituação de Goffredo Telles Jr., professor emérito da Universidade de São Paulo (O direito quântico..., 1971).

Nas sociedades contemporâneas, a lei é indiscutivelmente a mais importante das fontes da ordem jurídica, tendo aplicação imediata. Nunca é demais repetir o texto que consta do art. 5.°, II, da CF/1988, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (princípio da legalidade), o que demonstra muito bem qual o alcance da norma jurídica para o ordenamento jurídico nacional. Dessa forma, prevista a lei para um caso concreto, merece esta aplicação direta, conhecida como subsunção, conceituada como sendo a incidência imediata ou direta de uma norma jurídica.

De toda a sorte não se pode ter um apego total à lei, sob pena de se cair nas raias do mais puro legalismo. Deve-se ter em mente que não vivemos sob o império do Estado de Legalidade, mas do Estado de Direito. Em suma, a conclusão é que a lei não é o teto para as interpretações jurídicas, mas o seu piso mínimo. De outra forma, pode-se dizer que a lei não é a chegada, mas o ponto de partida do Direito.

Pela literalidade do art. 4.° da Lei de Introdução, quando a lei for omissa serão aplicadas as demais formas de expressão direta do direito, as denominadas formas de integração da norma jurídica, que são ferramentas para correção do sistema, utilizadas quando não houver norma prevista para o caso concreto. Em total sintonia com o que prevê a Lei de Introdução, o Código de Processo Civil, no seu art. 126, prevê que “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normais legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. Esse dispositivo veda que o magistrado não julgue o caso concreto, o que se denomina non liquet.

Portanto, deve ser reconhecido que o ordenamento jurídico constitui um sistema aberto, no qual há lacunas, conforme elucida Maria Helena Diniz em sua clássica obra As lacunas no direito (2002, p. 1-5). Entretanto, estas lacunas não são do direito, mas da lei, omissa em alguns casos. Em caso de lacunas, deverão ser utilizadas as formas de integração, que não se confunde com a subsunção. Nesse sentido, pode-se utilizar a seguinte frase, transmitida a este autor por Maria Helena Diniz no curso de mestrado da PUC/SP, e de conteúdo interessante:

O Direito não é lacunoso, mas há lacunas.”

A frase poderia parecer um paradoxo, mas não é, pois traz muito bem o sentido do ordenamento jurídico. De fato, não existem lacunas no direito, eis que o próprio sistema prevê meios de preenchimento dessas nos arts. 4.° e 5.° da Lei de Introdução e também na Constituição Federal. As lacunas existentes são, na essência, da lei, diante da ausência de uma determinada norma jurídica prevista para o caso concreto.

No que tange às lacunas, é interessante seguir a classificação criada por Maria Helena Diniz, da seguinte forma (As lacunas..., 2002, p. 95):

•   Lacuna normativa: ausência de norma prevista para um determinado caso concreto.

•   Lacuna ontológica: presença de norma para o caso concreto, mas que não tenha eficácia social.

•   Lacuna axiológica: presença de norma para o caso concreto, mas cuja aplicação seja insatisfatória ou injusta.

•   Lacuna de conflito ou antinomia: choque de duas ou mais normas válidas, pendente de solução no caso concreto. As antinomias serão estudadas oportunamente, em seção própria.

Encerrando o presente tópico, destaque-se que a lei, como fonte principal do direito, tem as seguintes características básicas:

a)   Generalidade – a norma jurídica dirige-se a todos os cidadãos, sem qualquer distinção, tendo eficácia erga omnes.

b)   Imperatividade – a norma jurídica é um imperativo, impondo deveres e condutas para os membros da coletividade.

c)   Permanência – a lei perdura até que seja revogada por outra ou perca a eficácia.

d)   Competência – a norma, para valer contra todos, deve emanar de autoridade competente, com o respeito ao processo de elaboração.

e)   Autorizante – o conceito contemporâneo de norma jurídica traz a ideia de um autorizamento (a norma autoriza ou não autoriza determinada conduta), estando superada a tese de que não há norma sem sanção (Hans Kelsen).

1.1.3.1 Da vigência das leis no tempo

A lei passa por um processo antes de entrar em vigor, sendo certo que, após a sua elaboração, promulgação e publicação, tem vigência depois de um período de vacatio legis. Como regra, esse período é previsto na própria norma, como ocorreu com o Código Civil de 2002 (“Art. 2.044. Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação”).

Não havendo tal previsão específica, segundo consta do art. 1.° da Lei de Introdução, o período de vacatio será de 45 dias, após a sua publicação oficial.

Esse prazo de vacatio legis conta-se incluindo o dia do começo – o dia da publicação – e também o último dia do prazo – o dia do vencimento –, conforme determina o art. 8.°, § 1.°, da Lei Complementar 95/1998, modificado pela LC 107/2001. Esse dispositivo não foi revogado pelo art. 132 do atual CC, pelo qual “salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento”. Isso, pela ressalva que consta do próprio dispositivo da codificação, sendo certo que a primeira norma é especial, devendo prevalecer.

Dúvidas surgem a respeito da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Como é notório, a atual codificação privada foi publicada no Diário Oficial da União do dia 11.01.2002.

Pois bem, o art. 2.044 do atual Código Civil, norma de direito intertemporal, deve ser interpretado em consonância com a citada Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998, que trata da vigência de leis. Prevê o art. 8.° desta norma, inclusive pela nova redação dada pela LC 107, de 26 de abril de 2001:

“Art. 8.° A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’ para as leis de pequena repercussão.

§ 1.° A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. (parágrafo incluído pela LC 107/2001.)

§ 2.° As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’”. (parágrafo incluído pela LC 107/2001.)

Pois bem, aplicando essa lei complementar, ensina Mário Luiz Delgado:

“Vê-se, portanto, que para a contagem do prazo anual inclui-se o dia 11, que foi o dia da publicação da lei, bem como o último dia do prazo. E qual foi o último dia? Se considerarmos o ano como sendo o período de 365 dias (e não se fale aqui em ano bissexto, uma vez que o ano de 2002 não o foi), temos que o período anual iniciado a 11.01.2002 terminou no dia 11.01.2003. Senão vejamos: somando 21 dias do mês de janeiro de 2002 (incluindo o dia 11.01.2002), mais 28 dias de fevereiro, mais 31 dias de março, maio, julho, agosto, outubro e dezembro, mais 30 dias de abril, junho, setembro e novembro, teremos 355 dias; para completar o período anual que é de 365 dias ficará faltando um período de 10 dias, se adicionarmos aos 355 dias transcorridos desde 11.01.2002 os 10 primeiros dias do mês de janeiro do ano subsequente (2003), teremos um período de 365 dias; assim, o período anual iniciado no dia 11.01.2002 completou-se exatamente no dia 10.01. 2003. Por esse critério, o novo Código Civil entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003, primeiro dia subsequente ao término do prazo, nos termos ditados pela Lei Complementar aludida” (Problemas de direito intertemporal..., 2004, p. 51).

Também conclui dessa forma a Professora Maria Helena Diniz (Comentários..., 2005, v. 22, p. 1.660), que adota o mesmo sistema de contagem, com o qual se deve concordar. Desse modo, como a maioria da doutrina, este autor entende que o Código Civil de 2002 entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003. Esse entendimento doutrinário majoritário consta, inclusive, de enunciado aprovado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que trata dos juros. Preceitua o Enunciado n. 164 do CJF/STJ que, “Tendo a mora do devedor início ainda na vigência do Código Civil de 1916, são devidos juros de mora de 6% ao ano até 10 de janeiro de 2003; a partir de 11 de janeiro de 2003 (data de entrada em vigor do novo Código Civil), passa a incidir o art. 406 do Código Civil de 2002”. O enunciado doutrinário em questão mantém relação com os arts. 2.044 e 2.045 do CC/2002, bem como com o art. 2.035, caput, da mesma Lei, e que ainda será comentado, diante da sua enorme importância prática.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça igualmente tem entendido que 11 de janeiro é a data da entrada em vigor da nova codificação privada. Por todos os julgados transcreve-se a seguinte ementa:

“Civil. Processual civil. Recurso especial. Ação de indenização. Danos morais e materiais. Prescrição. Inocorrência. Prazo. Código Civil. Vigência. Termo inicial. 1. À luz do novo Código Civil os prazos prescricionais foram reduzidos, estabelecendo o art. 206, § 3.°, V, que prescreve em três anos a pretensão de reparação civil. Já o art. 2.028 assenta que ‘serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada’. Infere-se, portanto, que tão somente os prazos em curso que ainda não tenham atingido a metade do prazo da lei anterior (menos de dez anos) estão submetidos ao regime do Código vigente, ou seja, 3 (três) anos. Entretanto, consoante nossa melhor doutrina, atenta aos princípios da segurança jurídica, do direito adquirido e da irretroatividade legal, esses três anos devem ser contados a partir da vigência do novo Código, ou seja, 11 de janeiro de 2003, e não da data da ocorrência do fato danoso. 2. Conclui-se, assim, que, no caso em questão, a pretensão do ora recorrente não se encontra prescrita, pois o ajuizamento da ação ocorreu em 24.06.2003, antes, portanto, do decurso do prazo prescricional de três anos previsto na vigente legislação civil. 3. Recurso conhecido e provido, para reconhecer a inocorrência da prescrição e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem” (STJ, REsp 698.195/DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4.ª Turma, julgado em 04.05.2006, DJ 29.05.2006, p. 254).

O julgado do STJ colacionado discute a aplicação do art. 2.028 do CC em vigor, que consta do Capítulo 8 desta obra e que envolve questão em que a data de entrada em vigor da atual codificação é fundamental, conforme será analisado.

Imperioso dizer que, em sede de Tribunais locais, quanto ao dia 11.01.2003, assim também tem entendido o Tribunal de Justiça de São Paulo (Agravo de Instrumento 896.543-0/6 – Americana – 25.ª Câm. de Direito Privado – Relator: Amorim Cantuária – 28.06.2005 – v.u.), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Apelação Cível 70011021706 – Porto Alegre – 2.ª Câm. Cível – Relator: Roque Joaquim Volkweiss – 18.05.2005 – v.u.), o Tribunal de Justiça do Paraná (Apelação Cível 0282266-4 – Curitiba – 13.ª Câm. Cível – Relator: Costa Barros – 13.05.2005), o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Decisão Monocrática: Agravo de Instrumento 2004.012831-2/0000-00 – Comarca de Lages – Relatora: Maria do Rocio Luz Santa Ritta – 01.06.2004), o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Cível 2006.001.08823 – 5.ª Câm. Cível – Relator: Antonio Saldanha Palheiro – 14.03.2006) e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Apelação Cível 2.0000.00.432089-6/000 – Relator: Eduardo Mariné da Cunha – 09.06.2004).

Mas, como não poderia ser diferente, há outros entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a entrada em vigor do Código Civil de 2002.

Entende Zeno Veloso que o novo Código Civil entrou em vigor no dia 12 de janeiro de 2003, aplicando a simples contagem anual. Assim, se o Código foi publicado no dia 11.01.2002, pela contagem una, entrou em vigor no dia subsequente do próximo ano (VELOSO, Zeno. Quando entrou em vigor o novo Código? Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br>. Artigos de convidados. Acesso em: 6 fev. 2006). Conclui da mesma forma Vitor Frederico Kümpel, para quem a contagem ano a ano é a melhor do ponto de vista técnico (Introdução ao estudo do direito..., 2007, p. 120). Aliás, como reconhece o último doutrinador, “a matéria não é pacífica e as raras vezes em que o tema foi questionado em concurso público ou as duas respostas foram consideradas certas ou a questão foi anulada”. Em sede jurisprudencial, há julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo adotando esse último entendimento (Apelação Cível 892.401-0/0 – São Paulo – 27.ª Câm. de Direito Privado – Rel. Jesus Lofrano – 05.07.2005 – v.u.).

Na verdade o grande embate existente refere-se às duas datas (11 ou 12 de janeiro), mas há outras duas teses, um pouco menos balizadas.

Primeiramente, há julgados apontando que o novo Código Civil entrou em vigor no dia 10 de janeiro de 2003, não se sabendo ao certo qual foi o critério adotado (TJRJ, Apelação Cível 2006.001.09860 – Rel. Des. Roberto Wider – j. 18.04.2006 – 5.ª Câm. Cível).

Mário Luiz Delgado relata ainda outro suposto entendimento doutrinário de que o novo Código Civil entrou em vigor no dia 25 de fevereiro de 2002 (Problemas de direito intertemporal..., 2004, p. 48). Essa linha de pensamento está fundamentada na existência de antinomia entre o art. 2.044 do CC/2002 e o § 2.° do art. 8.° da LC 95/1998, pois a primeira norma não adota a contagem em dias, como determina a segunda. Sendo a primeira norma inconstitucional, deve ser aplicado o art. 1.° da Lei de Introdução, no sentido de que, não havendo prazo de vacância expresso, a nova norma começa a valer 45 dias após a sua publicação. Não foi encontrado um julgado sequer aplicando essa tese, que não deve ser adotada, pois apegada a detalhes que não são levados em conta pelo senso comum.

Encerrando essa discussão, apesar de todos esses entendimentos, deve-se deixar claro, mais uma vez, que prevalece o primeiro posicionamento aqui esposado, o de que o atual Código Civil entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003.

Superado esse ponto, de acordo com o art. 1.°, § 1°, da Lei de Introdução, a obrigatoriedade da norma brasileira passa a vigorar, nos Estados estrangeiros, três meses após a publicação oficial em nosso País.

O § 2.° do art. 1.° da Lei de Introdução previa que no caso de norma pendente de aprovação e autorização pelo governo estadual, vigoraria a lei a partir do prazo fixado por legislação estadual específica. A norma foi recentemente revogada pela Lei 12.036/2009 e, em casos tais, aplica-se a regra geral.

Havendo norma corretiva, mediante nova publicação do texto legal, os prazos mencionados devem correr a partir da nova publicação (art. 1.°, § 3.°, da Lei de Introdução). A norma corretiva é aquela que existe para afastar equívocos importantes cometidos pelo comando legal, sendo certo que as correções do texto de lei já em vigor devem ser consideradas como sendo lei nova.

Sobre o erro legislativo, Vitor Frederico Kümpel apresenta classificação interessante: a) erro irrelevante – aquele que o juiz pode corrigir de ofício, pois tem autoridade para tanto, uma vez que o erro não gera divergência na interpretação; b) erro substancial – aquele que gera problema de interpretação, havendo necessidade de uma correção legislativa (Introdução ao estudo do direito..., 2007, p. 122).

No que concerne à correção, ou errata, ensina Maria Helena Diniz que “se a correção for feita dentro da vigência da lei, a lei, apesar de errada, vigorará até a data do novo diploma civil publicado para corrigi-la, pois uma lei deverá presumir-se sempre correta. Se apenas uma parte da lei for corrigida, o prazo recomeçará a fluir somente para a parte retificada, pois seria inadmissível, no que atina à parte certa, um prazo de espera excedente ao limite imposto para o início dos efeitos legais, salvo se a retificação afetar integralmente o espírito da norma. Respeitar-se-ão os direitos e deveres decorrentes da norma publicada com incorreção, ainda não retificada” (Lei de introdução..., 2001, p. 60).

É de se concordar com esse último posicionamento, diante da proteção constitucional do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, constante no art. 5.°, XXXVI, da CF/1988 e também no art. 6.° da própria Lei de Introdução.

No que toca à vigência da norma no tempo, consagra o art. 3.° da Lei de Introdução o princípio da obrigatoriedade da norma, segundo o qual ninguém pode deixar de cumprir a lei alegando não conhecê-la. Seguindo mais uma vez o posicionamento defendido por Maria Helena Diniz, traz o comando visualizado, em seu conteúdo, uma necessidade social, “de que as normas devem ser conhecidas para que melhor sejam observadas” (Lei de introdução..., 2001, p. 87). Para a mesma autora, trata-se de uma obrigatoriedade simultânea ou do princípio da vigência sincrônica.

Não merece alento, assim, a tese da ficção legal, pela qual a obrigatoriedade é um comando criado pela lei e dirigida a todos; muito menos a teoria pela qual há uma presunção absoluta (iure et iure) de que todos conhecem o teor da norma, a partir da sua publicação.

Sobre a tese da presunção, em certo sentido absurda, comenta Zeno Veloso:

“Não se deve concluir que o aludido art. 3.° da Lei de Introdução está expressando uma presunção de que todos conhecem as leis. Quem acha isto está conferindo a pecha de inepto ou insensato ao legislador. E ele não é estúpido. Num País em que há um excesso legislativo, uma superprodução de leis, que a todos atormenta, assombra e confunde – sem contar o número enormíssimo de medidas provisórias –, presumir que todas as leis são conhecidas por todo mundo agrediria a realidade” (Comentários..., 2005, p. 53).

Concorda-se integralmente, pois o legislador não seria tão estúpido! Aliás, a realidade contemporânea é de uma explosão de leis, de um Big Bang Legislativo, conforme denominou Ricardo Lorenzetti. Mesmo os aplicadores do direito mais experientes não conhecem sequer 10% das leis em vigor em nosso País. O que dizer, então, do cidadão comum, que não estuda as leis? Em um tom crítico, percebe que o art. 3.° da Lei de Introdução perdeu aplicação prática, por falta de amparo e suporte social.

Soma-se a tal premissa a conclusão de que o princípio da obrigatoriedade das leis não pode ser mais visto como um preceito absoluto diante do atual Código Civil. Isso porque o art. 139, III, da codificação em vigor admite a existência de erro substancial quando a falsa noção estiver relacionada com um erro de direito (error iuris), desde que este seja a única causa para a celebração de um negócio jurídico e que não haja desobediência à lei. Cite-se que a Lei de Contravenções Penais já previa o erro de direito como justificativa para o descumprimento da norma (art. 8.°).

Deve-se entender que não há qualquer conflito entre o art. 3.° da Lei de Introdução e o citado art. 139, III, do CC/2002, que possibilita a anulabilidade do negócio jurídico pela presença do erro de direito, conforme previsão do seu art. 171. A primeira norma – Lei de Introdução – é geral, apesar da discussão da sua eficácia, enquanto a segunda – Código Civil – é especial, devendo prevalecer. Concluindo, havendo erro de direito a acometer um determinado negócio ou ato jurídico, proposta a ação específica no prazo decadencial de 4 (quatro) anos contados da sua celebração (art. 178, II, do CC), haverá o reconhecimento da sua anulabilidade.

O art. 2.° da Lei de Introdução consagra o princípio da continuidade da lei, pelo qual a norma, a partir da sua entrada em vigor, tem eficácia contínua, até que outra a modifique ou revogue. Dessa forma, tem-se a regra do fim da obrigatoriedade da lei, além do caso de ter a mesma vigência temporária.

Contudo, não se fixando este prazo, prolongam-se a obrigatoriedade e o princípio da continuidade até que a lei seja modificada ou revogada por outra (art. 2.°, caput, da Lei de Introdução). A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (art. 2.°, § 1.°). Esse preceito consagra as revogações expressa e a tácita da lei, a seguir estudadas.

Entretanto, a lei nova, que estabelece disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior (art. 2.°, § 2.°). O comando trata das normas com sentido complementar. A título de exemplo, pode ser citada a Lei dos Alimentos Gravídicos (Lei 11.804/2008), que não revogou as regras previstas no Código Civil a respeito dos alimentos (arts. 1.694 a 1.710), mas apenas completou tal tratamento legislativo. Essa norma especial terá uma breve análise crítica no Capítulo 3 deste livro.

Pelo que consta do texto legal transcrito, a revogação, meio mais comum para se retirar a eficácia de uma norma jurídica, pode ocorrer sob duas formas, classificadas quanto à sua extensão:

a)   Revogação total ou ab-rogação – ocorre quando se torna sem efeito uma norma de forma integral, com a supressão total do seu texto por uma norma emergente. Exemplo ocorreu com o Código Civil de 1916, pelo que consta do art. 2.045, primeira parte, do CC/2002.

b)   Revogação parcial ou derrogação – ocorre quando uma lei nova torna sem efeito parte de uma lei anterior, como ocorreu com a parte primeira do Código Comercial de 1850, segundo está previsto no mesmo art. 2.045, segunda parte, do CC.

Em relação ao modo, as duas formas de revogação analisadas podem ser assim classificadas:

a)   Revogação expressa (ou por via direta) – situação em que a lei nova taxativamente declara revogada a lei anterior ou aponta os dispositivos que pretende retirar. Conforme previsão do art. 9.° da Lei Complementar 95/1998, “a cláusula de revogação deverá enumerar expressamente a lei ou disposições revogadas”. O respeito, em parte, em relação a tal dispositivo especial pode ser percebido pela leitura do já citado art. 2.045 do Código Civil, pelo qual “revogam-se a Lei 3.071, de 1.° de janeiro de 1916 – Código Civil e a Primeira Parte do Código Comercial, Lei 556, de 25 de junho de 1850”. Entretanto, o atual Código Civil permaneceu silente quanto à revogação ou não de algumas leis especiais como a Lei do Divórcio (Lei 6.515/1977), a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), a Lei do Condomínio e Incorporação (Lei 4.591/1967), entre outras. Nesse último ponto residem críticas ao Código Civil de 2002, por ter desobedecido a orientação anterior. O que se percebe, na prática, é que a questão da revogação das leis especiais anteriores deve ser analisada caso a caso pelo atento civilista. Em complemento, o dispositivo da citada lei complementar que impõe a revogação expressa de normas não é devidamente obedecido no Brasil, tornando-se verdadeira letra morta na lei.

b)   Revogação tácita (ou por via oblíqua) – situação em que a lei posterior é incompatível com a anterior, não havendo previsão expressa no texto quanto à sua revogação. Conforme foi dito, o Código Civil de 2002 não trata da revogação de leis especiais, devendo ser aplicada a revogação parcial tácita que parece constar do seu art. 2.043 do Código Civil: “Até que por outra forma se disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código”. Ilustrando, é notório que vários preceitos materiais de leis especiais, como a Lei do Divórcio (Lei 6.515/1973), foram incorporados pelo atual Código Civil. Desse modo, permanecem em vigor os seus preceitos processuais, trazendo a conclusão da sua revogação parcial, por via oblíqua. Não se pode concluir que todas as normas materiais não incorporadas foram revogadas, devendo-se analisar o caso concreto. Polêmica nesse sentido surge quanto ao direito real de habitação a favor do companheiro, que não foi incorporado pela atual codificação. Para consulta, a discussão consta do Volume 6 desta coleção.

Muito importante lembrar que o art. 2.°, § 3.°, da Lei de Introdução afasta a possibilidade da lei revogada anteriormente repristinar, salvo disposição expressa em lei em sentido contrário. O efeito repristinatório é aquele pelo qual uma norma revogada volta a valer no caso de revogação da sua revogadora.

Esclarecendo:

1)   Norma A – válida.

2)   Norma B revoga a norma A.

3)   Norma C revoga a norma B.

4)   A Norma A (revogada) volta a valer com a revogação (por C) da sua revogadora (B)?

5)   Resposta: Não. Porque não se admite o efeito repristinatório automático.

A conclusão, portanto, é que não existe o efeito repristinatório automático. Contudo, excepcionalmente, a lei revogada volta a viger quando a lei revogadora for declarada inconstitucional ou quando for concedida a suspensão cautelar da eficácia da norma impugnada – art. 11, § 2.°, da Lei 9.868/1999. Também voltará a viger quando, não sendo situação de inconstitucionalidade, o legislador assim o determinar expressamente. Em suma, são possíveis duas situações. A primeira delas é aquela em que o efeito repristinatório decorre da declaração de inconstitucionalidade da lei. A segunda é o efeito repristinatório previsto pela própria norma jurídica. Como exemplo da primeira hipótese, pode ser transcrito o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

“Contribuição previdenciária patronal. Empresa agroindustrial. Inconstitucionalidade. Efeito repristinatório. Lei de Introdução. 1. A declaração de inconstitucionalidade em tese, ao excluir do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida, conduz à restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional. 2. Sendo nula e, portanto, desprovida de eficácia jurídica a lei inconstitucional, decorre daí que a decisão declaratória da inconstitucionalidade produz efeitos repristinatórios. 3. O chamado efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade não se confunde com a repristinação prevista no artigo 2.°, § 3.°, da Lei de Introdução, sobretudo porque, no primeiro caso, sequer há revogação no plano jurídico. 4. Recurso especial a que se nega provimento” (STJ, 2.ª T., REsp 517.789/AL, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 08.06.2004, DJ 13.06.2005, p. 236).

Muitas vezes, podem surgir conflitos quando uma norma é modificada ou com o surgimento de uma nova lei. Em casos tais, deve o aplicador do direito procurar socorro em regras específicas de direito intertemporal, denominadas Disposições finais e transitórias. O atual Código Civil traz essas ferramentas entre os seus arts. 2.028 a 2.046 que serão muito utilizadas no decorrer do presente trabalho, quando do estudo de temas específicos.

1.1.3.2 Da vigência das leis no espaço

Toda lei ou norma jurídica, em princípio, tem seu campo de aplicação limitado no espaço pelas fronteiras do Estado que a promulgou. Essa a melhor concepção do princípio da territorialidade da lei, segundo o qual no Brasil somente se pode aplicar a norma jurídica nacional.

O território nacional, em sentido amplo ou lato sensu, inclui a parte continental – o território propriamente dito –, o solo, o espaço aéreo, bem como as águas que nela se encontrarem. Também fazem parte do território nacional as ilhas, bem como uma faixa de mar territorial correspondente a 12 milhas.

Os Estados contemporâneos, todavia, têm admitido a aplicação, em determinadas circunstâncias, de normas estrangeiras e de fontes do Direito Internacional Público (tratados e convenções) em seu território, com o intuito de facilitar as relações entre os países. Conforme aponta a doutrina especializada no assunto, é essa uma das consequências do crescente relacionamento entre os sujeitos do direito internacional na comunidade globalizada.

Exemplificando, essa aplicação extraterritorial do direito pode surgir tanto no âmbito público – quando um estrangeiro comete um crime no Brasil – quanto no âmbito privado – quando um nacional possui bens ou realiza negócios em território estrangeiro. É importante repisar que a Lei de Introdução traz normas de aplicação aos dois ramos do direito internacional, seja público ou privado.

Como uma nação evoluída e soberana, nosso País adotou a teoria da territorialidade moderada ou temperada, princípio pelo qual as leis e as sentenças estrangeiras podem ser aplicadas no Brasil, observadas certas regras, algumas delas constantes na própria Lei de Introdução.

Nesse sentido, vale dizer que uma sentença estrangeira somente terá aplicação entre nós se for devidamente homologada pelo Poder Judiciário. Anteriormente, essa homologação cabia ao Supremo Tribunal Federal, órgão que era incumbido de proclamar o exequatur ou cumpra-se conforme previa o art. 15 da Lei de Introdução.

Entretanto, com a Emenda Constitucional 45 passou a ter competência para tanto o Superior Tribunal de Justiça, pela regra que consta no art. 105, I, i, da CF/1988. Relativamente ao tema, o constitucionalista Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira espera que “o Superior Tribunal de Justiça mantenha o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto alguns pontos sobre a homologação de sentenças estrangeiras, como: os pressupostos para a homologação (previstos no art. 217 do Regimento Interno do STF), impossibilidade de discussão do processo de homologação da relação de direito material subjacente à sentença estrangeira, possibilidade de homologação de sentença proferida em júri civil e aplicação do princípio da sucumbência” (Competências..., Reforma do Judiciário..., 2005, p. 205). Do mesmo modo esperamos que esse entendimento seja mantido.

Em suma, de acordo com as palavras transcritas, deve-se entender que ainda está em vigor o art. 16 da Lei de Introdução, pelo qual para a aplicação da lei ou sentença estrangeira deve ser considerado o seu inteiro teor, sem considerar-se qualquer remissão feita pela própria, ou por outra lei ou sentença.

Mais uma vez atualizando a obra, verifica-se que o art. 15, parágrafo único, da Lei de Introdução, foi recentemente revogado pela Lei 12.036/2009. A norma dispunha que não dependeriam de homologação as sentenças estrangeiras meramente declaratórias de estado de pessoas. Como bem escreve Gustavo Ferraz de Campos Mônaco, “O STJ, seguindo antigo posicionamento do STF, entendia que esse dispositivo se encontrava revogado por força do art. 486, do CPC, razão pela qual toda e qualquer sentença estrangeira deveria se submeter ao processo de homologação no país. Nenhuma dúvida resta atualmente” (MÔNACO, Gustavo Ferraz de Campos. Código Civil..., 2010, p. 24).

Pois bem, a sentença estrangeira ou mesmo um tratado ou convenção internacional somente terá incidência no País se não contrariar a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (art. 17 da Lei de Introdução). Anote-se que, conforme o art. 84, VIII, da CF/1988, compete exclusivamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. As dificuldades são de, no regime democrático, determinar quais os limites dessa assinatura pelo Presidente.

Superado esse ponto, cabe definir o que seria o território nacional no sentido do Direito Internacional, sendo certo que nos limites desse território é que o Estado exerce a sua soberania, pela aplicação das normas nele promulgadas.

Inicialmente, há o território real compreendido pelo solo, subsolo, espaço aéreo, águas continentais interiores, baías, golfos, formações geográficas internas, ilhas nacionais e uma faixa de mar exterior de 12 milhas. A respeito das doze milhas de mar territorial, esse é o pactuado conforme a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982.

O território ficto é aquele criado pela lei e formado pelas embaixadas, que representam a extensão do território nacional. O mesmo não pode ser dito em relação aos consulados, que representam o seu povo. O território ficto, segundo os ensinamentos que foram transmitidos a este autor, ainda compreende:

a)   Os navios, embarcações e aeronaves de guerra nacionais, onde quer que se encontrem, não importando o local.

b)   Os navios mercantes nacionais, quando estiverem navegando em águas territoriais brasileiras e em alto-mar, isto é, fora das águas territoriais de outro país.

c)   Os navios e as embarcações mercantes estrangeiros, quando estiverem navegando em águas brasileiras.

d)   As aeronaves nacionais, mesmo mercantes, quando sobrevoando em alto-mar a qualquer altura atmosférica.

Eventualmente, sendo celebrado um contrato no território ficto, aplica-se a norma brasileira, pelo que consta no art. 9.° da Lei de Introdução, que traz regra pela qual para reger obrigações aplica-se a norma do local em que a mesma foi assumida (locus regit actum).

1.1.3.3 Principais classificações da lei

As classificações fundamentais e consolidadas da norma jurídica que mais interessam ao Direito Privado são as seguintes:

A)   Quanto à imperatividade:

•   Normas cogentes ou de ordem pública – são aquelas que interessam à coletividade em sentido genérico, merecendo aplicação obrigatória, eis que são dotadas de imperatividade absoluta. As normas de ordem pública não podem ser afastadas pela autonomia privada constante em um contrato, pacto antenupcial, convenção de condomínio, testamento ou outro negócio jurídico. O atual Código Civil está impregnado de normas dessa natureza, como aquelas relacionadas com os direitos da personalidade (arts. 11 a 21 do CC), com a nulidade absoluta dos negócios jurídicos, com os direitos pessoais de família e com a função social da propriedade e dos contratos (art. 2.035, parágrafo único, do CC).

•   Normas dispositivas ou de ordem privada – são aquelas que interessam tão somente aos particulares, podendo ser afastadas por disposição volitiva prevista em contrato, pacto antenupcial, convenção de condomínio, testamento ou outro negócio jurídico. São normas dessa natureza aquelas que dizem respeito ao condomínio, ao regime de bens do casamento e à anulabilidade de um negócio jurídico.

B)   Quanto à sua natureza:

•   Normas substantivas ou materiais – são aquelas relacionadas com o direito material, como é o Código Civil brasileiro e o Código de Defesa do Consumidor no seu todo. Entretanto, é interessante observar que as leis citadas também possuem preceitos processuais, caso das normas relativas à prova do negócio jurídico previstas no Código Civil (arts. 212 a 232).

•   Normas formais ou processuais – são aquelas relacionadas com o processo, que visa a proteger o direito material, como é o Código de Processo Civil e que em certos pontos merece estudo na presente coleção.

C)   Quanto ao conteúdo de autorizamento:

•   Normas mais que perfeitas – são aquelas cuja violação do seu conteúdo possibilita a nulidade ou anulabilidade do ato ou negócio, com o restabelecimento da situação anterior, sem prejuízo da imposição de uma penalidade ao seu ofensor. A norma que veda o abuso de direito (art. 187 do CC) tem essa natureza, por ter condições de gerar a nulidade de um negócio por ilicitude do seu objeto (art. 166, II, do CC), além da imputação do dever de indenizar.

•   Normas perfeitas – são normas que trazem no seu conteúdo somente a previsão de nulidade ou anulabilidade do ato ou negócio jurídico, conforme o que consta no art. 167 do CC, que consagra a nulidade absoluta do negócio jurídico simulado.

•   Normas menos que perfeitas – são normas que preveem a aplicação de uma sanção ao violador, mas sem a declaração de nulidade ou anulabilidade do ato ou negócio jurídico. A norma que traz as condições suspensivas do casamento (art. 1.523 do CC) possui essa natureza.

•   Normas imperfeitas – a violação dessa norma não acarreta qualquer sanção ou consequência jurídica, como acontece com as previsões que constam da Constituição Federal, por regra.

D)   Quanto à hierarquia:

•   Normas constitucionais – são aquelas constantes na Constituição Federal de 1988, que é a norma fundamental ou norma origem do ordenamento jurídico brasileiro. Merecem tratamento equiparado as emendas à Constituição, como é o caso da Emenda Constitucional 40/2003, a qual trouxe um novo tratamento aos juros.

•   Normas complementares – são as que regulam matérias especiais estipuladas no Texto Maior, relacionadas com um determinado assunto, conforme prevê o art. 69 da CF/1988.

•   Normas ordinárias – são as leis comuns, elaboradas pelo Poder Legislativo, de acordo com o art. 61 e seguintes da CF/1988, como o Código Civil brasileiro e o Código de Defesa do Consumidor.

•   Normas delegadas – são as que possuem a mesma posição hierárquica que as leis ordinárias, mas são elaboradas pelo Presidente da República que deverá solicitar delegação ao Congresso Nacional para a sua aprovação – art. 68 da CF/1988.

•   Medidas provisórias – também com a mesma posição hierárquica das leis ordinárias, são normas com força de lei, baixadas pelo Presidente da República, somente em casos de relevância e urgência, devendo ser submetidas de imediato ao Congresso Nacional, para sua conversão imediata – art. 62 da CF/1988. Por regra, perdem sua eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei ordinária no prazo de 60 dias da publicação. São prorrogáveis uma única vez, por igual prazo. Entretanto, é notório que essas regras de vigência das medidas provisórias não vêm sendo obedecidas na prática.

•   Decretos legislativos – são normas promulgadas pelo Poder Legislativo sobre assuntos de sua competência, como, por exemplo, aqueles relacionados com a ratificação de tratados internacionais – art. 59, VI, da CF/1988.

•   Resoluções – são normas expedidas pelo Poder Legislativo, destinadas a regular matéria de sua competência com natureza administrativa ou política, como, por exemplo, a cassação de um parlamentar – art. 59, VII, da CF/1988.

•   Normas internas – são os regimentos e estatutos aplicáveis a um certo ramo do poder estatal ou com eficácia aos particulares. Como exemplo, cite-se a previsão do art. 27, § 3.°, da CF/1988, pelo qual: “Compete às Assembleias Legislativas dispor sobre seu regimento interno, polícia e serviços administrativos de sua secretaria, e prover os respectivos cargos”.

E)   Quanto à especialidade:

•   Normas gerais – são os preceitos que regulam de forma geral um determinado assunto, sem especificações no tratamento legal. Sua caracterização depende de análise comparativa em relação à outra norma (interpretação sistemática). No presente trabalho será demonstrado que o Código Civil, no seu todo, constitui norma geral, mas é constituído por normas gerais e especiais, de acordo com o caso concreto.

•   Normas especiais – preceitos normativos aplicáveis a um determinado instituto jurídico. Assim, a Lei 8.245/1991 deve ser considerada norma especial, aplicável aos contratos de locação de imóvel urbano, o que justifica a redação do art. 2.036 do CC/2002, outra regra de direito intertemporal, nos seguintes termos: “A locação do prédio urbano, que esteja sujeita a lei especial, por esta continua a ser regida”. Algumas normas jurídicas especiais são denominadas microssistemas ou estatutos, visando a uma proteção específica, uma tutela de vulneráveis, caso do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) e do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2005).

1.1.3.4 A interpretação das leis

Teoricamente, a norma jurídica deve sempre trazer um conteúdo claro, não sendo necessário qualquer trabalho do seu aplicador para entender o seu sentido e o seu alcance. Mas como nem tudo são flores, muitas vezes surgem no texto da lei ambiguidades, imperfeições ou falta de técnica, devendo haver a intervenção do intérprete, para pesquisar o verdadeiro sentido que o legislador realmente quis estatuir, bem como a eficácia social da norma jurídica.

Em casos tais entra em cena a interpretação da norma jurídica, buscando a mens legis, a intenção da lei; nascendo daí a hermenêutica, a ciência da interpretação, a teoria da arte de interpretar, de descobrir o sentido e o alcance da norma jurídica.

Ressalte-se que a expressão exegese também é utilizada como sinônima de hermenêutica. Entretanto, não se pode confundir exegese, que é utilizada com sentido de interpretação, com a Escola da Exegese.

Essa escola surgiu na França por volta do século XIX, conforme relata Zeno Veloso, diante de um verdadeiro fascínio em relação ao Código Civil de 1804. Ensina o mestre paraense que “para esta Escola, o legislador detinha o monopólio da revelação do direito (juspositivismo); o direito é a lei escrita. A vontade do legislador é que importa, não cabendo ao intérprete buscar a solução do caso em outras fontes, fora do texto legal, privilegiando-se, assim, a análise gramatical” (Comentários..., 2005, p. 66). Nem é preciso explicar porque essa escola encontra-se totalmente superada.

Pois bem, conforme salienta Maria Helena Diniz, desde os primórdios do estudo da interpretação da norma jurídica, duas grandes escolas surgem a respeito do critério metodológico que o aplicador deve seguir para buscar o sentido da norma (Compêndio..., 2003, p. 420), a saber:

a)   Teoria subjetiva de interpretação – tese pela qual a meta da interpretação é estudar a vontade histórica do legislador.

b)   Teoria objetiva de interpretação – o intérprete deve se ater à real vontade da lei, à mens legis, desligando-se do seu elaborador.

Apesar da ciência de que predomina a adesão doutrinária à segunda tese, compreendemos que não poderá prevalecer qualquer uma das teorias, devendo o aplicador do direito buscar elementos dos dois campos doutrinários, visualizando a norma sempre de forma plena. Por isso, justifica-se a afirmação de Karl Engisch de que o aplicador do direito deve ser um jurista completo (Introdução..., 1964).

Superado esse ponto e dentro dessa sistemática de visualização plena da lei, surgem várias técnicas de interpretação, estudadas a seguir.

Primeiro, quanto às fontes, deve ser levada em conta quem faz a busca pelo sentido do texto legal. Inicialmente, pode haver a interpretação autêntica, realizada pelo próprio legislador. Pode a interpretação ser ainda doutrinária, quando feita pelos estudiosos do Direito, como no caso das obras jurídicas, dos manuais, das dissertações de mestrado e das teses de doutorado. Na interpretação jurisprudencial, esta é realizada pelos órgãos do Poder Judiciário, que inclusive elabora súmulas aplicáveis a um determinado assunto.

Concernente aos meios, a interpretação da norma pode ser classificada da seguinte forma, conforme se retira dos estudos fundamentais sobre a Teoria Geral do Direito:

a)   Interpretação gramatical – consiste na busca do real sentido do texto legal a partir das regras de linguística do vernáculo nacional.

b)   Interpretação lógica – consiste na utilização de mecanismos da lógica, como de silogismos, deduções, presunções e de relações entre textos legais.

c)   Interpretação ontológica – busca pela essência da lei, a sua motivação a sua razão de ser (ratio legis).

d)   Interpretação histórica – consiste no estudo das circunstâncias fáticas que envolviam a elaboração da norma, procurando nesse contexto o real sentido do texto legal.

e)   Interpretação sistemática – meio de interpretação dos mais importantes, visa sempre a uma comparação entre a lei atual, em vários de seus dispositivos e outros textos ou textos anteriores.

f)   Interpretação sociológica ou teleológica – busca interpretar de acordo com a adequação da lei ao contexto da sociedade e aos fatos sociais.

Por fim, no que concerne à sua extensão, é interessante deixar clara a seguinte classificação:

a)   Interpretação declarativa – é a interpretação nos exatos termos do que consta da lei, sem ampliar ou restringir o conteúdo do texto legal.

b)   Interpretação extensiva – amplia-se o sentido do texto legal, sob o argumento de que o legislador disse menos do que pretendia, sendo interessante deixar claro que as normas que restringem a liberdade, caso da autonomia privada (liberdade contratual), e as normas de exceção, em regra, não admitem essa forma de interpretação.

c)   Interpretação restritiva – restringe-se o texto legal, eis que o legislador disse mais do que pretendia.

Cumpre destacar a que todas essas espécies de interpretação não operam isoladamente, mas se completam. O renomado doutrinador alemão Karl Engisch, diante da ideia de jurista completo antes mencionada, recomenda que o cientista do direito, na hermenêutica, utilize todos os métodos interpretativos apontados (Introdução do pensamento..., 1964).

1.1.3.5 As fontes diretas secundárias: a analogia, os costumes, os princípios gerais do direito. Estudo específico e aprofundado

A) A analogia

A analogia pode ser conceituada como sendo a aplicação de uma norma próxima ou de um conjunto de normas próximas, não havendo uma norma prevista para um determinado caso concreto. Dessa forma, sendo omissa uma norma jurídica para um dado caso concreto, deve o aplicador do direito procurar alento no próprio ordenamento jurídico, permitida a aplicação de uma norma além do seu campo de atuação.

Como exemplo de aplicação da analogia, estatui o art. 499 do CC/2002 que é lícita a venda de bens entre cônjuges quanto aos bens excluídos da comunhão. Como a norma não é, pelo menos diretamente, restritiva da liberdade contratual, não há qualquer óbice de se afirmar que é lícita a compra e venda entre companheiros quanto aos bens excluídos da comunhão. Destaque-se que, em regra, o regime de bens do casamento é o mesmo da união estável, qual seja, o da comunhão parcial de bens (arts. 1.640 e 1.725 do CC).

Outro exemplo de aplicação da analogia era a incidência do Decreto-lei 2.681/1912, antes do Código Civil de 2002. Previa esse decreto a responsabilidade civil objetiva das empresas de estradas de ferro. Por ausência de lei específica, esse dispositivo legal passou a ser aplicado a todos os tipos de contrato de transporte terrestre. Por uma questão lógica, e pela presença de lacuna normativa, tal comando legal passou a incidir em ocorrências envolvendo bondes, ônibus, caminhões, automóveis, motos e outros meios de transporte terrestre, conforme esquema que segue:

Trens Bondes Ônibus Caminhões Automóveis Motocicletas

Frise-se, porém, que não há mais a necessidade de socorro à analogia para tais casos, eis que o Código Civil atual traz o transporte como contrato típico. Destaque-se que continua consagrada a responsabilidade objetiva do transportador, pelo que consta dos arts. 734 (transporte de pessoas) e 750 (transporte de coisas) da atual codificação. Vale dizer, aliás, que, para alguns, caso deste autor, o referido e antigo decreto está revogado.

Entende-se que é na analogia que se origina a missão conferida ao juiz pelo art. 4.° da Lei de Introdução, impedindo-o de furtar-se a uma decisão para o caso concreto (non liquet). Deve ele excluir todos os meios de integração, criando uma norma individual para um caso em que a subsunção não é possível.

Dessa forma, tem o magistrado a autorização da lei para interpretar e integrar as normas, mantendo-se nos limites assinalados pelos arts. 4.° e 5.° da Lei de Introdução. O aplicador do direito acaba por criar uma norma individual, que só vale para aquele determinado caso concreto, pondo fim ao conflito, sem dissolver a lacuna.

Sendo assim, é pertinente apontar a classificação da analogia, nos seguintes termos:

–   Analogia legal ou legis – é a aplicação de somente uma norma próxima, como ocorre nos exemplos antes citados.

–   Analogia jurídica ou iuris – é a aplicação de um conjunto de normas próximas, visando extrair elementos que possibilitem a analogia. Como exemplo, cite-se a antiga possibilidade de aplicação, por analogia, das regras processuais previstas para a separação judicial consensual nos casos envolvendo o casamento (arts. 1.120 a 1.124 do CPC), também para a ação de reconhecimento e dissolução da união estável que assumir a forma amigável. Nesse sentido, já entendeu o Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3.ª T., REsp 178.262/DF, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. p/acórdão Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 19.05.2005, DJ 29.08.2005, p. 326). Utiliza-se a expressão antiga uma vez que este autor está filiado à corrente doutrinária que afirma que a Emenda do Divórcio (EC 66/2010) retirou do sistema a separação de direito, o que inclui a separação judicial consensual. O tema está aprofundado no Volume 5 da presente coleção.

A encerrar a presente abordagem, é forçoso deixar claro que não se pode confundir a aplicação da analogia com a interpretação extensiva. No primeiro caso, rompe-se com os limites do que está previsto na norma, havendo integração da norma jurídica. Na interpretação extensiva, apenas amplia-se o seu sentido, havendo subsunção.

Vejamos um exemplo prático envolvendo o Código Civil em vigor.

O art. 157 do CC/2002 enuncia como novo vício ou defeito do negócio jurídico a lesão, presente quando a pessoa, por premente necessidade ou inexperiência, submete-se a uma situação desproporcional por meio de um negócio jurídico. O art. 171, II, da atual codificação prescreve que tal negócio é anulável, desde que proposta a ação anulatória no prazo decadencial de quatro anos contados da sua celebração (art. 178, II). Entretanto, conforme o § 2.° do art. 157, pode-se percorrer o caminho da revisão do negócio, se a parte beneficiada com a desproporção oferecer suplemento suficiente para equilibrar o negócio. Recomenda-se sempre a revisão do contrato em casos tais, prestigiando-se a conservação do negócio jurídico e a função social dos contratos.

Pois bem, vejamos duas hipóteses:

Hipótese 1. Aplicação do art. 157, § 2.°, do CC para a lesão usurária, prevista no Decreto-lei 22.626/1933 (Lei de Usura). Nesse caso haverá interpretação extensiva, pois o dispositivo somente será aplicado a outro caso de lesão. Amplia-se o sentido da norma, não rompendo os seus limites (subsunção).

Hipótese 2. Aplicação do art. 157, § 2.°, do CC para o estado de perigo (art. 156 do CC). Nesse caso, haverá aplicação da analogia, pois o comando legal em questão está sendo aplicado a outro instituto jurídico (integração). Nesse sentido, dispõe o Enunciado n. 148 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil, que: “Ao ‘estado de perigo’ (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto no § 2.° do art. 157”.

Muitas vezes, porém, podem existir confusões, não havendo fórmula mágica para apontar se uma determinada situação envolve a aplicação da analogia ou da interpretação extensiva, devendo as situações concretas ser analisadas caso a caso.

B) Os costumes

Desde os primórdios do direito, os costumes desfrutam de larga projeção jurídica. Como é notório, no passado havia certa escassez de leis escritas, realidade ainda hoje presente nos países baseados no sistema da Commom Law, caso da Inglaterra. Em alguns ramos jurídicos, o costume assume papel vital, como ocorre no Direito Internacional Privado. Pela ausência de um conjunto de normas específicas a tratar do assunto, principalmente dos contratos internacionais, é que os costumes e as práticas dos comerciantes eram considerados fontes primordiais desse ramo jurídico, pelo reconhecimento da Lex Mercatoria.

Com o passar dos tempos, o costume foi perdendo a sua importância, pois foi substituído pelas leis, mas ainda continua a brotar da consciência jurídica do povo, como inicial manifestação do direito. Por isso, é indeclinável a sua caracterização como fonte jurídica, pois dos costumes é que surgem as leis. Os costumes podem ser conceituados como sendo as práticas e usos reiterados com conteúdo lícito e relevância jurídica.

Os costumes, assim, são formados, além da reiteração, por um conteúdo lícito, conceito adaptado ao que consta no Código Civil de 2002. Isso porque, em vários dos dispositivos da novel codificação, é encontrada referência aos bons costumes, constituindo seu desrespeito abuso de direito, uma espécie de ilícito, pela previsão do seu art. 187. Do mesmo modo, há menção aos bons costumes no art. 13 do CC/2002, regra relacionada com os direitos da personalidade, pela qual “Salvo por exigência médica, é defeso ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. Em momento oportuno, será explicada a caracterização dos bons costumes como cláusula geral, e porque é comum a sua referência no Código Civil de 2002.

Em análise comparativa com a lei, os costumes podem ser classificados da seguinte forma:

–   Costumes segundo a lei (secundum legem) – incidem quando há referência expressa aos costumes no texto legal, como ocorre nos artigos da codificação antes citados, sem prejuízo de outros, a saber, ilustrando: art. 569, II, do CC – “O locatário é obrigado: a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar”; art. 596 do CC – “Não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade”. Também há referência aos bons costumes na própria Lei de Introdução, pelo que consta no seu art. 17, que receberá visualização mais aprofundada ainda neste capítulo. Na aplicação dos costumes secundum legem, não há integração, mas subsunção, eis que a própria norma jurídica é que é aplicada.

–   Costumes na falta da lei (praeter legem) – aplicados quando a lei for omissa, sendo denominado costume integrativo, eis que ocorre a utilização propriamente dita dessa ferramenta de correção do sistema. Exemplo de aplicação do costume praeter legem é o reconhecimento da validade do cheque pós-datado ou pré-datado. Como não há lei proibindo a emissão de cheque com data para depósito e tendo em vista as práticas comerciais, reconheceu-se a possibilidade de quebrar com a regra pela qual esse título de crédito é ordem de pagamento à vista. Tanto isso é verdade que a jurisprudência tem reconhecido há tempos o dever de indenizar quando o cheque é depositado antes do prazo assinalado, ocorrendo inscrição do nome do emitente nos órgãos de proteção ao crédito: “A devolução de cheque pré-datado, por insuficiência de fundos, apresentado antes da data ajustada entre as partes, constitui fato capaz de gerar prejuízos de ordem moral” (STJ, 3.ª T., REsp 213.940/RJ, j. 29.06.2000, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 21.08.2000, p. 124, RJADCOAS, v. 15, p. 46). Para consolidar esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 370, prevendo que “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado”.

–   Costumes contra a lei (contra legem) – incidem quando a aplicação dos costumes contraria o que dispõe a lei. Entendemos que, pelo que consta no Código Civil em vigor, especificamente pela proibição do abuso de direito (art. 187 do CC), não se pode admitir, em regra, a aplicação dos costumes contra legem. Eventualmente, havendo desuso da lei, poderá o costume ser aplicado, o que, contudo, não é pacífico (ver: STJ, REsp 30.705/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Adhemar Ferreira Maciel, j. 14.03.1995, DJU 03.04.1995, p. 8.150). Também aqui, por regra, não há que se falar em integração.

Por tudo o que foi exposto, e em resumo, deve ser entendida a análise da classificação dos costumes da seguinte forma:

–   Costumes secundum legem ⇔ subsunção (aplicação direta da norma).

–   Costumes praeter legem ⇔ integração (costume integrativo).

–   Costumes contra legem ⇔ não há subsunção nem integração, constituindo abuso de direito (art. 187 do CC), por regra.

C) Os princípios gerais de direito

O conceito de princípios é demais controvertido, razão pela qual será buscado o aprofundamento quanto ao tema, principalmente pela relevância assumida pelos princípios na codificação privada emergente.

Inicialmente, é interessante demonstrar o conceito de Maria Helena Diniz, que ensina serem os princípios “cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico. Observa Jeanneau que os princípios não têm existência própria, estão ínsitos no sistema, mas é o juiz que, ao descobri-los, lhes dá força e vida. Esses princípios que servem de base para preencher lacunas não podem opor-se às disposições do ordenamento jurídico, pois devem fundar-se na natureza do sistema jurídico, que deve apresentar-se como um ‘organismo’ lógico, capaz de conter uma solução segura para o caso duvidoso” (Lei de introdução..., 2001, p. 123).

De acordo com o magistério de Francisco Amaral, “os princípios jurídicos são pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica. São critérios para a ação e para a constituição de normas e modelos jurídicos. Como diretrizes gerais e básicas, fundamentam e dão unidade a um sistema ou a uma instituição. O direito, como sistema, seria assim um conjunto ordenado segundo princípios” (Direito civil..., 2004, p. 92).

Confrontados com as normas jurídicas, por essa construção, percebe-se de imediato o sentido do conceito, sendo certo que os princípios são mais amplos, abstratos, muitas vezes com posição definida na Constituição Federal. São esses os pontos que os diferenciam das normas, dotadas de concretismo – denota-se um alto grau de concretude –, de uma posição de firmeza, em oposição ao nexo deôntico relativo que acompanha os princípios.

Ambos os conceitos – de princípios e normas – apontam as decisões particulares a serem tomadas no caso prático pelo aplicador do direito, existindo diferença somente em relação ao caráter da informação que fornecem. As normas deverão ser sempre aplicadas, sob pena de suportar consequências jurídicas determinadas previamente.

O próprio art. 5.° da Lei de Introdução traz em seu bojo um princípio: o da socialidade. Dessa forma, o magistrado, na aplicação da norma, deve ser guiado pela sua função ou fim social e pelo objetivo de alcançar o bem comum (a pacificação social). Esse dispositivo, na verdade, complementa o comando anterior, principalmente nos casos de solução de lacunas de conflito ou antinomias.

Outro ponto a diferenciar normas e princípios é que as primeiras constituem um conceito universal de imperativo autorizante, podendo gerar sanções àqueles que não as respeitam. Em reforço, cite-se a conclusão de Geraldo Ataliba, para quem os princípios são as linhas mestras orientadoras do ordenamento jurídico, que “apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente seguidos pelos órgãos do governo” (República e Constituição..., 1985, p. 6). É de se concordar de forma integral, eis que esse é o sentido lógico dos princípios que constam do Código Civil de 2002.

Partindo para outra análise, consigne-se que os princípios já estavam previstos como forma de integração da norma no direito romano, de acordo com as regras criadas pelo imperador, as leges, entre 284 a 568 d.C. Nesse sentido, não se pode perder de vista que os princípios jurídicos consagrados pelo direito romano ou mandamentos do direito romano: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, não lesar a ninguém, dar a cada um o que é seu, respectivamente) continuam sendo invocados, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. Aplicando um desses mandamentos, transcreve-se, do Tribunal de Minas Gerais:

“Ação de cobrança. Pagamento indevido. Enriquecimento ilícito. Restituição. Recurso a que se nega provimento. O enriquecimento sem causa tem como pressuposto um acréscimo patrimonial injustificado e a finalidade de restituição ao patrimônio de quem empobreceu. Ele encontra seu fundamento no velho princípio de justiça suum cuique tribuere, dar a cada um o que é seu. Nessa toada, em que pesem a alardeada boa-fé e a situação econômica precária, com base simplesmente na concepção pura do enriquecimento sem causa, constata-se a necessidade de o Apelante restituir os valores recebidos indevidamente ao Apelado” (TJMG, Acórdão 1.0024.06.025798-7/001, Belo Horizonte, 13.ª Câmara Cível, Rel.ª Des.ª Cláudia Maia, j. 10.05.2007, DJMG 25.05.2007).

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery anotam uma visão ampliadora do conceito de princípio, entendendo que pode o mesmo não estar previsto expressamente na norma, sendo comum, na grande maioria das vezes, a ausência de positivação (Novo Código Civil..., 2003, p. 4). Filia-se a esses autores, pois muitas vezes não há previsão legislativa do princípio na norma jurídica. Exemplifique-se que o princípio da função social do contrato é expresso no Código Civil de 2002 (arts. 421 e 2.035, parágrafo único), mas implícito ao Código de Defesa do Consumidor e mesmo à CLT, que trazem uma lógica de proteção do vulnerável, do consumidor e do trabalhador, consagrando o regramento em questão, diante do seu sentido coletivo, de diminuição da injustiça social.

Procurando um conceito interessante de princípio, estamos filiados, quanto à natureza jurídica dos princípios gerais do direito, à teoria filosófica ao lado de expoentes nacionais do quilate de Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, Paulino Neto, Caio Mário da Silva Pereira, Washington de Barros Monteiro e Rubens Limongi França (todos constantes da obra clássica do último autor: Princípios gerais do direito, 1971).

Assim, deve-se conceber que os princípios não decorrem rigorosamente das normas ou do ordenamento jurídico, mas da soma de vários fatores. Os princípios podem ser implícitos, abstraídos que são, além das normas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência, de aspectos políticos, econômicos e, sobretudo, sociais. Sem dúvida que, com a promulgação do Código Civil de 2002, ganha força a corrente doutrinária nacional que apontou para o fato de não se poder desassociar dos princípios o seu valor coercitivo, tese defendida pelo próprio Rubens Limongi França em sua festejada obra sobre o tema (Princípios..., 1971).

Os princípios gerais devem assim trilhar o aplicador do direito na busca da justiça, estando sempre baseados na estrutura da sociedade. Citando Campos Batalha, verifica-se que os princípios devem se harmonizar com “os valores de determinada cultura e em determinado tempo (ideias políticas, sociais e jurídicas vigentes)”, para que sejam utilizados como “substractum comum a todos os povos ou a alguns deles em determinado momento histórico” (apud Rubens Limongi França, Princípios..., 1971, p. 168).

Partindo para outra análise, também fundamental para a busca da essência dos princípios gerais do direito, é importante demonstrar a classificação apontada por Francisco Amaral, para quem os princípios podem ser classificados como princípios gerais do direito e princípios gerais do ordenamento jurídico.

Para o jurista, os princípios gerais do direito são “os grandes princípios, como o da justiça, o da liberdade, o da igualdade, o da dignidade da pessoa humana. ‘Aqueles sobre os quais a ordem jurídica se constrói’”. Por outra via, os princípios gerais do ordenamento jurídico são “os princípios jurídicos positivados na legislação vigente, de modo constitucional ou posterior, e de modo institucional, se pertinentes à legislação específica, como os princípios do direito de família, ou o da autonomia da vontade, ou do enriquecimento sem causa. O Código Civil de 2002 elaborou-se sob a égide de três princípios fundamentais, o da sociabilidade, o da eticidade e o da operabilidade” (AMARAL, Francisco. Direito civil..., 2003, p. 93-94).

A partir de todos esses ensinamentos transcritos, pode-se conceituar os princípios como fontes do direito, conforme previsão do art. 4.° da Lei de Introdução, o que denota o seu caráter normativo. Analisando os seus fins, os princípios gerais são regramentos básicos aplicáveis a um determinado instituto ou ramo jurídico, visando a auxiliar o aplicador do direito na busca da justiça e da pacificação social.

Sob o prisma da sua origem, os princípios são abstraídos das normas jurídicas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência e de aspectos políticos, econômicos e sociais.

A encerrar, esclareça-se quanto a uma mudança de entendimento que este autor teve quanto à aplicação das formas de integração da norma jurídica, especificamente quanto aos princípios.

Na primeira edição desta obra, foi defendida por diversas vezes a tese de que a ordem do art. 4.° da Lei de Introdução é perfeitamente lógica, devendo ser respeitada. Em outras palavras, havendo ausência de uma norma prevista para o caso concreto, o juiz deve procurar socorro, pela ordem: 1.°) na analogia; 2.°) nos costumes; 3.°) nos princípios gerais do Direito.

Esse, aliás, o entendimento clássico e ainda majoritário, defendido por Clóvis Beviláqua, Washington de Barros Monteiro, Maria Helena Diniz, entre outros, em suas obras devidamente consultadas.

Desse modo, pode-se afirmar que essa continua sendo a regra, mas nem sempre o respeito a essa ordem deverá ocorrer.

O nosso entendimento mudou pelo fato de que nos tornamos adeptos da aplicação imediata dos princípios constitucionais que protegem a pessoa, da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a partir do estudo das obras de Daniel Sarmento e Ingo Wolfgang Sarlet. Inspirados na doutrina alemã, esses autores nacionais defendem que os princípios que protegem a pessoa e que constam do Texto Maior têm prioridade de aplicação, com base no art. 5.°, § 1.°, da Constituição Federal. Exemplificando, em casos que envolvem a proteção da dignidade humana (art. 1.°, III, da CF/1988), não se pode dizer que esse princípio será aplicado somente após a analogia e os costumes e, ainda, se não houver norma prevista para o caso concreto. Em suma, os princípios constitucionais não podem mais ser vistos somente como último recurso.

Consigne-se, como reforço, o trabalho de Paulo Bonavides, que apontou a constitucionalização dos princípios gerais do direito, bem como o fato de que os princípios fundamentam o sistema jurídico, sendo também normas primárias (Curso..., 2005, p. 275). Em suma, deve-se reconhecer eficácia normativa imediata aos princípios, em alguns casos, particularmente naqueles que envolvem os direitos fundamentais da pessoa, ou de personalidade. Isso porque com o Estado Democrático de Direito houve a transposição dos princípios gerais de direito para princípios constitucionais fundamentais.

Entre os próprios civilistas se contesta o teor do art. 4.° da Lei de Introdução e até mesmo a sua aplicação.

Gustavo Tepedino, por exemplo, ensina que “a civilística brasileira mostra-se resistente às mudanças históricas que carrearam a aproximação entre o direito constitucional e as relações jurídicas privadas. Para o direito civil, os princípios constitucionais equivaleriam a normas políticas, destinadas ao legislador e, apenas excepcionalmente, ao intérprete, que delas poderia timidamente se utilizar, nos termos do art. 4.° da Lei de Introdução brasileiro, como meio de confirmação ou de legitimação de um princípio geral de direito. Mostra-se de evidência intuitiva o equívoco de tal concepção, ainda hoje difusamente adotada no Brasil, que acaba por relegar a norma constitucional, situada no vértice do sistema, a elemento de integração subsidiário, aplicável apenas na ausência de norma ordinária específica e após terem sido frustradas as tentativas, pelo intérprete, de fazer uso da analogia e de regra consuetudinária. Trata-se, em uma palavra, de verdadeira subversão hermenêutica. O entendimento mostra-se, no entanto, bastante coerente com a lógica do individualismo oitocentista, sendo indiscutível o papel predominante que o Código Civil desempenhava com referência normativa exclusiva no âmbito das relações de direito privado” (Normas constitucionais..., Temas de direito..., 2005, t. II, p. 24).

Seguindo o mesmo raciocínio, Lucas Abreu Barroso, em artigo intitulado Situação atual do art. 4.° da Lei de Introdução, publicado na Revista de Direito Constitucional n. 5, defende a revogação desse comando legal, pois os princípios gerais de direito, na realidade pós-positivista, consubstanciam-se nos princípios constitucionais, que têm eficácia normativa. No mesmo sentido opina Marcos Jorge Catalan, em interessante artigo científico sobre tal questão (Do conflito existente..., p. 222 a 232, jan.-mar. 2006).

Em síntese, compreendemos que aqueles que seguem a escola do Direito Civil Constitucional, procurando analisar o Direito Civil a partir dos parâmetros constitucionais, realidade atual do Direito Privado brasileiro, não podem ser favoráveis à aplicação da ordem constante do art. 4.° da Lei de Introdução de forma rígida e obrigatória.

Sem dúvidas que está plenamente justificada a mudança de perspectiva.

1.1.3.6 As fontes não formais, indiretas ou mediatas: a doutrina, a jurisprudência e a equidade

A doutrina é a interpretação da lei feita pelos estudiosos da matéria, sendo constituída pelos pareceres de autores jurídicos, pelos ensinamentos dos professores e mestres, pelas opiniões dos tratadistas, pelas dissertações e teses acadêmicas, apresentadas nas faculdades de Direito. Por esses trabalhos ou obras são demonstrados os defeitos e inconvenientes da lei em vigor, sendo também apontado o melhor caminho para emendar esses problemas e corrigi-los.

A doutrina de renome pode ser caracterizada como parte dos costumes. Havendo tal reconhecimento pela comunidade jurídica nacional, é denotada a presença de um argumento de autoridade, pela respeitabilidade do seu declarante. Este autor é adepto da utilização corriqueira desses argumentos, o que pode ser percebido pela leitura dos volumes desta coleção.

A segunda fonte informal, a jurisprudência, pode ser conceituada como sendo a interpretação da lei elaborada pelos órgãos do Poder Judiciário. Sendo comum a aplicação da jurisprudência pela comunidade jurídica, deve ela ser considerada também parte dos costumes, caso das súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Lembre-se que, após a Emenda Constitucional 45/2004, ganharam grande relevo a súmula vinculante e a súmula impeditiva de recursos.

Frise-se que para o direito baseado na Common Law, caso da Inglaterra, a jurisprudência é de suma importância, podendo ser considerada fonte formal primária para aquele âmbito jurídico. Em nosso sistema ela não tinha toda essa relevância, constituindo fonte de direito porque muitas vezes criava soluções não encontradas na lei ou em outras fontes. Mas com a reforma do Poder Judiciário, esse panorama mudou, pelo menos aparentemente, diante do surgimento das súmulas referenciadas.

É importante deixar claro que no presente trabalho será comum mencionar o teor dos enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça (CJF/STJ). Essas Jornadas se tornaram o evento mais importante para o Direito Privado Brasileiro, congregando várias gerações de juristas para a aprovação de enunciados com orientação doutrinária sobre o Código Civil de 2002. A I Jornada de Direito Civil ocorreu no ano de 2002; a II Jornada em 2003; a III Jornada em 2004; a IV Jornada em outubro de 2006; a V Jornada, em novembro de 2011; e, por fim, a VI Jornada, em março de 2013. Na II Jornada, não foram aprovados enunciados, mas apenas debatidos temas entre os juristas brasileiros e portugueses. Merece relevo, ainda, a I Jornada de Direito Comercial, realizada outubro de 2012.

Esclarecendo, os enunciados aprovados nas citadas Jornadas não têm força de súmulas, tratando-se de entendimentos doutrinários. Pode-se dizer que tais enunciados trazem conclusões coletivas a respeito do Código Civil em vigor, podendo ser encarados como uma obra coletiva, assinada pelos participantes das jornadas.

O Conselho da Justiça Federal, sob a chancela do Superior Tribunal de Justiça e por iniciativa do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, resolveu idealizar jornadas com o intuito de elaborar interpretações doutrinárias acerca da novel codificação, que merecem atenção especial dos estudiosos e aplicadores do direito em geral. Tais enunciados são preciosos para as provas e para a prática civilística em geral justamente porque consubstanciam os principais pontos controvertidos relacionados com o atual Código Civil. Tanto isso é verdade que se tornou comum verificar a presença de perguntas cujas respostas são dadas justamente pelos enunciados em provas e concursos de todo o País. Este autor teve a honra de participar das III, IV, V e VI Jornadas de Direito Civil, e da I Jornada de Direito Comercial, como integrante das comissões de obrigações, contratos e responsabilidade civil.

Encerrando o presente tópico, a equidade, no âmbito do Direito Privado, era tratada não como um meio de suprir a lacuna da lei, mas sim como uma forma de auxiliar nessa missão.

Todavia, a equidade também deve ser considerada fonte informal ou indireta do direito. Aliás, após a leitura do próximo capítulo desta obra, não restará qualquer dúvida de que a equidade também pode ser considerada uma fonte do Direito Civil Contemporâneo, principalmente diante dos regramentos orientadores adotados pela codificação privada de 2002.

A equidade pode ser conceituada como sendo o uso do bom senso, a justiça do caso particular, mediante a adaptação razoável da lei ao caso concreto. Na concepção aristotélica é definida como a justiça do caso concreto, o julgamento com a convicção do que é justo.

Na doutrina contemporânea, ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que “O julgamento por equidade (e não com equidade) é tido, em casos excepcionais, como fonte do direito, quando a própria lei atribui ao juiz a possibilidade de julgar conforme os seus ditames” (Novo curso..., 2003, v. I, p. 25). Ora, como pelo Código Civil de 2002 é comum essa ingerência, não há como declinar a condição da equidade como fonte jurídica, não formal, indireta e mediata.

A equidade, de acordo com a doutrina, pode ser visualizada da seguinte forma:

a)   Equidade legal – aquela cuja aplicação está prevista no próprio texto legal. Exemplo pode ser retirado do art. 413 do CC, que estabelece a redução equitativa da multa ou cláusula penal como um dever do magistrado (“A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”).

b)   Equidade judicial – presente quando a lei determina que o magistrado deve decidir por equidade o caso concreto. Isso pode ser notado pelo art. 127 do CPC, pelo qual “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”.

Os conceitos expostos são muito parecidos e até se confundem. Na verdade, no segundo caso há uma ordem ao juiz, de forma expressa, o que não ocorre dessa forma na equidade legal, mas apenas implicitamente. Até pela confusão conceitual, a classificação acima perde um pouco a relevância prática.

No que tange especificamente ao art. 127 do CPC, trata-se de um dispositivo criticável, uma vez que, na literalidade, somente está autorizada a aplicação da equidade aos casos previstos em lei. Ora, a justiça do caso concreto é a prioridade do Direito, não havendo necessidade de autorização expressa pela norma jurídica. Ademais, pode-se dizer que a equidade é implícita à própria lei, como representação do senso comum.

A encerrar a presente seção, interessa lembrar que, em outros ramos jurídicos, a equidade é considerada nominalmente como verdadeira fonte do Direito, como acontece no Direito do Trabalho, pela previsão expressa do art. 8.° da CLT, nos seguintes termos: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito de trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.

Em sentido muito próximo, estatui o art. 7.°, caput, do Código de Defesa do Consumidor que “Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade”.

Apesar da falta de um dispositivo expresso e geral na Lei de Introdução ou no Código Civil, o presente autor entende que a equidade deve sempre guiar o aplicador da norma privada como verdadeira fonte do Direito Civil, conclusão retirada da própria principiologia da atual codificação privada. A leitura do próximo capítulo desta obra guiará tal conclusão.

1.1.4 As antinomias ou lacunas de conflito

Com o surgimento de qualquer lei nova, ganha relevância o estudo das antinomias, também denominadas lacunas de conflito. Dessa forma, a antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto.

Em suma, o presente estudo não está relacionado com a revogação das normas jurídicas, mas com os eventuais conflitos que podem existir entre elas. Esse esclarecimento é básico e fundamental.

No presente estudo, utilizaremos as regras de teoria geral de direito muito bem expostas na obra Conflito de normas, da Professora Maria Helena Diniz (2003, p. 34 a 51), sendo certo que por diversas vezes, na presente coleção, esse trabalho será utilizado para a compreensão dos novos conceitos privados, que emergiram com a nova codificação.

Assim, serão aqui estudados os conceitos básicos de solução desses conflitos, os metacritérios construídos por Norberto Bobbio, em sua Teoria do ordenamento jurídico, para a solução dos choques entre as normas jurídicas (BOBBIO, Norberto. Teoria..., 1996).

Vale dizer que já se propõe a substituição desses clássicos critérios por outros, como defendem os partidários da teoria do diálogo das fontes, de Erik Jayme e Cláudia Lima Marques. Realmente, essa é a tendência pós-moderna ou contemporânea. Porém, pela proposta da presente obra, como um manual de Direito Civil, tais critérios ainda merecem ser estudados, até porque constituem interessantes mecanismos de solução dos problemas práticos. Em suma, será seguido o caminho de compatibilização dos clássicos critérios com a teoria do diálogo das fontes.

Feito esse importante esclarecimento, na análise das antinomias, três critérios devem ser levados em conta para a solução dos conflitos:

a)   critério cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior;

b)   critério da especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral;

c)   critério hierárquico: norma superior prevalece sobre norma inferior.

Dos três critérios acima, o cronológico, constante do art. 2.° da Lei de Introdução, é o mais fraco de todos, sucumbindo diante dos demais. O critério da especialidade é o intermediário e o da hierarquia o mais forte de todos, tendo em vista a importância do Texto Constitucional.

De qualquer modo, relembre-se que a especialidade também consta do Texto Maior, inserida que está na isonomia constitucional (art. 5.°, caput, da CF/1988), em sua segunda parte, eis que a lei deve tratar de maneira desigual os desiguais.

Superada essa análise, parte-se para a classificação das antinomias, quanto aos metacritérios envolvidos, conforme esquema a seguir:

–   Antinomia de 1.° grau: conflito de normas que envolve apenas um dos critérios acima expostos.

–   Antinomia de 2.° grau: choque de normas válidas que envolve dois dos critérios analisados.

Em havendo a possibilidade ou não de solução, conforme os metacritérios de solução de conflito, é pertinente a seguinte visualização:

–   Antinomia aparente: situação que pode ser resolvida de acordo com os metacritérios antes expostos.

–   Antinomia real: situação que não pode ser resolvida de acordo com os metacritérios antes expostos.

De acordo com essas classificações, devem ser analisados os casos práticos em que estão presentes os conflitos:

•   No caso de conflito entre norma posterior e norma anterior, valerá a primeira, pelo critério cronológico, caso de antinomia de primeiro grau aparente.

•   Norma especial deverá prevalecer sobre norma geral, emergencial que é o critério da especialidade, outra situação de antinomia de primeiro grau aparente.

•   Havendo conflito entre norma superior e norma inferior, prevalecerá a primeira, pelo critério hierárquico, também situação de antinomia de primeiro grau aparente.

Esses são os casos de antinomia de primeiro grau, todos de antinomia aparente, eis que presente a solução de acordo com os metacritérios antes analisados.

Passa-se então ao estudo das antinomias de segundo grau:

•   Em um primeiro caso de antinomia de segundo grau aparente, quando se tem um conflito de uma norma especial anterior e outra geral posterior, prevalecerá o critério da especialidade, prevalecendo a primeira norma.

•   Havendo conflito entre norma superior anterior e outra inferior posterior, prevalece também a primeira (critério hierárquico), outro caso de antinomia de segundo grau aparente.

•   Finalizando, quando se tem conflito entre uma norma geral superior e outra norma, especial e inferior, qual deve prevalecer?

Na última hipótese, como bem expõe Maria Helena Diniz, não há uma metarregra geral de solução do conflito, surgindo a denominada antinomia real. São suas palavras:

“No conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, havendo uma norma superior-geral e outra norma inferior especial, não será possível estabelecer uma metarregra geral, preferindo o critério hierárquico ao da especialidade ou vice-versa, sem contrariar a adaptabilidade do direito. Poder-se-á, então, preferir qualquer um dos critérios, não existindo, portanto, qualquer prevalência. Todavia, segundo Bobbio, dever-se-á optar, teoricamente, pelo hierárquico; uma lei constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial, pois se se admitisse o princípio de que uma lei ordinária especial pudesse derrogar normas constitucionais, os princípios fundamentais do ordenamento jurídico estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu conteúdo. Mas, na prática, a exigência de se adotarem as normas gerais de uma Constituição a situações novas levaria, às vezes, à aplicação de uma lei especial, ainda que ordinária, sobre a Constituição. A supremacia do critério da especialidade só se justificaria, nessa hipótese, a partir do mais alto princípio da justiça: suum cuique tribuere, baseado na interpretação de que ‘o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente, de maneira diferente’. Esse princípio serviria numa certa medida para solucionar antinomia, tratando igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual, fazendo as diferenciações exigidas fática e valorativamente” (Conflito de normas..., 2003, p. 50).

Na realidade, como já ficou claro, o critério da especialidade também é de suma importância, constando a sua previsão na Constituição Federal de 1988. Repita-se que o art. 5.° do Texto Maior consagra o princípio da isonomia ou igualdade lato sensu, pelo qual a lei deve tratar de maneira igual os iguais, e de maneira desigual os desiguais. Na parte destacada está o princípio da especialidade. E é por isso que ele até pode fazer frente ao critério hierárquico.

Desse modo, em havendo choque entre os critérios hierárquico e da especialidade, dois caminhos de solução podem ser dados no caso de antinomia real, um pelo Poder Legislativo e outro pelo Poder Judiciário.

Pelo Legislativo, cabe a edição de uma terceira norma, dizendo qual das duas normas em conflito deve ser aplicada. Mas, para o âmbito jurídico, o que mais interessa é a solução do Judiciário.

Assim, o caminho é a adoção do princípio máximo de justiça, podendo o magistrado, o juiz da causa, de acordo com a sua convicção e aplicando os arts. 4.° e 5.° da Lei de Introdução, adotar uma das duas normas, para solucionar o problema.

Mais uma vez entram em cena esses importantes preceitos da Lei de Introdução. Pelo art. 4.°, pode o magistrado aplicar a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, sem que essa ordem seja obrigatoriamente respeitada. Seguindo o que preceitua o seu art. 5.°, deve o juiz buscar a função social da norma e as exigências do bem comum, ou seja, a pacificação social. Não se pode esquecer, igualmente, da aplicação imediata dos princípios fundamentais que protegem a pessoa humana.

Por derradeiro, é importante alertar que o estudo das antinomias jurídicas, após a entrada em vigor do Código de 2002, tornou-se obrigatório para aqueles que desejam obter um bom desempenho em provas futuras, seja na graduação, na pós-graduação ou nos concursos públicos.

1.2 DA PROTEÇÃO DO ATO JURÍDICO PERFEITO, DA COISA JULGADA E DO DIREITO ADQUIRIDO (ARTS. 6.°, DA LEI DE INTRODUÇÃO, E 5.°, XXXVI, DA CF/1988). RELATIVIZAÇÃO DA PROTEÇÃO

A norma jurídica é criada para valer ao futuro, não para o passado. Entretanto, eventualmente, pode uma determinada norma atingir também os fatos pretéritos, desde que sejam respeitados os parâmetros que constam da Lei de Introdução e da Constituição Federal. Em síntese, ordinariamente, a irretroatividade é a regra e a retroatividade, a exceção.

Valendo para o futuro ou para o passado, tendo em vista a certeza e a segurança jurídica, prescreve o art. 5.°, XXXVI, da CF que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Vai mais longe o art. 6.° da Lei de Introdução; além de trazer regra semelhante pela qual “a lei nova terá efeito imediato e geral respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”, procura conceituar as expressões acima, da seguinte forma:

a)   Direito adquirido: é o direito material ou imaterial já incorporado ao patrimônio de uma pessoa natural, jurídica ou ente despersonalizado (conceito clássico de Gabba). Nessa linha, pela previsão do § 2.° do art. 6.° da Lei de Introdução, “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha tempo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”. Cite-se, a título de exemplo, um benefício previdenciário já usufruído por alguém.

b)   Ato jurídico perfeito: é a manifestação de vontade lícita, já emanada por quem esteja em livre disposição e aperfeiçoada. De acordo com o que consta do texto legal (art. 6.°, § 1.°, Lei de Introdução), o ato jurídico perfeito é aquele já consumado de acordo com lei vigente ao tempo em que se efetuou. Diante do Código Civil de 2002, um contrato e um casamento celebrado antes da sua entrada em vigor devem ser vistos como atos jurídicos perfeitos.

c)   Coisa julgada: é a decisão judicial já prolatada, da qual não cabe mais recurso (art. 6.°, § 3.°, Lei de Introdução).

A partir desses conceitos, é comum afirmar que o direito adquirido é o mais amplo de todos, englobando os demais, eis que tanto no ato jurídico perfeito quanto na coisa julgada existiriam direitos dessa natureza, já consolidados. Em complemento, a coisa julgada deve ser considerada um ato jurídico perfeito, sendo o conceito mais restrito. Tal convicção pode ser concebida pelo desenho a seguir:

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Fica uma dúvida pertinente: seria essa proteção mencionada no art. 5.°, XXXVI, da CF/1988 e também no art. 6.° da Lei de Introdução absoluta? A resposta é negativa, diante da forte tendência de relativizar princípios e regras em sede de Direito.

Partindo para as cabíveis concretizações, inicialmente, há uma forte tendência material e processual em apontar a relativização da coisa julgada, particularmente nos casos envolvendo ações de investigação de paternidade julgadas improcedentes por ausência de provas em momento em que não existia o exame de DNA. Nesse sentido, prevê o Enunciado n. 109 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, que: “A restrição da coisa julgada oriunda de demandas reputadas improcedentes por insuficiência de prova não deve prevalecer para inibir a busca da identidade genética pelo investigando”.

Sobre o tema, recomenda-se a leitura de artigos de Humberto Theodoro Júnior e José Augusto Delgado constantes em obra coletiva a respeito do assunto (Coisa julgada..., 2003, NASCIMENTO, Carlos Valder do, Coord.); bem como do livro de Belmiro Pedro Welter (Coisa julgada..., 2002). Todos esses trabalhos doutrinários admitem as ideias da relativização da coisa julgada.

Alguns processualistas, entretanto, criticam essa tendência de mitigação. Nelson Nery Jr., em suas brilhantes exposições, aponta que algo próximo da relativização da coisa julgada era utilizado na Alemanha nacional-socialista, para que Adolf Hitler impusesse o seu poder. Em outras palavras, para o renomado jurista, a referida relativização traria um precedente perigosíssimo, que poderia até ser utilizado por pessoas com pretensões totalitárias. Na verdade, a ideia não é bem aceita entre os processualistas, justamente porque não há nada mais intocável para o processo civil do que a coisa julgada e a certeza das decisões judiciais.

Porém, pela relativização, em casos excepcionais várias são as manifestações favoráveis entre os civilistas. Maria Helena Diniz sustenta que “sem embargo, diante da quase certeza do DNA, dever-se-ia, ainda, admitir a revisão da coisa julgada para fins de investigação de paternidade, em casos de provas insuficientes, produzidas na ocasião da prolação da sentença, para garantir o direito à identidade genética e à filiação, sanando qualquer injustiça que tenha ocorrido em razão de insuficiência probatória” (Curso de direito civil..., 2002, v. 5, p. 408).

Sobre o assunto, entendeu o Superior Tribunal de Justiça para a possibilidade de relativização da coisa julgada material em situações tais. Nesse sentido, cumpre transcrever o mais famoso dos precedentes judiciais:

“Processo civil. Investigação de paternidade. Repetição de ação anteriormente ajuizada, que teve seu pedido julgado improcedente por falta de provas. Coisa julgada. Mitigação. Doutrina. Precedentes. Direito de família. Evolução. Recurso acolhido – I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II – Nos termos da orientação da Turma, ‘sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza’ na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca, sobretudo, da realização do processo justo, ‘a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade’. IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum” (STJ, REsp 226436/PR (199900714989), 414113, Recurso Especial, Data da decisão: 28.06.2001, Órgão julgador: 4.ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Fonte: DJ, Data: 04.02.2002, p. 370, RBDF 11/73, RDR 23/354, RSTJ 154/403).

Pelo que consta da ementa do julgado, é possível uma nova ação para a prova da paternidade, se a ação anterior foi julgada improcedente em momento em que não existia o exame de DNA. O que se percebe, na realidade, é uma solução do caso concreto a partir da utilização da técnica de ponderação, desenvolvida, entre outros, por Robert Alexy (Teoria..., 2008). No caso em questão estão em conflito a proteção da coisa julgada (art. 5.°, XXXVI, da CF/1988) e a dignidade do suposto filho de saber quem é o seu pai (art. 1.°, III, da CF/1988). Nessa colisão entre direitos fundamentais, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se favoravelmente ao segundo. Aliás, deixe-se consignado que, mais recentemente, entendeu da mesma forma o STJ, pela possibilidade de repetição da ação anterior, conforme decisão assim publicada no seu Informativo n. 354, de abril de 2008: “Paternidade. DNA. Nova ação. A paternidade do investigado não foi expressamente afastada na primeva ação de investigação julgada improcedente por insuficiência de provas, anotado que a análise do DNA àquele tempo não se fazia disponível ou sequer havia notoriedade a seu respeito. Assim, nesse contexto, é plenamente admissível novo ajuizamento da ação investigatória. Precedentes citados: REsp 226.436-PR, DJ 04.02.2002; REsp 427.117-MS, DJ 16.02.2004, e REsp 330.172-RJ, DJ 22.04.2002” (REsp 826.698/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.05.2008).

Na mesma linha, em 2011, decidiu o Supremo Tribunal Federal de maneira similar, conforme julgado publicado no seu Informativo n. 622. Merece destaque o seguinte trecho do voto do Ministro Dias Toffoli: “Reconheceu-se a repercussão geral da questão discutida, haja vista o conflito entre o princípio da segurança jurídica, consubstanciado na coisa julgada (CF, art. 5.°, XXXVI), de um lado; e a dignidade humana, concretizada no direito à assistência jurídica gratuita (CF, art. 5.°, LXXIV) e no dever de paternidade responsável (CF, art. 226, § 7.°), de outro. (...). A seguir, destacou a paternidade responsável como elemento a pautar a tomada de decisões em matérias envolvendo relações familiares. Nesse sentido, salientou o caráter personalíssimo, indisponível e imprescritível do reconhecimento do estado de filiação, considerada a preeminência do direito geral da personalidade. Aduziu existir um paralelo entre esse direito e o direito fundamental à informação genética, garantido por meio do exame de DNA. No ponto, asseverou haver precedentes da Corte no sentido de caber ao Estado providenciar aos necessitados acesso a esse meio de prova, em ações de investigação de paternidade. Reputou necessária a superação da coisa julgada em casos tais, cuja decisão terminativa se dera por insuficiência de provas” (...). Afirmou que o princípio da segurança jurídica não seria, portanto, absoluto, e que não poderia prevalecer em detrimento da dignidade da pessoa humana, sob o prisma do acesso à informação genética e da personalidade do indivíduo. Assinalou não se poder mais tolerar a prevalência, em relações de vínculo paterno-filial, do fictício critério da verdade legal, calcado em presunção absoluta, tampouco a negativa de respostas acerca da origem biológica do ser humano, uma vez constatada a evolução nos meios de prova voltados para esse fim” (STF, RE 363.889/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, 07.04.2011).

Por outro lado, no tocante à relativização de proteção do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, o Código Civil em vigor, contrariando a regra de proteção apontada, traz, nas suas disposições finais transitórias, dispositivo polêmico, pelo qual os preceitos relacionados com a função social dos contratos e da propriedade podem ser aplicados às convenções e negócios celebrados na vigência do Código Civil anterior, mas cujos efeitos têm incidência na vigência da nova codificação.

Nos termos do parágrafo único do art. 2.035 do Código em vigor, norma de direito intertemporal, “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar os preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. O dispositivo traz o que denominamos princípio da retroatividade motivada ou justificada, pelo qual as normas de ordem pública relativas à função social da propriedade e dos contratos podem retroagir.

Trata-se de uma regra indeclinável em um primeiro plano, por ser comando expresso de direito intertemporal, manifestação inequívoca do legislador, que pretendeu privilegiar os preceitos de ordem pública relacionados com a proteção da propriedade e dos contratos. No volume específico que trata do direito contratual, está demonstrado que, sem dúvida, esse comando legal é o que mantém maior relação com o princípio da função social dos contratos, não sendo caso de qualquer inconstitucionalidade. Isso porque o dispositivo está amparado na função social da propriedade, prevista no art. 5.°, XXII e XXIII, da Constituição Federal (TARTUCE, Flávio. Direito civil..., v. 3, 2014).

Quando se lê no dispositivo civil transcrito a expressão “convenção”, pode-se ali enquadrar qualquer ato jurídico celebrado, inclusive os negócios jurídicos celebrados antes da entrada em vigor da nova lei geral privada e cujos efeitos ainda estão sendo sentidos atualmente, na vigência da nova codificação.

Em realidade, a princípio, não há como aplicar o preceito a contratos já celebrados, aperfeiçoados, satisfeitos e extintos, por uma questão natural de lógica e pelo que consta do art. 2.035, caput, da legislação privada emergente. Enuncia esse diploma legal que “A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece a dispositivos nas leis anteriores referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução”.

O último comando adotou a teoria de Pontes de Miranda quanto aos planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico (Escada Ponteana), e que merecerá aprofundamento no presente volume da coleção (Capítulo 6). Isso porque, quanto aos elementos relacionados com a existência e validade do negócio, devem ser aplicadas as normas do momento da sua celebração. No que concerne aos elementos que estão no plano da eficácia, devem ser aplicadas as normas do momento dos efeitos, caso do Código Civil de 2002.

Visando a demonstrar que o que está sendo defendido não constitui qualquer absurdo ou sofisma, Miguel Maria de Serpa Lopes já defendia tese similar em 1959, exemplificando especificamente com um caso envolvendo o contrato e a lesão usurária:

“O exemplo pode ser extraído do campo contratual, isto é, daquelas situações particularmente protegidas pelo princípio da não retroatividade, por decorrerem da vontade das partes contratantes. Se, em vista de uma mudança das condições econômicas, uma cláusula, então justa, passar, por efeito de lei nova, a ser reputada altamente danosa à sociedade, é lícito que os tribunais continuem, à luz dessa nova legislação, a aplicar a antiga, quando isto já passou a ser considerado um delito? Está, nesse caso, dentre outras, uma lei que reprime a usura, considerando-a um crime. Quanto à lei favorável, a crítica de Roubier procede. Embora a lei nova haja deixado de contemplar como nulidade determinada situação que importava em nulidade absoluta na lei anterior, não pode esta redimir um vício pretérito, pela razão altamente persuasiva de que, de outro modo, importaria em premiar a infração da lei. Do que vem de ser exposto, não significa uma adesão em bruto ao critério da retroatividade, pura e simplesmente extraído do objeto da lei ou da sua natureza, mas uma dedução quando o objeto ou à natureza da lei se unem circunstâncias indicativas da vontade do legislador em conferir à norma um efeito retroativo. Após refletirmos novamente sobre o problema, consoante a ordem jurídico-constitucional presente, não temos dúvida que, observadas certas restrições, o princípio que acima manifestamos pode e deve ser mantido. O exemplo que deduzimos foi precisamente o caso em que um contrato de execução continuada contenha uma prestação posteriormente proibida por lei, que passou a considerá-lo mesmo como caracterizadora de um delito. É claro que os efeitos pretéritos subsistem, mas a partir da nova lei, ele não pode mais ser exigido sob a cobertura da proteção da irretroatividade da lei e de se tratar de um direito adquirido” (Lei de introdução..., 1959, v. I, p. 276).

Pela citação transcrita nota-se que o clássico doutrinador admitia, há mais de meio século, que a retroatividade poderia ser deferida em casos envolvendo normas de ordem pública, quebrando com a proteção absoluta do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.

A tese da possibilidade de retroatividade foi mais recentemente defendida por Gustavo Tepedino em editorial da Revista Trimestral de Direito Civil (n. 18, 2004), em comentários à decisão do STF sobre a Emenda Constitucional 41/2003, que estabeleceu o desconto de contribuição social sobre os proventos dos servidores inativos. Lembra o doutrinador fluminense que “construiu-se ao longo das últimas décadas, pensamento que sacraliza a noção de direito adquirido, considerando-o, ele próprio, cláusula pétrea superior axio-logicamente a todas as outras e, como tal, insuscetível de alcance por emenda constitucional. O equívoco deste entendimento acaba por impedir as reformas sociais, antepondo-se uma barreira refratária ao legislador e a todas as novas aspirações alvitradas pela sociedade, mesmo se projetadas pelo constituinte derivado. A discussão que por longo período parecia adormecida em face da cristalização da tese majoritária, foi reaberta, de maneira corajosa e culta, pelo Ministro Joaquim Barbosa, no STF”.

Citando doutrina de escol, conclui Tepedino que a tutela do direito adquirido deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade, não havendo uma proteção absoluta, principalmente se o direito adquirido for confrontado com outros princípios constitucionais, caso da solidariedade social e da igualdade substancial.

Entre os constitucionalistas, Daniel Sarmento é favorável à relativização da proteção do direito adquirido perante outros valores constitucionais. As palavras do jovem doutrinador merecem destaque:

“A segurança jurídica – ideia que nutre, informa e justifica a proteção constitucional do direito adquirido – é, como já se destacou, um valor de grande relevância no Estado Democrático do Direito. Mas não é o único valor, e talvez não seja nem mesmo o mais importante dentre aqueles em que se esteia a ordem constitucional brasileira. Justiça e igualdade material, só para ficar com dois exemplos, são valores também caríssimos à nossa Constituição, e que, não raro, conflitam com a proteção da segurança jurídica. Se a segurança jurídica for protegida ao máximo, provavelmente o preço que se terá de pagar será um comprometimento na tutela da justiça e da igualdade substancial, e vice-versa. O correto equacionamento da questão hermenêutica ora enfrentada não pode, na nossa opinião, desprezar esta dimensão do problema, refugiando-se na assepsia de uma interpretação jurídica fechada para o universo dos valores. Ademais, no Estado Democrático de Direito, o próprio valor da segurança jurídica ganha um novo colorido, aproximando-se da ideia de Justiça. Ele passa a incorporar uma dimensão social importantíssima. A segurança jurídica, mais identificada no Estado Liberal com a proteção da propriedade e dos direitos patrimoniais em face do arbítrio estatal, caminha para a segurança contra os infortúnios e incertezas da vida; para a segurança como garantia de direitos sociais básicos para os excluídos; e até para a segurança em face das novas tecnologias e riscos ecológicos na chamada ‘sociedade de riscos’” (Direito adquirido..., Livres e iguais..., 2006, p. 18).

Filia-se integralmente ao jurista, que demonstra novos e belos rumos para o constitucionalismo nacional, mais preocupado com as questões de relevância social.

Como se pode notar, concluindo, a tendência doutrinária e jurisprudencial é justamente relativizar a proteção do direito adquirido, o que torna o sistema jurídico de maior mobilidade, de melhor possibilidade de adaptação às mudanças sociais.

1.3 AS NORMAS ESPECÍFICAS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO CONSTANTES NA LEI DE INTRODUÇÃO. BREVES COMENTÁRIOS

Conforme foi mencionado, a Lei de Introdução traz também regras de Direito Internacional Público e Privado (arts. 7.° a 19), o que faz com que, várias vezes, questões dessa natureza sejam abordadas dentro da disciplina Direito Civil. De qualquer maneira, não entendemos ser esse o melhor caminho a ser tomado pelo examinador de uma prova de graduação ou de um concurso público, diante da autonomia do Direito Internacional.

Pela grande importância que exerce sobre esse ramo jurídico, a Lei de Introdução é até denominada como Estatuto do Direito Internacional, tanto público como privado. Ademais, ainda por tal relevância que assume para o Direito Internacional, pode-se reforçar a tese de que a Lei de Introdução não foi revogada ou atingida pela nova codificação privada, apesar da crítica que se faz a alguns de seus dispositivos.

Para facilitar o estudo de tais regras, serão tecidos breves comentários, lembrando, metodologicamente, que é mais comum constarem perguntas sobre os assuntos nas provas específicas dessas matérias (Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado).

O art. 7.° da Lei de Introdução consagra a regra lex domicilii, pela qual devem ser aplicadas, no que concerne ao começo e fim da personalidade, as normas do país em que for domiciliada a pessoa, inclusive quanto ao nome, à capacidade e aos direitos de família. Em relação ao casamento, a mesma Lei de Introdução traz regras específicas que devem ser estudadas à parte, a saber:

a)   Celebrado o casamento no Brasil, devem ser aplicadas as regras quanto aos impedimentos matrimoniais que constam do art. 1.521 do CC (art. 7.°, § 1.°, da Lei de Introdução). O comando legal em questão consagra o princípio da lex loci celebrationis.

b)   O casamento entre estrangeiros poderá ser celebrado no Brasil, perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes (art. 7.°, § 2.°, da Lei de Introdução).

c)   Caso os nubentes tenham domicílios diversos, deverão ser aplicadas as regras, quanto à invalidade do casamento (inexistência, nulidade ou anulabilidade), do primeiro domicílio conjugal, mais uma vez consagrando-se a regra da lex domicilii (art. 7.°, § 3.°, da Lei de Introdução).

d)   Quanto às regras patrimoniais, ao regime de bens, seja ele de origem legal ou convencional, deverá ser aplicada a lei do local em que os cônjuges tenham domicílio. Havendo divergência quanto aos domicílios, prevalecerá o primeiro domicílio conjugal (art. 7.°, § 4.°, da Lei de Introdução).

e)   Para o estrangeiro casado que se naturalizar como brasileiro é deferido, no momento da sua naturalização e mediante autorização expressa do cônjuge, que requeira ao Poder Judiciário a adoção do regime da comunhão parcial de bens, regime legal ou supletório em nosso sistema legal, desde que respeitados os direitos de terceiros anteriores à alteração, e mediante registro no cartório das pessoas naturais (art. 7.°, § 5.°, da Lei de Introdução). Esse dispositivo legal possibilita a mudança de regime de bens, estando em sintonia com a mutabilidade justificada do regime do casamento, que agora consta do Código Civil (art. 1.639, § 2.°).

f)   Quanto ao divórcio realizado no estrangeiro em que um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, haverá reconhecimento no Brasil depois de um ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais (art. 7.°, § 6.°, da Lei de Introdução). O dispositivo foi alterado pela Lei 12.036/2009, fazendo menção ao STJ e não mais ao STF. Anote-se que, para este autor, a separação judicial foi banida do sistema jurídico nacional desde a entrada em vigor da Emenda do Divórcio, em julho de 2010 (EC 66/2010), devendo o dispositivo ser lido com ressalvas. Tal premissa foi parcialmente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em ementa que dispensa os prazos citados pelo comando em apreço: “Homologação de sentença estrangeira. Dissolução de casamento. EC 66, de 2010. Disposições acerca da guarda, visitação e alimentos devidos aos filhos. Partilha de bens. Imóvel situado no Brasil. Decisão prolatada por autoridade judiciária brasileira. Ofensa à soberania nacional. 1. A sentença estrangeira encontra-se apta à homologação, quando atendidos os requisitos dos arts. 5° e 6° da Resolução STJ n.° 9/2005: (i) a sua prolação por autoridade competente; (ii) a devida ciência do réu nos autos da decisão homologanda; (iii) o seu trânsito em julgado; (iv) a chancela consular brasileira acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado; (v) a ausência de ofensa à soberania ou à ordem pública. 2. A nova redação dada pela EC 66, de 2010, ao § 6° do art. 226 da CF/88 tornou prescindível a comprovação do preenchimento do requisito temporal outrora previsto para fins de obtenção do divórcio. 3. Afronta a homologabilidade da sentença estrangeira de dissolução de casamento a ofensa à soberania nacional, nos termos do art. 6° da Resolução n.° 9, de 2005, ante a existência de decisão prolatada por autoridade judiciária brasileira a respeito das mesmas questões tratadas na sentença homologanda. 4. A exclusividade de jurisdição relativamente a imóveis situados no Brasil, prevista no art. 89, I, do CPC, afasta a homologação de sentença estrangeira na parte em que incluiu bem dessa natureza como ativo conjugal sujeito à partilha. 5. Pedido de homologação de sentença estrangeira parcialmente deferido, tão somente para os efeitos de dissolução do casamento e da partilha de bens do casal, com exclusão do imóvel situado no Brasil” (STJ, SEC 5.302/EX, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 12.05.2011, DJe 07.06.2011).

g)   Prevê o § 7.° do mesmo dispositivo legal que “salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda”. Diante da nova visualização da família, à luz da Constituição Federal e do Código Civil de 2002, deve-se entender que esse parágrafo merece nova leitura, eis que pelo art. 1.567 da codificação novel a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher. Não há, assim, um chefe de família, mas dois. Substituiu-se uma hierarquia pela diarquia, dentro da ideia de família democrática.

h)   Finalizando, compatibilizando-se com o art. 73 do CC, dispõe o § 8.° do art. 7.° da Lei de Introdução que o domicílio da pessoa que não tiver residência fixa será o local em que a mesma for encontrada. Para Maria Helena Diniz, o dispositivo legal trata do adômide, aquele que não tem domicílio, lembrando que “a residência é um ‘quid facti’, simples elemento de domicílio voluntário, a que se há de recorrer quando a pessoa não tiver domicílio. Constitui simples estada ou morada ocasional ou acidental, estabelecida transitória ou provisoriamente, sem intuito de permanência e, na falta dessa última, poderá a pessoa ser demandada e encontrada” (Lei de introdução..., 2001, p. 242).

No que se refere aos bens, prescreve a Lei de Introdução que deve ser aplicada a norma do local em que esses se situam (lex rei sitiae – art. 8.°). Tratando-se de bens móveis transportados, aplica-se a norma do domicílio do seu proprietário (§ 1.°). Quanto ao penhor, direito real de garantia que recai sobre bens móveis, por regra, deve ser aplicada a norma do domicílio que tiver a pessoa em cuja posse se encontre a coisa empenhada, outra aplicação do princípio lex domicilii (§ 2.°).

Ao tratar das obrigações, na Lei de Introdução há consagração da regra locus regit actum, aplicando-se as leis do local em que foram constituídas. Dessa forma, exemplificando, para aplicar a lei brasileira a um determinado negócio obrigacional, basta a sua celebração no território nacional. Ensina Maria Helena Diniz que “a locus regit actum é uma norma de direito internacional privado, aceita pelos juristas, para indicar a lei aplicável à forma extrínseca do ato. O ato, seja ele testamento, procuração, contrato etc., revestido de forma externa prevista pela lei do lugar e do tempo (tempus regit actum) onde foi celebrado será válido e poderá servir de prova em qualquer outro local em que tiver de produzir efeitos, sendo que os modos de prova serão determinados pela ‘lex fori’” (Lei de introdução..., 2001, p. 258).

Apesar de a regra estar consubstanciada no caput do artigo, os seus parágrafos trazem duas exceções. Inicialmente, tendo sido o contrato celebrado no exterior e destinando-se a produzir efeitos em nosso país, dependente de forma essencial prevista em lei nacional, deverá esta ser observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos fatores externos, requisitos extrínsecos, do ato (§ 1.°). Ilustrando, tendo sido pactuada no exterior a compra e venda de um imóvel que se encontra no Brasil, e sendo casado o vendedor pelo regime da comunhão universal de bens, é necessária a outorga conjugal (uxória), sob pena da anulabilidade do negócio, nos termos dos arts. 1.647 e 1.649 da atual codificação privada. Como outro exemplo, sendo o imóvel de valor superior a trinta salários mínimos, será necessária a elaboração de escritura pública em Tabelionato de Notas, aplicação do art. 108 do CC.

De acordo com o art. 9.°, § 2.°, da Lei de Introdução, “A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”. O dispositivo está em conflito parcial com o art. 435 do CC/2002, pelo qual se reputa celebrado o contrato no lugar em que foi proposto. Ora, o local da proposta não necessariamente é o da residência daquele que a formulou. Para resolver a suposta antinomia, aplicando-se a especialidade, deve-se entender que a regra do art. 435 do CC serve para os contratos nacionais; enquanto o dispositivo da Lei de Introdução é aplicado aos contratos internacionais.

O art. 10 da Lei de Introdução estabelece que a sucessão por morte ou por ausência obedece a norma do país do último domicílio do de cujus (lex domicilii), conforme já faz a codificação no seu art. 1.785 (“A sucessão abre-se no último domicílio do falecido”).

As regras de vocação hereditária para suceder bens de estrangeiro situados no nosso País serão as nacionais, desde que não sejam mais favoráveis ao cônjuge e aos filhos do casal as normas do último domicílio (art. 10, § 1.°, da Lei de Introdução). De acordo com o § 2.° desse comando legal, a lex domicilii do herdeiro ou legatário regulamentará a capacidade para suceder.

Relativamente às sociedades e fundações deve ser aplicada a norma do local de sua constituição (art. 11 da Lei de Introdução). Os três parágrafos desse artigo trazem regras específicas que devem ser atentadas quanto à pessoa jurídica, pela ordem:

a)   Para atuarem no Brasil, as sociedades e fundações necessitam de autorização pelo governo federal, ficando sujeitas às leis brasileiras (arts. 11, § 1.°, da Lei de Introdução e 1.134 do CC).

b)   Os governos estrangeiros e entidades constituídas para atenderem aos anseios de Estados estrangeiros não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou suscetíveis de desapropriação (art. 11, § 2.°, da Lei de Introdução).

c)   Eventualmente, os governos estrangeiros e afins podem adquirir a propriedade de prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos e agentes consulares, única autorização específica que deve ser respeitada (art. 11, § 3.°, da Lei de Introdução).

Em relação à competência da autoridade judiciária brasileira, estabelece art. 12 da Lei de Introdução que há necessidade de atuação quando o réu for domiciliado em nosso País ou aqui tiver que ser cumprida a obrigação, como no caso de um contrato. Quanto aos imóveis situados no país, haverá competência exclusiva da autoridade nacional (art. 12, § 1.°); bem quanto ao exequatur, o “cumpra-se” relacionado com uma sentença estrangeira homologada perante o Superior Tribunal de Justiça, conforme nova redação dada ao art. 105 da CF, pela Reforma do Judiciário (EC 45/2004).

De acordo com o art. 13 da Lei de Introdução quanto aos fatos ocorridos no exterior e ao ônus probatório devem ser aplicadas as normas do direito alienígena relacionadas com as ocorrências, não sendo admitidas no Brasil provas que a lei nacional não conheça. Assim sendo, pelo que consta do Código Civil são admitidas as provas elencadas no seu art. 212, quais sejam, confissões, documentos, testemunhas, presunções e perícias, bem como outras provas possíveis e lícitas, uma vez que esse rol é exemplificativo (numerus apertus). Em complemento, de acordo com o art. 14 da Lei de Introdução, não conhecendo o juiz nacional a lei estrangeira, poderá exigir de quem a invoca a prova do texto e da sua vigência.

Com grande aplicação prática em relação ao Direito Privado, enuncia o art. 17 da Lei de Introdução que “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.

Exemplificando a aplicação desse comando, é de se apontar questão envolvendo as Convenções de Varsóvia e de Montreal, tratados internacionais dos quais nosso país é signatário e que consagram limitações de indenização em casos de atraso de voo, perda de voo e extravio de bagagem, no caso de viagens internacionais. Tais tratados, que continuam sendo utilizados pelas companhias aéreas para a redução de indenização também em viagens nacionais, entram em claro conflito com o que consta do Código de Defesa do Consumidor.

Como é notório, o art. 6.°, VI e VIII, da Lei 8.078/1990 consagra o princípio da reparação integral de danos, pelo qual tem direito o consumidor ao ressarcimento integral pelos prejuízos materiais e morais causados pelo fornecimento de produtos, prestação de serviços ou má informação a eles relacionados, devendo ser facilitada a tutela dos seus direitos. Essa também a lógica dos arts. 14, 18, 19 e 20 do CDC, que trazem a previsão das perdas e danos, nos casos de mau fornecimento de produtos ou má prestação de serviços. Não há dúvidas de que no caso de viagem aérea, seja nacional ou internacional, há uma relação jurídica de consumo, nos termos dos arts. 2.° e 3.° do CDC.

Em um primeiro momento, existindo danos materiais no caso concreto, nas modalidades de danos emergentes – aqueles já suportados pelo prejudicado –, ou lucros cessantes – a remuneração futura perdida –, danos morais ou outras modalidades de prejuízos, terá o consumidor direito à reparação, sendo vedado qualquer tipo de tarifação prevista, seja pelo entendimento jurisprudencial, seja por convenção internacional. As três ementas a seguir, do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, confirmam a tese aqui exposta:

“Recurso extraordinário. Danos morais decorrentes de atraso ocorrido em voo internacional. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Matéria infraconstitucional. Não conhecimento. 1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o capítulo constitucional da atividade econômica. 2. Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor ou sobre a incidência, no caso concreto, de específicas normas de consumo veiculadas em legislação especial sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta à Constituição da República. 4. Recurso não conhecido” (STF, RE 351.750-3/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, j. 17.03.2009, DJE 25.09.2009, p. 69).

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Transporte aéreo internacional. Atraso de voo. Código de Defesa do Consumidor. Convenções internacionais. Responsabilidade objetiva. Riscos inerentes à atividade. Fundamento inatacado. Súmula 283 do STF. Quantum indenizatório. Redução. Impossibilidade. Dissídio não configurado. 1. A jurisprudência dominante desta Corte Superior se orienta no sentido de prevalência das normas do CDC, em detrimento das Convenções Internacionais, como a Convenção de Montreal, precedida pela Convenção de Varsóvia, aos casos de atraso de voo, em transporte aéreo internacional. 2. O Tribunal de origem fundamentou sua decisão na responsabilidade objetiva da empresa aérea, tendo em vista que os riscos são inerentes à própria atividade desenvolvida, não podendo ser reconhecido o caso fortuito como causa excludente da responsabilização. Tais argumentos, porém, não foram atacados pela agravante, o que atrai, por analogia, a incidência da Súmula 283 do STF. 3. No que concerne à caracterização do dissenso pretoriano para redução do quantum indenizatório, impende ressaltar que as circunstâncias que levam o Tribunal de origem a fixar o valor da indenização por danos morais são de caráter personalíssimo e levam em conta questões subjetivas, o que dificulta ou mesmo impossibilita a comparação, de forma objetiva, para efeito de configuração da divergência, com outras decisões assemelhadas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, AgRg no Ag 1.343.941/RJ, Terceira Turma, Rel. Des. Conv. Vasco Della Giustina, j. 18.11.2010, DJe 25.11.2010).

“Civil e processual. Ação de indenização. Transporte aéreo. Extravio de mercadoria. Cobertura securitária. Reembolso. Tarifação afastada. Incidência das normas do CDC. I – Pertinente a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor para afastar a antiga tarifação na indenização por perda de mercadoria em transporte aéreo, prevista na Convenção de Varsóvia e no Código Brasileiro de Aeronáutica. II – Precedentes do STJ. III – ‘A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial’ – Súmula 7/STJ. IV – A ausência de prequestionamento torna o recurso especial carecedor do requisito da admissibilidade. V – Agravo improvido” (STJ, Ag. Rg. 252.632/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.08.2001, DJ 04.02.2002, p. 373). Ver também: STJ, REsp 209.527/RJ (JBCC 189/200); REsp 257.699/SP; e REsp 257.298/SP.

Pelo que consta no art. 1.° da própria Lei 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública e interesse social, devendo prevalecer sobre os tratados internacionais e demais fontes do Direito Internacional Público, pela regra constante do art. 17 da Lei de Introdução. Dessa forma, a autonomia privada manifestada em um tratado internacional encontra limitações nas normas nacionais de ordem pública, caso da Lei Consumerista. Também inspira essa conclusão a ideia de soberania nacional.

Cite-se, por fim quanto aos tratados, que a Emenda Constitucional 45/2004 alterou substancialmente o tratamento dado a assuntos relacionados com o Direito Internacional Público. Inicialmente, foi introduzido um § 3.° ao art. 5.° da CF/1988, pelo qual “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas da Constituição”. Também foi introduzido um § 4.° nesse mesmo art. 5.°, pelo qual nosso País se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.

Anote-se que a primeira norma já introduziu mudanças importantes em nosso País, como o reconhecimento da impossibilidade de prisão civil no depósito, seja de qualquer natureza. Isso porque o Pacto de São José da Costa Rica, tratado internacional de direitos humanos do qual o Brasil é signatário e que proíbe essa prisão, passou a ter força constitucional ou supralegal. O tema está aprofundado no Capítulo 9 do Volume 4 da presente coleção.

Por fim, o art. 18 da Lei de Introdução estabelece que, tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os demais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive os registros de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do Consulado. O dispositivo recebeu dois novos parágrafos por força da Lei 12.874, de outubro de 2013.

O primeiro parágrafo preceitua que as autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. Como se nota, passa a existir a possibilidade da separação e do divórcio extrajudiciais, efetivados pelas autoridades consulares.

A norma nasce desatualizada, na opinião deste autor. De início porque, segundo parte considerável da doutrina, não há que se falar mais em separação extrajudicial consensual, tema aprofundado no Volume 5 desta coleção. Ademais, diante da Emenda Constitucional 66/2010 não existem mais prazos mínimos para o divórcio.

Em complemento, o § 2.° do art. 18 expressa que “é indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública”. Esse último comando segue a linha do que consta do art. 1.124-A do CPC quanto à exigência da presença de advogados nas escrituras de separação e divórcio lavradas perante os Tabelionatos de Notas.

1.4 RESUMO ESQUEMÁTICO

Lei de Introdução – Instituída pelo Decreto-lei 4.657/1942, constitui uma norma sobre normas ou norma de sobredireito, eis que visa regular outras leis. A Lei de Introdução não faz parte do Código Civil e por ele não sofreu qualquer alteração. Uma das suas principais importâncias refere-se à determinação de quais são as fontes do direito.

Fontes do Direito – Referem-se ao ponto de partida ou origem do Direito e da ciência jurídica. Em uma visão civilista clássica, as fontes jurídicas podem ser assim classificadas:

Fontes Formais, Diretas ou Imediatas

– Fonte Primária: Lei. Seria também a Súmula Vinculante, diante da EC 45/2004?

– Fontes Secundárias (art. 4.°, LICC):

a) Analogia;

b) Costumes;

c) Princípios gerais do direito.

Fontes não Formais, Indiretas ou Mediatas

a) Doutrina;

b) Jurisprudência;

c) Equidade – diante do sistema de cláusulas gerais do Código Civil de 2002.

 

A Lei ou norma jurídica – Constitui nossa fonte primária, podendo ser denominada como um imperativo autorizante (Goffredo Telles Jr.). A lei entra em vigor após a sua elaboração, promulgação e publicação, expirado o prazo de vacatio legis que, em regra, é de 45 dias após a sua publicação.

A lei perde vigência mediante a revogação, pelo surgimento de outra lei, que pode ser assim classificada:

a)   Revogação Total ou Ab-Rogação.

b)   Revogação Parcial ou Derrogação.

As duas formas de revogação podem ser ainda de forma expressa ou tácita.

Quanto à vigência das leis no tempo, a lei vale para o futuro, sendo a retroatividade exceção, não se podendo esquecer da proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Essa proteção, contudo, está sendo relativizada.

Quanto à vigência das leis no espaço, nosso ordenamento jurídico adota o princípio da territorialidade temperada ou moderada. Por regra, aplica-se a lei brasileira, podendo ser aplicadas, eventualmente, as normas e sentenças de outros países, desde que respeitados os parâmetros que constam na própria Lei de Introdução. Aliás, essa lei traz regras específicas de direito internacional público e privado.

Analogia – Constitui fonte do direito e ferramenta para correção do sistema, nos casos de lacuna da lei. A analogia pode ser conceituada como a aplicação de uma lei próxima (analogia legis) ou de um conjunto de normas próximas (analogia iuris), não havendo norma específica para um determinado caso concreto.

Costumes – Também fontes do direito, constituem as práticas e usos reiterados, com conteúdo lícito e reconhecimento pela lei. Os costumes podem ser secundum legem (segundo a lei), praeter legem (na falta da lei) e contra legem (contra a lei). Somente a segunda forma seria de aplicação da integração.

Princípios gerais do direito – São regramentos básicos aplicáveis a um determinado instituto jurídico. Os princípios são abstraídos das normas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência e de aspectos políticos, econômicos e sociais. A própria Lei de Introdução traz em seu art. 5.°o princípio da socialidade, pelo qual, na aplicação da norma, o juiz deve procurar o seu fim social e o bem comum. Os princípios assumem papel relevante com a promulgação do Código Civil de 2002, devendo ser reconhecida a aplicação imediata dos princípios constitucionais que protegem a pessoa.

Equidade – Mesmo não sendo prevista no art. 4.° da Lei de Introdução, constitui também fonte não formal do direito. Isso diante da posição assumida pelo Código Civil de 2002, de determinação da atuação concreta do magistrado diante da lei. Como é notório, o Código em vigor adota um sistema de cláusulas gerais, que são janelas abertas deixadas pelo legislador para preenchimento pelo aplicador do direito. A equidade pode ser conceituada como sendo a justiça do caso concreto.

Antinomias ou lacunas de conflito – São definidas como sendo o choque de duas normas válidas, emanadas de autoridade competente. Em casos tais, três critérios entram em cena:

a)   critério cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior;

b)   critério da especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral;

c)   critério hierárquico: norma superior prevalece sobre norma inferior.

Dos três critérios acima, o cronológico é o mais fraco de todos, sucumbindo perante os demais. O critério da especialidade é o intermediário e o da hierarquia, o mais forte de todos, tendo em vista a importância do Texto Constitucional. As antinomias podem ser assim classificadas:

–   Antinomia de 1.° grau: conflito de normas que envolvem apenas um dos critérios acima expostos.

–   Antinomia de 2.°grau: choque de normas válidas que envolvem dois dos critérios analisados.

Ademais, em havendo a possibilidade ou não de solução, conforme os metacritérios de solução de conflito, é pertinente a seguinte visualização:

–   Antinomia aparente: situação que pode ser resolvida de acordo com os metacritérios antes expostos.

–   Antinomia real: situação que não pode ser resolvida de acordo com os metacritérios antes expostos.

De acordo com essas classificações, devem ser analisados os casos práticos em que estão presentes os conflitos:

•   No caso de conflito entre norma posterior e norma anterior, valerá a primeira, pelo critério cronológico, caso de antinomia de primeiro grau aparente.

•   Norma especial deverá prevalecer sobre norma geral, emergencial que é o critério da especialidade, outra situação de antinomia de primeiro grau aparente.

•   Havendo conflito entre norma superior e norma inferior, prevalecerá a primeira, pelo critério hierárquico, situação de antinomia de primeiro grau aparente.

Esses são os casos de antinomia de primeiro grau, todos de antinomia aparente, eis que presente solução em todos esses. Passamos então ao estudo das antinomias de segundo grau:

•   Em um primeiro caso de antinomia de segundo grau aparente, quando se tem um conflito de uma norma especial anterior e outra geral posterior, prevalecerá o critério da especialidade, valendo a primeira norma.

•   Havendo conflito entre norma superior anterior e outra inferior posterior, prevalece também a primeira (critério hierárquico), outro caso de antinomia de segundo grau aparente.

•   Finalizando, quando se tem conflito entre uma norma geral superior e outra norma, especial e inferior, não há metacritério aparente para solucionar o problema. Em casos tais haverá uma antinomia real de segundo grau. Em situações tais, duas soluções são possíveis:

a) Solução legislativa – ocorre com a edição de uma terceira norma, apontando qual das duas em conflito deve ser aplicada.

b) Solução do judiciário – ocorre quando o magistrado escolhe uma das duas normas, aplicando os arts. 4.° e 5.° da Lei de Introdução e buscando o preceito máximo de justiça.

1.5 QUESTÕES CORRELATAS

1.   (Magistratura PE – FCC/2011) No Direito brasileiro vigora a seguinte regra sobre a repristinação da lei:

(A) não se destinando a vigência temporária, a lei vigorará até que outra a modifique ou revogue.

(B) se, antes de entrar em vigor, ocorrer nova publicação da lei, destinada a correção, o prazo para entrar em vigor começará a correr da nova publicação.

(C) as correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

(D) salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

(E) a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

2.   (Advogado da União AGU/CESPE – 2009) Suponha que, no dia 20 de janeiro, tenha sido publicada lei estabelecendo, no art. 2.°, que os proprietários de veículos populares pagariam, na ocasião do abastecimento, 20% a menos do preço fixado na bomba de combustível. Suponha, ainda, que, no art. 5.°, a referida lei tenha definido veículo popular como aquele com motorização até 1.6.

Considerando essa situação hipotética, julgue os itens a seguir.

2.1. Se não constar do texto da referida lei a data de vigência, ela passará a vigorar a partir da data oficial de sua promulgação.

2.2. Caso o juiz constate erro na definição de veículo popular pela referida lei, ele poderá, em processo sob seu exame, corrigi-lo sob a fundamentação de que toda lei necessita ser interpretada teleologicamente e de que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

3.   (Magistratura SP – 176.°) Analise as assertivas abaixo:

I – Quando houver conflito entre o critério hierárquico e o critério cronológico para a solução de uma antinomia jurídica, estaremos diante de uma antinomia de segundo grau, que se resolve através da metarregra de prevalência do critério temporal.

II – Toda interpretação jurídica pressupõe a valoração objetivada na proposição normativa.

III – Os conflitos de leis no espaço relativos aos direitos reais regem-se pelo princípio da extraterritorialidade.

IV – Deparando com lacuna jurídica, o juiz, para seu preenchimento, deverá se valer da analogia, do costume e dos princípios gerais do direito. São corretas apenas as assertivas:

(A) I e II.

(B) I e III.

(C) II e III.

(D) II e IV.

4.   (MP SP – 83.°) É exato afirmar que entre a irretroatividade e a retroatividade há uma situação intermediária: a da imediata aplicabilidade da nova lei a relações que embora nascidas sob a vigência da lei antiga não se aperfeiçoaram e não se consumaram. Diante dessa assertiva, será correto reconhecer que em se cuidando de efeito imediato das leis a respeito da capacidade das pessoas:

(A) iniciado o lapso de transcurso da vacatio legis, se ocorrer nova publicação de seu texto, a fim de que sejam corrigidos erros materiais ou falhas ortográficas, o prazo de obrigatoriedade não começará necessariamente a fluir da nova publicação.

(B) no caso de vir a ser reduzido o limite da maioridade civil para dezoito anos, não será preciso em nenhuma hipótese aguardar o decurso do prazo da vacatio legis para que as pessoas que já tenham alcançado essa idade se tornem maiores automaticamente.

(C) se a lei aumentar o limite para vinte e cinco anos, por exemplo, não será respeitada a maioridade dos que já haviam completado vinte e um anos na data da sua entrada em vigor.

(D) as que ainda não haviam completado vinte e um anos não terão que aguardar o momento em que completarem vinte e cinco anos para se tornarem maiores.

(E) caso a lei eventualmente reduza o limite da maioridade civil para dezoito anos, fará com que se tornem maiores todos os que já tenham alcançado essa idade.

5.   (TRF 3.ª Região – Juiz Federal/XI Concurso) A lei nova que estabelecer disposições gerais:

(A) a par de leis especiais já existentes a estas não revoga;

(B) sempre revogará as leis especiais anteriores sobre a mesma matéria;

(C) somente pode revogar a lei geral anterior, continuando vigentes todas as leis especiais;

(D) apenas revoga as leis especiais às quais expressamente se referiu.

6.   (MP/SE – CESPE – 2010) Considere que a Lei A, de vigência temporária, revogue expressamente a Lei B. Nesse caso, quando a lei A perder a vigência

(A) a lei B será automaticamente restaurada, já que a lei A é temporária e os seus efeitos, apenas suspensivos.

(B) a lei B será automaticamente restaurada, já que não pode haver vácuo normativo.

(C) a lei B não será restaurada, já que não se admite antinomia real.

(D) a lei B não será restaurada, salvo disposição expressa nesse sentido.

(E) a revogação será tida como ineficaz, porque não pode ser determinada por lei de vigência temporária.

7.   (87.° MP/SP – 2010) Assinale a alternativa incorreta:

(A) a interpretação extensiva é recurso passível de ser utilizado pelo aplicador do direito quando não existir norma jurídica que regule a matéria.

(B) o princípio geral de direito introduzido no direito positivo caracteriza-se como cláusula geral.

(C) a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito são elementos de integração do direito.

(D) a analogia legis é a analogia propriamente dita e a analogia juris é a que dá solução igual a duas hipóteses em virtude da mesma razão de direito.

(E) a equidade é recurso passível de ser utilizado pelo aplicador do direito nos casos de lacuna da lei.

8.   (Advogado Fundação Casa – Vunesp – 2010) É correto afirmar que as leis

(A) que os Governos Estaduais elaborem por autorização do Governo Federal, dependem da aprovação deste e começam a vigorar no prazo que a legislação estadual fixar.

(B) de vigência temporária permanecerão em vigor até que outras as modifiquem ou revoguem.

(C) revogadas se restauram por ter a lei revogadora perdido a vigência, salvo disposição em contrário.

(D) que estabeleçam disposições gerais ou especiais a par das já existentes, revogam ou modificam as leis anteriores.

(E) quando admitidas nos Estados estrangeiros, serão obrigatórias três meses depois de oficialmente publicadas.

9.   (Magistratura PB 2011) Com relação aos institutos da interpretação e da integração da lei, assinale a opção correta.

(A) Segundo a doutrina, os princípios gerais do direito expressam-se nas máximas jurídicas, nos adágios ou brocardos, sendo todas essas expressões fórmulas concisas que representam experiência secular, com valor jurídico próprio.

(B) A interpretação histórica tem por objetivo adaptar o sentido ou a finalidade da norma às novas exigências sociais, em atenção às demandas do bem comum.

(C) Implícito no sistema jurídico civil, o princípio segundo o qual ninguém pode transferir mais direitos do que tem é compreendido como princípio geral de direito, podendo ser utilizado como meio de integração das normas jurídicas.

(D) No direito civil, não há doutrina que admita a hierarquia na utilização dos mecanismos de integração das normas jurídicas constantes no Código Civil.

(E) Não há distinção entre analogia legis e analogia juris, uma vez que ambas se fundamentam em um conjunto de normas para a obtenção de elementos que permitam sua aplicação em casos concretos.

10. (183° Magistratura SP – VUNESP) Assinale a alternativa correta.

(A) Se durante a vacatio legis ocorrer nova publicação de texto de lei, destinada a correção, o prazo da obrigatoriedade, com relação à parte corrigida, começará a correr da nova publicação.

(B) Os direitos adquiridos na vigência de lei publicada com incorreções são atingidos pela publicação do texto corrigido.

(C) As correções a texto de lei em vigor consideram-se lei nova, tornando-se obrigatórias de imediato.

(D) A lei nova que estabelece disposições gerais a par das já existentes revoga a lei anterior.

(E) A lei nova que estabelece disposições especiais a par das já existentes revoga a lei anterior.

11. (MP/SP – 84.° concurso – 2005) Quando o conflito normativo for passível de solução mediante os critérios hierárquico, cronológico e da especialidade, estaremos diante de um caso de:

(A) conflito normativo intertemporal.

(B) conflito jurídico-positivo de normas.

(C) conflito jurídico-negativo de normas.

(D) antinomia real.

(E) antinomia aparente.

12. (TRT 14.ª Região – Juiz Substituto – 2005) Examine as proposições abaixo e responda:

I.   Salvo disposição contrária, a lei entra em vigor em todo o país na data de sua publicação no Diário Oficial.

II.  Ao legislador, quando ab-roga lei que revogou uma outra lei anterior, é vedada a concessão de efeito repristinatório.

III.  Sob pena de violar o princípio maior da segurança jurídica, a lei não pode gerar efeitos retroativos.

IV.  Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

(A) Há apenas uma proposição verdadeira.

(B) Há apenas duas proposições verdadeiras.

(C) Há apenas três proposições verdadeiras.

(D) Todas as proposições são verdadeiras.

(E) Todas as proposições são falsas.

13. (MP/GO – 2005) Com o surgimento do novo Código Civil, ganha relevância o estudo das antinomias. Diante de tal enunciado, assinale a alternativa correta:

(A) na antinomia de primeiro grau aparente, havendo conflito entre norma superior e norma inferior, prevalecerá a norma superior, pelo critério da especialidade.

(B) na antinomia de primeiro grau aparente, havendo conflito entre norma geral e norma especial prevalecerá a norma geral, pelo critério hierárquico.

(C) na antinomia de segundo grau aparente, havendo conflito de uma norma especial anterior e outra norma geral posterior, prevalecerá o critério da especialidade, velando a norma especial anterior.

(D) na antinomia de segundo grau aparente, havendo conflito entre uma norma superior anterior e outra inferior posterior, prevalece a norma inferior posterior, pelo critério da especialidade.

14. (TJSP – Concurso 179.° – 2007) Considere as seguintes afirmações:

I.   as leis, atos e sentenças de outro país terão eficácia no Brasil, quando não ofenderem a soberania nacional e a ordem pública, ainda que atentem contra os bons costumes;

II.  a lei nova, que estabeleça disposições gerais e especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior;

III.  a lei destinada à vigência temporária terá vigor até que outra a revogue;

IV.  as correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. Pode-se afirmar que são corretas apenas

(A) I, II e III.

(B) II e IV.

(C) II.

(D) I, II e IV.

15. (MP/SP 85.°) A Lei A, de vigência temporária, revoga expressamente a Lei B. Tendo a lei revogadora perdido a vigência, é certo que:

(A) a lei revogada é automaticamente restaurada, já que a lei revogadora é temporária, e os seus efeitos estavam apenas suspensos.

(B) a lei revogada é automaticamente restaurada, já que não se pode ficar sem lei.

(C) a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência, porque não é admitido o princípio da comoriência.

(D) a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência, salvo disposição expressa neste sentido.

(E) como não existe lei de vigência temporária, a revogação da anterior nunca teria acontecido.

16. (Advogado CETESB – Vunesp/2013) Assinale a alternativa correta de acordo com o que dispõe a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

(A) A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o devedor.

(B) A lei da situação da coisa regula a capacidade para suceder do herdeiro ou legatário.

(C) Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos intrínsecos e extrínsecos do ato.

(D) À autoridade judiciária brasileira não compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil, se de propriedade de estrangeiros.

(E) Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

17. (XIX Concurso – Juiz do Trabalho Substituto/TRT 14ª R. – 2013) De acordo com a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, em casos de lacunas jurídicas o juiz irá recorrer a:

I – analogia;

II – equidade;

III – direito comparado;

IV – costumes;

V – máximas de experiência.

(A) Apenas as proposições I, II e IV estão corretas.

(B) Apenas as proposições I, III e IV estão corretas.

(C) Apenas as proposições I, II e V estão corretas.

(D) Apenas as proposições II, III e V estão corretas.

(E) Apenas as proposições I e IV estão corretas.

18. (XIX Concurso – Juiz do Trabalho Substituto/TRT 14a R. – 2013) Analise as proposições abaixo e após marque a alternativa correta:

I.  Denomina-se “vacatio legis” o lapso entre a data de publicação de uma lei e sua entrada em vigor e, pelo princípio da obrigatoriedade simultânea, quando não houver estipulação de prazo, será de 45 dias após a publicação da lei, para o País e para o Exterior.

II.  Para as leis que estabeleçam período de vacância, a contagem do prazo para a entrada em vigor far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.

III.  Reconhecida pelo STF a inconstitucionalidade de determinada lei, a decisão afetará os atos praticados no período da “vacatio legis”.

(A) Apenas as proposições I e II são falsas.

(B) Apenas as proposições I e III são falsas.

(C) Apenas as proposições II e III são falsas.

(D) Todas as proposições são verdadeiras.

(E) Todas as proposições são falsas.

19. (TJSP – Segunda fase – 2005 – Dissertação) Direito Adquirido. I – conceito. II – fundamentos básicos sobre: (1) Direito adquirido. Começo de exercício. Expectativa de direito. (2) Direito adquirido frente ao advento de: (a) emenda constitucional; (b) lei complementar; (c) normas de direito público e de ordem pública

Resposta: Elaborar dissertação de até quatro páginas sobre os pontos principais discutidos neste capítulo, principalmente sobre a relativização da proteção do direito adquirido.

20. (XIX Concurso para a Magistratura do Trabalho da 9.ª Região) O direito como ciência exige constante aperfeiçoamento diante da realidade social, com projeção para o futuro. Todavia, quando o ordenamento jurídico sofre inovações, deparamo-nos com o chamado conflito de normas no tempo. Quais os princípios e regras de que o candidato lançaria mão para solucionar, à luz das regras de direito material e processual, eventual conflito entre a lei nova e a lei velha no que se refere às situações jurídicas ainda não consumadas, ou seja, em andamento ou pendentes?

Resposta: Elaborar dissertação tratando das antinomias jurídicas estudadas no presente capítulo.

21. (TJSP – Exame Oral – 2004) Diferencie lacuna legal de lacuna axiológica.

Resposta: A lacuna legal ou propriamente dita seria a ausência de norma prevista para um determinado caso concreto. Já a lacuna axiológica é a falta de uma norma justa, prevista para um caso concreto. Há ainda a lacuna ontológica, ausência de norma com eficácia social. Esses conceitos foram construídos por Maria Helena Diniz (As lacunas 2002).

GABARITO

01 – D

2.1. ERRADO

           2.2. ERRADO

03 – D

04 – E

05 – A

06 – D

07 – A

08 – E

09 – C

10 – A

11 – E

12 – A

13 – C

14 – B

15 – D

16 – E

17 – E

18 – B